A SABEDORIA DO GUILHOTINA
por Claudio Lovato
O Márcio Ribeiro, mais conhecido no mundo das peladas do jornal como Marcinho Guilhotina Cega, não era, digamos assim, dotado de muitos recursos técnicos; fazia o feijão com arroz – isto quando estava inspirado.
Fim de ano, dia da mais tradicional pelada do jornal. Carne queimando na churrasqueira do bar do Cuiabá, quadra do campo de futebol soçaite cercada pelo povo da redação, do administrativo e de todos os outros setores, tudo como mandava o figurino. E Aninha Paula, razão de viver do Marcinho (depois do futebol, registre-se), estava lá.
Bola rolando, Marcinho no banco, procurando Aninha com os olhos e já pensando na cervejinha do pós-jogo. Ele estava de colete, calção novo, meia erguida até os joelhos, chuteira lustrada, na estica boleira, mas tinha em mente que, para fazer boa impressão de verdade, era melhor não entrar em quadra. “É preciso ser realista” era seu lema, para futebol e para a vida.
Mas eis que, lá pelas tantas, os que estavam em campo resolveram dar chance para os que estavam no banco, com a generosidade extra de fim de ano, aquela coisa. E então Marcinho foi chamado para campo.
Ele olhou para os lados onde estava Aninha e entrou.
– Vai, seu Marcinho! Decapita eles! – gritou Mariano, o boy, presidente e único integrante do fã-clube do Marcinho, sem se esquecer do “seu” antes do nome, porque, afinal de contas, respeito é bom e todo mundo gosta.
E lá se foi o Marcinho.
Corre pra cá, corre pra lá, levanta o braço pedindo a bola, a bola não vem, aquele negócio de sempre, quando, de repente, a redonda é lançada pra ele com o carinho e a precisão de um tiro de fogo amigo.
Foto: Cézar Alves
Até hoje ele não sabe se foi por puro instinto ou decorrência do mais frio raciocínio calculista. O fato é que ele matou a bola com a parte interna do pé direito (como nunca antes), deixou a bola beijar a grama, deu um corte no marcador que chegava pelas suas costas (num movimento que ficou conhecido como “o migué do surfista”), e, percebendo o goleiro adversário adiantado, mandou a bola por elevação, lá do meio do campo. Um golaço sensacional, muito festejado pelos companheiros de time. Recebeu abraços e tapinhas nas costas, coisa rara para ele (raríssima; na verdade, nunca acontecia).
– Aí, seu Marcinho, andou se preparando, hein?! – gritou o Mariano lá do alambrado, no que foi seguido por aplausos e assovios da assistência, e Aninha nitidamente era uma das mais entusiasmadas, isso ninguém podia negar.
O jogo recomeçou e, de repente, Marcinho colocou a mão atrás da coxa esquerda. Começou a fazer careta e mancar e, por fim, fez o clássico sinal de substituição para o banco. No total, ficou em campo seis minutos. Em seu lugar entrou o Gabriel, da Economia.
De volta ao banco, Marcinho, que nunca estivera com a musculatura da coxa em melhor estado, pensou: “É preciso saber a hora de sair de cena”.
Lá do alambrado, perto de um dos gols, Aninha sorriu para ele e mostrou o copo de cerveja cheinho até a boca, num gesto que simulava um brinde.
Discretamente, caprichando no passo manco, ele se levantou e saiu da quadra.
No caminho até onde estava a bela Aninha, foi cumprimentado pelos colegas de jornal, e um deles, o Marcelão, subeditor de Política, chegou a dizer:
– Tava escondendo o jogo, esse safado!
Mariano, o boy, ao ouvir isso, balançou a cabeça de um lado para o outro e riu como se não fosse haver amanhã.
Mas haveria. E seria dos melhores para o Márcio Ribeiro, que, depois daquele episódio, passou a ser conhecido apenas como Guilhotina (sem o complemento), e que, com frequência cada vez maior, dizia-se impossibilitado de jogar em razão de problemas musculares.
“É preciso fazer o momento de glória durar”, ele pensava, enquanto Aninha, de short e camiseta regata, pintava as unhas dos pés no sofá ao lado dele.
A FERA MAIOR
por Lucio Branco
De cara, confesso o atraso criminoso da leitura, na íntegra, da compilação das crônicas do João Saldanha que cobrem as campanhas das Copas do Mundo de 1966 e 70. Segundo os meus próprios critérios, comi mosca por um período de tempo mais extenso que o tolerável. Peço perdão e prometo a mim mesmo não incorrer mais em erro tão comprometedor.
Com o panorama da sua participação no escrete nacional a partir da sua versão de protagonista, a conclusão veio fácil: tanto essa passagem da sua vida, como outras, talvez não tenham sido o objeto de uma pesquisa realmente mais acurada. Melhor – e mais crível, até –, é o seu relato em primeira pessoa sobre as turbulências daqueles dias de 1969 e 70, quando seu nome rendia manchetes diárias, circulava em todos os meios etc. Desde o “Topo”; passando pelas escalação das Feras sem concessões às politicagens de clubes, cartolas e federações; passando ainda pela classificação retumbante para a Copa de 1970; até a “dissolução” da comissão técnica (“Não sou sorvete para ser dissolvido”); Saldanha foi de uma coerência ao mesmo tempo compacta e cristalina. Creio que isso já forneça por si só uma boa linha de investigação. Ler diretamente o cronista é se inteirar melhor sobre a sua trajetória. Sinceramente, confio mais na versão do Saldanha.
Esta contextualização inicial serve para outra conclusão (sim, as conclusões, aqui, já vêm no início): o Brasil é a terra do lugar-comum. Afirmo isso sem temer que me acusem de determinismo ou que acabo de confirmar contraditoriamente o que afirmei. Realmente, a sentença pode ser interpretada como mais um lugar-comum. OK.
Mas seria uma exclusividade nacional? De forma alguma. Toda nação dispõe do seu repertório de clichês, ao gosto do seu respectivo senso comum. É um fenômeno universalmente reincidente, mas a prática nacional excede o padrão das amostragens dispersas pelo mundo.
Por exemplo: fala-se demais na nossa falta de memória. Essa outra alegação, ela mesma, é um tremendo lugar-comum. Principalmente pela passividade costumeira com que é dita. Tão comum quanto afirmar que nunca resgatamos suficientemente o nosso passado, é negligenciar a necessidade de fazer algo a respeito. O processo é cruel. Por força do hábito, o que acaba impregnado na lembrança cumpre uma função útil à manutenção do caráter oficial das historiografias. E o que se esquece, também. Muito mais que ausente, a memória nacional é seletiva. E o que fica impregnado no imaginário popular acaba não sendo a avaliação mais precisa e justa sobre determinada pessoa pública no curso de uma vida sob holofotes inapagáveis.
Até hoje, a evocação da figura de João Saldanha inspira disputas sem fim. Versões mais ou menos desencontradas circulam sobre a sua atuação no futebol, imprensa, militância política, vida pessoal e demais campos da existência. Há quem o culpe diretamente por isso: – dele se diz que, se não alimentava ainda mais o folclore em torno do seu nome, era então um mitômano compulsivo. Eis mais um hábito muito nosso (que talvez também entre na categoria do lugar-comum): mentir quando se acusa de mentiroso alguém que confronta a ordem estabelecida.
É particularmente perverso que, no caso mais específico de Saldanha, tenham sido principalmente os seus “amigos” aqueles que mais insistiram na impostura. Por exemplo, há provas de que a vasta mitologia que cerca o filósofo da bola Neném Prancha é menos produto da generosidade de Saldanha em lhe emprestar as suas frases do que um esforço de criatividade que mereceria ser mais frequentemente creditado a sua pessoa. É uma questão de direitos autorais mesmo. E essas provas são sempre ocultadas em favor do mito.
Engajado em diversas frentes de luta, João Saldanha não se conformava com as limitações da vida ordinária. Ainda mais em períodos de exceção política, quando, no seu caso, viver equivalia a travar um combate diário. Um dado que parece geralmente preterido na sua trajetória é que teve que atravessar parte considerável dela na clandestinidade. Uma condição que, paradoxalmente, permaneceu simultânea à do treinador mais carismático e popular que assumiu a seleção brasileira– mesmo que por apenas 10 meses. Calar sobre a sua militância é diminuir o homem do futebol.
Falei em disputa. Pois bem…
“Disputa” é, em política, um conceito controverso. Mesmo necessária ao debate, pode também reproduzir, internamente, um fenômeno tão condenado pela boa consciência que orienta as hostes progressistas (ou que assim se consideram): a concorrência desleal. Paira sobre Saldanha uma muito desafinada polifonia que, imagino, devia incomodar o próprio, em vida.
É fácil imaginar o quanto ele, como biografado, não fosse, assim, tão facilitador da tarefa… A rigor, quem o seria? Viver o presente com vistas a garantir o controle sobre a versão consagrada de si para a posteridade é um esforço fracassado já de saída. Figuras públicas extremamente ciosas da própria imagem falharam nisso inapelavelmente. E falsear é, por essência, a antítese de Saldanha– apesar do injusto estigma que mancha a sua credibilidade.
Alguns jornalistas tentaram mapear os passos do colega de profissão ao longo do seu errático roteiro existencial. Do que li, creio que nenhuma das tentativas foi plenamente satisfatória. Umas foram bem menos que outras – diga-se. E nem consideramos tanto aqui o problema ético que as biografias suscitam. O juízo sobre o referido caráter satisfatório tem mais a ver com questões de pesquisa, investigação e redação final. Enfim, estamos tratando de uma qualidade que sobrava em Saldanha e que parece ausente em tantos dos seus biógrafos: o destemor.
Nesse quesito, João Sem Medo era bem melhor entendido pelos seus pares. Almir Pernambuquinho apontava a sua capacidade, quase inexistente na imprensa esportiva, em entender a psicologia do jogador. Portanto, não poderia ser outro senão ele a assinar o prefácio de Eu e o futebol, a biografia do craque assassinado em Copacabana. Nas suas poucas linhas, Saldanha relata que, certa feita, para evitar que um casal de idosos fosse espancado por cinco valentões numa briga de trânsito, ambos tiveram que recorrer ao experiente serviço prestado pelos seus punhos. Dois contra cinco. Qual outra modalidade de diálogo seria possível sob tal circunstância?
As falhas de abordagem sobre o personagem em questão são muitas. E, assim, uma mitologia que mais parece contrafação ganhou vida– seja na prosa de bar, seja na poesia suspeita das memórias afetivas de quem se diz íntimo do falecido. Ou, ainda, seja na letra fria (e não raro burra) da imprensa escrita e falada. Cada um valoriza um determinado ponto de Saldanha para, invariavelmente, desqualificar outros.
Lamentavelmente, alguns tópicos de importância capital da vida do militante passam ao largo do interesse dos seus biógrafos, que não vão além da breve menção. Não seria relevante saber como foi o impacto pessoal exercido pelo Relatório Kruschev sobre a sua atuação política? E as implicações do repasse do valor integral da venda do cartório de propriedade da sua família para o Partidão, quando Saldanha já era então um jornalista esportivo de renome? (De renome, porém, não exatamente remunerado à altura…) Não se poderia ir mais a fundo aí também? E a relação rompida com Armando Nogueira, o ex-colega de resenha FACIT que preferiu plantar a nota não propriamente verdadeira sobre o desejo da convocação de Dario pelo ditador Médici? Nota que virou “verdade” ao ter municiado a grande imprensa contra o então treinador da seleção, cuja manutenção no cargo sofreu abalos com a sua inesperada – mas talvez não involuntária – pontaria contra o próprio pé: “Nem eu escalo ministério, nem o presidente escala time”. Não é a curiosidade banal quem faz essas perguntas…
Há outros lapsos da parte de quem privou com ele…
Esvaziar a dimensão social do seu percurso para reforçar o papel do “carioca de adoção”, sócio do Clube dos Cafajestes na juventude, ou, ou ainda, a faceta do “viajante aventureiro” pelo mundo, dentre outras diluições, soa como a reconstrução de uma persona. Não me parece tão espontânea ou involuntária a assídua referência sobre o aspecto aparentemente menos engajado da sua personalidade. Além de tudo, é manjado o método de, ironicamente, pôr em dúvida as aspirações transformadoras de quem tem origem social não exatamente desprivilegiada. (No seu caso pessoal, ter doado o cartório da família por fidelidade ideológica não parece ter sido um gesto convincente.)
Até o seu temperamento explosivo entra na conta do folclore mais rasteiro. Suas brigas de rua parecem episódicas, a maior parte das vezes. Para alguns, pouco importa se, de forma mais ou menos direta, empunhou armas ou distribuiu murros coerentemente com as causas que abraçou. O que vale é confirmar o perfil de pavio curto. “Era esquentado, mas tinha bom coração” , é por aí que prefere concluir a infalível cordialidade nacional sobre ele. A maior parte das vezes, o sindicalista atuante e o organizador de guerrilha no campo perdem espaço para o atávico gauchão da fronteira que desafiou à bala o goleiro Manga e o técnico Yustrich.
Um dos méritos mais notáveis de Saldanha era a defesa da sua concepção sobre o jogo de bola como forma de expressão cultural que transcende as fronteiras desportivas. A noção que o define como metáfora da vida ganha, nele, a coloração do seu credo político. Em Saldanha, é justamente o caráter popular do futebol que nega a sua vocação teórica de “ópio do povo” ou outro lugar-comum elitista e/ou pretensamente revolucionário do naipe. Melhor: o caráter popular do futebol sempre foi o antídoto mais receitado contra o ópio de uma intelligentsia viciada em veredictos boçais como este. Ciente do alcance popular do futebol como do seu uso político (assim como de tantas outras manifestações culturais), um comuna de fé como Saldanha jamais replicaria esse chavão. Ao contrário do que se generaliza, principalmente hoje em dia, com os sectarismos do lado oposto mais desinibidos e intolerantes do que nunca.
A coletividade é o elemento por excelência do esporte mais popular do mundo. Este é, como se sabe, um complexo sociocultural que envolve jogadores, dirigentes, torcedores, meios de comunicação, indústria, comércio e muito mais… No meio dele, brota a figura individualizada do craque, que faz a modalidade se renovar. O craque é um fenômeno possível também graças à existência dos seus colegas de equipe. Saldanha entendeu essa coordenação como ninguém. A mais genial exibição solo quase sempre depende da harmonia com o conjunto por trás. Para a harmonia ficar melhor, privilegiou a presença de um conjunto de craques nas suas escalações. A esse respeito, sua atuação nas redações, cabines de rádio, estúdios de televisão e à beira de campo nunca deu mole para sofismas.
Sem a importância conferida à dinâmica coletiva da modalidade, as análises técnicas de João Saldanha seriam menos carregadas de apelo junto ao torcedor. Nem o seu próprio interesse pessoal em lidar com essa matéria-prima eminentemente social teria o mesmo peso. Comentar uma partida, fosse ela de pouca influência na tabela do Campeonato Carioca, fosse uma final de Copa do Mundo, era uma tarefa encarada como missão.
Reitero que, para encarar Saldanha, é preciso se inspirar nele e renunciar a toda e qualquer hesitação – ou seja: ao medo.
É, mais ou menos, pretender ser mais um na sua escalação de Feras.
PS: Só agora me dou conta de que nem me referi ao seu centenário, a ser celebrado – juntamente ao da Revolução Russa – neste 2017 que se inicia. Mesmo em tempos cada vez mais obscuros, que se faça justiça ao Sem Medo.
PARABÉNS, WALDIR PERES!
Considerado um dos goleiros mais importantes da história do futebol brasileiro, Waldir Peres completa hoje 66 anos! Reserva nas Copas de 74 e 78 e titular do timaço de 82, o camisa 1 era especialista em defender cobranças de pênalti. Encerrou a carreira em 89 no mesmo time que em fez as primeiras defesas, a Ponte Preta. No vídeo, Waldir defende duas penalidades de Paul Breitner e garante a vitória da seleção brasileira em pleno território alemão, durante um amistoso preparatório para a Copa de 82.
PROJETO FACÃO
A equipe do Museu da Pelada começa o ano de 2017 dando uma dica para os boleiros e as boleiras! Depois dos muitos panetones nas festas de fim de ano, nada melhor do que um treino físico no “Projeto Facão”, de Guido Ferreira, para recuperar a forma! Frequentador assíduo das aulas, Sergio Pugliese bateu um papo com dois craques que estão se recondicionando fisicamente com Guido! Vamos deixar a preguiça em 2016!!
ESTREIA NO MARACA
por Marcelo Mendez
Nunca mais vou esquecer do meu pai chegando em casa com a noticia;
“Vou te levar para ver a final do Campeonato Brasileiro no Maracanã” –
Cara, entrei em transe! Nem me preocupei muito com o fato do jogo não
ser do meu Palmeiras. A final seria entre Flamengo x Santos e aí entra
o Carlinhos…
Era amigão do meu pai. Da lembrança que tenho dele nos anos 80, sempre
me vem a mente um sujeito cabeludo, todo pinta, usando umas roupas
coloridas, all star no pé, santista alucinado e dono de um Corcel II,
bala! Pretão, banco de couro e toca fita novinho! Carlinhos
seria o cara que nos levaria para aquela que até então era minha
primeira grande aventura ludopédica; Ir ao Rio de Janeiro para ver uma
partida de futebol. Foi lindo…
Lembro de enfiar a cara na janela do carro e da sensação gostosa do
ventão na minha cara rasgando a Dutra a caminho do Rio. Um gosto
incrivel de liberdade e alegria que é algo que sempre lembro quando
penso em futebol. No tal toca fita, o Carlinhos ouvia repetidas vezes
uma fita do Bob Dylan e jamais esqueci de Subterranean Homesick Blues
no talo, entrando pelos meus poros junto com aquele solzão de domingo
lindo, enquanto íamos para o Maracanã. Épico!
Na minha cabeça de menino de 13 anos, aquilo tudo me parecia muito
grande. O mar de gente em vermelho e preto caminhando para o estádio,
os rostos de alegria, de luz, de satisfação de fazer parte daquele
momento, daquela página da história do futebol brasileiro… Todas
essas coisas me davam a exata noção da grandeza a qual eu passava a
fazer parte também. Rumamos para onde estava a torcida do Santos.
Ohhhh!!! Éramos então cinco mil santistas me disse o extasiado
Carlinhos. Achei incrivel! Tinha então uma certa segurança de que não
fariamos vergonha enquanto subíamos aquela enorme rampa de concreto
que nos levaria em nosso local da arquibancada. E quando chegamos vi
que eu e Carlinhos estávamos lindamente enganados…
Em meio às bandeiras do Santos me senti uma formiguinha. Éramos parte
de 165 mil pessoas. Veja bem; 165 mil pessoas!!!!! Então nossa missão
era torcer contra 160 mil rubro-negros. Até tentamos… Tal e qual um
Caruso, um Leslie West, um Barry White, enchi meu peito para com toda
força gritar “Peixeee” em solidariedade aos amigos santistas que tão
bem me trataram e que a mim, pareciam estar em tão enorme enrascada.
Naquele momento me arrependi profundamente porque acordamos então um
gigante inteiro:
As 160 mil vozes, apaixonadas, munidas de um sentimento que só o
futebol pode propiciar e nem sempre explicar, mandaram lindamente um
“MEEEEEEEEEEEEEEEEENNNGOOOOOOOOOOOOOOOO!!!” ensurdecedor… Mas fiquei
até com vergonha! Na hora da escalação dos times no placar eletrônico
eles continuaram; Aplaudiam número por número… 5 – Vitor (EEEEEE!!!
Vitor, Vitor, Vitor…) 8 – Adílio (EEEEEE Adílio, Adílio, Adílio) 9 –
Baltazar (EEEEEEE É Baltazar, É Baltazar…) Aí veio a catarse…
De repente, a massa rubro-negra se levantou do concreto do Gigante.
Todo mundo de pé, bandeiras tremulando, fogos espocando e o placar
eletrônico parado, não punha mais nenhum nome. Apenas o número 10
apareceu no placar. Aí o 10 piscava e o povão entrava em transe. Então
veio, letra por letra; Z-I-C-O!!!!!
O Maraca veio abaixo! A massa explodiu num coro lindo… “EI, EI, EI! O
GALINHO É NOSSO REI… ZICOOOOO, ZICOOOOO, ZICOOOOOO” Eu chorei!!!!
Cara, eu chorei! De emoção, de alegria, de tudo! Senti que eu tava
certo, pensei. “Porra meu ídolo é um deus! Zico é fodaaaaa!!” Quando
veio o jogo, aos 57 segundos, o Flamengão meteu 1×0 com gol dele e aí, acho que nem o Carlinhos ficou triste em ver que o Flamengo seria
inevitalmente campeão como foi. O Jogo acabou 3×0 e eu saí dali
convicto de que jamais abandonaria aquele esporte. Se não fosse
jogando bola, seria de alguma outra forma, mas jamais deixaria de amar
aquele jogo. Nunca mais esqueceria aquele domingo no Maracanã.
Pois bem. Passaram-se 29 anos. Muita coisa mudou…
Inventaram uma tal de globalização, outras nações apareceram, a gente
descobriu que os russos não comem criancinhas, que o Tio Sam não é
bonzinho, que o Rambo não é invencivel e que o futebol não é mais o
mesmo. Apareceu junto com as coisas novas do mundo um tal Ricardo, que por décadas se apossou do futebol brasileiro, que fez o que quis, e o
que bem entendeu com ele, até quando uma mulher virou presidente do
Brasil, e enxotou o sujeito de lá. Mas o sujeito deixou uma
herança…
A Copa do Mundo de futebol, graças ao tal Ricardo foi realizada aqui
em 2014. Com isso apareceu por aqui a tal da Fifa, cobrando
infraestrutura, exigindo passaporte diplomático para cartola
futeboleiro e querendo estádios novos. Então veio a vitima maior dessa
megalomania toda; O nosso velho Maracanã e uma afamada reforma, que no
começo custaria 700 milhões (o que já seria uma exorbitancia) e que
ultrapassou UM BILHÃO DE REAIS! É o estupro mais caro do
mundo!! Afinal é isso que fizeram com o velho Maraca. Enfim… O
futebol passa por um processo de elitização nojento!
Fomos o “País da Copa”…
Por conta disso, aceitamostodas as cretinices da FIFA. Por causa
disso, não se pega esse UM BILHÃO DE REAIS para construir um estádio
novo e com isso deixar o velho Maraca em paz, lá quieto, velho e até
desconfortável sim, para quem gosta de futebol de verdade. Não temos a
menor participação de nada! A seleção que outrora foi do povo hoje é
da CBF e joga em New Jersey; Os melhores jogadores vão para a Europa e
nosso campeonato passa em uma emissora de televisão que faz o que quer e bem entende com isso, pensando no esporte apenas como um produto. E aí chego à conclusão que não daria mesmo pro velho Maraca viver no meio disso tudo.
Em um mundo onde a beleza atrapalha, onde o encanto não é necessário, onde a paz é uma “frescura”, onde as pessoas só se permitem através de
redes sociais, onde ao invés de um abraço a rapaziada te manda “um torpedo”
via celular, pra que diabo se preocupar com o que um dia regeu o sonho
de tanta gente, com algo que tão bem fez a milhões de pessoas? Pois
bem…
Quarta-feira, 16 de maior de 2012, 15:35h da tarde:
Nessa data, tive um trabalho para fazer, cobrindo a quantas anda as
obras do maracanã para a Copa de 2014. Ao entrar vi que a marquise
lendária já não existia mais. Que não haveria mais arquibancada de
concreto para o povão, para nenhum atual menino de 13 anos ter a
chance de sentir o que eu senti em 1983. Me livrei da equipe de
trabalho e desci até onde ficava a geral do Maracanã. Será ali um
grande espaço de cadeiras nobres e caras. Um filme passou na minha
cabeça:
Pensei no Carlinhos, que hoje mora em Curitiba e poucas vezes o vi
desde então. Lembrei daquele orcel II bonitão, do som do Dylan, do
vento da minha cara. Naquela manhã chuvosa de 2012 ele não soprou.
Meu velho pai? Não, Seu Mauro não ta mais aqui conosco, foi descansar
desse mundo “novo” em 1997. Respirei fundo e sentia uma lágrima
escorrendo pela minha barba ali no meio daquelas obras. Nessa hora,
dei as costas e fui-me embora.
Deixei ali meu coração de menino sangrando na geral do velho Maracanã…