ODE A MATHEUZINHO, O GANDULA DE MAUÁ
por Marcelo Mendez
Marcelo Mendez
Em um domingo de várzea que o sol não veio, saí da minha casa para a pauta em um dia cinza.
A espessa névoa gelada que acordava o meu Parque Novo Oratório era o prenúncio do que viria pela frente na manhã fria que se iniciava. Um dia que, se por um lado não tem toda a beleza plástica que vem com o sol, por outro, acaba me servindo para me arrefecer o juízo.
Por alguma estranha razão o frio me acalma. Me faz ouvir Thelonious Monk, me assopra bons sons de jazz na alma e assim vou em paz para a pauta. Paz…
Eu sangrei um milhão de Blues na pele crua e sofri o suficiente para hoje, ter direito adquirido a toda paz que vem através do azul dos olhos dela. Assim segui para Mauá…
O jogo que faria seria entre os times do Sol Nascente, time do bairro do Oratório e a Portuguesinha do Jardim Feital em match válido pela terceira divisão do Campeonato de Várzea de Mauá. A nomenclatura desprovida de glamour já valeria por si só a crônica:
Terceira divisão da Várzea…
Caros amigos, há um amor intrínseco nas relações dos homens com seus times de futebol de várzea. Porque nada explica a disposição que habita os corpos desses homens, que os acorda em um domingo frio, chuvoso e escuro para jogar uma partida de turno da terceira divisão da várzea de Mauá. Para tal obrigação, nada a favor.
O jogo foi marcado para o campo do Flor Do Morro, no Jardim Zaíra 2. Um lugar lindo, adornado por uma barreira verde, vizinha de uma arquitetura possível de casas que se equilibram em um barranco. Construções que me fazem lembrar de antigas e belas cidades medievais. Ao lado do campo, uma densa floresta de várias árvores que insistem em existir no mundo de concreto puro.
Campo do Flor do Morro, Zaíra, Mauá – SP (Foto: Rodrigo Pinto)
Seria tudo lindo se não fosse pelas condições do campo; Um horror!
Judiando de tantas batalhas e chuteiradas, o piso da cancha era irregular, um tanto esburacado, com tufos de mato aumentando de tamanho em suas laterais. Ao lado, as grades curtas criam o maior problema da coisa, as bolas que se perdem na floresta. E para tal solução do problema, a Portuguesinha de Mauá criou uma profilaxia sagaz. Entra aí nosso personagem do dia:
Matheuzinho…
O jogo comia feio, com uma pobreza técnica de dar dó. Não demorou muito e veio então o primeiro bicão para o matagal.
“Vai Matheuzinho!!” – ordenou o dirigente do time.
Lépido de juventude, tomado por uma responsabilidade enorme, sabedor de sua importância para a causa, Matheuzinho sai do campo e se embrenha pelo mato. O procurei e não mais o vi. Por alguns minutos, o menino some. Me preocupei; “Será que se perdeu?” Não.
Matheuzinho (Foto: Rodrigo Pinto)
Vindo com um sorriso largo, enfeitando seu rosto de menino de 14 anos, Matheuzinho feliz da vida pulava novamente a grade do campo, agora com a bola que conseguiu resgatar. Por mais três ou quatro vezes, repetiu o ato. Quantos mais fossem os bicões, mais Matheuzinho se esforçaria. Entendia que seu oficio de encontrar as bolas perdidas no matagal era vital para que o show não parasse.
E quantas vezes fosse preciso, o menino de chinelo de dedo enfrentaria o frio, a chuva, as cobras e o mato todo para voltar feliz da vida, com a bola debaixo dos braços. Assim o fez. No final de tudo, pouco me importava o resultado do jogo, a tabela de classificação e afins.
A estrela daquela manhã de domingo era um menino pobre, de comunidade simples de Mauá, que fez o seu serviço de gandula por nada que seja metal ou vil.
Fez por amor. Por você eu escrevo meus versos, Matheuzinho.
Te amo profundamente, menino…
Maurine
A ESTRELA DE MAURINE
texto e entrevista: Rafytuz Santos | edição de vídeo: Daniel Planel
Tem coisas que só a vida proporciona…
Como se a vida tivesse construindo um filme, cuidadosamente em cada detalhe.
E quis a vida que eu fosse agraciado.
Entrevistar uma atleta medalhista olímpica, no templo sagrado da Vila Belmiro, dentro do recheado Memorial das Conquistas do Santos Futebol Clube… Tudo isso reservado para a minha primeira entrevista! Uma entrevista por si só não é fácil, ainda mais se tratando de um ídolo e uma das maiores lendas da história do futebol feminino.
Maurine Dorneles se mostrou craque não só dentro, como fora de campo. A jogadora da Seleção Brasileira não fugiu de nenhuma pergunta, se mostrando participativa e uma pessoa amante do futebol desde sua infância.
(Foto: Reprodução)
Como em um roteiro de filme, tudo terminou bem, em meio de conquistas de Pelé, Neymar, Marta, Falcão e tantos outros mitos que vestiram a camisa do Santos.
E assim foi mais um momento épico no Estádio Urbano Caldeira…
SANTA VAQUINHA
:::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Nana Moraes)
Na Índia, a vaca é considerado um animal sagrado, mas por aqui ela também tem feito milagres. Falo sobre a vaquinha, tradicional forma de arrecadação de grana. Se não fosse a vaquinha talvez Gilson Gênio ainda não tivesse sido enterrado. O Fluminense pulou fora dessa responsabilidade e o presidente (nem sei o nome) não ajudou com os dois mil reais necessários.
Quanto custou mesmo o passe do menino Gerson que o Flu vendeu para a Roma, mas parece que já está voltando? Alguns milhõeszinhos? Não daria para pagar o enterro, presidente?
Tem uns dois dias estava assistindo ao jogo de despedida do Totti, na Itália, e me emocionou a festa preparada para ele. O Mendonça, ídolo do Botafogo, vive lamentando que não teve jogo de despedida. Ninguém imagina o que o Mendoncinha sofreu por não ter conquistado um título por seu time de coração. Por anos encheu a cara e, agora, está internado num hospital de Acari, o mesmo em que morreu, sem plano de saúde, o rubro-negro Paulo Henrique, ex-jogador e técnico campeão da Copinha pelo Flamengo. Antes de ser internado, Mendonça rodou por vários hospitais.
PC Caju e Gilson Gênio: dinossauros da bola (Foto: Marcelo Tabach)
Os clubes se esquivam e ajudam só no limite do limite do limite, principalmente se for render alguma matéria em tevê. Os dirigentes canastrões precisam de visibilidade, se consideram sérios administrando multinacionais. Imagina se formos ajudar todos os jogadores, argumentam. Tem que ajudar, sim! Se organizem para isso, os empreguem nas categorias de base, invistam em sua educação, montem times másters e ofereçam estrutura para que eles próprios façam seu pé de meia com jogos de exibição. Alguns clubes grandes sequer dão uniformes e os ex-jogadores precisam fazer o que? Vaquinha, claro.
(Foto: Marcelo Tabach)
Se não fosse essa vaquinha já teríamos ido para o brejo há tempos. Recentemente, Amarildo foi barrado no Maracanã. Vários campeões do mundo já foram barrados porque não existe respeito nem memória nesse país. Há algum tempo o governo federal estipulou uma pensão para os campeões do mundo, que não recebem nada da CBF, mas alguns procuradores suspenderam. Amarildo, com dificuldades financeiras, briga na justiça. Eu também.
Talvez fosse o caso de montarmos o Retiro dos Jogadores, como o dos Artistas. Aí, poderemos morrer em paz. Mas, peraí, acabei de ouvir que roubaram os restos mortais de Garrincha!!!! É, não está fácil para ninguém e nem morrer em paz estamos podendo mais.
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 3 de junho de 2017.
ZAGUEIRO-ZAGUEIRO
Já imaginou enfrentar um zagueiro de quase dois metros de altura, 110 kg e muita disposição? Pois é, se já não bastasse, ele ainda treina artes marciais. Estamos falando do aniversariante Antônio Rodrigo Nogueira, o Minotauro, quatro vezes campeão mundial de MMA e peladeiro de carteirinha.
Nascido na Bahia, o lutador revelou que era fissurado por bola desde os cinco anos de idade. Se não estivesse nos tatames, com certeza estaria em algum campinho da região com os amigos. Durante o papo com o parceiro Ian Sena, Minotauro definiu seu estilo de jogo.
– Eu jogava na zaga, pois sempre fui bem mais alto que meus colegas. Sempre tive o pé grande e era mais avantajado fisicamente. Era um zagueirinho maldoso. Sempre tentava parar o adversário e conseguia.
(Foto: Reprodução)
À medida que foi crescendo, Tonhão, como era chamado na infância, passou a atuar mais como goleiro e, segundo ele, fazia grandes defesas. Com o tempo, no entanto, viu que o dom para lutar prevalecia e abandonou o sonho de virar jogador.
– Eu fiquei triste, mas foi a escolha certa. As peladas me ajudaram muito na minha formação como atleta. Elas me deram condicionamento físico e muito jogo de cintura.
REI DO PARANÁ
Ídolo do futebol paranaense, Madureira enfrenta o Ademir da Guia
Se hoje em dia o futebol paranaense está em alta, muito se deve a Carlos Roberto Ferreira, ou simplesmente Madureira. De uma geração que colocou o Brasil em outro patamar no mundo da bola, o craque foi, sem dúvidas, um dos maiores ídolos do futebol paranaense nos anos 60. Entre seus maiores feitos está um gol antológico que garantiu a vitória contra o Santos de Pelé.
Com passagens por grandes clubes como Vasco e Palmeiras, Madureira ganhou destaque pelas atuações nos times do sul. Antes de se tornar ídolo por lá, no entanto, tentou a sorte no Rio de Janeiro, cidade natal. E, como todo boleiro que se preza, era um verdadeiro fominha das peladas.
– Jogava em campos de terra, no bairro Santo Cristo, próximo ao condomínio onde morávamos. Meu primeiro treino foi no América-RJ, aos 15 anos, na equipe juvenil.
A intensa rotina de treinos no clube carioca deixava o menino exausto e, por isso, em uma das idas, dormiu no bonde número 39 (Santo Cristo – Leopoldina), perdeu a atividade do dia e, se já não fosse o bastante, esqueceu as preciosas chuteiras. Vale destacar que o par havia sido dado pelo pai de presente de aniversário.
– Me acordaram já no ponto final, aos gritos. Além de não poder treinar naquela tarde ainda levei uns tapas de meu pai, quando cheguei em casa e contei-lhe do ocorrido – revelou em sua biografia “Madureira Craque e Guerreiro”.
Após dar baixa no exército, aos 18 anos, viajou para o sul com o sonho de se tornar jogador profissional na bagagem. Com uma garra além do normal, uma das suas maiores virtudes, se profissionalizou pelo Grêmio em 62 e começou a escrever sua história no futebol.
A passagem pelo Grêmio terminou em 64, ano em que o craque se transferiu para o Metropol, de Santa Catarina, e ganhou muita visibilidade no cenário nacional. Embora não seja um clube muito conhecido na atualidade, o Metropol teve anos gloriosos na década de 60, coroados com incríveis cinco títulos estaduais.
– Foi uma passagem muito marcante e vitoriosa. Tive a felicidade de ser bicampeão estadual e sul-brasileiro. Também fui artilheiro e eleito o melhor do ano algumas vezes.
Valorizado no mercado, recebeu, alguns anos depois, uma proposta irrecusável do Ferroviário, um dos embriões do Paraná, e logo se tornou ídolo, caindo nas graças da torcida. A passagem pelo clube paranaense, aliás, foi eleita por ele como um dos momentos mais felizes da carreira.
Outro momento inesquecível, obviamente, foi o golaço histórico na noite de 8 de setembro de 1968. Atuando pelo Atlético-PR, Madureira comandava o ataque da equipe na dura batalha diante do Santos, que não contava com Pelé, machucado. Ao receber uma bola na esquerda, o atacante driblou Carlos Alberto, Joel Camargo e o goleiro Claudio, antes de mandar um tirambaço e estufar a rede. O gol de placa garantiu a vitória contra o Santos, na Vila Capanema, pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa.
– Não conquistamos o campeonato, mas foi uma das melhores campanhas da história do clube em campeonatos nacionais. O gol é considerado um dos mais bonitos da história do futebol brasileiro.
Por fim, ao ser perguntado se tinha noção da importância dele para o futebol paranaense, onde realizou grandes feitos, o craque revelou que demorou para a ficha cair.
– Na época em que jogava não tinha a real noção do meu valor. Hoje em dia, após tantas homenagens, me sinto orgulhoso por fazer parte da história.