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PAULO MENDES CAMPOS E UMA PARTICULAR ONTOLOGIA DA PELADA

 

por André Felipe de Lima


Paulo Mendes Campos

Hoje, dia 28 de fevereiro, faria anos o poeta, ensaísta, jornalista, contista, escritor e confesso peladeiro Paulo Mendes Campos. Seriam cristalinos 95 anos de vida. Botafoguense, Paulo amava o futebol sobre quase todas as coisas. Talvez um pouco menos que a Literatura, somente. Sem a paixão pelas letras e a (boa) escrita seria, obviamente, impossível exclamar em sonoridade poética e estratosférica o quanto encantava-se pelo querido e velho esporte bretão. Uma idolatria à bola que jamais mostrou-se claudicante. Muito menos quando seu Botafogo estava na ordem do dia. Na ordem do mais ontológico intimo do seu ser… “Ser”, frise-se, devidamente alvinegro: “Sou preto e branco também, quero dizer, me destorço para pinça nas pontas do mesmo compasso os dualismos do mundo, não aceito o maniqueísmo do bem e do mal, antes me obstino em admitir que no branco existe o preto e no preto, o branco. Sou um menino de rua perdido na dramaticidade existencial da poesia; pois o Botafogo é um menino de rua perdido na poética dramaticidade do futebol. Há coisas que só acontecem ao Botafogo e a mim. Também a minha cidadela pode ruir ante um chute ridículo do pé direito do Escurinho. O Botafogo tem uma sede, mas esqueceu a vida social; também eu só abro os meus salões e os meus jardins à noite silenciosa.”

Paulo Mendes Campos interpretava o Botafogo como o mais deliciosamente peladeiro dos clubes. O mais espontâneo para se amar. Somente um clube com a ingênua vocação sedutora do Botafogo poderia transpassar corações sem feri-los. Paulo Mendes Campos pensava assim sobre o seu Botafogo. Seu, sim, e de mais ninguém.


Reprodução do livro de Ruy Castro

O Botafogo também tem essa aura de fidelidade clubística. Parece que somente ele, o Botafogo, ama o seu torcedor. Aquele único torcedor e mais nenhum outro. O torcedor acredita, claro, nessa doce e saudável ilusão. E o Botafogo, como é peculiar em sua linda história, é também um pouco de cada um dos seus torcedores. Há, realmente, coisas que só acontecem ao Botafogo. O ídolo se mistura ao clube e vice-versa. Garrincha era Botafogo e ai do Botafogo não ser Garrincha. Vá lá, isso, o poeta das cores em preto e branco muito bem conhecia. Teve como ídolo e amigo ninguém menos que o próprio Garrincha. Sua mais perfeita crônica viva, verídica até a alma, e a de que mais prazer lhe proporcionava decantar na conexão dos universos do futebol e das letras. Gostava até mais que do seu jocoso Botafogo, que em si provocava momentos de tensão, medo, euforia e alegria sempre extremos, apaixonados (e apaixonantes) e minuciosamente detalhistas, igualmente a sua crônica tão famosa intitulada “Mané Garrincha”: “Descobri há tempos uma graça espantosa nessa finta de Garrincha: às vezes o adversário retarda o mais possível a entrada em cima dele, na improvável esperança duma oportunidade melhor. Garrincha avança um pouco, o adversário recua. Que faz então? Tenta o suficiente para encher de cobiça o pobre João. João parte para a bola de acordo com o princípio de Neném Prancha: como quem parte para um prato de comida. Seu Mané então sai pela direita.”

Em outra crônica, simplesmente nomeada “Garrincha”, Paulo Mendes Campos se apresenta como, talvez, o escritor/ torcedor que melhor tenha descrito Garrincha, em sua plenitude e doçura de peladeiro. Para o poeta, o peladeiro e a pelada, digamos, poderiam representar os mesmos papéis das figuras da horda primeva freudiana: a mãe (a bola) deve ser imaculada e os irmãos (peladeiros) devem preservá-la. Com uma única diferença: sem a repressão do pai (o futebol aristocrático). Na horda primeva do futebol, que também poderia atender pelo nome de “pelada original”, todos podem correr atrás da bola para saudá-la, como Garrincha sempre fazia, sem distinção entre a terra batida de Pau Grande e o gramado do Maracanã. Para ele, a pelada era imortal, espontânea e distante, portanto, das interferências elitistas que a cultura do mercado tenta impor: “[Garrincha] Era a própria candura. Todo mundo, em todas as profissões e fora das profissões, sonha com a candura como um bem supremo. Mas somente Mané Garrincha e uns poucos ungidos nasceram e cresceram com essa pureza, com essa espontaneidade inalterável. Nunca houve homem famoso menos mascarado, menos cônscio de sua importância. Algumas pessoas, à custa de autodomínio, conseguem isso. Mas a Garrincha não custava nada. Ele era desimportante sem saber que o era E era também perfeitamente espontâneo — e isso é ainda mais raro de se achar — ao receber alegremente a glória e o carinho do povo. Cândido mas não ingênuo. Pelo contrário, Mané é, antes de tudo, um astuto. Dentro e fora do campo. A qualidade ardilosa de sua inteligência — tão comum, aliás, em nosso homem do interior — pode ser imediatamente notada em um detalhe: Mané fala errado, à falar corretamente cometeria erros involuntários.”


Reprodução

Botafogo, Garrincha. A reverência ao “ser” original do futebol, estes doces e cândidos peladeiros, no esquema tático e metricamente tácito em toda poesia, sobretudo a de Paulo Mendes Campos, para quem o Botafogo e ele (sim, o próprio escritor) pareciam ser a mesma pessoa, em um único esquema: “O Botafogo pratica em geral o 4-3-3; como eu, que me distribuo assim em campo; no arco, as mãos, feitas para proteger minha porta; na parede defensiva, meus braços, meu peito aberto, meus joelhos e meus pés; no miolo apoiador, trabalho com os pulmões e o fígado; vou à ofensiva com a cabeça, a loucura e o coração.”

A bola, sacrossanta “mãe” da horda primeva do futebol, está presente em nossas vidas desdeencarnações passadas. Desde antes do próprio futebol dos ingleses, dos Miler da vida, dos Friedenreichs ou afins:  “O brinquedo essencial do homem é a bola. Quem ganha uma bola descobre dois mundos, o de dentro e o de fora. Um Psicólogo do futebol imagina a seguinte cena: meninos jogam na rua; a bola sobra para o cavalheiro que passa. Que fará o austero transeunte? Ficará indiferente? Devolverá a bola com as mãos? Já vimos todos nós o que ele irá fazer: o homem, sem perder a gravidade rebate a bola com o pé, aparentemente para prestar um serviço à garotada, mas na Verdade porque não resiste ao elástico e impulsivo prazer de dar um chute. É sempre um grande prazer, uma das coisas agradáveis da vida, dar um chute na bola, sobretudo quando conseguimos colocá-la na meta almejada.”


Reprodução do livro de Ruy Castro

Santa pelada de nós todos… o mais legal disso tudo é que descobri que no campo para as remotas peladas do Paulo Mendes Campos, em um já demolido parque de um laboratório farmacêutico na Rua Marquês de São Vicente, na Gávea, eu, humildemente, algumas décadas depois, também ousei dribles, caneladas e amizades. Cresci, sem saber, perto do poeta e do futebol original, primevo, que tanta nostalgia nos desperta. Ambos sempre estiveram em minha alma vira-lata de jornalista e de peladeiro, que um dia achava ser o “Garrincha” da Marquês de São Vicente. Como escreveu Paulo Mendes Campos: “O futebol jogou-me como quis”. E viva a ontologia da pelada presente em todo o brasileiro!

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LEITURA OBRIGATÓRIA: “O gol é necessário — Crônicas esportivas”, Editora Civilização Brasileira (2002), um imperdível livro de crônicas do Paulo Mendes Campos. Uma ode ao futebol e, claro, à pelada.

UM “LORD” BRASILEIRO E MELHOR LATERAL-DIREITO DA HISTÓRIA

por André Felipe de Lima

Os ingleses o chamavam de Lord. Não era para menos. Djalma Santos foi o melhor lateral- direito da história do futebol mundial. Ídolo estelar do nosso olimpo futebolístico, Djalma completaria 88 anos nesta segunda-feira, 27. Saudade deste grande ídolo, bicampeão mundial em 1958 e 62, com a seleção brasileira. Saudade do querido “Nariz”, como era carinhosamente chamado, porém com tom brincalhão, por Garrincha, Pelé e Nilton Santos nos bons tempos em que juntos vestiram a poderosa “amarelinha”…


Na foto, estou em pé, atrás do Djalma Santos e dos craques da antiga Tchecoslováquia, que disputaram a final da Copa do Mundo de 62. Djalma está entre Jelínek e Masopust, este o maior jogador tcheco da história.


Naquela tarde do dia 24 de junho de 2012, em São Paulo, bati um longo papo com todos para edição do documentário “Simplesmente passarinho”, sobre a vida de Garrincha. Entrevistas muito bacanas que, se Deus quiser, poderemos conferir com o lançamento do filme.

Vale a pena conferir os vídeos abaixo e conhecer um pouco sobre a história deste gênio da bola:

GRANDE E DIGNA HISTÓRIA DO DJALMA SANTOS…

BLOCO 1: http://migre.me/oMEHA
BLOCO 2: http://migre.me/oMEJb
BLOCO 3: http://migre.me/oMEK7

CALÇADA DA FAMA NO MARACANÃ: http://migre.me/oMEQG

 

 

ELE SCARPOU! ATÉ QUANDO?

por Zé Roberto Padilha

Estava me preparando para sair no Bloco das Piranhas (segundo Moisés, o zagueiro que fez seus seguidores atravessarem os atacantes ao meio, conduzindo-os ao gelo, um Voltaren no músculo e uma estadia no DM, boleiro que se preza não ganha o Troféu Belfort Duarte – e sai de mulherzinha no sábado de carnaval) quando resolvi dar uma olhada na telinha que transmitia Fluminense x Madureira.


Carrinho sofrido por Gustavo Scarpa contra o Madureira

A partida estava paralisada e o replay provocava frios na espinha diante de um carrinho criminoso dado em cima do Gustavo Scarpa. Um serial killer de amarelo dera um salto sobre o camisa 10 tricolor no gramado escorregadio, o que aumentava a velocidade do tiro, e suas balas passaram a centímetros da tíbia, do perônio, dos quatro meniscos e dos seus ligamentos cruzados.

Em um só instante revi o carrinho do Márcio, do Bangu, que abreviou tantos momentos de genialidade que o Zico ainda tinha para nos oferecer. E lembrei-me daquele outro imbecil que nos roubou John Lennon e tantas canções que ele iria nos presentear. Imagine all the people. Imagine as pessoas vivendo a vida em paz!

A arte é a perfeição alcançada por um dom concedido pelo criador aos seus filhos para tornar a vida mais bonita aqui embaixo. Vale para a pintura, a arquitetura, para música, dança e também para o futebol. A este menino simples e humilde, formado nas divisões de base em Xerém, foi concedido um futebol requintado, com resquícios do passado. Nada daqueles toques para o lado do Márcio Araújo, para o companheiro mais perto para o show do intervalo elevar o índice de acertos e previsibilidade. Muito menos para trás, jogando aos pés dos que não sabem sair jogando a missão de distribuir as jogadas.

Gustavo Scarpa escapa da mesmice e, como Gérson, Didi, estica o passe, alonga o jogo, enxerga sempre um companheiro livre porque nenhum zagueiro acredita em uma conexão tão rápida. Bate com jeito na bola, como Jair da Rosa Pinto, Zizinho e Silveira, não com força, daí a velocidade com que o goleiro Rafael, do Globo-RN, foi surpreendido, porque ele não tomou a distancia comum e necessária para acertar um chute daquela distância. Foi apenas um retoque de pincel sobre uma tela verde e iluminada. Uma obra de arte como muitas que ele tem ainda a nos oferecer. 

Igualmente revelado nas divisões de base em Xerém como ele, Paulinho, Mário, Zezé, Gilson Gênio, Wallace e tantos canhotinhas tricolores, tive minha carreira abreviada por quatro intervenções cirúrgicas na caneta esquerda. Antes do Bloco das Piranhas teve uma pelada à fantasia aqui em Três Rios e minha mente foi convidada. Meu corpo? Fui nadar. Às vezes ando de bicicleta, vou caminhar, correr não dá mais!


Às vezes fico pensando: de que vale um dom herdado para sempre danificado? Mas após aquele carrinho criminoso que demorou a deixar a minha mente, antes do bloco fiz uma prece por este menino. E agradeci, como tricolor e apaixonado pelo futebol, por ele ter escapado ileso daquela covardia. O futebol, e sua arte, não podem mais se dar ao luxo de perder um dos poucos artistas que lhe restam.

É O ETERNO ‘CAMISA 10’ DA GÁVEA NO SAMBA

por André Felipe de Lima


Jorge Ben, Zico, Júnior e Caetano

O refrão diz tudo: “É falta na entrada da área/ adivinha, quem vai bater/ é o camisa 10 da Gávea…”. Zico, Flamengo e Jorge Ben Jor. Naquela tarde de domingo, dia 7 de março de 1976, o Flamengo sapecava uma goleada de 4 a 1 na então poderosa “Máquina Tricolor”, que contava no gramado com Carlos Alberto e Paulo Cezar Lima a postos, mas sem Rivellino. Não deu para eles, Zico estava infernal. “Violento”, como definiu o jornalista Marcos de Castro, nas páginas do Jornal do Brasil: “Pois o jogo foi Zico, meus amigos. A bola escorreu mansa pela direita, maltratada por um pé meio quadrado, voltou, veio de novo pra cá, pra lá, Renato falhou. Zico, violento, um toque de mestre, gol.”

O que Zico fez ao Fluminense foi uma “Zicovardia” digna de samba e da bossa linguística, como estampou a manchete do Jornal dos Sports no dia seguinte. O placar mais justo foi Zico quatro, Fluminense um. Sim, quatro gols de Zico, que naquela tarde passaria definitivamente da “promessa” à realidade e o seu nome seria protagonista não somente nos gramados de futebol, mas também de muitas letras musicais, sobretudo as de samba. Arrisco-me a dizer que Zico, Garrincha e Pelé sejam os craques brasileiros mais citados na MPB.


Jorge Ben Jor estava no Maracanã naquele domingo. E mais: foi ao vestiário rubro-negro animar a moçada, cantarolando um refrão ainda solto no ar que se tornaria um famoso sambalanço: “Falta na entrada da área, é o número 10 da Gávea”. Com a frase cantada, Jorge Ben Jor mostrou a facilidade de Zico para cobrar faltas. Dali, na arquibancada, começou a brotar a música “Camisa 10 da Gávea”, que integraria meses depois o estupendo e dançante LP “África Brasil”, que contava também com a música “Ponta De Lança Africano/ Umbabarauma”, igualmente associada a Zico por muita gente fã de Ben Jor e, claro, do Galinho de Quintino.

“Foi a falta melhor cobrada até hoje. Creio que dificilmente conseguirei bater outra falta com tanta perfeição. Nos outros gols dei sorte, pois estava acompanhando todos os lances. O último, então, devo destacar o trabalho de Caio, Toninho e o toque genial de Geraldo, que me deixou sozinho contra Renato. As demonstrações de carinho só podem me incentivar para que melhore ainda mais”, disse o Galinho, logo após o Fla-Flu, sem imaginar que ainda cobraria muitas faltas semelhantes àquela, igualmente a outros lances magistrais que o desenhariam como o maior ídolo rubro-negro de todos os tempos.

O 4 a 1 sobre a “Máquina Tricolor”,no jogo em que se disputava a Taça “Nelson Rodrigues”, deixou eufórico um torcedor do Flamengo, que se aproximou de Zico e disse: “Você é tão bom quanto o Pelé”. Humildemente, o Galinho de Quintino rebateu: “Você pode ser muito meu amigo, mas não diz isso não que é pecado. Igual ao Negão nunca vai aparecer. Eu me contentaria em saber que consegui jogar a terça parte do que ele jogou.”

Logo após ter deixado o festejado vestiário do Flamengo, Jorge Ben Jor talvez tenha buscado imediatamente uma caneta e um papel para escrever a letra definitiva de “O camisa 10 da Gávea”. Isso é apenas uma suposição, frise-se. Jamais — creio —perguntaram isso ao Ben Jor, um rubro-negro ferrenho, santificado, que durante entrevistas declarara com inabalável convicção: “Sou brasileiro e meu time é o Flamengo”. E é mesmo, desde pequeno. Chegou a jogar nas divisões de base do clube e, em uma entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), em 1995, foi categórico: “Quero ser presidente do Flamengo um dia.”

Sobre o Galinho, sem rodeios, externou sua paixão, em outra entrevista, publicada pela revista IstoÉ Gente, de 12 de julho de 2010: “O futebol dele foi surreal. Ele foi um exímio cobrador de faltas na entrada da área”. Precisa mais?

Após aquele Fla-Flu do “4 a 1”, Zico tornou-se mágico. Uma espécie de “Midas da bola” que passou a despertar nos torcedores uma paixão avassaladora. Inclusive em outros fãs ilustres da MPB. Seguindo a trilha de Jorge Ben Jor, o “novo baiano” Moraes Moreira tornou-se grande amigo de Zico e para o ídolo compôs uma música (no melhor estilo arretado de um trio elétrico) “Saudades do Galinho”, lamentando o fim da carreira do craque, no dia 2 de dezembro de 1989, contra o (olhe a “vítima” aí de novo!) Fluminense. E o Placar? Cinco a zero para o Flamengo, em jogo realizado no estádio de Juiz de Fora (MG), que valeu pelo Campeonato Brasileiro. “E agora como é que eu fico nas tardes de domingo sem Zico no Maracanã?”, diz a letra. Surge, portanto, uma breve pergunta: Adivinhem de quem foi, de falta, o primeiro gol do Flamengo naquele Fla-Flu?

Anos depois, o cantor Alexandre Pires, outro rubro-negro sem meio termo, ficou visivelmente nervoso ao cantar, diante do ídolo, a música “Zico é o nosso rei”, cuja letra havia composto no dia anterior ao encontro com o Galinho. Para quem não sabe, Pires, que antes de cantarolar sambas sonhara ser Adílio para tabelar com o Galinho, tem um filho que se chama, ora essa, Arthur.

Só faltava mesmo a Marques de Sapucaí para a reverência definitiva ao Zico. Em 2014, a Imperatriz Leopoldinense cumpriu a missão de homenageá-lo com o enredo “Arthur X – O Reino do Galinho de Ouro na Corte da Imperatriz”. Pronto. Não faltou mais nada para Zico e sua gloriosa carreira também serem eternizados no doce universo do samba.

Os editores tentaram identificar os autores da imagem, mas não obtiveram sucesso. Caso o autor se manifeste, teremos o imenso prazer de citá-lo.

Silva Batuta

SILVA, O BATUTA

 

entrevista: Raísa Simplício | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Planel | fotos: Marcelo Tabach

“Me sinto completamente à vontade aqui”. A frase é de Walter Machado da Silva, mais conhecido como Silva Batuta, um dos grandes jogadores brasileiros que brilharam na década de 60, e que trabalha há mais de 10 anos no departamento social do Flamengo. Junto com o parceiro Reyes de Sá Viana do Castelo e Raisa Simplício, nossa repórter por um dia, a equipe do Museu da Pelada passeou na sede do clube, conheceu seu local de trabalho e bateu um papo sensacional com o camisa 10 no gramado da Gávea.

Dessa vez, a arquibancada estava vazia e Silva Batuta não ouviu os gritos da torcida após a entrada do Flamengo em campo, em compensação foi poupado das vaias que o atormentaram quando o goleiro do Campo Grande defendeu o seu pênalti. Aquele golzinho seria importante para o Mengão continuar a caminhada rumo ao título do estadual de 1968. Em silêncio, sorriu. Claro, o final da história foi feliz: pouco tempo depois o lateral Paulo Henrique cruzou e, de cabeça, ele, sempre ele, marcou o gol da vitória. Que impulsão!!!! Após despertar do mergulho nas profundezas do túnel do tempo, encarou a equipe do Museu da Pelada e resumiu o turbilhão de amor que habita seu peito.

– Sou Flamengo até morrer.

Se antes coordenava os ataques de grandes times como São Paulo, Corinthians, Flamengo, Santos, Vasco, Racing-ARG e até Barcelona, com matadas no peito inconfundíveis, que levantavam as torcidas e seu inseparável cordão, Silva cuida hoje de todos os eventos no salão de festas da Gávea. Além do craque, outros familiares dele trabalham no clube, mas nenhum deles se aventurou no esporte que consagrou Batuta, talvez por medo das inevitáveis comparações e da pressão por manter o nome da família no alto escalão do futebol.


Embora a função dentro do clube seja diferente do passado, a eficiência e o comprometimento permanecem iguais, é o que garante Sandro Rilho, coordenador de eventos do Fla Gávea e quem divide a mesa com o ídolo rubro-negro. De acordo com ele, Batuta é sempre o primeiro a chegar.

– É uma honra muito grande trabalhar com ele. Aproveito cada segundo aqui, é um funcionário nota dez! – disse Rilhó, que costuma pagar o café e o pão de queijo de Batuta toda manhã, uma forma de agradecer por todas as alegrias proporcionadas pelo camisa 10.

Antes de brilhar com a camisa rubro-negra, no entanto, Silva surgiu como grande promessa do São Paulo, passou por Batatais e Botafogo-SP, até chegar ao Corinthians em 61. Apesar de não ter sido campeão pelo alvinegro, marcou quase cem gols e ajudou o Timão a chegar à final do Paulista de 62, quando foi derrotado pelo poderoso Santos.

Só depois de três anos de bom desempenho com a camisa do Corinthians, em 1965, o craque desembarcou no Rio de Janeiro e teve sua primeira passagem pelo Flamengo. Correspondendo às expectativas, foi campeão carioca no primeiro ano pelo clube e encerrou o jejum de títulos que havia acumulado em São Paulo.

Durante o papo pela sede do Fla, principalmente no gramado onde Silva atormentava os zagueiros, o camisa 10 não escondeu sua admiração pelo rubro-negro.

– O sonho de todo mundo é jogar no Flamengo. Foi uma passagem muito rica e fui muito feliz aqui!


Foi tão feliz e o desempenho foi tão acima da média que, além de ter se tornado o ídolo de Zico, recebeu uma oferta irrecusável do Barcelona, que tentava desesperadamente suprir a ausência de um brasileiro que havia feito história por lá: Evaristo de Macedo. A passagem pela Espanha talvez tenha sido o pior momento da carreira e Silva justificou:

– O Evaristo deixou um legado muito grande e a expectativa era enorme. Não consegui dar continuidade porque a Europa só permitia três estrangeiros por equipe e eu acabei sobrando.

Mesmo sem estar em grande fase, Batuta foi lembrado na desastrosa convocação para a Copa de 1966. A convocação para uma Copa do Mundo, sem dúvida, é um dos momentos mais marcantes na carreira de qualquer jogador, mas Batuta vê o episódio de uma forma diferente.

– Foi um momento conturbado por causa da ditadura. Não levou quem tinha que levar. Foi um desgosto na minha carreira porque sei que a gente podia ir muito longe – lamentou, revelando ainda que o grupo não tinha conhecimento do regulamento da competição, o que também prejudicou a seleção.

Depois do Barcelona, teve uma rápida passagem pelo Santos, mas só foi reencontrar a felicidade no Flamengo, onde foi recebido com muita festa pela torcida rubro-negra, em um dos momentos mais marcantes de sua carreira. No jogo de reestréia, em um Maracanã completamente lotado, com direito à bateria da Mangueira, os torcedores fizeram uma linda homenagem cantando uma música de Roberto Carlos que Batuta fez questão de relembrar:

– Eu voltei, agora pra ficar! Porque aqui, aqui é meu lugar! – cantou o craque no gramado da Gávea, arrepiando até o fotógrafo Marcelo Tabach, tricolor de carteirinha.

O Fluminense, aliás, é o maior carrasco de Silva, que garantiu nunca ter perdido para a equipe. Deve ter sido por isso, então, que Tabach “obrigou” o craque de 77 anos a subir os penosos degraus da arquibancada da Gávea para fazer uma sessão de fotos de tirar o chapéu.


– Vou ter que subir isso tudo? A idade é uma merda! Quando era jogador subia e descia essa arquibancada toda hora. Era o nosso treino físico! – reclamou Silva, que apesar da artrose no joelho mantém a forma com musculações diárias na academia.

Depois de dois anos honrando o “manto sagrado”, foi se aventurar no futebol argentino, no Racing, mas deixara seu nome eternizado na Gávea. Na Argentina, se tornou o primeiro brasileiro a ser artilheiro do campeonato nacional, façanha que ainda não foi repetida por nenhum dos nossos.

– Até hoje recebo o carinho e homenagem dos argentinos. Fiquei marcado na história do clube.

Quando retornou ao Brasil, para a surpresa de todos, vestiu a camisa do Vasco da Gama, o maior rival do clube em que se tornara ídolo. Sem deixar as provocações influenciarem dentro de campo, foi campeão carioca pelo cruzmaltino em 70, encerrando um jejum da equipe, de 12 anos sem título.

– Alguns falaram que eu ia manchar minha história no Flamengo. Jogar contra meu clube de coração foi complicado, mas o Vasco é um time grande, pagava meu salário em dia.

Mais de 20 anos depois, o Flamengo abriu as portas para Silva voltar a vestir a camisa rubro-negra, como coordenador de eventos, mostrando que sua história no clube estava longe de ter sido manchada.


Reyes, André, Sandro, Raísa, Silva, Sergio, Marcelo e Daniel