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QUE PAIXÃO É ESTA?

por Zé Roberto Padilha


Um Whisky antes, um cigarrinho depois. Esta era a receita do cinema brasileiro da década de 70, de Roberto e Reginaldo Farias, para se alcançar uma paixão que se colocava no meio do filme. A música era a Bossa Nova e a garota a ser conquistada era a de Ipanema. A outra paixão, o futebol, aparecia antes na tela como aperitivo. Era o Canal 100, de Carlos Niemeyer, e as jogadas, cadenciadas e esculpidas, pareciam passar em câmera lenta para acompanhar a trilha sonora. De repente….

O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!! O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!!

De repente, este grito se tornou mais forte por toda a cidade de Três Rios. Bares adotaram as cores rubro-negras, embaixadas foram inauguradas e vários ônibus partiram antes das 17h para o Maracanã em meio a uma enorme euforia. O filme que passava naquela quarta-feira tinha Flamengo antes, durante e depois. E eu me perguntava: de onde veio esta súbita comoção? Do gramado para a sociedade impossível, porque o nível técnico por lá emanado despencou. Seu craque maior, Diego, saiu do Brasil quando a 8 lhe cabia e, tal como Nenê, recebeu a camisa 10 na volta para reger músicos à altura da sua batuta. E se não veio do gramado, de onde eclodiu esta paixão?


O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!! O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!!

O torcedor ganhou com a Internet uma poderosa ferramenta de confronto, não de interação social. Facebook e WhatsApp têm colocado fogo alto nos debates políticos e esportivos, e jogado banho maria sobre postagens ao amor e ao idealismo. Se enviam mensagens à mulher amada poucos compartilham, mas se sacaneiam um tricolor, debocham de um vascaíno, alcançam milhares de seguidores. Sendo assim, no lugar da camisa Lacoste, da calça jeans da Fórum e uma pitada no pescoço de Azarro, o traje da conquista foi substituído pela camisa do Flamengo sobre uma calça ou bermuda surrada. A namorada? Que espere o resultado depois.

O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!! O dá-lhe Ô, O dá-lhe Ô!!

Sou saudoso. E não saudosista. Como tricolor carrego um enorme orgulho de ter defendido um ano esta nação. Mesmo assim, tenho o direito de sonhar que no CD do carro do meu filho vá tocar Tom Jobim. Que seja poupado da musica da Anitta, não da presença da morena ao lado, mas que ouça um dia Chico Buarque de Hollanda. E que numa quarta-feira à noite da Libertadores da paixão, leve minha futura nora para jantar à luz de velas, e esquecer, nem que seja por uma partida, refletores midiáticos que transformaram Trauco em Junior, Rômulo em Adílio e Diego em Zico.

CULPA DA BOLA

 

por André Felipe de Lima


Em outubro de 1998, estava este jornalista de repórter da Folha de S.Paulo, no gramado do estádio Caio Martins, em Niterói, acompanhando um “chuvoso” clássico entre Botafogo e Palmeiras, treinado, na época, pelo Luiz Felipe Scolari.

O Botafogo enfiou 3 a 1 goela adentro do Verdão. Por milagre, o Alvinegro não sapecou mais gols na “peneira” palmeirense. No papel, é verdade, o time paulista estava em melhor fase, mas era dia do Fogão.

Como repórter de um jornal paulistano, tive de postar-me ao lado do banco de reservas do Palmeiras. Felipão estava louco da vida com o time em campo. Gritava ensurdecedoramente. Eu, quietinho, sofria com a intensa chuva que jorrava sobre mim. Sem capa, sem nada. Resfriado iminente. E foi, na mosca, dias depois. Mas voltemos à peleja.

A cada ataque do Botafogo, Felipão gritava e, em seguida, virava-se para mim com um olhar de reprovação. Jamais saberei se ele me definiu como um seca-pimenteira (completamente encharcado, frise-se) ou se olhava-me como se pedisse um ombro amigo. Considerando o estilo “mimoso” do Felipão, confio mais na primeira hipótese.


(Foto: Gazeta Press)

Mas vamos lá. Terminou o primeiro tempo com o Fogão metendo dois gols (França e Túlio). Paulo Nunes descontou no segundo tempo para o Verdão, mas ainda coube mais um do Botafogo, com Bebeto.

Fim de papo, corri imediatamente atrás dos jogadores do Palmeiras para obter “explicações” para a pífia performance em campo.

Felipão falou educadamente comigo e disse, evidentemente sem citar nomes, embora eu perguntasse insistentemente para que desse nomes aos bois, que o time foi um bagaço. “Não é assim que se joga futebol. Vi muita coisa que não gostei e não admito isso no Palmeiras. A bola (vejam bem, leitores, a “bola”…) é redonda para todos, e o Botafogo estava mais ligado no jogo.”


Felipão estava injuriado, e com inteira razão. Saquei imediatamente que a figura mais polêmica — aos olhos do treinador palmeirense — era o zagueirão Júnior Baiano. Corri até ele e emendei a clássica pergunta de repórter boleiro: “Ô, Júnior Baiano, a que você atribui um jogo tão ruim do Palmeiras?”. Baiano não se fez de rogado. Foi rápido na resposta como se estivesse dando um carrinho em um desavisado: “A bola. A bola foi a culpada. Estavam todas murchas”.

Foi a primeira vez que vi um jogador culpar a bola após uma derrota. Esse é o grande Júnior Baiano. Zagueirão, boa praça e, queiram ou não, ídolo de muitos palmeirenses e, também, de rubro-negros, sãopaulinos e até mesmo de alguns vascaínos.

Hoje é aniversário do zagueiro Júnior Baiano. Parabéns ao ídolo!

VIVA O GOL!!!!

 

:::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


(Foto: Nana Moraes)

Existem dois tipos de goleadas, a do time que joga ofensivamente, parte para dentro e se desguarnece na defesa e a dos que se acovardam tentando garantir um resultado. Ah, mas esses medrosos quando levam o primeiro gol, a porteira se abre e aí vira festa.

Unai Emery, técnico do PSG, foi covarde e pagou por isso. Ele achou que ainda treinava o Sevilla, onde esse tipo de esquema pode até funcionar. Mas o PSG não é Sevilla e não merecia uma postura covarde dessas.

O Barcelona é maravilhoso porque não muda o seu esquema de jogo. Na verdade, muda de ofensivo para muito ofensivo, dependendo da circunstância. E como pode um time que nem jogou tão bem assim dar de seis no PSG, um gigante do futebol mundial?

Porque quando gigantes são comandados por mentes apequenadas o resultado é esse. Vivemos isso anos e anos com a seleção brasileira e investir no futebol retranqueiro deu no que deu.


Será que essa dupla de zaga brasileira, Thiago Silva e Marquinhos, continuará sendo tratada como a melhor do mundo? Dante, David Luiz e tantas outras estrelas inventadas continuam por aí enganando os trouxas, não a mim. No final do jogo, Thiago Silva disse que não se envergonhava. Tá maluco?

Quando estava no Flamengo tomei de seis do meu Botafogo e nem conseguia sair na rua, mas não chorei sentado na bola, não!!! Perder faz parte, goleadas fazem parte do espetáculo, mas covardia tem seu preço e o PSG pagou.

À noite, teve o jogo do Flamengo contra um time que está em greve, andava em campo e nem dá para analisar. Espero que a torcida rubro-negra não se iluda com esse jogo, pois o time do Papa foi bem representado por seu goleiro, o papa-tudo, kkkkk!!!!

No mais é dar vivas ao Neymar, Suarez e Messi!!! Viva o Barcelona!!! Viva o futebol ofensivo!!! E tomara Deus que esses vivas um dia voltem a ser nossos!!!


– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 14 de março de 2017.  

PATESKO QUE ENCANTAVA SALDANHA

 

por André Felipe de Lima


A história de Patesko, um grande ídolo do Botafogo e do Nacional de Montevidéu, nas décadas de 1930 e 40, é o retrato mais comum do deslumbrante e, ao mesmo tempo, assustador mundo do futebol. Ponta-esquerda veloz e muito habilidoso, ele foi um craque que esteve em duas Copas do Mundo, as de 1934 e de 1938, esta, ao lado de Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Batatais, Tim, Hércules e Machado. Foi um jogador cobiçado pelos grandes clubes, inclusive do exterior, como os argentinos San Lorenzo, de Buenos Aires, e Gymnasia y Esgrima, de La Plata. Em 1937, o Flamengo tentou o seu concurso, mas o destino seria mesmo General Severiano, chão alvinegro.

Na Copa de 38, Patesko por pouco não foi afastado do escrete. O técnico Ademar Pimenta o acusara e ao meia-esquerda Tim de beberem além da conta. Pimenta, que os definia como uma ala leve, mas pesada de tanto “chope”, confirmara anos depois ter pedido o desligamento dos dois. Em um primeiro momento, o técnico manteve Patesko no time e deixou Tim no banco. Mas a situação degringolou. Muitos na imprensa alegavam existir um protecionismo dirigido aos jogadores do Botafogo naquela delegação de 38, o que, de certa forma, teria, inicialmente, ajudado mais ao Patesko que ao Tim, que jogava no Fluminense. O presidente Getúlio Vargas teria inclusive pedido que a CBD e o treinador escalassem a dupla botafoguense Perário e Patesko na esquerda do ataque. Pimenta resistiu e acabou optando por Perácio e o tricolor Hércules.

No Botafogo, Patesko brilhou ao lado de um Heleno de Freitas em começo de carreira e ele, Patesko, no fim dela. Bem antes da longa permanência no Alvinegro carioca, o grande Patesko vestiu a camisa do uruguaio Nacional, no qual se destacou — e foi campeão do país em 1933 — ao lado de craques do passado, como o próprio Domingos da Guia, Eduardo García, José Nasazzi (campeão da Copa do Mundo de 1930), Arsenio Fernández, Miguel Andriolo, Marcelino Pérez, Juan Miguel Labraga, Héctor Castro (outro cobra campeão mundial), Pedro Petrone e Enrique Fernández.


Muitos anos após abandonar a carreira, completamente distante do badalado universo do futebol, Patesko foi sucumbindo ao ostracismo. Chegou a verdadeiramente sumir do mapa no começo da década de 1960. A mãe dele, dona Antonia, que morava na pequena Prudentópolis (PR), ficou desesperada. Havia cerca de 10 anos que não via o filho. Ninguém sabia de Patesko, que na ocasião do longo sumiço trabalhava no Hipódromo da Gávea, no Rio de Janeiro. A mãe enviava cartas. Ele jamais as respondeu.

Na madrugada do dia 13 de março de 1988, o craque curitibano, amante do futebol e do turfe, morreu só e tuberculoso, em um hospital de Curicica, em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio. Ninguém reclamara o corpo do ídolo do passado até um fã ligar para o hospital e, em seguida, avisar ao Botafogo da morte de Patesko.

A diretoria do clube, sabendo da notícia, providenciou um enterro digno para um dos grandes nomes do futebol brasileiro na primeira metade do século 20, o paranaense Rodolfo Barteczko, ou simplesmente Patesko, um ídolo cuja trajetória serve de alerta para aqueles que um dia almejam o estrelato no, na maioria das vezes, ingrato mundo da bola.

Ao saber da morte de Patesko, João Saldanha, mas botafoguense que brasileiro na alma, recordou, muito triste: “Notável extrema-esquerda do Botafogo e da Seleção Brasileira. Jogava muito”. E, pelo que se lê sobre o craque do passado, é a mais pura verdade o que disse Saldanha, fã confesso de Patesko.

Nossa singela homenagem ao saudoso ponta-esquerda Patesko, ídolo do futebol nacional que está no volume da letra “P” da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques”.

Curta a fan page da mais completa obra sobre os maiores craques da história do futebol nacional. Os volumes das letras “A” e “B” estarão em breve nas principais livrarias online.

VEJAM UM RARÍSSIMO REGISTRO EM VÍDEO DO PATESKO:

PATESKO NA COPA DE 38 CONTRA OS TCHECOS:

UM CRAQUE CHAMADO EDUARDO SACHERI

por Claudio Lovato


Eduardo Sacheri (Foto: Romina Francheschin)

Aproveitei a parada do Carnaval para revisitar “La vida que pensamos” (editora Alfaguara, 2013), reunião de contos de futebol de autoria de Eduardo Sacheri. Nascido em Castelar, na província de Buenos Aires, torcedor do Independiente de Avellaneda, Sacheri foi coautor do roteiro de “O segredo dos seus olhos”, adaptado do seu livro homônimo, estrelado pelo grande Ricardo Darín e ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010. Quem, entretanto, acompanha a carreira de Sacheri sabe o quanto é fundamental e realizadora para ele a criação de histórias sobre futebol.

Seu primeiro livro de contos, “Esperándolo a Tito”, publicado em 2000, trazia uma sensacional coletânea de “relatos futboleros”. Depois vieram outros – “Te conozco, Medizábal”, “Lo raro empezó despues”, “Un viejo que se pone de pie” e “Los dueños del mundo”. “La vida que pensamos” é uma seleção de histórias de todos esses livros, com o acréscimo de trabalhos inéditos. O conto que abre o livro é, significativamente, “Esperándolo a Tito”, um clássico aflitivo e emocionante do craque que foi jogar na Europa e é aguardado pelos amigos do bairro para a disputa de uma pelada decisiva em vários aspectos.


Durante a leitura do 23 contos que compõem o livro percorrem-se os caminhos que explicam o amor profundo e irremediável pelo futebol (se é que possível explicar algo assim), amor nascido na infância, na pureza das primeiras disputas com os amigos nas calçadas da vizinhança e nas primeiras idas ao estádio pela mão do pai ou do avô.  

Sacheri transforma o corriqueiro em transcendental, porque escreve com alma sobre aquilo que o apaixona, com a destreza dos grandes escritores. “La vida que pensamos”, como salientei, começa com “Esperándolo a Tito”, mas no texto que o precede, a “nota do autor”, está bem explicado o porquê de Eduardo Sacheri ser um dos meus heróis na literatura. (A tradução é minha, mas podem confiar.)

“Perguntaram-me muitas vezes por que escrevo contos de futebol. Trata-se de uma pergunta incômoda. Não porque essa curiosidade seja inadequada. Mas sim porque não estou totalmente seguro de ter uma resposta. Às vezes sinto que não tenho nenhuma. Outras, que tenho várias. Gosto de contar histórias de pessoas comuns. Pessoas como eu mesmo. Pessoas como as que sempre povoaram a minha vida. Sequer sei por que são essas as histórias que me cabem contar. Talvez porque me seduza e me emocione aquilo que há de sublime em nossas existências ordinárias e anônimas. Nessas vidas, com frequência habita o futebol. Porque o jogamos desde pequenos. Porque amamos um clube e sua camisa. Porque é uma dessas experiências básicas nas quais se fundamenta nossa meninice e, portanto, aquilo que somos e seremos. Creio que todas as histórias que contamos busca acessar, de um modo ou de outro, os grandes temas que governam nossas vidas como seres humanos. O amor, a dor, a morte, a amizade, a angústia, a traição, o triunfo, a espera. E, no entanto, não é simples ingressar nesses temas de frente e sem atalhos. O futebol, como parte dessa vida que temos, é uma porta de entrada a esses mundos íntimos em que se jogam assuntos muito mais definitivos. Um cenário, ou um pano de fundo, das coisas essenciais que marcam e definem todas as vidas”.