DINAMITE EXEMPLAR
por Joaquim Ferreira dos Santos
Num dia perdido dos anos 1970 eu marquei uma entrevista com o Roberto Dinamite após o treino do Vasco em São Januário. Na hora aprazada, na contramão dos jogadores que iam saindo de campo, eu entrei no gramado para me apresentar ao craque e convocá-lo para o papo.
Roberto tinha acabado de fazer o gol mais bonito de sua carreira. Aquele em que mata a bola no peito, dá um chapéu no zagueiro dentro da área do Botafogo, e, antes que o balão de couro quique no chão, tudo isso num espaço mínimo, cercado de adversários por todos os lados, ele enche o pé. Pergunte ao Juca Kfouri, ao PVC, ao Sérgio Pugliese e eles me confirmarão. É um dos momentos sublimes do futebol.
Roberto me cumprimentou afável, mas pediu que eu esperasse mais alguns minutos. O treino-coletivo tinha acabado, todos os outros jogadores haviam se dispensado. Ele ia treinar faltas.
Durante uma hora, já noite escura, os refletores ligados apenas naquele setor de campo, eu vi Roberto Dinamite solitário treinando faltas de todas as posições em torno de uma área. Chutava por baixo, por cima, de trivela, de bico, com maneiras diferenciadas de tocar a bola e de acordo com o lugar em que ele próprio, não havia mais funcionários em campo, colocava a barreira de bonecos. Para cada desenho da dificuldade, uma solução.
Da arquibancada, enquanto assistia àquele duro ensaio de aperfeiçoamento de um ofício, eu me lembrei da história contada por Rubem Braga. Um escritor em crise via, toda tarde, pela janela do escritório, na pedreira em frente, um operário enfrentando uma pedra. O homem dá uma marretada, dez marretadas, no imenso pedregulho aparentemente invencível – e que só irá se desfazer lá pela nonagésima nona marretada. O operário, e também o escritor que observa todo o esforço, sabe que a vitória chegou não pela força da última, mas pelo acúmulo de energia na série de marretadas.
Eu vi Roberto Dinamite treinando faltas por uma hora, uma centena de chutes ao gol. Acertava a curva, calibrava a força a se colocar nos pés. Aceitava com humildade que para colocar a bola ali onde a coruja dorme é preciso muita marretada e dedicação.
Desde então, em todo computador que abro, coloco a frase como descanso de tela: “Escrever é treinar cobrança de faltas” – e me submeto humilde ao enfrentamento das vírgulas, das concordâncias e da clareza de pensamento. Bolas e palavras são a mesma coisa. Precisam ser dominadas. No meu campo, escrevo, reescrevo, deleto tudo e recomeço pelo avesso, chutando as palavrinhas pelo outro lado da barreira. Nem sempre sai gol, às vezes bate na trave. Não importa. É preciso trabalhar para, na hora do jogo, na hora do texto final, dar a impressão de que é fácil.
Roberto Dinamite me ajudou a escrever melhor.
15 ANOS DO PENTA
Há exatos 15 anos, o Brasil vencia a Alemanha por 2 a 0 e conquistava o pentacampeonato mundial!
HÁ 64 ANOS, O FUTEBOL BRASILEIRO PERDIA CHARLES MILLER, O ‘PAI’ DA BOLA
por André Felipe de Lima
Mais dia ou menos dia, aconteceria. E aconteceu em 1894. É impossível prever qual seria a trajetória do esporte mais popular do mundo se o Brasil começasse a jogar futebol após 1894. Outro país teria, quem sabe, nove canecos mundiais, ou a Irlanda seria a seleção mais forte do planeta. Sei lá… tudo poderia acontecer. Mas, parafraseando o “profeta” Nelson Rodrigues, “estava escrito há mil anos” que o futebol brasileiro nasceria no cabalístico mil oitocentos e noventa e quatro.
A história brasileira entre quatro linhas e sobre um gramado começou a ser escrita quando o paulistano (segundo filho do escocês John Miller, engenheiro transferido para o Brasil para a São Paulo Railway Company, e da brasileira descendente de ingleses Carlota Alexandra Fox, e sócio do São Paulo Athletic Club [SPAC]), foi estudar, em 1884, na Bannister Court School, em Southampton, na Inglaterra. Esse menino tinha nove anos e chamava-se Charles William Miller. O velho Miller enviou para terra da rainha o garoto, o irmão mais velho dele, John, e o primo de ambos, William Fox Rule. Os três desembarcaram em Southampton no dia 29 de julho.
Charles chegou a defender o selecionado de seu condado, o Hampshire . Disputou jogos contra o Corinthians F.C. , que mais tarde viria ao Brasil e inspiraria jovens para a criação da versão paulistana do time inglês, e defendeu o St.Mary’s, que mudaria de nome, tempos depois, para Southampton F.C.. Aos 17 anos, destacava-se na escola, mas com a bola e com o críquete. Chegou a enfrentar o time do Exército da Divisão de Aldershot. Perdeu o jogo [3 a 1], mas foi o autor do gol do St. Mary’s.
Na temporada de 1893-94, Charles Miller disputou 34 jogos pela Banister School, marcando 51 gols, com a média de 1,59. Na edição de Natal da revista da escola em que estudava, foi publicado o seguinte comentário: “Charles W. Miller é o nosso melhor atacante. Seu drible é como uma fagulha e seu chute, devastador. Poderia ser mais esforçado, mas, mesmo assim, trata-se de um goleador incorrigível”. Sempre atuando como left-winger, ou simplesmente ponta-esquerda.
Pelo St. Mary’s, Charles disputou 13 partidas e fez três gols, pelo Condado de Hampshire marcou o mesmo número de gols só que em seis partidas. Retornou ao Brasil em 18 de fevereiro de 1894, com um par de bolas de capão e um livro de regras do association football, que conheceu por aquelas bandas frias, no colégio em que estudava.
Jovens associados da The Gaz Co., fornecedora de gás da capital, da São Paulo Railway Company [SPR], a empresa que administrava a linha férrea que ligava o planalto paulista ao litoral, e do London Bank, em sua maioria ingleses ou descendentes, organizaram um treino em 14 de abril de 1895 na Várzea do Gasômetro, na Chácara Dulley, situada entre os bairros da Luz e do Bom Retiro.
O jogo colocou frente a frente o time da SPR e o da The Gaz Co. A primeira peleja disputada no Brasil terminou 4 a 2 para a SPR, com dois gols de Charles Miller. O SPAC foi depois o primeiro tricampeão da Liga Paulista de Futebol, fundada em 19 de dezembro de 1901, vencendo os certames de 1902, 03 e 04. Charles Miller foi artilheiro em 1902, com 10 gols, e em 1904, com nove.
O alemão Hans Nobiling, que tinha uma enorme paixão pelo futebol, foi um grande incentivador do esporte bretão, ao lado de Charles Miller. Nobiling chegou de Hamburgo, no dia 13 de fevereiro de 1896. Trouxe na maleta uma bola e os estatutos da Deutschland S. V.. Em 1898, os estudantes do Mackenzie College fundaram a Associação Atlética Mackenzie College e, no ano seguinte, a colônia alemã, com Nobiling a frente, fundou o Germânia [atual E.C.Pinheiros]. Charles Miller e Oscar Cox, que havia voltado da Suíça para o Rio de Janeiro, organizaram os primeiros jogos entre Rio e São Paulo. Em 1º de agosto de 1901, no campo do Rio Cricket, brasileiros enfrentaram membros da colônia inglesa. Apenas 15 pessoas presenciaram a partida.
Cox passou a se corresponder com Renê Vanorden, do Internacional de São Paulo, Charles Miller e Antonio Casemiro da Costa, este fundador e primeiro presidente da Liga Paulista de Foot-Ball, no dia 14 de dezembro de 1901, na Rua São Bento, nº 3, sala 1, no centro paulistano. Cox queria agendar o primeiro jogo “pra valer” entre cariocas e paulistas, sem a escalação de ingleses. E o primeiro confronto aconteceu em 19 de outubro de 1901, no campo do São Paulo Athletic Club.
Para se ter ideia de como eram tratados os praticantes, quando a delegação carioca pediu um desconto, ou mesmo cortesia nas passagens de trem, ouviu que “A Estrada de Ferro não foi feita para passeios de malandros e desocupados”. Tanto o primeiro jogo quanto o segundo, no dia seguinte, terminaram empatados, em 1 a 1 e 2 a 2, respectivamente. Ao fim do segundo desafio, Cox e Miller discursaram no banquete oferecido pelos paulistas na Rotisserie Sport.
O Jornal do Brasil de 21 de outubro anunciava que “O match de foot-ball ficou empatado novamente, sem que nenhum dos lados fizesse ponto algum” e o jornal O Comercio, do dia 17, que “No sábado à tarde, 19, e no domingo de manhã, se realizarão dois matchs nesta cidade, entre rapazes dos clubes daqui e os do Rio, que para esse fim vieram a esta capital especialmente […] Esta é a primeira vez no Brasil que se joga um match deste interessante sport entre dois Estados, e se acrescentarmos que são brasileiros os rapazes que, na maior parte, vem do Rio disputar o campeonato Brasil-1901, há um justo motivo de nos regozijarmos, porque finalmente a nossa gente começa a se dedicar com afinco a estes utilíssimos exercícios, cujos benefícios para nossa futura geração, se hão de patentear na sua robusta physica, condição essencial em todos os ramos do labor humano. Aos nossos leitores, que aconselhamos não perderem um minuto deste interessante encontro, prometemos todos os pormenores que se possa guiar e conduzir nessa curiosa prova de foot Ball.”
Miller amava o futebol, mas era, antes de tudo, um exemplo de desportista. Na Inglaterra, jogou críquete, rúgbi, tênis e futebol. Foi fundador da Associação Paulista de Tênis. Quando abandonou a carreira futebolística, tornou-se árbitro e dirigente esportivo.
O inventor da “charles” ou “chaleira” , jogada em que o jogador passa bola por trás do pé, tocando-a de calcanhar, nasceu no dia 24 de novembro de 1874, no bairro paulistano do Brás, na rua Monsenhor Andrade. Nos dias que antecederam o jogo entre cariocas e paulistanos, em 1901, procurou insistentemente os jornais de São Paulo para que anunciassem o marco esportivo que aquela partida representaria para o País. Ouviu o seguinte dos redatores: “Não nos interessa semelhante assunto!”. À Gazeta Esportiva de 1944, ele comentou: “E hoje em dia como é diferente…”
Se há um “pai” da bola no futebol brasileiro, este é Charles Miller.
O pioneiro da bola no Brasil morreu em São Paulo, no dia 30 de junho de 1953.
PEDRINHO, ÍDOLO VASCAÍNO, FAZ 40 ANOS HOJE
por André Felipe de Lima
Quem faz 40 anos hoje é o craque e ídolo vascaíno Pedro Paulo de Oliveira, o ex-meia Pedrinho, que chegou a São Januário com apenas seis anos. Foi campeão com o time de futebol de salão do Vasco em todas as categorias pelas quais passou.
Entre 1983 e 1992, conquistou o Campeonato Carioca “Fraldinha” de 1984, 1985 e 1987. Na categoria pré-mirim, foi campeão brasileiro, em 1991, e carioca, em 1992. Da quadra para o gramado, onde aportou profissionalmente em 1995, Pedrinho começou a brilhar intensamente. Foi campeão carioca de 1998, dos campeonatos nacionais de 1997 e 2000, da Copa Mercosul de 2000, do Torneio Rio-São Paulo de 1999 e da Taça Libertadores da América de 1998, o título mais expressivo com o clube que ama desde tenra idade.
Parabéns para o inesquecível Pedrinho!
VIDA LONGA AO MAESTRO
por Marcos Vinicius Cabral
Sentado em um banco de concreto na Av. Atlântica, em Copacabana, desde às 19h, estava eu esperando pelo ídolo rubro-negro Júnior.
Ali sentado comigo e de pernas cruzadas, Carlos Drummond de Andrade em bronze, ouvia minhas lamúrias num frio de bater queixo.
Portanto, se naquela noite de sexta-feira, 27 de junho de 2008, eu já me considerava driblado pelo lateral-esquerdo do Flamengo, em um instante pensei em desistir do encontro no qual ia presentear o “Capacete”, que estava prestes a completar 54 anos.
O relógio marcava 21h e o jogo começou a mudar em poucos minutos, quando meu celular tocou.
– Boa noite, tudo bem? – perguntou do outro lado da linha.
– Boa noite, tudo bem… – respondi temendo que o craque da lendária camisa 5 dissesse que estava desmarcando nosso encontro.
– Beleza, você está sentado com o Drummond? – perguntou querendo se certificar que eu estava ali mesmo, no lugar marcado.
– Estou sim! – respondi e o telefone foi em seguida desligado, sem dar tempo de dizer a roupa que estava.
Assim que coloquei meu celular no bolso, percebi uma Cherokee Sport verde musgo se aproximando lentamente.
Me levantei do banco e fiquei observando aquele carro que parou em frente ao local onde estava, ligando em seguida o pisca alerta:
– Fala Vinicius! “Vambora”, parceiro. Entra aí – disse já abrindo a porta do possante.
Entrei no carro meio embasbacado, não acreditando se tratar de Leovegildo Lins Gama Júnior, o jogador que mais vezes vestiu o manto rubro-negro em sua rica história.
– Tudo bem?
– Tudo e com você, maestro?
– Tranquilo… quer dizer que você é caricaturista?
– Sou! – respondi timidamente.
– Eu adoro caricaturas!
Diante dessa afirmação, foi então que pensei na responsabilidade que teria com a caricatura feita, que seria dada de presente ao maior lateral do Clube de Regatas do Flamengo, nestes 122 anos de existência.
– Caramba, e se ele não gostar do presente? – sussurrei baixinho e fiquei com esse ideia fixa martelando na cabeça.
Um silêncio permaneceu entre nós nos quase 10 minutos que levamos do local até onde ele estava me levando.
– Você bebe, Vina? – perguntou já se tornando íntimo e me apelidando.
– Não, Léo, não bebo! – retribui a intimidade, já que vi por diversas vezes o Galvão Bueno chamá-lo assim no programa Bem, amigos!
– Uma pena, mas você toma um suco enquanto eu vou de chopp, ok?
– Uhum – respondi balançando a cabeça positivamente.
Como o aniversário dele seria no domingo, dia 29 de junho, acreditava que seria um presente simples, afinal de contas, quantas caricaturas ele deve ter ganhado de caricaturistas mais renomados?
Na Itália, por onde jogou de 1984 a 1989 em alto nível, no Torino e Pescara respectivamente, ele deve ter recebido um monte delas, já que Annibale Carracci foi um dos grandes expoentes da caricatura, além é claro, dos artistas da Escola de Bologna como Pier Leone Ghezzi (1674-1755), que foi um dos primeiros a dedicar-se quase que integralmente à realização de caricaturas.
Porém, com tamanha responsabilidade de agradar ao nosso eterno maestro, não demorou muito e chegamos no tradicional Bar Cevada, que fica na rua Siqueira Campos, esquina com Praça Serzedelo Corrêa, no mesmo bairro.
Em alguns instantes estacionamos, pois o horário nos ajudou a encontrar uma vaguinha.
Mas se houve facilidade por um lado, perdemos muito tempo para chegar ao renomado bar, já que a cada dois ou três passos do maestro, os pedidos de autógrafos e fotos eram tantos, que acabou demandando um tempo considerável.
Na verdade, minha ansiedade fez com que eu achasse aquele momento muito demorado, pois o que queria mesmo era que ele visse logo sua caricatura.
Depois de se livrar da marcação de seus fãs, entramos no Cevada.
– E aí, maestro, o mesmo de sempre? – perguntou um dos garçons, já se adiantando no chopp sem colarinho.
Um sinal com o polegar e um sorriso típico, foram entendidos na mesma hora pelo garçom.
Enquanto pedia meu suco, observei sua reação ao abrir o presente.
Atentamente, olhei e vi quando o ele deu um sorriso enorme, como se aprovasse a caricatura.
Conversamos por aproximadamente uma hora e a partir de então, comecei a fazer as caricaturas de seus aniversários – que na maioria das vezes é comemorado em seu projeto social Samba dá Sopa – e nas datas de fim de ano.
Hoje, data que completa seu 63° aniversário e mesmo estando a 14.452 km (8975 milhas), ou seja, 18 horas de vôo entre Brasil e Russia, cobrindo a Copa das Confederações, nós, torcedores da Nação Rubro-Negra, queremos dedicar ao grande Júnior, um feliz aniversário e muitos anos de vida!