O GRE-NAL DO ZEQUINHA
por Cláudio Lovato Filho

Noite de 23 de julho de 1975, quarta-feira. Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. Frio e chuva. Gre-Nal pelo Campeonato Gaúcho.
Meu pai, gremista, não pôde ir ao jogo. Meu avô materno – criado no Rio, radicado do Rio Grande do Sul, rubro-negro e colorado, com cadeira no estádio – me levou. Fiquei no meio da torcida adversária. Num Gre-Nal. Naquele Gre-Nal. Logo naquele Gre-Nal…
“Senta ali”, disse meu avô, e apontou para uma cadeira até então vazia. “E olha o que você vai fazer, hein…”, complementou, dando um aviso importante. Eu tinha 10 anos, mas não seria tratado como criança se, num momento qualquer, revelasse de que lado eu estava. Fiquei calado. E nessa condição me aguentei por todo o primeiro tempo, que terminou empatado em 0 a 0.
Veio o intervalo, comi meu cachorro-quente ouvindo os comentários dos torcedores rivais próximos a mim. Meu avô, que foi como um pai para mim e com quem eu adorava estar, me olhava com preocupação. Ele me conhecia bem.
Os times voltaram dos vestiários. E logo teve início o show do nosso camisa 7, um mineiro de Leopoldina vindo do Botafogo chamado José Márcio Pereira da Silva.
Zequinha.
Aos 8 minutos, depois de uma disputa de bola na grande área entre o nosso ponteiro-esquerdo, Nenê, e o zagueiro Figueroa, Zequinha apareceu na pequena área e, com um toque sutil, fez o primeiro dele e do jogo.

Aos 28, numa recuada de bola da defesa do adversário, Tarciso, que acreditava em todas, jogando com a camisa 9, partiu para a dividida com Manga. Nosso centroavante foi para o ar, o goleiro foi para o chão, e a bola ficou com Zequinha, que driblou Figueroa e mandou a redonda para dentro do gol, rasteirinha.
Aos 42, dois minutos depois de o nosso arquirrival descontar com um gol de Falcão, Zequinha voltou a mostrar o craque que era. Numa jogada armada pelo meia Neca, o ponteiro invadiu a área colorada, passou pelo lateral Vacaria e fuzilou o gol adversário com um chute cruzado.
Três a um. Três gols do Zequinha.
Eu não sei como consegui me conter. Sinceramente não sei.
O que sei é que sempre serei grato a Zequinha, a Ênio Andrade – nosso técnico em 1975, em sua primeira passagem pelo Grêmio – e a todos os jogadores que estiveram em campo naquela noite, honrando o manto tricolor.
Exatos 50 anos depois, aos 60 de idade, aqui estou, relembrando e relatando o que vivi, revivendo aquele jogo com a emoção que uma lembrança como essa merece.

FICHA TÉCNICA
Internacional 1 x 3 Grêmio
Competição: Campeonato Gaúcho 1975 – Fase Final 2º Turno
Estádio: Beira-Rio, em Porto Alegre (RS)
Data/Hora: 23 de julho de 1975, às 21:15
Gols: Zequinha aos 8′, 28′ e 42′ do 2ºT (GRE); Falcão aos 40′ do 2ºT (INT)
Grêmio: Picasso; Vilson, Ancheta, Beto Bacamarte e Jorge Tabajara; Cacau (Bolívar), Iúra (Luís Freire) e Neca; Zequinha, Tarciso e Nenê. Técnico: Ênio Andrade
Internacional: Manga; Cláudio, Figueroa, Marinho Peres e Vacaria; Falcão, Borjão e Carpegiani; Valdomiro, Flávio (Claudomiro) e Lula. Técnico: Rubens Minelli
MESTRE PERINHO
por Wesley Machado

O relógio marcava 21h39. Foi a hora que ficou registrada a mensagem de Graça, esposa de Péris Ribeiro, informando que meu amigo havia falecido. Há poucos minutos o Flamengo de Perinho havia acabado de vencer o clássico contra o Fluminense, com um gol de Pedro no apagar das luzes do Maracanã.
Perinho se foi feliz com a vitória do seu Fla sobre o Flu. No Maraca onde também foi feliz ao ver Doutor Rúbis, Paulinho Almeida, Didi e Garrincha, seus maiores ídolos. Um rubro-negro crítico do seu time. Também para quem viu tantos grandes jogadores vestindo a camisa rubro-negra.
Perinho era um crítico do futebol em geral. Recentemente vi uma entrevista do Dé Aranha aqui no Museu da Pelada, em que Dé diz que antigamente os jogadores corriam para ganhar por causa do bicho e que hoje não precisam mais correr para ganhar porque ganham salários milionários.
Realmente o futebol mudou muito e para pior. Tanto que Perinho falava com saudades da década de 1950, os anos do primeiro título mundial da seleção brasileira e da sua adolescência. Para Perinho o que também “acabou” foi o futebol campista. O futebol de sua cidade natal, Campos dos Goytacazes-RJ, de tantos craques e times históricos, como o Americano, o Goytacaz, o Rio Branco, o Campos, o Sapucaia etc.
A morte do futebol de outrora e a morte de Péris Ribeiro me deixaram triste nesta segunda-feira de sol tímido. Agora as nuvens vão escondendo o céu azul, que observo entre as folhas da árvore neste inverno. As folhas estão paradas. O tempo parou. E voltou para o outono. Imagino uma folha seca caindo, como uma lágrima a chorar a partida do mestre Perinho.
O PREÇO DO PROFISSIONALISMO
por Zé Roberto Padilha

Tem coisas que você escuta e, partindo de quem parte, vão te acompanhar o resto da vida. Não só o que ouviu, mas o que respondeu. E aí fica na cabeça, por entre anos e anos, e se…?
Saindo de um treino no Fluminense, dentro dos meus 13 minutos de fama, um repórter disse:
– Sabe quem admira o seu futebol? Chico Buarque! Ele ficaria feliz se você fosse lá jogar bola com ele.
Por alguns minutos vi a Banda passar. Ao vivo. Ele era, foi e será sempre meu maior ídolo. Seus discos, tinha todos. Sua ideologia, toda a minha. Era a oportunidade de saber sobre a Carolina. Aquela dos olhos fundos, que trazia tanto amor..
E o repórter completou
– Bob Marley vai jogar. Por que você não vai com o Paulo César? – E eu não fui.
Mais do que todos, sabia as razões porque era titular da Máquina Tricolor. E no banco estava o Mario Sérgio. Um gênio da ponta-esquerda. E se jogava no seu lugar era porque Marco Antônio implorava. E o Zé Mário agradecia. Pois jogar todos sabiam, e quanto a voltar para marcar?
Alcancei a camisa 11 pela minha perseverança. Ninguém se cuidava mais do que eu e só o Edinho treinava parecido. E apenas o Toninho e o Pintinho, Cafuringa de vez em quando, alcançavam, na estrada das Paineiras, o tempo que cobria nos 5km.
Não fui com medo de me machucar. De não estar inteiro para devolver, em 90 minutos, toda a alegria que ele me proporcionava.
Nem ele Chico sabe, nestes cinquenta anos em que no tive a honra de conhecê-lo, que não estava à toa na vida quando o convite chegou e a Banda, junto ao Reggae, passou em direção ao Politheama.
Estava a postos, lutando pelo nosso Fluminense.
Mas que….
vai passar
nesta crônica uma angústia popular
Que só o tempo há de apagar.
ELE, INFELIZMENTE, PERDEU A QUINTA MARCHA
por Zé Roberto Padilha

No fim de semana, assisti Mirassol X Santos. Estava com saudades de rever o último grande craque do futebol brasileiro. Não foram poucos os momentos de genialidade que Neymar nos concedeu.
Suas arrancadas em direção ao gol, dribles em velocidade, eram como um flecha voando em direção ao gol. No Santos, o arco era o Ganso. No Barcelona, Xavi e Iniesta.
Infelizmente, na partida, percebi que Neymar perdeu o seu maior diferencial: a quinta marcha. O último impulso. A velocidade. E tendo apenas a quarta marcha, recuou para o meio-campo. E pegou o arco.
Com ele nas mãos, é apenas é mais um grande jogador. Não mais uma genialidade.
Sua fortuna, merecida, seus compromissos como astro, inadiáveis, seus brinquedos de luxo, como uma Ferrari, e os convites sociais, intensos, lhe roubaram parte daquela energia com que voava na reta oposta. Abria a asa e ultrapassava os zagueiros.
No duelo, flutuava, com inteligência, se deslocava, com sabedoria, mas não penetrava. E, neste quesito, se torna apenas mais um craque assistencialista, como Arrascaeta, Coutinho, Lucas Lima e Payet. E inferior, em consistência, a John Arias.
Uma pena saber que aquele que decidia as partidas em sua busca incessante pelo gol, este sim, o grande momento do futebol, vai se juntar àqueles que se orgulham de seu time deter 68% de posse de bola.
Há algumas décadas, o fora-de-serie que perdia a quinta marcha, como ele, e fazia mais aniversários que os outros, era convocado para a seleção brasileira. De Master.
Comandada por Luciano do Vale, que pena, que ausência, nos permitiria ter o prazer de estar assistindo o Marcelo, Fred, Diego, Filipe Luis jogarem. Como não tem mais, vamos a mais uma Copa do Mundo.
Cercados de arcos. E nenhuma flecha.
FILIPE LUIS E A CELEBRAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL SOB A ÉGIDE DO PROFISSIONALISMO
por Ricardo Nêggo

Pedro foi tratado feito um moleque que precisa ser exposto publicamente para aprender a “ser homem”
A polêmica recente envolvendo o atacante Pedro e o técnico Filipe Luís, vem gerando um debate muito interessante nas redes sociais e nas rodinhas de discussão sobre futebol. Há muito tempo se discute a falta de profissionalismo de muitos boleiros brasileiros, e a negligência dos dirigentes dos clubes diante dela. O que, em alguns momentos, e de forma equivocada, faz com que torcedores se sintam no direito de tomar as atitudes que os dirigentes não tomam, e cobrem mais comprometimento por parte desses jogadores em abordagens agressivas e violentas feitas no desembarque do time em aeroportos, ou em invasões criminosas nos centros de treinamentos dos clubes. Assim como ninguém aborda o padeiro na porta da padaria do bairro para reclamar que o pão naquele dia estava ruim, torcedor não tem que abordar jogador no seu local de trabalho, ou em qualquer outro lugar que seja.
O caso do jogador do Flamengo admite algumas nuances interpretativas que precisam ser exploradas. Tanto para avaliarmos a atitude do técnico Filipe Luís, que expôs o jogador publicamente como nunca antes na história do futebol desse país, como para entendermos o que acontece com o atacante Pedro, que já foi criticado por outros técnicos, e até agredido fisicamente por um preparador físico do clube, devido a um comportamento considerado indolente. Se Pedro está “roubando” nos treinamentos e sugando o sangue dos companheiros, como foi dito pelo técnico na entrevista coletiva após o jogo contra o São Paulo, obviamente ele precisa ser advertido e punido pela diretoria. O que, não necessariamente, implicaria na exposição pública e tão minuciosa dos fatos como fez o técnico do Flamengo. Filipe Luís chegou a dizer que o desempenho de Pedro nos treinamentos “beira o ridículo”, citando apontamentos feitos sob monitoramento de GPS.
Muitos jornalistas estão aplaudindo a atitude do treinador, louvando a sua visão “europeia” de gerir o grupo, alegando que ele o fez para o bem do Pedro, para extrair o seu melhor, e dizendo que quando alguém resolve cobrar profissionalismo de um jogador de futebol, esse alguém ainda recebe críticas. Ok! Suponhamos que um jornalista de um determinado veículo deixe de ser escalado para uma cobertura jornalística a qual ele sempre foi o responsável, e ao ser questionado sobre o porquê da “barração” do profissional, o chefe de redação venha a público e diga que as últimas matérias daquele jornalista beiravam o ridículo, e que ele já o havia advertido sobre a baixa qualidade delas. Alguém maior de 18 anos, e em sã consciência, consegue enxergar isso como sendo benéfico para o jornalista? Qual outro veículo de comunicação iria contratá-lo após a declaração do chefe? Advertir internamente é válido, e faz parte do ambiente profissional. Expor publicamente nestes termos é assédio.
Tenho a absoluta certeza de que os mesmos jornalistas que estão aplaudindo a “sinceridade” e o “profissionalismo” do técnico do Flamengo, estariam acusando o chefe de redação de assédio moral e cobrando uma punição por parte da diretoria do veículo de comunicação para sua atitude. Aliás, o comportamento da diretoria do Flamengo é outro ponto que merece atenção nessa história. Onde está José Boto, o dirigente português trazido pelo novo presidente do clube para comandar o futebol? No mar? Ele que é um dos responsáveis por toda essa situação, por ter revelado ao jornalista Mauro César Pereira em conversa informal pelo WhatsApp, o desejo de negociar o atacante pelo fato de suas características não se adaptarem ao esquema de jogo do técnico rubro-negro. Chateado e sentindo desvalorizado ao ver isso se tornar público, o jogador teria demonstrado sua insatisfação deixando de treinar no mesmo ritmo dos companheiros. Compressível, mas não justificável.
O fato é que a diretoria do clube se omitiu de se posicionar publicamente sobre o fato, e transferiu a responsabilidade para o técnico se blindando através dele de maiores cobranças por parte da imprensa, da torcida e do próprio atleta. Filipe Luís, que sabe muito bem esconder a sua vaidade por trás de uma falsa humildade que consegue seduzir os menos atentos, pegou a bola das mãos da diretoria, colocou na marca do pênalti e disse: deixa que eu bato. Converteu a cobrança, mas ainda não garantiu a sua vitória no cargo. Afinal, quem tem mais de 18 anos, e está em sã consciência, sabe bem que no futebol brasileiro tudo muda muito rapidamente. Principalmente, para os treinadores. Basta uma sequência de maus resultados e um rendimento do time beirando o “ridículo”, para que Filipe Luís seja exposto por todos aqueles que hoje aplaudem sua atitude imatura, e porque não dizer, pouco inteligente emocionalmente.
Eu gostaria de saber como o Filipe Luís agiria se fosse técnico do Romário, e visse o baixinho chegar virado da noite nos treinamentos, não conseguindo render o mesmo que os companheiros de trabalho. Seria tão profissional e “europeu” a ponto de expor o tetracampeão numa coletiva e mostrar o GPS com seu rendimento? Conhecendo o baixinho como conhecemos, sabemos muito onde ele iria mandar o técnico enfiar o aparelho dedo duro. Não que isso seja uma virtude. Porque embora sendo um dos maiores jogadores da história do futebol mundial, Romário nunca foi exemplo de profissionalismo para ninguém. Filipe está “grandão” e a mídia tem dado a ele esta confiança. Claro que devemos reconhecer os méritos de seu trabalho até aqui, mas pontuando que ele ainda não é o que já acredita ser como técnico. O Mundial de clubes provou isso, quando ele não foi capaz de mudar uma simples saída de jogo do time, e levou 4 gols do Bayern pelos mesmos erros.
Também tenho visto alguns ex-jogadores que tinham lá suas idiossincrasias quando estavam em atividade, defendendo o técnico e dizendo que o Pedro precisa se enquadrar na filosofia de trabalho. Concordo, mas lembro que quem tem telhado de vidro não joga pedra na casa dos outros. Se não foi exemplo quando era atleta, não venha pagar de defensor da ordem como comentarista. Até mesmo Filipe Luís quando era jogador do Flamengo, já deixou a desejar em alguns momentos. Sua presença na festinha de aniversário do também polêmico Gabigol, quando parte do grupo não estava satisfeito com o comportamento do atacante no dia a dia, não deveria permitir que ele estivesse cobrando do Pedro tanto empenho em respeito ao grupo. Sem falar nas “pipocadas” que ele deu em duas finais de Libertadores, sobretudo, contra o Palmeiras em 2021, quando pediu para sair do jogo alegando contusão. Mas como diria o filósofo Neymar Jr: “Aos parças, tudo. Aos inimigos, a lei.”
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos dessa novela, porque elas prometem muita discussão entre os flamenguistas. De um lado, um técnico que sempre sonhou em ser europeu e quer “colonizar” seus jogadores sob a mesma mentalidade, e do outro, um jogador com fama de bom moço, mas que já deu demonstrações de ser um preguiçoso passivo-agressivo no dia a dia. Só não podemos concordar com a exposição pública a qual Pedro foi submetido. Roupa suja se lava em casa, mas Filipe Luís decidiu lavar na praia, na frente de todo mundo. E ainda improvisou um varal à beira-mar para pendurar a peça, sem pregador, esperando que ela seque e lhe vista novamente. Ou ela cai no mar e vai embora levada pelas ondas, ou alguém que lhe caiba perfeitamente a subtrai e a leva para secar num local mais seguro e acolhedor. E a praia tá cheia, hein!?