RECEITA DA FELICIDADE
por Sergio Pugliese
Pôster. O grupo da Pelada da SimFarma, no Clube Grama Sintética – Terceiro / Agência O Globo
Há alguns anos, a revista médica “European Heart Journal” divulgou pesquisa reforçando o que nós e a torcida do Flamengo já sabíamos, mas nunca é demais lembrar: os estressados têm mais chances de sofrerem ataques cardíacos, de empacotarem antes do previsto, de subirem para o andar de cima precocemente, de irem para o vestiário mais cedo. Assim sendo, cumprimos aqui nosso papel de colaborar com esses potenciais homens-bomba e avisá-los sobre algo de extrema importância: passem longe da Pelada da SimFarma, no Clube Grama Sintética, no Gragoatá, Niterói.
— Aqui só sobrevivem os com nervos de aço — adiantou Júnior, o Juneco ou Tufão, um dos fundadores.
(Foto: Reprodução)
A única segurança dos que se aventuram ali é o fato de a SimFarma, antiga Tamoio, ser uma rede de farmácias de São Gonçalo, e remédio não faltar numa emergência. Precavidos, alguns atletas apelam ao Rivotril sublingual só para aturar as encarnações de Charlão Brocador, Cleber, Jaílson, o Jajá, e do goleiro Boca. Ali, as apostas ajudam a elevar a temperatura. Uma delas é para cada caneta ou lençol levado, duas cervejas. E o pior em campo, “a baranga”, é obrigado a jogar vestido de mulher na semana seguinte. Buylling é fichinha. No dia de nossa visita, Vinícius canetou Márcio e a encarnação foi tanta que o pobrezinho se mandou sem deixar vestígio, e, o mais grave, sem pagar a dívida.
— Sua atitude antidesportiva será avaliada pelo conselho — avisou Adelino, um dos líderes do grupo, com Roni Artilheiro, Charles e Marcinho Marinheiro.
As partidas são de excelente nível, afinal o grupo é formado por vários ex-profissionais, como o cracaço Alberoni, do Vasco, Inter de Milão e campeão mundial sub 17; Jajá, do Blue Star, da Suíça; Baratinha, do D. Pedro, do Espírito Santo; Boca, do Itaperuna; Cleber, do Bahia; Adelino, do União São João; e Pablito, cobra criada do futsal. Mas naquela noite de quarta-feira, Jajá destacou-se e, inspiradíssimo, driblou, lançou, pedalou e balançou as redes inúmeras vezes. Cada pintura, uma pose para o clique de Daniel Oliveira, nosso correspondente internacional de Niterói. Nas disputas de 10 minutos ou dois gols, só perdeu uma para Alberoni e no par ou ímpar.
— Ele quis aparecer para vocês, nas últimas semanas tem perdido todas — entregou Mansur, que, após ter cometido pênalti cortando um cruzamento com a mão, virou Mãosur.
Do lado de fora, poupado por problema “de junta”, Charlão Brocador infernizou a vida dos companheiros, em sua maioria representantes farmacêuticos e funcionários da SimFarma. Talvez por isso, o craque aposentado tenha sugerido tantos remédios em suas cornetadas. Para Vinícius, “perdido em campo”, receitou comprimidos contra labirintite. Para Erto, “morto com farofa”, sugeriu Targifor, tradicional fortificante. Na ausência do goleiro Azul, nada a ver com Viagra, apenas a cor de seus olhos, sobrou para Tardelli, balconista do bar do clube. Após o segundo frango, Brocador deu a solução, “colírios Moura Brasil”. A gritaria era tanta que Lorenzo Carlos, de 1 ano; e Yan, de 9, filhos do gigante Cleber, choravam sem parar, na beira do campo… de batalha.
— Dá chá de camomila para essas crianças — gritou Brocador.
Mas quem precisava mesmo de tranquilizante era o pai. Zagueiro experiente, Cleber quase enlouqueceu com os atacantes Baratinha, Pablito e Alberoni, e abriu a caixa de ferramentas. Pau puro ao lado de Bubu! A pelada não tem árbitro. Todas as tentativas de contratar um foram frustradas e vários tiveram cartões e apitos arrancados da mão. Ninguém se arrisca, só Jiraya, outro vetado pelo departamento médico, garotão com apelido de ninja. Quem vai encarar? De repente, o choro das crianças cessa. Na de fora, Jajá, sósia do ator Aílton Graça, usou seu carisma e, claro, uma bola para distrair os filhos do camarada.
— Sou dupla função, em campo garçom; fora dele, babá — brincou.
Na resenha, churrasquinho sagrado de Cosme e Dan, as encarnações continuam. Boca lembrou do amistoso no Espírito Santo, farra bancada pela direção da farmácia. Muitos entrariam num avião pela primeira vez, como era o caso de Jajá. No aeroporto, durinho da Silva, Jajá ouviu que precisaria fazer o check-in. “Chequinho?”, perguntou para Boca. E emendou: “Não tenho um puto no bolso”. Explosão de risadas! Vinicius, Bubu, Gustavo, Felipe Toca Nada, Leandro, o galã grisalho, e os gêmeos Dudu e Lala não trocam aquele momento por nada! Alberoni mandou descer mais duas! Aplausos, afinal Engov não é problema para os patrões.
E a rapaziada varou a madrugada bebendo, rindo, extravasando e comprovando que não existe no mercado Lexotan mais eficaz do que estar entre grandes amigos.
Texto publicado originalmente no site do Jornal O Globo em 30 de março de 2014.
PELÉ ETERNO X MESSI
por Serginho 5Bocas
(Foto: Reprodução)
Pelé é o maior jogador de futebol de todos os tempos e maior atleta do século XX e continua com sua fama inabalável mundo afora. Mas olha que no seu próprio terreiro, tem muita gente boa que vive duvidando dele, se era mesmo essa “Coca-Cola” toda, se sobrava na turma… vê se pode?
Não pude vê-lo em ação em sua plenitude, mas ouvi muito a seu respeito de muita gente boa e que sempre pude confiar,. Depois o filme “Pelé eterno” veio para confirmar minhas expectativas, o cara era sobrenatural mesmo, um espanto.
Mas vamos ao que interessa, ao duelo da vez, pois de tempos em tempos a imprensa catapulta algum candidato a superar o rei Pelé, e pobre de nós que temos que ficar ouvindo esta ladainha, esta história surrada amiúde.
O cara da hora é o Messi, então vamos pra porrada!
(Foto: Reprodução)
Pra inicio de conversa, vou fazer uma breve observação: um craque só pode ser “medido” ao final da carreira, que é quando podemos analisar seu legado. Comparar um jogador que já deixou sua herança com outro que ainda está na sua plenitude pode ser injusto, mas vamos lá, o desafio está na mesa:
Clubes:
(Foto: Reprodução)
Pelé jogou no Santos e fez dele o maior clube do mundo de sua época, o Santos não era muita coisa antes de Pelé, nem foi depois, o negão era transformador…
Messi joga no milionário Barcelona, clube que sempre foi rico e continuará sendo. É inegável que o Barça com Messi é muito melhor do que sem ele, e as suas atuações são imperdíveis a cada rodada, mas Messi não fez o Barcelona, é só recordar quem esteve por lá nos últimos anos: Cruyff, Maradona, Romário, Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, entre outros… Queria ver o Messi jogar num clube de menor expressão e torna-lo forte como Pelé fez com o Santos, com muita propriedade.
Nessa não tenho dúvida em cravar o Rei:
PELÉ 1X0 MESSI
Seleção:
Pelé foi campeão do mundo com 17 anos, fez seis gols em quatro jogos e marcou na final, decidindo a Copa de 1958 nos jogos de maior dificuldade. Jogou quatro Copas e venceu três delas, fazendo 12 gols em 15 jogos e balançando a rede em duas finais de Copa do Mundo. Não é pouco, né?.
(Foto: Reprodução)
Messi já foi a três Copas e não conseguiu fazer a diferença pela seleção argentina. Atualmente, Messi tem tido atuações espetaculares e sua média de gols pela Argentina vem crescendo, mas vamos esperar a Copa de 2018 para dar um veredito mais consistente.
Por hora, ponto fácil para a fera:
PELÉ 2X0 MESSI
Títulos:
Pelé pelo Santos venceu: dez paulistas, quatro torneios Rio-São Paulo, seis brasileiros, duas Libertadores e dois mundiais, sem contar os títulos de menor expressão. Venceu muito por aqui, quando atuar no Brasil, era jogar num campeonato de alto nível. Pela seleção, como já foi dito, venceu três Copas do Mundo em quatro disputadas e conquistou outros títulos de menor expressão. Entre os inúmeros prêmios individuais que não cabe na crônica, destaco o de atleta do século dado por várias entidades.
(Foto: Reprodução)
Messi já venceu pelo Barcelona oito campeonatos espanhóis, quatro Liga dos Campeões e três mundiais de clubes, sem contar também com torneios de menor valor. Pela Argentina, venceu um mundial sub-20 e uma Olimpíadas. Individualmente, já tem uma lista extensa de premiação, com destaque para a Bola de Ouro da FIFA, que já venceu 5 vezes, mas ainda não conquistou a Copa do Mundo, aí…
Essa foi a disputa mais dura e Messi tem tudo para ultrapassar o Rei neste quesito num futuro próximo, mas ainda não dá pra ele, fico com o Rei de novo, e olha que não havia Bola de Ouro da FIFA naquele tempo, valeu? Se tivesse quem derrubaria o Rei?
Ponto para o ET
PELÉ 3X0 MESSI
Gols:
Não acredito que Messi possa fazer tantos gols quanto o Rei até o final de sua carreira, mas é um dos poucos que poderiam chegar perto ou incomodar.
(Foto: Reprodução)
O problema é que Messi arrancou tarde, ele está bem próximo do seu apogeu, que em média vai dos 25 aos 30 anos, após isto a tendência é reduzir a marcha. Messi faz 30 este ano e a favor do argentino pesa o fato de que ele se contunde muito pouco, talvez pela sua juventude e genética. Além disso, seu time toca muito a bola, evitando mais contato, mas a musculatura hoje é mais exigida pela velocidade atual do jogo, em contrapartida, a medicina evoluiu muito, recuperando os jogadores cada vez mais rápido.
Tai uma grande interrogação. Só o tempo dirá se Messi manterá essa média de gols incríveis, mas só para apimentar a discussão, com 21 anos Pelé já tinha 500 gols e com 29 fez 1000. Acho bom o Messi se apressar, senão não chega nem perto do Negão.
Nessa ele deu capote!
(Foto: Reprodução)
PELÉ 4X0 MESSI
Acho que já está bom parar por aqui, ou alguém vai tirar algum coelho da cartola?
Quer saber de uma coisa pessoal, Rei só tem um e é brasileiro. Que orgulho do rei ser nosso!
Vamos parar de palhaçada!!!!
A DEFESA INESQUECÍVEL
por Victor Kingma
O dia, me lembro bem: 15 de dezembro de 1963. Era o segundo jogo que eu assistia pela televisão. O primeiro, exatamente um ano antes, havia sido um desastre: o meu Flamengo, dos ídolos Henrique e Dida, levou uma surra histórica do Botafogo, perdendo por 3 x 0! Sem choro e nem vela, expressão muito usada na época. Também não tinha como: na ponta direita do alvinegro estava o maior ponta direita de todos os tempos, que naquele dia estava endiabrado como nunca, fazendo jus ao apelido “O Demônio das Pernas Tortas”. Numa das maiores exibições de sua carreira, Garrincha fez dois gols e iniciou a jogada em que o zagueiro Vanderlei marcou contra. Engraçado é que mesmo frustrados pela derrota, até nós, rubro-negros, tivemos que nos render à magia dos dribles de Mané. Assistindo ao vivo, pudemos constatar que era mesmo verdade o que os vibrantes radialistas, como Waldir Amaral, Jorge Curi e Fiori Gigliotti, alardeavam nas transmissões esportivas.
Bem, mas aquela tragédia já era passado. Agora, exatamente um ano depois, as atenções se voltavam para mais uma decisão do Campeonato Carioca. A imagem da transmissão pela TV Rio, Canal 13, nunca esteve tão boa. Afinal, a antena tinha sido colocada bem no alto do morro e ainda levantada por um imenso bambu para melhorar o sinal. A sala da fazenda do meu saudoso avô, o velho holândes Jan Kingma, o único a ter essa novidade por aquelas bandas da Mantiqueira, estava mais uma vez superlotada.
Naquele dia, nos áureos tempos das decisões regionais, 194.603 torcedores, o terceiro maior público da história do futebol, e o maior entre jogos de clubes, estavam no Maracanã.
Dessa vez as nossas esperanças eram depositadas nas arrancadas pela direita do veloz ponteiro Espanhol e nos gols do centroavante Airton, da renovada equipe rubro-negra. Aliás, do time do ano anterior, apenas o ponteiro e os meio campistas Carlinhos e Nelsinho estavam de novo em campo. Gerson, a grande revelação, havia sido vendido ao Botafogo após desentendimentos com o treinador Flavio Costa que, contra a sua vontade, o tinha escalado na ponta esquerda na decisão de 1962, para ajudar o lateral Jordan na inglória missão de marcar Garrincha. Já demonstrando sua personalidade forte o “Canhotinha de Ouro”, embora em início de carreira, não se conformou de ter sido colocado fora de posição e naquela fria. E acabou saindo precocemente do clube.
O Flamengo jogava pelo empate, mas, depois de um primeiro tempo equilibrado, na volta do intervalo parecia que a história ia se repetir: o Fluminense, comandado pelo lendário técnico paraguaio Fleitas Solich, conhecido como “El Brujo”, partiu todo para o ataque. O gol que daria o título aos tricolores, tudo indicava, era questão de tempo. Mas aí um personagem passou a brilhar diante daquelas quase 200.000 pessoas: o goleiro Marcial. Com apenas 22 anos e recém chegado do Atletico Mineiro, o jovem arqueiro passou a realizar uma sequência de defesas espetaculares, demonstrando uma calma impressionate, como se tivesse encarnado naquela decisão toda a experiência de Castilho, o consagrado goleiro rival.
Numa dessas defesas, quase no final da partida, o ponteiro esquerdo Escurinho, que já havia chutado uma bola no travessão, chegou frente a frente com o arqueiro… Todos os torcedores que se amontoavam na sala da fazenda naquele dia se levantaram: os tricolores e a turma do contra pra gritar gol e os rubro-negros na esperança de mais uma defesa milagrosa do nosso goleiro. Eu, com 10 anos, e em meio a todo aquele tumulto, abaixei a cabeça para não presenciar a nova tragédia.
De repente a explosão dos rubro-negros: – defendeu Maciel!!! Gritou um dos mais eufóricos, até errando o nome do nosso goleiro. O jovem Marcial, que por sinal futuramente ia se tornar médico, havia “literalmente“ operado mais um milagre.
Pouco tempo depois o jogo acabou. E por justiça do destino com a bola nas mãos do herói daquela decisão, após ter interceptado um cruzamento do ataque do Fluminense. Talvez o árbitro do jogo, Claudio Magalhães, que presenciou de perto aquela exibição de gala, quisesse lhe prestar essa homenagem. Assim todos os flashs dos fotógrafos estariam voltados em sua direção.
Apesar de toda a euforia por ter assistido pela primeira vez o meu time de coração ser campeão, ficou uma pequena decepção por não ter visto a espetacular defesa, tão alardeada pelos meus amigos flamenguistas.
Somente muitos anos depois, já morando na cidade e assistindo a um documentário sobre o Canal 100, eu pude, finalmente, assistir àquela defesa impressionante, daquela memorável decisão de 1963.
HOW MUCH IS THIS?
por Zé Roberto Padilha
Era uma jogada boba disputada em um treinamento de dois toques, terça-feira, no Estádio do Arruda, às vésperas do embarque do Santa Cruz FC para o Maracanã, onde enfrentaríamos no dia seguinte o Fluminense pelo Campeonato Brasileiro de 78. Aos 26 anos, na melhor fase da carreira, pretendido pelo Internacional, fui disputar a jogada com o freio de mão puxado, mas Pedrinho, um lateral esquerdo gladiador, que veio do Bangu, entrou dividindo de verdade. E dividiu, naquele lance, os rumos da minha carreira ao acertar meu joelho esquerdo. Nunca mais fui o mesmo. Passei por várias cirurgias depois que a primeira foi uma barbárie cometida por um plantonista do SUS, já que o DM do Santa Cruz esgotara seus recursos e ainda colocara em cheque minha contusão.
Em meio a tratamentos, dificuldades para a renovação do contrato, cobrança da imprensa que questionava minha ausência na ponta esquerda, eis que surge para o clube coral uma proposta de excursão a Europa e Arábia Saudita. E vinte e uma passagens foram disputadas como jamais vi em minha vida. Sem condições clínicas, soube que precisariam de um intérprete. E não fiz por menos: na semana que antecedia o embarque, ao chegar ao clube para tratamento, passava pela sala do supervisor Edgard Campos e soltava: “How are you, my friend? Good Morning” O supervisor do clube, assustado com tamanha intimidade com a língua que abriria os caminhos lá fora, exclamava: “Caramba, Zé, você fala inglês?” Sempre estudei muito inglês e nunca falara. Acho que ele circulava dentro do meu corpo e só não se aproximara ainda da língua. Mas naqueles dias eu precisava gastar o pouco que sabia. Convenci uma banca pouco exigente e embarquei para a melhor excursão da minha vida.
Excursão do Santa Cruz
Não foi difícil minha tarefa. Carregar aquele bando de homens pelas ruas de Ryad, Doha e Dubai entre barracas de ouro, pedras semi preciosas, e diante de uma balança dizer apenas a palavrinha mágica: “Abra-te sésamo!” Isto é “How much is this?” Mas minha pior atuação foi acumular como guia turístico. Três anos antes havia estado em Paris com o Fluminense. E entre assistir Emannuele, com Silvia Kristel, e comprar um LP do Black Sabbath mais um pôster da reta oposta de Monza com Cevért, Hill, Regazzoni e Bruce MacLaren disputando a ponta, fiquei com o LP e o pôster, desprezando a pioneira da sacanagem explícita nas telinhas.
Na volta ao Brasil, poucos me perdoaram por não assistir o primeiro dos filmes eróticos de todo o mundo, proibido no país pela censura militar e alvo de cobiça em qualquer conversa na cidade do Rio de Janeiro. Foi imperdoável perdê-lo e não tirar onda nas rodas do La Mole, na New York City Discotheque, mas na outra oportunidade que se apresentava, disse aos meus colegas pernambucanos: “Nada de dormir na escala em Paris, todos ao cinema!”. Consegui levar oito deles comigo enquanto outros se recolheram para seus quartos. Nas telinhas de 1978, na Montparnase, em estreia mundial, a novidade era Superman. Mesmo com as legendas em inglês, o áudio em francês e o personagem principal passando na velocidade da luz, poucos entenderam o filme, mas o intérprete insistia: “Vão tirar onda em Boa Viagem. Nós vamos ver o Super-Homem antes de todo mundo!”. Eles acreditaram em mim, entraram calados, saíram mudos e nunca mais acertaram o fuso horário.
Depois da 28 dias em Paris, Grécia e Emirados Árabes, retornamos ao Brasil. A delegação seguiu para Recife carregados de ouro, histórias, recordações e eu desci em Salvador carregado de incertezas para negociar um contrato com o Bahia. Despedi da delegação no Galeão, mas quando desembarquei na capital baiana notei que entre os outdoors espalhados ao longo da pista, um deles convidava para uma pré-estréia mundial: Superman. Fiquei imaginando meus convidados querendo aqueles poderes para voar lá dos Guararapes e vir me enforcar na Bahia. Está certo que jogador de futebol não pensa, reza a lenda, mas poderia ter feito um esforço naquela ocasião: “Porque a censura iria implicar com o homem de aço se nem a Mirian Lane ele levou para a cama?”
Zé Roberto Padilha
Como era de carne e osso e meus meniscos danificados de cartilagem, fui vetado pelo DM do Bahia e desembarquei desempregado nos Guararapes. Carregava um pôster da F1, um LP de Rock Progressivo, uma pulseira de ouro para minha esposa, uma cordão para minha primeira filha e uma certeza: para sobreviver no planeta em que seus heróis da bola são esquecidos quando saem de cena, precisaria mais do que noções em inglês. Quem sabe superpoderes para entender o idioma da ingratidão e da falta de oportunidades que encontraria dali pra frente. Aí foi a minha vez de perguntar pra vida: How much is this?
GOL COM GOSTO DE PEIXE
por Serginho 5Bocas
Aquele campeonato de futebol de campo que o várzea organizou em 1992 foi histórico para o time das 5bocas.
Fomos campeões invictos com uma campanha de seis vitórias e um empate, tendo ainda o melhor ataque com 28 gols, a melhor defesa, sofrendo apenas cinco, além da artilharia do atacante Ivan. Mas o melhor daquele campeonato foi a partida final, no dia 21 de julho de 1992.
Estávamos embalados e todo mundo queria jogar naquele time. Se não me engano e não me falha a memória, a escalação do esquadrão era essa aí embaixo:
Fernando (o português), Manel (caolha), Paulão (Aldair), Jorjão e Pezão; Marcelo (cabeção), Serginho (5bocas) e Jaime (Vanusa) Alexandre, Anibal do Engenhão ou Ivan e Jurandir.
Na final, vencemos o Urupema por 7×2, com um esquema 4-3-3 para lá de ofensivo, com uma zaga firme que arrepiava quando precisava, com dois pontas bem abertos e um meio de campo leve e de muito toque de bola.
O melhor da história foi que no intervalo, quando o jogo já estava uns 3 ou 4 a zero para nós, Arnaldo (o pepeta), mistura de técnico, mecenas e reserva de luxo, lançou o desafio: vou entrar no meio do segundo tempo e se alguém me der o passe para marcar um gol, vou bancar todo o peixe e a cerveja que o time for capaz de consumir.
Arnaldo entrou com uns dez minutos da segunda etapa e acho que ele nunca recebeu tanta bola para fazer gol, só que um misterioso azar o perseguiu durante toda a partida. O cara chutava, cabeceava e nada, a bola não queria ajudar a rapaziada a comer um pescado de jeito nenhum.
Um desespero já tomava conta de todos quando lá pelas tantas, pênalti para o nosso time e quando eu já me preparava para cobrá-lo, como em todos os jogos, a “fera” chegou perto de mim e ordenou: deixa que eu faço!
Quem sou eu para minar tanta convicção? Tudo pela causa.
Não vi mais nada, só sei que o “pepeta” fez o gol de pênalti meio chorado e nunca na história deste país se viu tanta comemoração por um gol, mesmo que tenha sido o sétimo de uma sonora goleada.
De noite, a peixada comeu solta, regada a muita cerveja gelada e refrigerantes tudo na conta do Arnaldo.
Nunca um gol teve tanto sabor….de peixe!