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OS ASTROS DE EVARISTO

por Sergio Pugliese


Bandeiras do Grajaú Tênis Clube

Em respeito à morte de Dauquir Assunção Nunes Gomes, o Dr. Dauquir, craque do 18, as bandeiras do Grajaú Tênis Clube estão a meio-pau. Relembramos, então, um texto bacana sobre o timaço do 18, fundado por Evaristo de Macedo, Dr. Alfredo Bocão e Nilton Parafita em 1966.

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Na resenha, o genial Evaristo de Macedo foi devastador.

– Joguei no Barcelona com Ladislau Kubala, no Real Madrid com Alfredo Di Stéfano e Puskás, e na seleção brasileira com Garrincha e Nilton Santos. Encerrei no 18, do Curupaiti, com Zeca Diabo e Tião Búfalo. Ninguém merece!

A galera desabou de rir! Evaristo de Macedo é assim, ácido e divertido, ranzinza e amável. Mas ele pode tudo! Levou o nome do Brasil aos cinco cantos do mundo, barbarizou em gramados europeus e conseguiu o improvável: ser endeusado pelos fanáticos torcedores dos maiores rivais da Espanha. Nesse quesito, zero briga, catalães e merengues assumiam-se Evaristo F.C.!

– Vou falar o quê? O homem jogava muito mesmo – resignou-se Zeca Diabo, no encontro organizado pelos antigos parceiros de pelada em homenagem ao mestre.

Criado no Grajaú, Evaristo participava de rachas no Grajaú Tênis Clube e no Confiança, em Vila Isabel. Carreira meteórica, em 1950 começou no Madureira, dois anos depois transferiu-se para o Flamengo e de cara conquistou o tricampeonato carioca 53/54/55.

– Ele ganhou uma infinidade de títulos, tabelou com grandes craques mas sabe que no 18 só tinha fera – defendeu-se Tião Búfalo, consagrado técnico de futebol de salão e comentarista esportivo.

Evaristo concordou, mas não perdeu a chance de provocar o amigo, lateral direito ofensivo, e lembrou quando ele avançou até a linha de fundo, cruzou mas a zaga rebateu. Evaristo irritou-se e gritou “errou, agora volta!”. E o fôlego? Campo de onze, Tiãozinho já passava dos 40, a solução foi pegar emprestada a bicicleta de um torcedor e “voar” atrás do pontinha. A galera esbaldou-se. São centenas de histórias! O 18, em homenagem a Seu João 18, garçom do Grajaú Tênis, foi fundado em 1966 por Dr. Alfredo Bocão, Nilton Parafita e Evaristo, um ano após ter encerrado a carreira no exterior e papado mais um tricampeonato, 63/64/65, esse pelo Real Madrid.

– O Evaristo inaugurou o Camp Nou, em Barcelona, mas divertia-se da mesma forma jogando no Confiança e depois no Curupaiti, em Jacarepaguá – garantiu Betinho Carqueija, estrela da companhia.

Sem dúvida, ele divertia-se, mas aborrecia-se também. Betinho contou que numa partida contra o Americano, do Méier, Evaristo, cansado de apanhar do zagueiro Pelé, levou o brucutu ao chão após uma disputa pelo alto e enquanto aplicava-lhe uma gravata desafiava: “Se quer me bater, aproveita agora”. O árbitro, Seu Leleu, fez vista grossa. Parar Evaristo, mesmo veterano, não era tarefa das mais fáceis. Marinho Picorelli, centroavante arisco do 18, confirmou a valentia do craque e divertiu-se ao lembrar uma frase repetida por ele nas resenhas: “Depois que consigo entrar na área com a bola não saio de lá de jeito nenhum”. Na rodinha de amigos e familiares, Picorelli também recordou a bronca que levou de Evaristo após errar um passe: “Tem que chegar no pé, craque não corre”.

– Esse conselho, o Marinho, por se achar craque, levou ao pé da letra e até hoje joga paradão – provocou Sergio Sapo, outro craque do 18 junto com os goleiros Nivaldo e Reginaldo, Ivo, Valdir, Edson, da seleção olímpica, Jadson, Jairzinho da Rosa Pinto, Ercílio, Zulmar, Doutor Dauquir, Tarcis, Iran, Luís Antônio e Ney Pereira, atual técnico da seleção brasileira de futsal.

Na beirinha dos 80 anos, Evaristo estava cercado de carinho! Os filhos Pepe e Chamaco, os netos Luisinho e Dudu, a mulher Norma e bons amigos, boleiros do Grajaú e da cervejada no Bar do Fernando! Ê tempo bom!!! Feliz da vida, ouviu sobre os golaços de Picorelli e as antecipações precisas de Betinho Carqueija. Ali, seus 103 gols pelo Flamengo misturavam-se aos outros tantos marcados no Confiança. Se participou da inauguração do Camp Nou, fundou o 18!!! Se conquistou pelo Barcelona dois campeonatos espanhóis e três UEFAS, que nos perdoem Di Stéfano e Puskás, mas ele também registrou seu nome no mural da fama do Curupaiti, ao lado de Zeca Diabo e Tião Búfalo.


Betinho Carqueija, Tião Búfalo, o saudoso Zeca Diabo, Evaristo de Macedo e Marinho Picorelli.

Texto publicado originalmente na coluna A Pelada Como Ela É, no dia 7 de agosto de 2015.

ZICO, A ‘FLOR COM CHEIRO DE GOL’

por André Felipe de Lima


Nesta sexta-feira, dia 3, é aniversário do Zico, o maior dentre todos os grandes ídolos do Olimpo Rubro-negro. Zico era a magia, a arte que tanto amamos no futebol. Zico era capaz de fazer da bola uma “flor com cheiro de gol”, como escreveu o cronista e botafoguense Armando Nogueira.

Zico foi mesmo um craque capaz de despertar a admiração e o respeito de torcedores de clubes rivais. “(…) quando você fazia uma das suas e chutava aquelas bolas que tocavam na rede e batiam em cheio em nossos corações. Em compensação, nós, que tanto amamos nossos clubes quanto o futebol, estaremos com as nossas tardes de domingo mais pobres. E, aí, veja que ironia, teremos saudades de você”, escreveu o vascaíno Sérgio Cabral, jornalista e escritor, quando Zico abandonou o futebol.


E o que dizer sobre o tricolor Nelson Rodrigues, para quem Zico “Foi o maior jogador do mundo”? Zico é um herói do futebol brasileiro acima de qualquer paixão clubística.

Parabéns, Galinho, pelo seu aniversário e obrigado por ter tornado mais alegre o nosso futebol e, especialmente para a torcida do Flamengo. Com os gols do Zico, mais felizes eram as tardes de domingo no Maracanã.

ASSISTA ALGUNS VÍDEOS SOBRE O ZICO:

OUÇA A NARRAÇÃO DE GOLS HISTÓRICOS DO ZICO, NAS VOZES DE WALDIR AMARAL, JORGE CURI E JOSÉ CARLOS ARAÚJO: http://migre.me/oQpvN

 

 

ENTORTADOR DE CORPOS

por Serginho 5Bocas


Na minha época de menino, quis ser goleiro e ponta esquerda, posições logo abandonadas, a primeira por uma bolada que literalmente amassou e inchou meu dedo dentro da luva e a segunda por influência decisiva de meu pai, que dizia que jogar de ponta esquerda era furada, pois ficava perto da linha lateral e do treinador e na hora de substituir era sempre o sacrificado. Sábio seu Domingos, meu pai, que Deus o tenha em ótimo lugar.

Lenda ou verdade, naquele tempo ainda havia a figura do ponta esquerda e entre os melhores que vi jogar se destacam: Joãozinho, do Cruzeiro, João Paulo, do Santos, Zé Sergio, do São Paulo, Edér, do Atletico Mineiro e o Júlio César (Julinho) “Uri Geller”, o entortador de corpos do Flamengo.

Julinho era o ponta nato, partia para dentro e queria o drible em todas, fez muito sucesso no Flamengo de 1979 e 80. Era uma verdadeira atração nas excursões a Europa, os gringos ficavam doidos, pena não ter vídeos para comprovar, eu só tenho a narração do Garotinho da Rádio Nacional para testemunhar suas peripécias e o Jornal dos Sports para ampliar as diabruras.


Em 79 estava escangalhando os beques e a sua convocação através de Coutinho não demorou. Lembro que a manchete do Jornal dos Sports dizia que seria Julinho e mais 10, sem nenhum exagero, tal era a sua boa fase. No Rio, a torcida do Mengão mal podia esperar para vê-lo em ação com a amarelinha, mas veio uma contusão que não sarava e Julinho perdeu a sorte e o bonde da felicidade.

Perdeu o bonde da seleção, pois Coutinho foi substituído por Telê, que não era muito fã de dribladores, mas ainda deu tempo do craque ser campeão brasileiro de 1980 pelo Mengão. Depois foi negociado ao Talheres da Argentina.


Zico e Uri Geller aniversariam juntos

Na Argentina arrebentou. Foi considerado o melhor jogador do campeonato argentino naquele ano, superando inclusive o astro Maradona, e chegou a ser convidado a se naturalizar por Menoti, mas não aconteceu.

Carreira “curta” e de muitas porradas duras no campo e fora dele, mas prefiro ficar com as lembranças dos jogos nos torneios europeus de verão que curtia em meu inseparável radinho de pilha, dos jogos do Brasileiro de 80, dos dribles no lateral Márcio, do Atlético-MG, no amistoso das chuvas em 79 com a companhia real do Pelé, do drible de cinema em Uchoa, do América-RJ, dos inúmeros dribles em Orlando Lélé, entre outras lembranças maravilhosas.

O cara era a alegria do povo, foi uma das minhas maiores alegrias e inspirações de moleque e pena que vi pouco, deixou saudade boa.

Cansei de rezar literalmente para a bola ir para o lado dele no campo, só para ver o que ele faria com o lateral (qualquer um) do outro time. Sinceramente, não me lembro de nenhum lateral que tenha tido vida boa naqueles curtos dois anos de alegria.

Julinho pode não ter sido tudo que eu acreditava que ele era naquela época, não sei se foi uma “Chuva de verão”, um erro de julgamento de uma criança em seus 10, 11 anos, mas sei que fez parte decisivamente do meu imaginário, e das minha melhores lembranças de futebol arte. Foi meu herói e minha alegria nos campos de pelada, foi botão preferido (ao lado do Zico) na mesa verde e inspiração para partir pra dentro dos adversários nas peladas. Pena que foi tão efêmero…

PARABÉNS, JULINHO!

O ATLETIBA E O SONO TRANQUILO DO UTOPISTA DE BERMUDAS

 

por Marcelo Mendez


(Foto: Reprodução)

“Mulherada problema: Lugar de mulher é onde ela quer”.

O jogo entre Atlético Paranaense x Coritiba já começou lendário:

Na partida que vai entrar para história das comunicações no Brasil, como o mais importante, como o divisor de águas, como o primeiro a ameaçar o monopólio, de cara, na transmissão via Youtube, a torcedora do Atlético Paranaense, tinha essa frase escrita em seu cachecol na arquibancada.

Algo impensável de se ver nas transmissões esportivas no Brasil, porque a dona do esporte via televisão não compactua com essas manifestações, livres, civilizadas, democráticas, não; Faz o contrário…

Em um universo elitista, onde cada vez menos o povo pode freqüentar estádios, onde cada vez mais a repressão o amassa, autoridades tolhem, pisam em cima e sufocam o direito do cidadão se manifestar. A dona do esporte no país faz coro com isso.

Corta, edita, não mostra, finge que não viu… Não importa para um monopólio qualquer tipo de manifestação que agrida o pote de ouro. “Venham quem puder e quem não puder dentro dos preceitos monopólatras, que ligue a TV, que se enterre no sofá, que veja o jogo como nós aqui, os donos, queremos que seja visto.”

Ontem foi diferente.

A partir das 20h, o Brasil pode acompanhar um jogo de futebol sem nenhum tipo de chancela das Organizações Globo de televisão. Atlético-PR e Coritiba fizeram seus corres para transmitir cada qual em seu canal via Youtube, como aliás já deveria ter acontecido no ultimo dia 19 de fevereiro. Dessa vez não teve como ter nenhum tipo de estratagema, não teve carteirinhas proibidas, nada. O jogo aconteceu.

Sei que nada disso talvez tenha acontecido por uma postura de rebeldia, por pensar no povo que torce, que um desacordo entre clubes e Rede Globo por uns milhões a mais, permitiu que se abrisse esse precedente. Mas é um grande precedente na luta que virá pela frente.

Afinal, não são poucas as ameaças contra a liberdade de informação. São várias as tentativas de taxação.

Netflix, Youtube e todas as outras plataformas de streaming estão na mira do governo. Lutar contra o que esses clubes começaram a incomodar é uma tarefa inglória, mas pelo menos por enquanto, quero aqui comemorar.

Pelo menos por 90 minutos eu pude ver o monopólio perder. E isso fez meu sono muito mais tranqüilo.

Pelo menos ontem…

SAMBA FUTEBOL CLUBE

por Felipe Corvino


Como versa Dorival Caymmi em ‘Samba da Minha Terra‘: “Quem não gosta de samba, bom sujeito não é, ou é ruim da cabeça ou é doente do pé”. Não há como negar os versos do bom baiano, mas e quando a gente faz um samba do criolo doido misturando samba e futebol?

Aí não tem jeito, é gol de placa, de bicicleta, eternizada pelo diamante negro Leônidas da Silva. Nada mais justo que em pleno carnaval, o ritmo mais brasileiro de todos faça uma dupla infernal com o mais malemolente dos esportes, a nossa pelada. Futebol é nos outros países, aqui se chama futebol brasileiro, terreiro de inúmeros bambas da bola e do riscado.

Em época em que o carnaval virou negócio com direito a subcelebridades ganhando holofotes, camarotes VIP, monopólio da plim plim e o escambau, a festa do povo deixou de ter ares de manifestação cultural e de identificação da gente miúda  com seu chão, ao menos em parte. Assim como vem acontecendo com o futebol, nossa religião politeísta, composta por deuses a perder a conta e a vista como Domingos da Guia, Evaristo de Macedo, Ademir Queixada e da Guia, Pelé e Garrincha, Nilton Santos e Heleno, Dinamite e Zico, Sócrates eFalcão, Edmundo e Gérson. Enfim, uma série de artistas circenses que faziam da pelota arte e musica, quadros mais belos e mais indecifráveis que a Monalisa de Da Vinci, merecedores de frequentar o Louvre.

E como o papo aqui é bola e samba, carnaval e festa, como não lembrar de episódios escalafobéticos envolvendo nossos boleiros com samba e bola nos pés?

Quem não recorda da história do baixinho Romário metendo uma péia no Real Madrid em 93 e pedindo pra ser substituído as 20 do segundo tempo pra ir pro carnaval do Rio? Ou do Edmundo e a famosa foto dele dando uma “biritis” a um macaco? Ou das histórias sobre o bailes de vermelho e preto da turma do Flamengo? Pois é, samba e futebol andam interligados desde que o samba é samba e que nosso pincel é a bola.

Pra dar liga ao time dos versos e prosa, do passe (passe sim, assistência é coisa de espectador, não de boleiro) e gol, vamos azeitar nosso meio campo pra armar a jogada pro 9 de oficio (no caso do baixinho Romário a eterna 11) fazer o êxtase da moçada metendo aquele golaço épico com sambasque fazem uma tabelinha digna de Pelé e Garrincha, deRomário e Bebeto em homenagem a época de carnaval. Como diria o Simas, a festa existe e se faz necessária pra aguentar a dureza da labuta e da viração do dia a dia. E nada melhor do que unir futebol e samba pra fazer um pagode de mesa digno dos batuques dos bambas.

Não dá pra começar a falar do riscado nessas mal traçadas sem falar do mestre Pixinguinha. Vascaíno de alma e talento incomparáveis, em 1919 compôs ‘1 x 0‘ em alusão a partida final entre Brasil e Uruguai no Sul Americano daquele ano. O choro remonta o ritmo da partida, que dizem estudiosos foi frenético, alucinante. O ritmo da peleja é musicada pelo mestre Pixinga em parceria com Benedito Lacerda e o título é em homenagem ao resultado final do certame: 1 a 0 pro Brasil gol de Friedenreich, aos 3 minutos da prorrogação.

Já que começamos com um vascaíno de corpo e alma, vamos ao maior rival do Gingante da Colina com o grandioso sambista e flamenguista doentio Wilson Batista. O Campista Wilson Batista, mudou-se para o Rio de Janeiro nos anos 20 com sua família e assim sua paixão pelo rubro negro atingiu níveis inimagináveis, acompanhando treinos e jogos de montão. Respirar o futebol o fez retratar a peleja em inúmeras composições suas como ‘Samba Rubro Negro‘, regravado posteriormente pelo ilustríssimo João Nogueira, e ‘O Juiz Apitou‘. Canção essa que retrata o desgosto sofrido devido a uma derrota para o Botafogo. Wilson também faz, em uma das suas letras, uma homenagem ao Vasco da Gama com a musica ‘No Boteco do José‘, interpretada por Linda Batista.

Fazendo uma tabelinha, a pelota é passada de Wilson para Moreira. Moreira da Silva, o Kid Morengueira, assim como Ary Barroso, flamenguista fervoroso. Moreira com toda sua irreverência e ar de malandro, lançou em 1968 um samba de breque que entorta qualquer beque inglês. Nesse caso, dá um drible daqueles no James Bond, o famoso 007, e de praxe ainda deixou o “Divino Crioulo” de beiços secos ao roubar-lhe a Claudia Cardinale, musa de filmes de Fellini e Sergio Leone. O samba ‘Morengueira Contra 007‘ é de um tremendo bom humor e trata do agente secreto Kid Morengueira salvando a pele do Pelé. Quando o agente da coroa britânica o vê cheio de  intimidades com a musa italiana, Moreira dá um tabefe no “zero sete” e de quebra rouba-lhe a dama. Claudia confessa que só foi a Santos com o agente secreto pra sequestrar o 10 da seleção, mas com a intervenção do malandro Moreira, cai de amores pelo sambista tupiniquim. É ou não é a cara do Brasil? Como canta Moreira no breque do samba: “ O temperamento latino é fooooooogo!”

Botando a gorduchinha pra rodar o meio campo, passando de pé em pé, pra desnortear o adversário, do volante armador ao meia direita, chegamos ao camisa 10, aquele clássico, que nós como poucos produzimos aos montes. Mas nenhum como Chico Buarque, tricolor de peito aberto, de olhos cativantes e musicas primorosas. Chico, além de saber como poucos comover nossa alma romântica e amante, ama e serve o futebol. De suas letras formidáveis, tira da cartola tricolor como o gênio Cartola, um lance daqueles de fazer o marcador cair de bunda no chão. Mesmo quando o carrapato na marcação é um compadre de longa data como o rubro negro Cyro Monteiro. Em 1969, quando nasceu Silvia Buarque, primeira filha de Chico e Marieta Severo, Cyro Monteiro presenteou a petiz com uma camisa do Flamengo. Pronto, foi a senha pra que Chico versasse sobre o mimo do compadre e compusesse ‘Receita Pra Virar Casaca de Neném‘  A feita é uma resposta bem humoradíssima ao presente do amigo, e que conta como de um presente de grego rubro negro nascia uma tricolor com ardor como o pai, na época um sofredor torcedor do Fluminense.

Do camisa 10 tricolor pra Santos, a bola chega macia e com graça pra Luiz Américo fazer o domínio com seu clássico ‘Camisa 10‘. Santista que é, ficou órfão do 10 da Vila quando, assim como todos os amantes do esporte bretão, resolveu se aposentar da Seleção após a copa de 70. Apesar de Rivelino envergar a 10 do escrete canarinho, a coisa não ia lá muito bem e de forma satírica fez um samba caprichado e cheio de ironias pra criticar o time comandado pelo velho lobo Zagallo.

Num lançamento daqueles que o Gérson sabe fazer como poucos, a pelota chega na ponta esquerda e o Trio Gato Com Fome amacia a redonda no peito, acaricia ela com os pés e dá início a uma jogadaça com a musica ‘Derby‘ que retrata um clássico pelas bandas paulistas e que além de tudo, é uma final de campeonato. Coisa de craque! O único porém é que a pequena Helena, personagem do babado, na hora do replay do gol muda de canal. Aí não, Helena. É caso de polícia senhores, como é possível, na hora do replay do gol de empate aos 45 minutos e ainda por cima de bicicleta a presidente mudar o canal?!

Definitivamente, mulher pode tudo e mais um pouco, afinal são elas a razão da nossa existência. Bem, elas e o futebol. Se mexer com o futebol a casa cai e o siricotico tá armado. Olha o bafafá muito bem versado pela moçada:

Fui educado, fui comportado, fui delicado
Sofisticado como ela pediu
Dei boa noite, eu pedi licença
Eu sorri e agradeci
Tudo bem até ai

Peguei Helena, minha pequena, fui ao cinema
E a Vila Madalena pra curtir
Foi olho só pra ela
E nem pela janela, eu me distrai
Até a mim me surpreendi

E a nossa relação teve canção
E a única solicitação do pobrezinho aqui
Que respeitasse o meu domingo
E me deixasse o jogo assistir
Que o casamento ia sair

Mas foi num derby que meu time perde
Aos 45, uma jogada que saiu o gol
Num lance plástico, no fim do clássico
Meu time empatou e no replay ela mudou

Por falar em derby, vamos pra um clássico gigante e uma tabela de gênios, o corintiano Toquinho e o são paulino Carlinhos Vergueiro com ‘Camisa Molhada‘, primeira música de Vergueiro que trata do tema, e seus versos contém todos os ingredientes fundamentais de uma peleja: raça, árbitro vacilão, botecos, disputa acirrada, fé, rivalidade e bola na rede. Um golaço de placa da dupla. Vergueiro por sinal não fica só nesses versos sobre o riscado do campo. Tem um disco inteiro dedicado a arte suprema dos gramados com ‘Contra Ataque, Samba e Futebol’, que homenageia o gigante baixinho Romário, o galinho Zico e o craque são paulino Raí.

Depois de tantos passes primorosos, lançamentos escandalosamente perfeitos, matadas no peito e dribles infames chegamos a nossa dupla de ataque, e a bola é passada de Carlinhos Vergueiro para um dos mais fanáticos e ilustres torcedores do America (RJ), ninguém menos do que o mestre Monarco, que versa na música ‘America do Saudoso Lamartine‘, sobre o time Rubro e suas glórias e jogadores históricos que passaram por Campos Sales como Danilo, Saci de Irajá e de Carola, além de outro torcedor histórico do “diabo”, Lamartine Babo, o Lalá. Canta o saudoso tico tico no fubá, ataque formado por China, Maneco, César, Lima e Jorginho, que segundo outro ilustre americano, José Trajano, era um ataque mais poderoso que o do Real Madrid de Puskas e Di Stéfano. Esse gol nem o “Divino Crioulo” guardou.

Compondo nossa dupla de ataque, malandra e matreira, fechamos a jogada feita por uma equipe de astros com o mais escorregadio atacante: Dicró. Se Monarco é a elegância e o cérebro do ataque com a poesia perfeita do seu coração rubro cor de sangue, Dicró é o improviso definitivo, a malandragem na sua essência. O vascaíno Dicró com toda sua manha deixa pra trás uma lista infinita de craques, como bem versa no seu samba ‘O Bom de Bola‘, não tem pra Pelé nem Zico, Cruijffe Beckenbauer, Rivellino e Gersón, nem pro seu xará Carlos Roberto de Oliveira, o Roberto Dinamite, ali quem manja do riscado é ele. E com toda essa malemolência carioca e vascaína, guarda o gol mais bonito feito pelas bandas de cá. O gol definitivo do samba e futebol.

Bola passada de pé em pé, com classe, astúcia e inteligência, com gana e raça, do beque central ao ponta esquerda, passando pelo 10, como deveria ser sempre até chegar a dupla de ataque mortal e mortífera. Dicró sacramenta o gol sagrado das pelejas sambadas e dos golaços da pena.