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AMARELO-NÁUSEA

:::: por Paulo Cezar Caju ::::


Quando Tadeuzinho Aguiar me pediu para fazer um balanço do ano, logo pensei não ser a pessoa mais indicada porque sou muito cricri. Se nem a conquista da Olimpíada me comoveu, imagine o resto. Ganhar de um time de amadores, qual a graça? Mas ganhamos, tudo bem, e Neymar e Gabriel Jesus, ainda uma incógnita, mereciam. E o povo também, afinal a galera quer é título!

Mas vejo o futebol com outros olhos e não vi qualquer evolução desde a perda da Copa. E aí vem alguém dizer, “mas e a chegada do Tite não melhorou?”. Quando jogar contra algum time de verdade avaliaremos melhor.

A chegada do Tite só foi positiva por conta da efetivação de Philippe Coutinho como titular. No futebol sul americano fico triste com a queda da Argentina, mas feliz com a evolução da Colômbia. Do Chile, sempre gostei. Na Europa, Inglaterra e França evoluíram, mas precisam de técnicos mais ousados.

Pontos negativos são muitos e nem vou falar da tragédia da Chapecoense porque ela ofuscaria e nem poderia ser comparada a nada. Perdi um amigo, Mário Sérgio, e esse vazio dos familiares não cessará nunca. O Bom Senso acabou porque o líder foi convidado para a banda podre. E foi.

E essa Conmebol e seu calendário maluco? As guerras entre torcidas continuam e o desrespeito dos jogadores com os árbitros, nem se fala. O descaso com o Maracanã é podre e o Palmeiras foi campeão com um time fraco. Confiram a escalação! Mas o Cuca merece e ainda é um dos poucos que monta time ofensivos.

O Zé Ricardo, do Flamengo, era da base. Quantos jogadores da base ele subiu? E para terminar, o futebol carioca: o destaque é administração do Flamengo, mas falta um título para coroá-la. Ah, adoro o lateral Jorge!

No Botafogo, sou fã do zagueiro Emerson e o técnico Jair Ventura vem acertando. No Flu, gosto do garoto Scarpa e, no Vasco, Douglas surgiu bem no fim da temporada.

Resumindo foi um ano amarelo. Mas não um amarelo do ouro que já fomos um dia, mas um amarelo-náusea que me dá ânsia de vômito só de pensar nesses crápulas da CBF que continuam soltos e, nos bastidores, comandando nosso futebol.

– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 29 de dezembro de 2016.

CRAQUE EM EXTINÇÃO

por Mateus Ribeiro


O futebol precisa de mais um Suárez. Ou não.


Suárez, ainda no Groningen.

Luis Suárez está prestes a completar 30 anos. Quase metade dessas três décadas dedicadas ao futebol profissional. Hoje, pode se considerar um vitorioso, afinal, está no topo. Joga em um dos clubes mais vitoriosos dos últimos anos, ganha um salário astronômico, se ficar desempregado amanhã, terá os maiores times do mundo o disputando na base da foice e do facão.

O atacante uruguaio não chegou onde chegou por sorte, ou por qualquer outra coisa que não seus esforços. Desde o começo de sua carreira, fez gols por onde passou, seja pelo Campeonato Uruguaio, seja pelo Campeonato Holandês, ou pela Liga de Campeões da Europa.

Feitas as devidas apresentações, vamos nos aprofundar um pouco mais, e dissertar um pouco sobre as peculiaridades que tornam o atacante uruguaio um jogador único. E uma personalidade única, também.


O rosto continua praticamente o mesmo.

Qualquer pessoa que não tenha passado os últimos anos fora do Planeta Terra sabe que Suárez é um dos maiores jogadores da sua geração. E aqui vai uma opinião um pouco polêmica: pode não ser o maior, mas é de longe, o jogador que mais agrada um torcedor que preza valores tão esquecidos, como a raça, a entrega e a determinação.

Explica se: Luis, ou Luisito, como queiram, encara cada partida como se fosse sua primeira (ou a última). Corre feito um animal ensandecido atrás de sua presa durante o jogo todo, disputa todas as bolas, e nunca se dá por vencido. Claro que existem alguns outros jogadores assim, mas no mainstream da bola fica difícil imaginar alguém com tamanha paixão e sangue no olho. Vale lembrar o chilique protagonizado pelo atacante na enfadonha Copa América 2016, quando ao saber que não entraria na partida contra a Venezuela, mostrou um pouco da sua fúria ao mundo. Bom, se vocês não se recordam…

Acontece que esse não foi o primeiro ataque de Suárez. Podemos lembrar facilmente das suas mancadas do passado. Desde as mordidas até o lamentável episódio racista contra o francês Evra. Acontece que até mesmo esse lado obscuro, curioso e de certa forma maluco de Suárez chamam a atenção, ainda mais nessa época de vacas magras, com jogadores plastificados, fabricados para não sentir ou representar emoção alguma. Podemos nos lembrar do jogo conta o Crystal Palace, onde o Livepool deixou escapar a chance do título Inglês, que não vinha (e não veio ainda) desde o início da década de 1990. Caso essa imagem não seja suficiente, voltemos mais ainda no tempo. Mais precisamente, 2010. Quartas de final da Copa do Mundo. Último lance da prorrogação. Tanto o time de Gana quanto do Uruguai estavam praticamente inteiros dentro da área Uruguaia. Um gol ganês naquela altura levaria os africanos pela primeira vez na historia do continente a uma semifinal de Copa. Levaria. Se não fosse a atitude de Suárez, que enfiou a mão na bola para salvar o tento que eliminaria sua Seleção. Expulsão, e penalidade máxima. Choro, desespero, agonia. Todos esses sentimentos foram para o espaço quando Gyan mandou a bola no travessão.

O lance mostrou o garoto Uruguaio para o mundo. Mostrou também como sua gangorra de sentimentos é parte da sua personalidade, quando trocou as lágrimas pelas comemorações insanas após a cobrança de pênalti desperdiçada.

Mesmo com todas essas características, Suárez raramente figura na lista de melhores do Mundo. Talvez por não ter o perfil de integrante de boy band que tanto agrada quem vota e quem apoia a realização desse verdadeiro concurso de marketing, que deveria ser abolido, aliás.

É óbvio que enquanto existirem os outros dois jogadores que se revezam a posição de “melhor do mundo”, nenhum outro jogador vai concorrer seriamente ao prêmio. Muito menos alguém que pouco liga para recordes, que quer apenas e puramente jogar bola.

Suárez possui uma quantidade imensa de sangue no olho e em suas veias, coisa que falta, e muito, para muita gente que é chamada de craque por aí. Pode se dizer que é uma versão melhorada de Carlos Tevez, com pitadas dos momentos do grande Wayne Rooney da década passada. Porém, para a Fifa, a France Football e demais subordinadas de patrocinadores, agrada mais a ideia de jogar holofotes em nomes que soam melhor para a publicidade do futebol do que em quem realmente pensa no coletivo, e não apenas em si mesmo e em números.

Ao contrário de muitos companheiros (de clube e de profissão), Luisito está pouco ligando para sua imagem. Não esquenta a cabeça por ter dentes avantajados, uma aparência que está longe de ser a mais apresentável do mundo, tampouco faz coisas do naipe de pintar cabelo, barba e demais atitudes que são a regra na atualidade.

Não os faz por ser a exceção. Não os faz por não ser midiático. Não os faz por ser um dos últimos dos moicanos. Talvez o último.

O último que trata a bola como seu prato de comida.

O último que encara o futebol como ele deve ser encarado.

O último que mesmo no topo, sempre quer melhorar. Em nome do seu time. Em nome de sua Seleção. Em nome do futebol.

Obrigado por jogar um pouco de sal nessa salada sem gosto chamada futebol.

Que apareça ao menos mais um Suárez por década. Ou não.

JOGO DAS ESTRELAS


Zico posa com a camisa em homenagem a coluna número 200 da Pelada Como Ela É.

Como ocorre anualmente, amanhã é dia do Jogo das Estrelas! Organizada por Zico, a pelada no Maracanã, que é considerada a maior do mundo, contará com a presença de grandes craques do presente, como Neymar, Renato Augusto e Falcão, do futsal, e do passado, como Cláudio Adão, Renato Gaúcho e Júnior! 

As entradas podem ser compradas nas bilheterias do Maracanã e no site Futebolcard. Os bilhetes para os setores Norte e Sul custam R$ 20, e o Leste, R$ 40, todos com meia-entrada. Aproveitando o contexto, o Museu relembra uma resenha divertida com o Galinho, que exaltou a importância das peladas!

 
 

VOA, POMPÉIA

Ter um texto de Joaquim Ferreira dos Santos no Museu da Pelada é para as trombetas soarem por uma hora e o tapete vermelho esticado para que ele possa desfilar sua categoria. Somos muitoooo fãs dele e sua mais recente obra, a biografia do colunista Zózimo, é um primor. Abram alas que Joaquim vai passar!!!!!!

por Joaquim Ferreira dos Santos

Não foi o melhor goleiro, mas tinha estilo.

Já que aqui no Museu da Pelada não se fala em outra coisa, bola de um lado para o outro, lembranças de todos os craques, abro o jogo e mostro o que carrego na caixinha de surpresas. Minha escola de texto e criação foram as quatro linhas. Aprendi com Pompéia, um goleiro do América no final dos anos 60, e só muito tempo depois confirmei nos perfis do Gay Talese, nas modulações do gogó de Roberto Silva, nas trufas brancas dos pratos do Gero. Sem estilo a vida não tem graça. Faça a coisa certa, mas ponha uma assinatura. Molho. Veneno. Maldade. O tal diabo que mora nos detalhes.


Pompéia me veio antes de todos os sabichões das redações, de todos os comunicólogos de plantão, e aqui, já que ninguém se lembra mais, faço-lhe a oração de graças. Que Deus o tenha em conforto ali onde a coruja dorme, na última gaveta, na forquilha, na santa paz dos meus heróis formadores de opinião. Não era um grande guarda valas. Um goalkeeper que jamais chegou à seleção. Médio. Rogério Ceni nunca ouviu falar nele. O hall da fama no Maracanã com certeza não prevê qualquer busto nem lhe tem os moldes da mão para imortalizar. Foi grande para as minhas convicções, especulações e crenças no destino profissional. Ele fazia ao seu jeito, este é o ponto. Como Sinatra na canção.


Osni e Pompéia. Crédito: Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Pompéia era um sujeito magro, mulato, alto, e aos meus olhinhos infantis suas defesas espetaculares impressionaram primeiro do que qualquer outra forma de arte. Antes mesmo do plano seqüência do engarrafamento do Godard no “Made in Usa”, antes ainda de ver a arquitetura do Hundertwasser em Viena, antes de pensar que suas lições mais tarde me seriam o caminho para ganhar o pão. Antes de eu começar meu próprio jogo Pompéia mostrou que era por ali. A vida sem enfeites é muito aborrecida. Bolo sem cereja. Os Beatles sem os terninhos de gola redonda. Um beijo de boca fina. Crônica sem fecho de ouro. Sexo em silêncio. Uma garota moderna sem tatuagem.

 Pompéia, o goleiro do América que não sai nos álbuns de figurinhas nem é citado por qualquer doutor da crônica esportiva, me mostrou que fazer, depois de um bocado de treino, todo mundo acaba fazendo. Jogar se faz jogando. Mecânica esportiva. Ele me mostrou que bom mesmo é tentar fazer diferente. O passe de 40 metros do Gerson, a folha seca do Didi, a pedalada do Robinho, o fingequevai-e-vai do Garrincha, a bicicleta do Leônidas, o senta a pua do Pepe, o drible da vaca do Pelé, o sem pulo do Bebeto, o três dedos do Dunga para o Romário naquele jogo contra o Camarões nos Estados Unidos e o biquinho do Romário para o fundo das redes. Junte essas jogadas a uns acordes do Tom, umas curvas do Niemeyer, uns bisturis do Pitanguy e a introdução do Dom Casmurro – e eis o que temos de mais genial em 500 anos de civilização.


 Pompéia errava muito, nunca chegou aos pés da leiteria do Castilho, à frieza de Gilmar ou à sorte de Taffarel nos pênaltis. Seu grande trunfo era o medo de todo artista – que a platéia morresse de sono na arquibancada. Qualquer bola que lhe vinha à meta era motivo para que Pompéia se atirasse sobre ela com estardalhaço, como se gritasse olha como eu sei fazer o meu trabalho. Sempre que vejo um filme de Brian di Palma, Caetano cantando, uma crônica de Rubem Braga, me baixa a figurinha do Pompéia praticando uma ponte, que é como a gíria dos moleques reconhece aqueles pulos dos goleiros para cair com a bola abraçada. As pontes de Pompéia foram minhas primeiras aulas de redação. Aprendi depois a desprezar os adjetivos, apostar na força dos verbos e substantivos, escolher as frases afirmativas ao invés das negativas, abreviar o máximo, ser objetivo, evitar os gerúndios, não superescrever. De resto, devo tudo ao Pompéia.

 Talvez ele perfumasse a flor, como dizia João Cabral de Melo Neto, por sinal americano. Talvez adornasse demais o estilo para esconder suas falhas, mas até nisso havia sabedoria. Nem todos podem ser o Yashin, o ‘aranha negra’ russo, técnico, enxuto, que deslumbrou o mundo nos anos 60. Nem todos podem ter o reflexo do Banks na cabeçada do Pelé em 70. Descubra o seu jeito de botar os cornos acima da manada, parecia dizer Pompéia ao menino suburbano que aprendia as primeiras letras. O chute do atacante vinha fraco e rasteiro? Não importava. Pompéia, de olho na posteridade do registro fotográfico, nem aí para os riscos de um frangaço, ia em cima como se a bola viesse sempre carregada com a mesma manha de efeitos daquela que o Ronaldinho colocou de falta sobre o goleiro da Inglaterra no Japão. Era a sua marca. Parecia se divertir no trabalho. Era o que editores afirmam procurar no particular dos textos, uma voz que o destaque da multidão dos outros.


Pompéia, no espetáculo de suas pontes, foi único e aqui beijo-lhe as luvas, lavo-lhe as joelheiras em reverência de aluno. Ele queria fazer bonito, no capricho, com estilo e sem a mesmice dos colegas que simplesmente ‘ encaixavam o balão de couro’. Esparramava no Maracanã o mesmo vôo dasborboletas que o poeta Augusto Frederico Schmidt dizia ser necessário salpicar entre os parágrafos de qualquer obra. Grande Pompéia. Sabia que futebol e poesia jogam no mesmo time.

SHOOT THE DOG


Beckham, Colina, Owen e Seaman: cena clássica do clipe “Shoot the Dog”

O mundo da música pop foi pego de surpresa com o anúncio do falecimento do cantor britânico George Michael. O artista, que ficou conhecido por fazer parte do Wham! antes de seguir carreira solo, tinha 53 anos e era um dos maiores ativistas em defesa dos direitos do homossexuais e minorias. Torcedor do Manchester United, George Michael gostava de futebol e em uma música, Shoot the Dog, de 2002, faz alusão à Copa do Mundo daquele ano na letra e no clipe.

A música, que fala da relação de alguém que abaixa a cabeça para o que o outro manda, era uma indireta para a relação, na época, que o primeiro ministro do Reino Unido, Tony Blair, tinha com o então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Na letra da música, tínhamos o seguinte trecho:

I wanna kick back mama
And watch the World Cup with ya baby

A tradução é simplesmente a seguinte:

Eu quero responder à mamãe
E assistir à Copa do Mundo com você baby

Ao contrário da letra, que deixava muitos assuntos nas entrelinhas, o videoclipe foi mais na cara: feito em ótima animação, George W. Bush transformava Tony Blair em seu cachorrinho, literalmente, além de tentar forçar os costumes norte-americanos para o inglês.


Ingleses assistindo a Copa do Mundo pela televisão

O videoclipe tem dois momentos onde o futebol aparece. No primeiro, o mais rápido, três pessoas estão no sofá da sala, assistindo televisando e zapeando no controle remoto. Em um dos canais, aparece David Beckham e Michael Owen fazendo embaixadinhas em plena Copa Japão e Coreia do Sul, realizada em 2002.

Já no segundo, o mais longo, ao mesmo tempo em que a letra fala o que está citado acima, aparecem novamente Beckham e Owen, mas George W. Bush, com uniforme de futebol americano, invade o campo, rouba a bola esférica e a transforma em oval, como na modalidade muito popular nos Estados Unidos.

Em seguida, aparece o árbitro italiano Pierluigi Colina, que era considerado o melhor da época, e dá um cartão vermelho para o presidente norte-americano. Encerrando a cena, vem o goleiro titular da Seleção Inglesa, David Seaman, aos prantos, em uma clara alusão ao gol sofrido nas quartas de final da Copa do Mundo, feito por Ronaldinho Gaúcho, em uma cobrança de falta da intermediária. Naquele jogo, o Brasil, que foi o campeão, eliminou a Inglaterra do Mundial.

George Michael marcou época na música pop e na defesa dos direitos das minorias. Porém, o uso constante de drogas o fez se afastar dos palcos por muitas vezes e agora, infelizmente, será para sempre. Mas suas músicas sempre serão lembradas por todos os fãs.

Texto publicado originalmente no site O Curioso do Futebol.