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UM “LORD” BRASILEIRO E MELHOR LATERAL-DIREITO DA HISTÓRIA

por André Felipe de Lima

Os ingleses o chamavam de Lord. Não era para menos. Djalma Santos foi o melhor lateral- direito da história do futebol mundial. Ídolo estelar do nosso olimpo futebolístico, Djalma completaria 88 anos nesta segunda-feira, 27. Saudade deste grande ídolo, bicampeão mundial em 1958 e 62, com a seleção brasileira. Saudade do querido “Nariz”, como era carinhosamente chamado, porém com tom brincalhão, por Garrincha, Pelé e Nilton Santos nos bons tempos em que juntos vestiram a poderosa “amarelinha”…


Na foto, estou em pé, atrás do Djalma Santos e dos craques da antiga Tchecoslováquia, que disputaram a final da Copa do Mundo de 62. Djalma está entre Jelínek e Masopust, este o maior jogador tcheco da história.


Naquela tarde do dia 24 de junho de 2012, em São Paulo, bati um longo papo com todos para edição do documentário “Simplesmente passarinho”, sobre a vida de Garrincha. Entrevistas muito bacanas que, se Deus quiser, poderemos conferir com o lançamento do filme.

Vale a pena conferir os vídeos abaixo e conhecer um pouco sobre a história deste gênio da bola:

GRANDE E DIGNA HISTÓRIA DO DJALMA SANTOS…

BLOCO 1: http://migre.me/oMEHA
BLOCO 2: http://migre.me/oMEJb
BLOCO 3: http://migre.me/oMEK7

CALÇADA DA FAMA NO MARACANÃ: http://migre.me/oMEQG

 

 

ELE SCARPOU! ATÉ QUANDO?

por Zé Roberto Padilha

Estava me preparando para sair no Bloco das Piranhas (segundo Moisés, o zagueiro que fez seus seguidores atravessarem os atacantes ao meio, conduzindo-os ao gelo, um Voltaren no músculo e uma estadia no DM, boleiro que se preza não ganha o Troféu Belfort Duarte – e sai de mulherzinha no sábado de carnaval) quando resolvi dar uma olhada na telinha que transmitia Fluminense x Madureira.


Carrinho sofrido por Gustavo Scarpa contra o Madureira

A partida estava paralisada e o replay provocava frios na espinha diante de um carrinho criminoso dado em cima do Gustavo Scarpa. Um serial killer de amarelo dera um salto sobre o camisa 10 tricolor no gramado escorregadio, o que aumentava a velocidade do tiro, e suas balas passaram a centímetros da tíbia, do perônio, dos quatro meniscos e dos seus ligamentos cruzados.

Em um só instante revi o carrinho do Márcio, do Bangu, que abreviou tantos momentos de genialidade que o Zico ainda tinha para nos oferecer. E lembrei-me daquele outro imbecil que nos roubou John Lennon e tantas canções que ele iria nos presentear. Imagine all the people. Imagine as pessoas vivendo a vida em paz!

A arte é a perfeição alcançada por um dom concedido pelo criador aos seus filhos para tornar a vida mais bonita aqui embaixo. Vale para a pintura, a arquitetura, para música, dança e também para o futebol. A este menino simples e humilde, formado nas divisões de base em Xerém, foi concedido um futebol requintado, com resquícios do passado. Nada daqueles toques para o lado do Márcio Araújo, para o companheiro mais perto para o show do intervalo elevar o índice de acertos e previsibilidade. Muito menos para trás, jogando aos pés dos que não sabem sair jogando a missão de distribuir as jogadas.

Gustavo Scarpa escapa da mesmice e, como Gérson, Didi, estica o passe, alonga o jogo, enxerga sempre um companheiro livre porque nenhum zagueiro acredita em uma conexão tão rápida. Bate com jeito na bola, como Jair da Rosa Pinto, Zizinho e Silveira, não com força, daí a velocidade com que o goleiro Rafael, do Globo-RN, foi surpreendido, porque ele não tomou a distancia comum e necessária para acertar um chute daquela distância. Foi apenas um retoque de pincel sobre uma tela verde e iluminada. Uma obra de arte como muitas que ele tem ainda a nos oferecer. 

Igualmente revelado nas divisões de base em Xerém como ele, Paulinho, Mário, Zezé, Gilson Gênio, Wallace e tantos canhotinhas tricolores, tive minha carreira abreviada por quatro intervenções cirúrgicas na caneta esquerda. Antes do Bloco das Piranhas teve uma pelada à fantasia aqui em Três Rios e minha mente foi convidada. Meu corpo? Fui nadar. Às vezes ando de bicicleta, vou caminhar, correr não dá mais!


Às vezes fico pensando: de que vale um dom herdado para sempre danificado? Mas após aquele carrinho criminoso que demorou a deixar a minha mente, antes do bloco fiz uma prece por este menino. E agradeci, como tricolor e apaixonado pelo futebol, por ele ter escapado ileso daquela covardia. O futebol, e sua arte, não podem mais se dar ao luxo de perder um dos poucos artistas que lhe restam.

É O ETERNO ‘CAMISA 10’ DA GÁVEA NO SAMBA

por André Felipe de Lima


Jorge Ben, Zico, Júnior e Caetano

O refrão diz tudo: “É falta na entrada da área/ adivinha, quem vai bater/ é o camisa 10 da Gávea…”. Zico, Flamengo e Jorge Ben Jor. Naquela tarde de domingo, dia 7 de março de 1976, o Flamengo sapecava uma goleada de 4 a 1 na então poderosa “Máquina Tricolor”, que contava no gramado com Carlos Alberto e Paulo Cezar Lima a postos, mas sem Rivellino. Não deu para eles, Zico estava infernal. “Violento”, como definiu o jornalista Marcos de Castro, nas páginas do Jornal do Brasil: “Pois o jogo foi Zico, meus amigos. A bola escorreu mansa pela direita, maltratada por um pé meio quadrado, voltou, veio de novo pra cá, pra lá, Renato falhou. Zico, violento, um toque de mestre, gol.”

O que Zico fez ao Fluminense foi uma “Zicovardia” digna de samba e da bossa linguística, como estampou a manchete do Jornal dos Sports no dia seguinte. O placar mais justo foi Zico quatro, Fluminense um. Sim, quatro gols de Zico, que naquela tarde passaria definitivamente da “promessa” à realidade e o seu nome seria protagonista não somente nos gramados de futebol, mas também de muitas letras musicais, sobretudo as de samba. Arrisco-me a dizer que Zico, Garrincha e Pelé sejam os craques brasileiros mais citados na MPB.


Jorge Ben Jor estava no Maracanã naquele domingo. E mais: foi ao vestiário rubro-negro animar a moçada, cantarolando um refrão ainda solto no ar que se tornaria um famoso sambalanço: “Falta na entrada da área, é o número 10 da Gávea”. Com a frase cantada, Jorge Ben Jor mostrou a facilidade de Zico para cobrar faltas. Dali, na arquibancada, começou a brotar a música “Camisa 10 da Gávea”, que integraria meses depois o estupendo e dançante LP “África Brasil”, que contava também com a música “Ponta De Lança Africano/ Umbabarauma”, igualmente associada a Zico por muita gente fã de Ben Jor e, claro, do Galinho de Quintino.

“Foi a falta melhor cobrada até hoje. Creio que dificilmente conseguirei bater outra falta com tanta perfeição. Nos outros gols dei sorte, pois estava acompanhando todos os lances. O último, então, devo destacar o trabalho de Caio, Toninho e o toque genial de Geraldo, que me deixou sozinho contra Renato. As demonstrações de carinho só podem me incentivar para que melhore ainda mais”, disse o Galinho, logo após o Fla-Flu, sem imaginar que ainda cobraria muitas faltas semelhantes àquela, igualmente a outros lances magistrais que o desenhariam como o maior ídolo rubro-negro de todos os tempos.

O 4 a 1 sobre a “Máquina Tricolor”,no jogo em que se disputava a Taça “Nelson Rodrigues”, deixou eufórico um torcedor do Flamengo, que se aproximou de Zico e disse: “Você é tão bom quanto o Pelé”. Humildemente, o Galinho de Quintino rebateu: “Você pode ser muito meu amigo, mas não diz isso não que é pecado. Igual ao Negão nunca vai aparecer. Eu me contentaria em saber que consegui jogar a terça parte do que ele jogou.”

Logo após ter deixado o festejado vestiário do Flamengo, Jorge Ben Jor talvez tenha buscado imediatamente uma caneta e um papel para escrever a letra definitiva de “O camisa 10 da Gávea”. Isso é apenas uma suposição, frise-se. Jamais — creio —perguntaram isso ao Ben Jor, um rubro-negro ferrenho, santificado, que durante entrevistas declarara com inabalável convicção: “Sou brasileiro e meu time é o Flamengo”. E é mesmo, desde pequeno. Chegou a jogar nas divisões de base do clube e, em uma entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), em 1995, foi categórico: “Quero ser presidente do Flamengo um dia.”

Sobre o Galinho, sem rodeios, externou sua paixão, em outra entrevista, publicada pela revista IstoÉ Gente, de 12 de julho de 2010: “O futebol dele foi surreal. Ele foi um exímio cobrador de faltas na entrada da área”. Precisa mais?

Após aquele Fla-Flu do “4 a 1”, Zico tornou-se mágico. Uma espécie de “Midas da bola” que passou a despertar nos torcedores uma paixão avassaladora. Inclusive em outros fãs ilustres da MPB. Seguindo a trilha de Jorge Ben Jor, o “novo baiano” Moraes Moreira tornou-se grande amigo de Zico e para o ídolo compôs uma música (no melhor estilo arretado de um trio elétrico) “Saudades do Galinho”, lamentando o fim da carreira do craque, no dia 2 de dezembro de 1989, contra o (olhe a “vítima” aí de novo!) Fluminense. E o Placar? Cinco a zero para o Flamengo, em jogo realizado no estádio de Juiz de Fora (MG), que valeu pelo Campeonato Brasileiro. “E agora como é que eu fico nas tardes de domingo sem Zico no Maracanã?”, diz a letra. Surge, portanto, uma breve pergunta: Adivinhem de quem foi, de falta, o primeiro gol do Flamengo naquele Fla-Flu?

Anos depois, o cantor Alexandre Pires, outro rubro-negro sem meio termo, ficou visivelmente nervoso ao cantar, diante do ídolo, a música “Zico é o nosso rei”, cuja letra havia composto no dia anterior ao encontro com o Galinho. Para quem não sabe, Pires, que antes de cantarolar sambas sonhara ser Adílio para tabelar com o Galinho, tem um filho que se chama, ora essa, Arthur.

Só faltava mesmo a Marques de Sapucaí para a reverência definitiva ao Zico. Em 2014, a Imperatriz Leopoldinense cumpriu a missão de homenageá-lo com o enredo “Arthur X – O Reino do Galinho de Ouro na Corte da Imperatriz”. Pronto. Não faltou mais nada para Zico e sua gloriosa carreira também serem eternizados no doce universo do samba.

Os editores tentaram identificar os autores da imagem, mas não obtiveram sucesso. Caso o autor se manifeste, teremos o imenso prazer de citá-lo.

Silva Batuta

SILVA, O BATUTA

 

entrevista: Raísa Simplício | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Planel | fotos: Marcelo Tabach

“Me sinto completamente à vontade aqui”. A frase é de Walter Machado da Silva, mais conhecido como Silva Batuta, um dos grandes jogadores brasileiros que brilharam na década de 60, e que trabalha há mais de 10 anos no departamento social do Flamengo. Junto com o parceiro Reyes de Sá Viana do Castelo e Raisa Simplício, nossa repórter por um dia, a equipe do Museu da Pelada passeou na sede do clube, conheceu seu local de trabalho e bateu um papo sensacional com o camisa 10 no gramado da Gávea.

Dessa vez, a arquibancada estava vazia e Silva Batuta não ouviu os gritos da torcida após a entrada do Flamengo em campo, em compensação foi poupado das vaias que o atormentaram quando o goleiro do Campo Grande defendeu o seu pênalti. Aquele golzinho seria importante para o Mengão continuar a caminhada rumo ao título do estadual de 1968. Em silêncio, sorriu. Claro, o final da história foi feliz: pouco tempo depois o lateral Paulo Henrique cruzou e, de cabeça, ele, sempre ele, marcou o gol da vitória. Que impulsão!!!! Após despertar do mergulho nas profundezas do túnel do tempo, encarou a equipe do Museu da Pelada e resumiu o turbilhão de amor que habita seu peito.

– Sou Flamengo até morrer.

Se antes coordenava os ataques de grandes times como São Paulo, Corinthians, Flamengo, Santos, Vasco, Racing-ARG e até Barcelona, com matadas no peito inconfundíveis, que levantavam as torcidas e seu inseparável cordão, Silva cuida hoje de todos os eventos no salão de festas da Gávea. Além do craque, outros familiares dele trabalham no clube, mas nenhum deles se aventurou no esporte que consagrou Batuta, talvez por medo das inevitáveis comparações e da pressão por manter o nome da família no alto escalão do futebol.


Embora a função dentro do clube seja diferente do passado, a eficiência e o comprometimento permanecem iguais, é o que garante Sandro Rilho, coordenador de eventos do Fla Gávea e quem divide a mesa com o ídolo rubro-negro. De acordo com ele, Batuta é sempre o primeiro a chegar.

– É uma honra muito grande trabalhar com ele. Aproveito cada segundo aqui, é um funcionário nota dez! – disse Rilhó, que costuma pagar o café e o pão de queijo de Batuta toda manhã, uma forma de agradecer por todas as alegrias proporcionadas pelo camisa 10.

Antes de brilhar com a camisa rubro-negra, no entanto, Silva surgiu como grande promessa do São Paulo, passou por Batatais e Botafogo-SP, até chegar ao Corinthians em 61. Apesar de não ter sido campeão pelo alvinegro, marcou quase cem gols e ajudou o Timão a chegar à final do Paulista de 62, quando foi derrotado pelo poderoso Santos.

Só depois de três anos de bom desempenho com a camisa do Corinthians, em 1965, o craque desembarcou no Rio de Janeiro e teve sua primeira passagem pelo Flamengo. Correspondendo às expectativas, foi campeão carioca no primeiro ano pelo clube e encerrou o jejum de títulos que havia acumulado em São Paulo.

Durante o papo pela sede do Fla, principalmente no gramado onde Silva atormentava os zagueiros, o camisa 10 não escondeu sua admiração pelo rubro-negro.

– O sonho de todo mundo é jogar no Flamengo. Foi uma passagem muito rica e fui muito feliz aqui!


Foi tão feliz e o desempenho foi tão acima da média que, além de ter se tornado o ídolo de Zico, recebeu uma oferta irrecusável do Barcelona, que tentava desesperadamente suprir a ausência de um brasileiro que havia feito história por lá: Evaristo de Macedo. A passagem pela Espanha talvez tenha sido o pior momento da carreira e Silva justificou:

– O Evaristo deixou um legado muito grande e a expectativa era enorme. Não consegui dar continuidade porque a Europa só permitia três estrangeiros por equipe e eu acabei sobrando.

Mesmo sem estar em grande fase, Batuta foi lembrado na desastrosa convocação para a Copa de 1966. A convocação para uma Copa do Mundo, sem dúvida, é um dos momentos mais marcantes na carreira de qualquer jogador, mas Batuta vê o episódio de uma forma diferente.

– Foi um momento conturbado por causa da ditadura. Não levou quem tinha que levar. Foi um desgosto na minha carreira porque sei que a gente podia ir muito longe – lamentou, revelando ainda que o grupo não tinha conhecimento do regulamento da competição, o que também prejudicou a seleção.

Depois do Barcelona, teve uma rápida passagem pelo Santos, mas só foi reencontrar a felicidade no Flamengo, onde foi recebido com muita festa pela torcida rubro-negra, em um dos momentos mais marcantes de sua carreira. No jogo de reestréia, em um Maracanã completamente lotado, com direito à bateria da Mangueira, os torcedores fizeram uma linda homenagem cantando uma música de Roberto Carlos que Batuta fez questão de relembrar:

– Eu voltei, agora pra ficar! Porque aqui, aqui é meu lugar! – cantou o craque no gramado da Gávea, arrepiando até o fotógrafo Marcelo Tabach, tricolor de carteirinha.

O Fluminense, aliás, é o maior carrasco de Silva, que garantiu nunca ter perdido para a equipe. Deve ter sido por isso, então, que Tabach “obrigou” o craque de 77 anos a subir os penosos degraus da arquibancada da Gávea para fazer uma sessão de fotos de tirar o chapéu.


– Vou ter que subir isso tudo? A idade é uma merda! Quando era jogador subia e descia essa arquibancada toda hora. Era o nosso treino físico! – reclamou Silva, que apesar da artrose no joelho mantém a forma com musculações diárias na academia.

Depois de dois anos honrando o “manto sagrado”, foi se aventurar no futebol argentino, no Racing, mas deixara seu nome eternizado na Gávea. Na Argentina, se tornou o primeiro brasileiro a ser artilheiro do campeonato nacional, façanha que ainda não foi repetida por nenhum dos nossos.

– Até hoje recebo o carinho e homenagem dos argentinos. Fiquei marcado na história do clube.

Quando retornou ao Brasil, para a surpresa de todos, vestiu a camisa do Vasco da Gama, o maior rival do clube em que se tornara ídolo. Sem deixar as provocações influenciarem dentro de campo, foi campeão carioca pelo cruzmaltino em 70, encerrando um jejum da equipe, de 12 anos sem título.

– Alguns falaram que eu ia manchar minha história no Flamengo. Jogar contra meu clube de coração foi complicado, mas o Vasco é um time grande, pagava meu salário em dia.

Mais de 20 anos depois, o Flamengo abriu as portas para Silva voltar a vestir a camisa rubro-negra, como coordenador de eventos, mostrando que sua história no clube estava longe de ter sido manchada.


Reyes, André, Sandro, Raísa, Silva, Sergio, Marcelo e Daniel

 

GARRINCHA NO SAMBA E NAS CAMAS

por André Felipe de Lima


Iniciamos ontem uma série sobre samba e futebol. Hoje, 25, damos sequência a esta viagem musical falando do personagem (ao lado de Pelé, naturalmente) mais eloqüente da história do futebol brasileiro: Garrincha.

Muitos sabem que Garrincha teve compostos em sua homenagem algumas belas letras da MPB, como a emocionante “Balada número sete”, assinada por Alberto Luiz, em 1971, na voz de Moacyr Franco. Não se trata de um samba, mas a letra é verdadeiramente comovente e traduz com fidelidade a trajetória de Garrincha até aquele ano. 

Mas o papo aqui é sobre samba, e o samba entrou em definitivo na vida de Garrincha graças a Elza Soares, imediatamente após se conhecerem, em 1962, pouco antes da Copa do Mundo, no Chile, na qual Garrincha “ganharia sozinho”, como muitos dizem, a disputa pelo caneco. O início do relacionamento com Elza promoveu uma reviravolta na vida de Mané, que, socialmente mais refinado, passou a freqüentar rodas de samba e até montou, com ela, um bar, que não deu certo. Mané arriscou-se, inclusive, como compositor e escreveu duas letras de samba para a voz de Elza Soares: “Receita de balanço” e “Pé redondo”.


Garrincha e Elza

O saudoso repórter Mário de Moraes — o primeiro vencedor da história do também saudoso e inesquecível Prêmio Esso de Jornalismo — registrou (na revista O Cruzeiro, de julho de 1962) o “ingresso” de Garrincha no mundo do samba:

“Mané Garrincha, que sambou como quis frente a “João” de toda ordem, e balançou muita rede internacional com seus chutes de endereço certo, volta ao cartaz numa nova faceta, bem diferente da que o fez famoso. Garrincha, agora, fará os outros sambarem, dando receita para balanço. Não é conselho para furar arco adversário, mas forma acertada de cair no mais autêntico samba brasileiro. Porque Mané virou sambista. E, na base do teleco-teco, lançou seu primeiro sucesso, que tem como título ‘Receita de Balanço’. E, com intérprete, Elza Soares, a bossa em pessoa.

“Há dias Elza Soares preparava, na cozinha da sua bonita casa da Ilha do Governador, um bem temperado feijão, quando ouviu o ritmado assovio. O samba não era conhecido. O assobiador, sim. Mané Garrincha surgiu, e com ele o diálogo:

“— Onde aprendeu esse samba, Neném?
— Não aprendi, Crioula. É meu.
— Seu? E tu é sambista?
— Não sou, mas dou meus assobios.

“A música era gostosa. Faltava a letra. Ali mesmo, entre pratos e panelas, Mané Garrincha preparou a primeira parte. Depois do almoço, saiu a segunda. Elza deu uns retoques, e veio o batismo: “Receita de Balanço”.

“— Vou gravar esse samba, Neném.
— Deixa pra lá, Crioula.
— Mas, ele é muito bonito.
— Então, é todo seu.”

A reportagem de Mário de Moraes também destacou o interesse imediato da Odeon, que imediatamente agendou a gravação do samba semanas depois de ouvi-lo. “Receita de Balanço” integrou um disco vinil compacto com mais três sambas. “O morro”, “Bossambando” e “Na roda do samba”. Garrincha formou a lista de compositores do pequeno álbum com gente bamba. Além do Mané, estavam lá, no vinil, músicas assinadas por Carlinhos Lyra, Helton Menezes e Orlandivo, que, lamentavelmente, morreu neste ano.

OUÇA AQUI “PÉ REDONDO”: http://www.musicasamba.com/elza-soares/um-show-de-elza/pe-redondo-garrincha/


Angelita Martinez

Antes da sensacional, épica, cinematográfica e dançante história de amor de Garrincha e Elza Soares, Mané manteve, em 1958, um flerte acalorado com uma das mais destacadas vedetes brasileiras do teatro rebolado: Angelita Martinez, que foi filha de outro ídolo do futebol brasileiro, o zagueiro Barthô, que brilhou na já extinta A.A.São Bento (sendo campeão paulista em 1925) e no antigo C.A.Paulistano, com o qual conquistou vários títulos e no qual jogou ao lado de Friedenreich e Filó Guarisi.

Angelita, destaca Ruy Castro na excepcional biografia “Estrela solitária — Um brasileiro chamado Garrincha” (Companhia das Letras/ 1995), chegou a manter um relacionamento com o ex-zagueiro Pavão, do Flamengo, e outro bem mais rumoroso e turbulento com o ex-presidente João Goulart, que parou inclusive nas páginas policiais. Mas com Mané foi mais tranqüilo e célere.


Angelita e Pavão

Em 1958, o genial (e inveterado rubro-negro) Wilson Baptista compôs, em parceria com o bicheiro Jorge de Castro e Nóbrega de Macedo, a marchinha “Mané Garrincha”. Escalaram Angelita Martinez para dar voz à canção. Preocupados em fazer da marcha sucesso no Carnaval de 1959, encontraram como estratégia uma visita surpresa de Angelita a General Severiano, em pleno treino da moçada do Botafogo. Ela, obviamente, sedutoramente vestida com a camisa alvinegra. Somente isso e as fotos publicadas pela imprensa de Garrincha ao lado dela poderiam — acreditavam os sambistas — emplacar a marcha.

No campo do Botafogo Angelita reinou naquela tarde. Posou ao lado de Mané para os flashs e um gabola Garrincha virava-se para os companheiro a dizer: “Vocês são uns trouxas. O degas aqui está com tudo.”

Ruy Castro escreveu que naquele mesmo dia Garrincha e Angelita iniciaram um caso. Àquela altura, Garrincha morava, no Rio, com Iraci, a rival de Nair – a primeira esposa de Mané —, que morava em Pau Grande com a filharada do casal.

Para tentar despistar Iraci, dizia: “Amor, hoje não vou poder ficar. A Angelita vai ensaiar a minha música e quer que eu escute” ou “Amor, estou chispado. Tenho de ir com Angelita num baile em que ela vai cantar a minha música”. E a música foi mesmo longe.

A letra da marchinha diz: “Mané, Mané /Até hoje meu peito se expande/ Mané que brilhou lá na Suécia/Mané que nasceu em Pau Grande”. Esta última frase era a mais efusiva nos shows de Angelita, quando a plateia, sarcasticamente, alterava a letra e cantava (em alto e bom som): “Mané que nasceu de pau grande”. Sobre isso, assim escreveu Ruy Castro: “Com toda a sua quilometragem masculina, [Angelita] nunca vira ninguém como ele. Garrincha devia ter em torno de 25 centímetros.”

A diretoria do Botafogo parecia não implicar com o relacionamento de Mané e Angelita, apenas João Saldanha torcia o nariz. A marchinha teve um sucesso tão efêmero quanto o caso dos dois amantes.

Como destaca o historiador da MPB, Renato Vivacqua, Garrincha foi, talvez, o jogador mais citado em sambas. O mesmo Jorge de Castro, com Luiz Wanderley, compôs “O feiticeiro da pelota”, cujo áudio, infelizmente, não conseguimos obter, mas vai lá a letra: “Olé, Olé, O feiticeiro da pelota é seu Mané/ Garrincha em Viña del Mar/ Fez a platéia vibrar/ O feiticeiro do mato/ Foi o herói do bi-campeonato.”

Mais recentemente, o ardoroso botafoguense Vinícius Cantuária fez singela e gostosa homenagem ao Botafogo, destacando na letra, claro, Mané Garrincha.

Garrincha foi assim, samba no gramado, samba na vida. Samba no destino. Um épico samba de todos nós.