O PREDADOR
por Zé Roberto Padilha
Zé Roberto Padilha
Em 1978 o Brasil parava aos domingos diante do Fantástico para assistir, quase ao seu final para prender a audiência, o show da vida. Que por aqui sempre foi o gol, o grande momento de uma paixão nacional. Jogava em Recife e meus pais e irmãos, como muitos pais e irmãos cujos meninos percorriam o país jogando futebol, ficavam esperando notícias e imagens protagonizadas por aqueles que sacudiam as redes. Para nós, os meias armandinhos, os pontas, era reservado o papel coadjuvante de ir a linha de fundo e acertar a cabeça de quem venceria o goleiro adversário e aplacaria as saudades da família distante. No Santa Cruz era sempre o Nunes. E nem precisava, sua família era de lá e eles assistiam ao vivo. Com o tempo, aprendi, era o primeiro a abraçá-lo com uma mão. E com a outra dava um adeuzinho para Três Rios. E na telinha deveriam gritar: “Olha o Beto ali!”.
Fazia tão poucos gols que quando tive coragem de contar, após 17 anos de profissão, não alcancei os 90. E mesmo assim contando pênaltis batidos até em decisões. Meu irmão, Mauro, gravava meus jogos. Captava entrevistas, passes e lançamentos, mas o grito de gol era raro lá em casa. Meu primeiro gol no Maracanã foi contra o Corinthians, em cima do Ado, e ele soltou um grito do quarto:
– Gol do Beto!!!
Segundo a lenda, ecoou pela casa um silencio mais que respeitoso. Quase incrédulo. Daí insistiu:
Foi gol do Beto!!!
A primeira manifestação veio da cozinha:
– Tem certeza?
Minha mãe jurava que não foi dela a resposta, enfim, demoraram tanto a acreditar que quando foram conferir o Corinthians já havia virado para 3×1. Meu raro e primeiro gol fora em vão. Hoje, pelo menos valorizam a assistência, o crédito sai até no show do intervalo. No nosso tempo, nem isso.
Vavá, Nunes, Careca, Roberto Dinamite, Flávio, o Minuano, Silva, o Batuta, e Artime foram os maiores matadores que vi de perto. E Fred foi um que admirei de longe. No dia de mais um Fla x Flu decisivo, vejo muitos assistentes entrando em campo. E só um Guerrero. Nos últimos jogos do Flamengo as tomadas do SporTv andam se confundindo com as aventuras de um predador do Animal Planet. Um documentário de 90 minutos onde um Leão insaciável mira seu foco na presa, que são os goleiros, desferindo seguidos ataques com chutes e cabeçadas, sob todos os ângulos e posições, em uma só direção. Impressionante sua fome. E determinação.
O gramado do Maracanã é uma selva onde as velhas raposas rondam as tribunas aguardando um mau resultado e a queda do Abel ou do Zé Ricardo. Os búfalos correm pela savana em todas as direções, como Éverton, Léo, Gabriel, Wellington Silva e os abutres sobrevoam o estádio Mário Filho em busca do que restou das brigas. E Márcio Araújo protege sua zaga de contra ataques de hienas hábeis e sornozas, que não matam sozinhas, mas se lhe proporcionarem espaços como o Vasco concedeu….Mas entre todos que pisam naquela África carregada de feras, apenas um deles é predador nato. E lá no Peru, na residência de sua família, deve ter ecoado um novo grito de gol, e, provavelmente, seu irmão saiu gritando:
– É do Guerrero!!!
E com certeza alguém da cozinha comentou:
– De novo? Este menino não sabe fazer outra coisa?
O IMPROVÁVEL CAMPEÃO
por Guilherme Oliveira
Ano após ano, o campeão no interior foi o Internacional com autoridade, placares elásticos, fazendo o campeonato ser de um único dono nos últimos seis anos. Neste ano, no entanto, o torneio teve tudo que os outros seis não tiveram. Futebol do interior em alto nível superando a dupla grenal, divisões melhores entre as premiações ao clubes mais fracos e um campeão improvável.
O Novo Hamburgo, com sua filha salarial na casa dos 145 mil mensais, foi valente, bem treinado pelo técnico Beto Campos (que está de saída para o Vitória da Bahia), elenco unido, com futebol gostoso de assistir com seu contra ataque rápido e muita precisão na bola aérea. O que deixou a desejar foram seus torcedores, que não faziam muita questão de apoiar o chamado Nóia.
Nos seis primeiros jogos, conquistaram 18 pontos, não perderam para as potências do estado e, com o mando de campo, foram imbatíveis. Os primeiros 90 minutos da decisão no Estádio Beira Rio foram esplêndidos, dignos de campeões, se impuseram, foram valentes e buscaram o empate no placar de 2×2 diante de mais de 40 mil colorados.
D’Alessandro lamenta cobrança desperdiçada
Após irregularidades com as estruturas do Estádio do Vale, o segundo e decisivo jogo foi passado para Caxias, no tradicional Centenário, onde a renda foi bem melhor para o Nóia. Em um jogo dominado pelo Novo Hamburgo no primeiro tempo, com falhas na defesa colorada e pressão do time “da casa” o placar parcial terminou 1×0 para o mandante. No segundo tempo, o Inter reagiu cedo, empatou e tomou conta do jogo. Mas é aquela velha história… A bola pune, e puniu! O jogo terminou empatado e precisou ser decidido nos pênaltis.
Com o goleiro machucado e três penalidades desperdiçadas, o hexacampeão Internacional viu a história ser feita pelo Novo Hamburgo. O improvável e merecido campeão estadual deste ano.
Roberto Miranda
VENDAVAL VALENTE
entrevista: Pedro Redig e Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos: Marcelo Tabach | vídeo: André Teixeira | edição de vídeo: Daniel Planel
Depois do vendaval, a calmaria. Costela, braço, clavícula e tornozelo são apenas algumas partes do corpo que sofreram ao longo de sua carreira. Com um sorriso fácil e largo no rosto, que precisou passar por uma cirurgia plástica após uma das inúmeras pancadas, o artilheiro Roberto Miranda recebeu a equipe do Museu da Pelada em sua casa, em Niterói, e nem de longe parecia aquele “gladiador” que travava verdadeiras batalhas com os zagueiros.
– Tive que fazer muitas cirurgias depois que parei de jogar. Jorge Curi me apelidou de Vendaval porque eu partia para cima! Me batiam muito, mas eu encarava os caras também!
Em um desses duelos particulares, inclusive, saiu do Maracanã direto para a delegacia, depois de se atracar com o grandalhão Fontana, do Vasco, e deixar o campo sangrando.
– Iam me matar? Não! Então eu ia para dentro mesmo! – comentou com bom humor.
A disposição, somada à facilidade de balançar a rede dos adversários, logo foi reconhecida e Roberto não demorou para cair nas graças da torcida do Botafogo. Pelo alvinegro carioca, atuou por mais de dez anos e marcou 154 gols, que o tornaram o nono maior artilheiro da história do clube e renderam uma caricatura no muro do clube, ao lado de outros grandes ídolos do Botafogo. Além disso, conquistou três Campeonatos Cariocas e o Brasileiro de 1968.
Muitos não sabem, no entanto, é que por muito pouco o Vendaval não brilhou com outra camisa do Rio. Nascido em São Gonçalo, o menino franzino se destacava pelo Manufatura, time do Barreto que volta e meia contava com a visita de olheiros nas partidas. Com boas atuações e gols diante de clubes como Bangu e América, recebeu o convite do empresário do Fluminense para fazer teste no clube.
– Os caras me colocaram para jogar só nos cinco minutos finais. Tava indo embora triste para casa, quando fui abordado pelo olheiro do Botafogo.
Isso mesmo! Como um verdadeiro detetive, o empresário seguiu os passos de Roberto Miranda e, ao notar que não havia sido bem aproveitado no tricolor, pegou o artilheiro pelo braço e o levou para treinar no Botafogo, à tarde.
– Entrei como titular, fiz três gols e nunca mais saí! – lembrou o atacante.
Outra curiosidade lembrada pelo Vendaval foi o tratamento que recebia dos consagrados jogadores da equipe profissional. Sem piedade alguma, Didi, Nilton Santos, Garrincha e Quarentinha saiam do treino e, ao avistarem o garoto jantando no refeitório, nem pensavam duas vezes antes de meterem a mão em seu prato.
– Eles diziam que era o tira-gosto deles!
Fã dos “ladrões de comida”, que encantavam os amantes do bom futebol, Roberto Miranda não perdia um treino dos profissionais e chegou a pensar em deixar o clube, temendo não ter oportunidades no meio de tantos craques. Mas, assim como no primeiro treino pelo Botafogo, também marcou gol na sua estreia como profissional e, com méritos, alcançou a titularidade daquele timaço.
– Não adiantava jogar bem, eu tinha que fazer gol. Jogar bem sem fazer gol não existe pra mim.
Em uma época de ouro do futebol brasileiro, com dezenas de jogadores que entraram para a história dos seus clubes, o artilheiro assegurou uma vaga entre os convocados para a Copa de 70, no histórico tri mundial. Reserva imediato do ataque, entrou nas partidas contra Inglaterra e Peru, substituindo à altura Tostão e Jairzinho, respectivamente.
– Jogar com aquelas feras foi tudo de melhor. Chegar ate a Copa do Mundo é o auge. O Dadá nem mudava de roupa, ficava de terno, e eu que entrava! – tirou onda.
Alguns anos depois da conquista do tri, mesmo a contragosto, se transferiu para o Corinthians. Embora tenha sido muito bom financeiramente para o alvinegro carioca, a contratação não gerou títulos para o Corinthians. De acordo com o craque, o time era bom, mas muito azarado.
Teve também uma curta passagem pelo Flamengo, onde sentiu a sensação mais estranha de sua carreira: jogar e vencer o Botafogo por 2×0, no Maracanã.
– Graças a Deus não marquei gol nessa partida. O Botafogo foi tudo na minha vida. Tudo que eu tenho hoje eu devo ao Botafogo.
Após a resenha, Vendaval colocou a sunga e mergulhou na piscina do seu prédio para os belos cliques do renomado fotógrafo Marcelo Tabach. É ali que o artilheiro costuma relaxar a musculatura após os intensos treinos na academia que o mantêm inteiraço!
O CLÁSSICO DA JUSTIÇA
por Marcelo Mendez
(Foto: Reprodução)
O que falo aqui é de uma lembrança totalmente afetiva, liberta de todas as preocupações que acometem o Jornalista que sou hoje. O texto fala do Marcelo molecão, em 1986.
No Morumbi lotado, o Palmeiras martelava e amassava o Corinthians.
Carlos, o goleiro, pegava bolas e mais bolas em defesas espetaculares e as coisas não iam bem. Na antiga numerada inferior onde ficávamos todos misturados, as esperanças iam ruindo até que chegamos ao ápice da coisa, aos 42 minutos do segundo tempo. Meu pai, puto com tudo, virou e me falou.
– Chega, vamos embora!
– O que? Ta doido, Pai?? Ainda não acabou não!!
– Vai acontecer o que vem acontecendo por esses 10 anos. Vamos…
Nisso, um corintiano ao lado que acompanhava a cena se meteu na história:
– Menino… Ouve seu Pai, vai ficar pra passar mais raiva? Vai assistir nossa festa?
– Marcelo… vamos!
– Espera, Pai…
– Cê vai ficar aí? Fica, eu to indo!
(Foto: Antonio Gaudério)
– Então vai, Pai! Vá pra porra! O senhor é palmeirense porra nenhuma! Vai embora, eu me viro!
Após a gente quebrar o pau, o Velho virou as costas e foi indo embora. Eu tinha 16 anos de idade em 1986. Na ocasião num tinha uma moeda no bolso e quando meu pai começou a ir embora, eu nem pensei em nada. O corintiano do meu lado se meteu de novo:
– Garoto, melhor você ir embora hein? Ah lá… faz como seu Pai que aqui o Coringão já levou…”
Nesse momento, Jorginho se encaminhou para bater uma falta. Bola na área, Vagner Bacharel cabeceia, o goleiro Carlos espalma e a bola acha a barriga, as pernas e tudo de Mirandinha, que a empurra como dá para o fundo das redes.
GOOOOOOOOOOOLLLLLL!!!!!
Eu já gritei vários gols na vida. Mas eu duvido que algum deles tenha tido a força que teve aquele berro na cara do corintiano desenxabido ali na minha frente. Eu o peguei pela camisa e gritava… “Golllllllll”. Meu pai que estava indo embora voltou e quando vi estava meio que me abraçando, meio que me tirando em cima do corintiano.
– Ainda falta a prorrogação, o Timão vai virar…
– Vai virar é o caralho! Vai embora você, arrombado!
E nesse clima “hospitaleiro”, fomos à prorrogação. O regulamento previa que após os resultados iguais, com a melhor campanha, o Palmeiras precisaria empatar com o Corinthians na prorrogação para a final. A peleja começou:
E no primeiro ataque do Palmeiras, Mirandinha pega uma bola, entorta Edivaldo e bate pra rede.
“GOOOOOOOOOOOOLLLLL”
Nesse momento, o corintiano foi levantando pra ir embora e eu corri atrás dele falando um milhão de impropérios. Meu pai correu atrás de mim e disse pra esquecer o cara e fazer a festa. Eu fiz.
De quebra, teve gol olímpico de Éder e uma festança de 3×0.
O Palmeiras não saiu da fila naquele ano. Perdemos a final drasticamente para a Inter de Limeira e claro que sofri. Mas em 1986 teve um derby e isso aliviou muito a dor.
O maior derby da minha vida…
INVASÃO ESTRANGEIRA
por Idel Halfen
(Foto: Reprodução)
A proliferação de pessoas vestindo camisas de times de futebol europeus, o espaço que esses clubes ocupam na mídia esportiva e a popularidade global de seus ídolos têm trazido à discussão um tema bastante interessante: o perigo dos clubes brasileiros perderem seus torcedores para os europeus.
Além de fascinante pelo aspecto do desbravamento de fronteiras, o tema é também proveitoso para a reflexão sobre o conceito de concorrência, seja essa direta ou indireta, pegando como base um clube de futebol.
São concorrentes diretos em termos mercadológicos, os demais clubes de sua praça, já que ofertam com boa distribuição e frequência, produtos como jogos ao vivo, camisas oficiais, títulos de associação, etc.
Podemos incluir entre os concorrentes diretos, os clubes de outros estados e países, tendo em mente que esses ficam em desvantagem por não oferecerem acesso aos jogos in loco, benefícios “tangíveis” de associação, nem a sensação de “pertencimento” a grupos próximos e com relevância populacional local.
(Foto: Reprodução)
Já os concorrentes indiretos são todas as demais possibilidades – excluindo as citadas acima – de gasto do dinheiro e tempo em detrimento ao clube por qual se torce.
Para complementação da parte conceitual da discussão, acrescento que não faz sentido falar em torcedores sem segmentá-los em função dos seus respectivos graus de consumo, ou seja, se ele é um heavy user, medium user, light user ou um mero simpatizante do clube que diz torcer.
Agora analisemos os clubes europeus.
Não há como negar que fazem um excelente trabalho de internacionalização, o qual abrange patrocínios com empresas multinacionais, redes sociais globalizadas, comercialização dos direitos de transmissão – onde focam receitas e audiência -, além de iniciativas como embaixadas, escolinhas, jogos amistosos e pré-temporada em outros países.
No entanto, é importante atentar que como conhecedores do segmento, sabem que é impossível converter torcedores que tenham relativo grau de fidelidade. Até porque, a sensação de pertencimento citada anteriormente no artigo e a influência de família e amigos inibem qualquer possibilidade de mudança, o que faz com que os clubes estrangeiros dirijam seus esforços em busca dos “simpatizantes” ou de vendas pontuais.
Corrobora para essa dedução, o fato de um mesmo torcedor brasileiro ter e usar camisa de clubes rivais em seus respectivos países.
(Foto: Reprodução)
Tal racional me permite concluir que o perigo de se perder torcedores para os clubes estrangeiros é extremamente reduzido, até porque os clubes de futebol estão bastante enraizados na cultura do povo brasileiro. Racional que não se aplica ao basquete, por exemplo, já que é frágil a relação histórica time/torcida no país, o que faz com que muitos brasileiros torçam por equipes da NBA e mal assistam aos jogos da NBB (liga nacional de basquete).
Todavia, essa segurança em relação à retenção de seus torcedores não deixa os clubes brasileiros em situação absolutamente confortável, visto que qualquer consumo que se faça de outros produtos que não os seus, significa menos receita. Somado a isso, os games de simulação como Pro Evolution Soccer e Fifa despertam conhecimento e anseios por produtos de times estrangeiros, principalmente na população mais jovem.
Sintetizando, não vejo os clubes europeus como “desbravadores” em busca de nossos torcedores, os vejo como organizações multinacionais que buscam simplesmente o consumo da população onde estejam de alguma forma presentes, e mais do que isso, vejo suas estratégias e táticas como um excelente benchmarking para os clubes brasileiros.