CLAUDINHA PERIGO
por Paulo Oliveira, do site Meus Sertões
No campo de batalha, a mais valente das soldadas transforma o perigo em uma sensação maravilhosa que só quem está dentro do fogo é capaz de sentir. Faísca, chamas e explosões fazem Claudia Regina Damacena dos Santos ganhar mais coragem. Ela se joga no chão, levanta, deixa as bombas explodirem na mão. Os riscos a libertam da dureza dos dias em que não está vestida com a farda do Forte Humaitá, mostrando suas habilidades. É ela que atrai um número maior de fãs no São João da cidade de Barra, na Bahia, às margens dos rios São Francisco e Grande.
Claudinha Perigo, como é conhecida, carrega no peito duas cruzes. Uma delas, presa a um cordão, mandou pintar nas cores verde e amarela, a mesma da Agremiação Folclórica Humaitá, fundada em 1892, e que serviu para unificar a tradição de “comer fogueira” com um evento histórico, a Guerra do Paraguai, onde seus conterrâneos lutaram.
A outra cruz está dentro, perto do coração, e é vermelha. Desde que viu pela primeira vez, pintada em uma caravela em uma camisa preta e branca se apaixonou a ponto de transpô-la para sua alma. E mais tarde para o corpo, tatuando o escudo do Vasco na perna; para o vestuário e para casa, onde exibe lençóis, toalhas e o que mais lembrar o time carioca, que nunca viu jogar em um estádio e não consegue acompanhar na televisão porque o sinal de seu aparelho é fraco.
FORTES E BATALHAS
Para entender melhor a saga de Claudinha é preciso voltar no tempo. O ex-presidente, melhor seria dizer comandante, e mestre fogueteiro do Humaitá, Francisco dos Santos, o Chiota, conta que no século XVIII, Barra celebrava a fartura das colheitas acendendo fogueiras, tradição criada pelos franceses e trazidas para o Brasil pelos portugueses.
Na cidade, os produtos da roça eram amarrados em galhos de árvores, fincados no chão. Em torno deles fazia-se uma fogueira. Quando o fogo derrubava o galho, os organizadores e seus familiares, avançavam para pegar milho, batata-doce, frutas e até dinheiro que estavam presos na ramada. Esta brincadeira era chamada de “comer fogueira”.
Paulo Oliveira e Claudinha Perigo
Ocorre que alguns espertos passaram a saquear os galhos antes das fogueiras derrubá-los. Desta forma passaram a “comer fogueira no cru”. Quando as famílias resolveram se defender, colocando homens com porretes para evitar o furto das prendas, os saqueadores criaram uma estratégia para burlar a segurança: dividiram-se em dois grupos. O primeiro soltava buscapés na direção dos protetores dos galhos, enquanto o segundo pegava os produtos.
Em 1890, o major-médico Augusto César Torres, barrense que participara da Guerra do Paraguai, assim como os 29 voluntários da pátria, 80 integrantes da Guarda Nacional lotados no município e dezenas de pessoas alistadas à força, testemunhou uma disputa na fogueira da influente família Araújo e comparou o fato a uma batalha:
– Tanto fogo assim, só se viu na tomada do Forte Curuzu.
Dois anos depois foi fundado o clube que ganhou o nome da fortificação. Foi a primeira agremiação a desfilar no dia 23 de junho para celebrar o que considera um marco de resistência histórica: as batalhas que dizimaram a população paraguaia.
Em 1894, surgiu o Humaitá, e em 1905, famílias tradicionais de Barra do Rio Grande criaram o Riachuelo. A quarta agremiação, Avaí, teve vida curta. Os clubes folclóricos adotaram as cores que teriam sido usadas nos uniformes das tropas brasileiras.
Assim como no futebol, surgiu uma imensa rivalidade por questões geográficas, familiares e por classes sociais. A disputa para ver quem tem maior poder de fogo já fez muitos feridos e, pelo menos, um morto em todos estes anos. No entanto, Barra mantém a tradição
NASCE A PERIGO
Claudinha era uma menina muito levada. Brigava muito e levava a melhor na maior parte das vezes. Ela conta que um dia estava no banheiro e a boneca de uma colega caiu no vaso sanitário. Sabendo que seria acusada de jogar o brinquedo na latrina, saiu correndo e pulou quatro cercas. Até hoje não sabe onde conseguiu impulso para a façanha. O pai da outra guria então colocou a alcunha que permanece até hoje.
– Perigo é só apelido. É porque eu atentava muito quando era criança, mas graças a Deus em coisa errada não me meto – diz.
Ainda muito jovem passou a torcer pelo Humaitá, agremiação preferida por seus pais Alberto de Jesus dos Santos, seu Betinho, e Maria dos Anjos Damacena dos Santos, que moravam próximo do “forte”.
Durante o desfile, as agremiações são divididas em alas. Na frente, a linha de fogo. São de 40 a 120 soldados, vestidos com botas, casacas e calças de brim resistente, luvas de couro e capacetes. Eles carregam latas com, no máximo, 20 buscapés, que precisam ser reabastecidos durante o desfile. Ano passado, só o Humaitá soltou 3.200 fogos, feitos com limalha de ferro e pólvora.
Os buscapés levam entre cinco e sete segundos soltando labaredas. Ao final, explodem. Ao contrário das espadas da cidade de Cruz das Almas, que são soltas no chão por seus cavaleiros, os fogos não podem sair das mãos dos soldados, em Barra.
Após a infantaria, vem a cavalaria (o Riachuelo por se referir a uma batalha naval não tem esta fileira), a fanfarra, a ala das moças representando as heroínas da guerra, pelotões de estudantes e escoteiros e carros alegóricos que homenageiam personagens e fatos históricos. Em 2017, o centenário do Mercado Municipal será lembrado.
Quando decidiu se alistar no Humaitá, há cerca de 25 anos, Claudinha Perigo, 43, optou pela cavalaria. Até que um dia não conseguiu encontrar um cavalo para alugar e passou para a linha de fogo. O Humaitá ganhou a soldada mais valente entre os 200 praças que abrem os desfiles das três agremiações. Perigo já foi chamada para o Curuzu, mas não aceitou integrar as fileiras do rival.
Mesmo com problemas sérios nos joelhos que precisam ser operados, ela se agacha, deita no chão e se movimenta muito, sempre segurando dois buscapés que soltam lâminas de fogo. Já chegou até a colocar um deles na boca, correndo o risco de se ferir gravemente e perder os dentes. Deixou de fazer isto porque a mãe ameaçou tirá-la da tropa. Embora jure só ter feito uma vez, a irmã Marivânia diz que ela se arriscou de novo, recentemente.
SALGADINHOS SEM ZOAÇÃO
Longe das selfies nos dias de desfile e de convites para mostrar suas habilidades em datas como o Dia do Trabalho, Claudia vende salgadinhos, doces e sucos na porta do centenário Colégio Santa Eufrásia.
É fácil de ser reconhecida por ostentar dezenas de tatuagens, piercings, cordões e paixões. Não permite que zoem quando o assunto é o Humaitá e o Vasco, cujo escudo carrega tatuado na batata da perna. Também traz no corpo – barriga e mãos – as marcas de cinco queimaduras obtidas na linha de fogo.
Seu sonho é ver um jogo em São Januário e fazer uma exibição com os fogos no estádio que serviu de palco para seus três maiores ídolos. Na ordem: Pedrinho, Romário e Edmundo. Pela equipe cruzmaltina deixa de lado a paciência que cultivou nos últimos anos e, às vezes, discute.
– Por causa do Vasco já me aborreci porque o povo começa a me perturbar. Eu fico de boa, não gosto de zoar ninguém, mas sou danada. Não me provoque!
Em seguida, emenda como um chute certeiro:
– Sou vascaína ganhando ou perdendo; com o time na segunda, na terceira ou na quarta divisão!
Há 15 anos carrega o escudo e está juntando dinheiro para fazer uma Cruz de Malta, embora a mãe diga que não há mais espaço no corpo de Claudinha para tatuagens.
Sua explicação para não torcer por times baianos é bem simples:
– Bahia e Vitória não fazem meu tipo.
O arsenal vascaíno inclui quatro camisas, duas toalhas de banho, lençol, copo e outras pequenas lembranças. Se a família a fez gostar do Humaitá, ela fez os pais, irmã, cunhado e sobrinho se transformarem em cruzmaltinos.
“Sou fanática, Ave Maria. Quando o Vasco perdeu para o Palmeiras, fiquei retada. Quatro a zero não pode, moço. Só fui trabalhar porque não tinha jeito”.
Trabalho para Cláudia significa preparar coxinhas, rissoles, pães de queijo, bolo de chocolate, tortas e sucos durante a madrugada. Ir dormir às 3 horas da manhã e sair, pedalando sua bicicleta, às 6h30.
No caminho até o colégio para diversas vezes a fim de atender clientes. Essa batalha diária tem menos graça do que as que são travadas nas ruas de Barra e nos estádios.
A BALADA DO CANELEIRO E O SOL DA VÁRZEA
por Marcelo Mendez
(Foto: Arquivo Pé de Meia)
Foram inúmeras as vezes em que saí de minha casa para cobrir jogos de futebol de várzea pelo ABCD pensando em clássicos filmes de western pelos mais variados motivos. Algumas vezes, devo concordar, que pelos mais previsíveis clichês. Afinal de contas essa é uma premissa que quase sempre persegue os cronistas ludopédicos e eu não fujo à regra nesse ínterim. Pelo contrário, até gosto.
O desafio consiste exatamente no fato de tornar essa coisa que aparentemente é óbvia, em outra, mais lúdica, mais interessante aos senhores caros leitores. Mas vamos lá…
Ao pegar chão para cobrir Americano x Família Bob Marley, pela rodada inicial da primeira divisão do Campeonato de Futebol Amador de Diadema, eu cheguei a pensar em algo assim como, “Era Uma Vez no Oeste”, do Sergio Leone, ou alguma coisa dirigida por Enrico Salermo, que ressalta-se a dureza do enfrentamento na Várzea, mas não…
Com 35 graus de temperatura à sombra, o que inevitavelmente me fulminava a mente era o classicão “Duelo Ao Sol” de King Vidor. E sem dó.
Os jogos do futebol amador são marcados para as manhãs de domingo, algo tradicional, bacana, eu entendo. Quando aconteciam às 10 da manhã até que dava para suportar tranquilamente, mas agora, com as partidas começando às 12 horas, fica beirando o insuportável.
Chegando ao Estádio do Serraria o que vi foram suores em bicas, garrafas de água em proporção, canseira extrema por parte das duas equipes e nada que me saltasse aos olhos em se tratando de “duelo”.
A partida era irritadamente óbvia. No entanto, quando eu já estava por lá a me preocupar com a eminência do nada absoluto que circundava a pauta naquele domingo de calor absurdo, houve uma parada técnica: enquanto o técnico do time da Família Bob Marley berrava arquétipos de uma tática necessária, infalível, rotunda e salvadora, eis que vejo um jogador o retrucando:
– Mas eu tô sozinho lá na frente, só chega bicão! Quero a bola no meu pé, pelo menos uma!
E o técnico responde:
– Mas você precisa se mexer…
E ele:
– Mais?? Você precisa colocar um meia perto de mim!
Olhei novamente. Vi que ao se afastar da resenha tática, o jogador camisa 9 saiu resoluto conversando com seus companheiros de time, explicando da necessidade de receber uma bola limpa. O jogo recomeça.
Na primeira chance que se tem, a bola então chega limpinha para ele. Ele corta o zagueiro, levanta a cabeça e bate… Nas nuvens! Sim, a bola chutada pelo atacante vai quase por cima das grades de contenção do estádio do Serraria.
– Valeu, Moacir! – grita o torcedor.
Moacir…
Com seu time perdendo por 1×0, Moacir lutava olimpicamente. Não é um craque. Não tem a finesse de um Careca, de um Van Basten. Mas precisa? De modo algum.
Na várzea, a insistência caneleira de Moacir dá ao sujeito comum da batalha do dia a dia, uma carga onírica, épica. Moacir corria pela grama sintética do campo do Serraria, com uma dignidade inexoravelmente bela! Correu, trombou, lutou por todas as querelas de bola que chegavam a seu ataque e como prêmio guardou duas!
Sim, fez dois gols, virou o jogo e foi consagrado o herói possível de ser na manhã/tarde de domingo. Dessa forma, Moacir foi um grande, embora talvez não tenha para si um imortal diretor de cinema a registrá-lo. Mas não sei se realmente precisa disso. Moacir é Grande para além do cinema:
É um grandioso na várzea e isso também o faz imortal…
OS PRANCHETINHAS
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
E basta chegar no calçadão para minha caminhada e lá vem pergunta: “PC, porque os técnicos brasileiros não vão para a Europa?”. Peraí, essa é fácil. Porque estão desatualizados, fora do tempo, tem o discurso velho e quase todos são professores de Educação Física, teóricos, chatos e pranchetinhas. Na verdade, são estatísticos que vivem anotando o número disso, o número daquilo.
Eles já deviam ter se tocado que há uma grande contradição no “trabalho” desenvolvido por eles: o número de passes errados aumenta cada vez mais. Passe é fundamento e os professores de Educação Física que nunca deram um chute na bola ficam naquela baboseira de 4-6-2, 17-8-9, com aqueles gestos desconexos na beira do campo para serem filmados pelos cinegrafistas. E dentro de campo a rapaziada errando passe de meio metro.
O número de faltas também aumenta a cada jogo porque os professores de Educação Física adoram desarmar jogadas. A maioria joga para não perder e alguns usam terno para passar uma imagem europeia, kkkkkkkk!!!! Outros passam alguns dias na Espanha e dizem que foram se reciclar. Cadê essa reciclagem que eu não vejo???
Hoje todo goleiro deveria saber sair jogando com os pés. Qual goleiro brasileiro sabe fazer isso? Os técnicos não treinam isso. O Fernando Prass quase entrega o ouro contra o Coritiba. E saída de gol? O goleiro do Corinthians levou dois de cabeça ridículos. E o Muralha? O Muralha é melhor deixar para lá….
Esse técnico do Flamengo é teimoso e comete erros em sequência. E virou revelação! Meu Deus, chupou laranja com quem???? Nos últimos meses, vi Mano Menezes, Rogério Ceni e Antônio Carlos Zago atrapalharem jogadores no arremesso lateral, escondendo a bola e irritando a torcida, comportamento reprovável. Acaba o jogo, eles devem correr para analisar seus desempenhos e estatísticas nas pranchetinhas….”325 passes errados, 678 carrinhos….é estamos melhorando”.
Ah, não me amolem e me deixem caminhar em paz!!!
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 10 de junho de 2017.
José Silvério
a voz do gol
entrevista: Marcelo Ferreira e Marcelo Mendez | texto: Marcelo Mendez | fotos: Marcelo Ferreira e Marcelo Mendez | vídeo: Marcelo Ferreira e Marcelo Mendez | edição de vídeo: Daniel Planel
Foi um dia calmo…
Apesar do trânsito louco e infernal da cidade de São Paulo, em instante algum eu e o parceiro de sempre, Marcelo Ferreira, perdemos a boa paz.
Ligamos o rádio, ouvimos Belchior, conversamos e rumamos para a pauta, meio que sabedores do que viria pela frente. Todas as entrevistas nossas para o Museu da Pelada são ótimas, prazerosas e honrosas para nós, reles jornalistas mortais em busca da boa pauta.
Mas não para dizer que entrevistar José Silvério é o mesmo do que uma outra… Era nosso contato com a Voz. A voz que no comando da Rádio Bandeirantes emociona, cativa, acolhe, acompanha…
Ao longo de seus 50 anos de carreira, Silvério colecionou vários momentos que entraram para a história do Jornalismo Esportivo Nacional. São 10 Copas transmitidas, milhares de gols narrados, outros tantos corações conquistados.
Nesse domingo, o Museu da Pelada tem a honra de apresentar a vocês o Pai Do Gol em uma entrevista carregada de emoções a todos que ali estavam. Com vocês, José Silvério..
Mauro Galvão + Odvan
MURALHA DA COLINA
texto e entrevista: Wesley Machado | fotos: César Ferreira | vídeo: Ramatis Pessoa | edição de vídeo: Daniel Planel
No dia 28 de maio, os moradores de Campos dos Goytacazes-RJ tiveram o privilégio de ver o reencontro de dois grandes parceiros do futebol. Mauro Galvão e Odvan, zagueiros que se complementavam, aliando técnica à força, bateram um papo descontraído com a equipe do Museu da Pelada.
Na hora de posar para a foto que ilustra o texto, o brincalhão Odvan ficou preocupado com a bola, a qual Mauro considerou “velhinha”.
Wesley Machado, Odvan, Mauro Galvão e Ricardo Antônio (Divulgação)
– O Edmundo vai pegar no pé da gente – disse Odvan.
Mauro Galvão e Odvan afirmaram que ainda disputam alguns jogos festivos pelo time de master do Vasco e pela Seleção Carioca.
Mas quando propus que os dois fossem fotografados batendo uma bolinha (de futsal), Mauro falou que não tinha necessidade.
– Todos sabem que nós jogamos bola – comentou Mauro.
A conversa passou pela carreira dos dois, que jogaram e conquistaram vários títulos em grandes clubes e na seleção brasileira.
No final, ao ser perguntado sobre uma história boa de concentração, Mauro falou que tinha uma que não podia contar.
– Só depois da meia noite – desconversou Mauro, que comemorou com o Odvan o fato de ter marcado o gol do título do Vasco no Carioca de 1998.
Os dois se abraçaram, deram risada e reafirmaram a grande amizade que construíram dentro e fora dos gramados.
Quem também estava presente no Encontro de Colecionadores de Camisas de Futebol no Instituto Federal Fluminense (IFF), era César, artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1979 pelo América-RJ e autor do gol do título do Grêmio na Libertadores de 1983. Natural de São João da Barra-RJ, o goleador mora atualmente na cidade natal, vizinha a Campos, no norte do estado do Rio de Janeiro.