PURO-SANGUE
por Sergio Pugliese
(Foto: Arquivo)
Da mente brilhante e inquieta de Pedro Ernesto Stilpen, o Stil, brotaram livros, canções, charges, roteiros, musicais, curtas e animações. Na passagem pela TV Globo, trabalhou com os titãs Augusto Cesar Vanucci e Roberto Talma, participou da conceituação dos programas de Chico Anysio e Jô Soares, e abarrotou a estante de prêmios e diplomas. Talento raro! Mas dois troféus sacolejam a memória do artista e o fazem revirar as gavetas em busca de mais vestígios daquela época dourada, início da década de 70: os do bicampeonato do Alazão, timaço da Rua Principado de Mônaco, em Botafogo, criado, treinado e presidido por ele durante 10 anos.
– Sempre fui perna de pau, mas para atender a um pedido da criançada da rua montei o time, criei o escudo e confeccionei as bandeiras – recordou, emocionado.
Apesar da traumática goleada na estreia, 10 x 1 para o Jardim Montevideo, do cracaço-aço-aço Antonio Papinha, em pouco tempo o Alazão tornou-se conhecido e temido nas redondezas, e até hoje é lembrado, junto do Estrela, da Rua Hans Staden, e do Matriz da Rua das Palmeiras, como os times mais famosos de Botafogo. Stil não podia imaginar essa ascensão gigante e, além do infantil, precisou montar o infanto, o juvenil, o adulto, o veterano, o time de meninas, equipes de natação, vôlei, basquete e até tiro ao alvo.
– Só faltou o golfe. Com uma sede teríamos virado clube – atestou Antonio Carlos Meninea, o Zezo, zagueiro do Alazão “contratado” pelo Estrela.
Foto | Arquivo
No reencontro entre velhos amigos, acompanhado por nossa equipe, surpresa! Stil presenteou Zezo, atualmente morando em São Paulo, com o acervo do Alazão: duas velhas bandeiras, documentos, medalhas, uniforme e dezenas de carteiras de sócios, com as fotos de craques mirins, entre eles Marco Antonio Fittipaldi, o Marquinhos, o goleiro Ricardo, Jorginho e Marcelo. Zezo prometeu montar um site, escanear fotos, digitalizar jornais, abusar das ferramentas tecnológicas para manter viva a história do clube de suas vidas. (Foto: Arquivo)
– Além das infinitas alegrias, precisei me desdobrar em mil para cuidar desse time – divertiu-se Stil.
Desde a escolha do nome, em parceria com Fernando Plata, dono de dois cavalos no Jóquei, até a organização de torneios, tudo era responsabilidade de Stil. Inúmeras vezes saiu correndo da Globo para acompanhar amistosos nos subúrbios da cidade e passou madrugadas acordado desenhando o escudo _ um cavalo cuspindo fogo _ confeccionando as bandeiras e compondo o hino: “De azul e branco, explode meu coração! Botando fogo, entra em campo o Alazão! Competição, com emoção! Com sangue e raça, leva tudo de roldão! Vamos torcer, eu e você, que o nosso time nasceu para vencer!”.
– Me empolgava mesmo, dedicação total – confirmou.
Certa vez, exausto das tarefas profissionais, foi flagrado pela mãe, Dona Sylvia, de madrugada, lavando o uniforme da garotada. O pau cantou, mas a felicidade extrema superava o sono, afastava o estresse. Estava “no topo da vida”, como costuma dizer, e o Alazão lustrava o caminhão de responsabilidades e tarefas a cumprir, suavizava a pressão do a dia a dia. Água gelada na frigideira em brasa! Quando os moleques puro-sangue entravam em campo e atropelavam mais um pangaré, as cobranças dos diretores globais transformavam-se em poesia, a criatividade pulsava. Mas 10 anos depois, o Alazão abandonou as pistas, assim como o Estrela, do porteiro João do Dia, e o Matriz, do saudoso Agnaldo. Sobraram a saudade e o acervo para desmentirem essa aposentadoria e exibirem em fotos amareladas um Aterro lotado e os torcedores desfraldando a imponente bandeira azul e branca.
Estrela de Botafogo, no Aterro, em 1980. Da esquerda para a direita: Carlinhos, Marcelo, Jorge, Barriga, Luisinho e Seu João do Dia (técnico e dono do time). Agachados: Zezo, Paulista, Kamuzinho, Genildo, Marquinhos Açougueiro e Cabeça. (Foto: Arquivo)
PERMUTA OU PATROCÍNIO
por Idel Halfen
Tanto clubes como confederações e até promotores de eventos costumam viver numa busca constante por maiores fontes de receitas, sendo que parte significativa dessas são oriundas de patrocínio máster, da venda do title sponsor ou da comercialização do naming rights.
Há, no entanto, outras possibilidades de se obter patrocínios ou apoios sem que necessariamente isso envolva transferência de dinheiro. Refiro-me ao que comumente chamam de permuta.
Essa ação consiste na inclusão de alguma marca em espaços destinados à exposição de patrocinadores e apoiadores em troca do fornecimento de algum serviço e/ou produto por parte do detentor da marca. Uma ação corriqueira, que se banaliza na medida em que produtos/serviços com pouca ou nenhuma utilidade entram nesse tipo de operação com o objetivo meramente de terem suas marcas expostas.
Nesse contexto não é raro encontrar empresas de um mesmo ramo de atividade convivendo no mesmo espaço, e quando isso NÃO acontece é devido à exigência de exclusividade por parte do patrocinador. Pleito justíssimo, diga-se de passagem, porém, tais diretrizes deveriam partir do patrocinado, o qual, por sua vez, precisa ter bem definida a relação de categorias pelas quais se busca patrocínio.
Essa definição, além de facilitar a prospecção, já que permite traçar um desenho das possibilidades em cada categoria, ainda auxilia na valorização das propriedades, pois permite ao patrocinador usar em todas as suas comunicações a nomenclatura “patrocinador oficial” da instituição X ou do evento Y.
A escolha das categorias a serem comercializadas pode ser feita de duas formas, que não são excludentes:
- Fazendo um benchmarking dos principais clubes do mundo e do comitê olímpico internacional.
- Avaliando com a área de suprimentos as principais demandas da organização.
Estima-se que nos últimos Jogos Olímpicos, o equivalente a 60% do que foi contabilizado como patrocínios e apoios foram efetivamente pagos na forma de permuta. Nas edições passadas esse percentual nunca tinha ultrapassado os 50%.
Nesse montante estão contemplados, entre outros, 5.000 carros da Nissan, tablets da Samsung e seguro saúde da Bradesco.
Apesar desse movimento ter sido motivado pela crise econômica do país, podemos, na verdade, estar diante de um movimento de racionalização das relações comerciais e mercadológicas entre as partes.
Reforçando o que foi dito acima, a permuta pode ser uma excelente oportunidade para patrocinadores e patrocinados, desde que sejam tomados os devidos cuidados para não envolverem marcas sem associação ao evento em si, como por exemplo, o fornecimento de cigarros para um evento de cunho esportivo.
AVE, MANCINI
por Zé Roberto Padilha
Zé Roberto Padilha
Ele foi contratado para realizar uma pré-temporada atípica: dirigir em 2017 um clube de futebol sem time. Todos os outros treinadores que disputariam com ele o estadual, a Recopa, a Copa Sul Americana e a primeira divisão do Campeonato Brasileiro tinham perdido alguns jogadores e contratados outros. Mantiveram as suas bases, no máximo em um mês um novo sistema tático estaria definido. Com Vagner Mancini foi diferente: teve que organizar uma nova comissão técnica, nem o massagista ele encontrou no vestiário, e formar um novo time, já que perdeu para a posteridade dezessete jogadores. Não encontrou nem titulares, nem reservas.
Quem os levou foi quem o iluminou nesta espinhosa missão: recusou vários medalhões que se ofereceram em meio a um mar de altruísmo e fraternidade que se formou pelo país e pelo mundo, e montou um elenco de bons jogadores que carregavam, acima de tudo, uma história de superação e luta. Do Flamengo veio o Luiz Antonio, que estava no Sport, o Atlético Mineiro cedeu Lucas e Dodô, do Palmeiras Nathan e Vitor Ramos, o Londrina colocou o Caike à sua disposição e o São Paulo emprestou o Reinaldo. Douglas Grolli veio do Cruzeiro e Apodi, Neném, Osman e Wellington Paulista foram indicados por ele. Por mais que fosse um técnico rodado, nos primeiros coletivos teve que perguntar a um deles, como um treinador da base: “Em qual posição você se sente melhor meu filho?”.
(Foto: Reprodução)
Mesmo assim, como num milagre após o desastre, a bonança após a tempestade, conseguiu armar um time tão competitivo que alcançou o título estadual. Foi vice-campeão da Recopa e está classificado para as semifinais da Copa Sul Americana, ao lado do Flamengo. E após dez rodadas do Campeonato Brasileiro, ocupa a décima terceira colocação à frente de Atlético Mineiro e São Paulo. Vagner Mancini, sua comissão técnica e todo seu elenco mereciam ser reverenciados. No mínimo, respeitados. Mas ontem, sete meses depois de toda esta bonita história de reconstrução, saíram de campo vaiados após perderem em casa para o Atlético Mineiro. A imagem de um torcedor da Chapecoense exaltado, xingando os jogadores ao final da partida, só contido pela polícia, nos faz refletir: será que o luto acabou? Sabemos que o oficial decretado é de três dias, em caso de um Presidente da República, como Tancredo Neves, ele foi de oito dias. E quanto ao falecimento de um clube de futebol onde a emoção está sempre colocada acima da razão?
Segundo a psicologia, “O luto complicado não é definido por seu tempo de duração. Trata-se da compreensão de um tempo de Kairós, que designa o momento certo, e não o tempo de Chronos, que mede a quantidade de dias ou de horas”. Compreensão de um tempo. Seria mesmo pedir muito para um universo que vaia até minuto de silêncio, que fica na tocaia esperando o ônibus adversário passar com pedras na mão e que não é capaz de enxergar, mesmo jogando em casa, o valor destes novos heróis que o criador enviou para substituir os seus.
BALADA NÚMERO 7, O CANTO DO ENCANTO NA VÁRZEA
por Marcelo Mendez
(Foto: Reprodução)
A várzea sem dúvida é um berço santo de subversão de tudo que a razão tenta empurrar goela abaixo sem nenhum charme. Na várzea impera a transgressão dos sentidos.
Pensando assim, o que pode então ser mais subversivo que a figura lendária do ponta, do ponta direita?
Em tempos de glória do futebol nacional, a posição do lado do campo, foi representada por nomes como Julinho Botelho, Tesourinha, Friaça e o maior de todos, Garrincha. Eram tempos em que se driblava em cima do lenço que ficava por sobre a linha lateral, tempos em que a magia se fazia pelo lado do campo. E agora, em 2017, aonde está esse ponta?
Sim, ele está com a camisa 7 do Santa Rosa de Mauá e atende pelo nome de Fernando.
Em um domingo de multi cores, aceitei o convite de meu amigo Marcelo Ferreira a acompanhá-lo no oficio de suas funções cobrindo o futebol da bola de marrom de Mauá. A cidade do ABC Paulista acorda com um sorriso na cara em dias de jogo na várzea…
Carrinhos de feira apostos, vira-latas de fronte às maquinas de frango e seus cheirosos galetos, meninos que comem pastéis, homens que carregam instrumentos de samba de olho no relógio a esperar pela hora adequada para a primeira latinha de cerveja.
É um domingo de várzea…
A beira do alambrado da Vila Mercedes começa a encher para a segunda partida das oitavas de final do principal campeonato da cidade. Mocidade x Santa Rosa jogariam e então alguém me diz:
– Presta atenção nesse camisa 7 do Santa Rosa…
Prestei…
A inexorável mística que há na camisa 7, se faz nos pés de Fernando. Na primeira bola que pega, ele olha na cara do seu marcador o desafiando para o duelo de pernas que o futebol faz. Para, balança a anca para um lado, sai para o outro e a galera vem junto:
“OOOOOOOOLÉÉÉÉÉÉÉÉÉ!!!!”
É o maior momento do futebol. O drible do menino no marcador bufão é o que salva pra além do futebol; Consagra a vida!
Quando a bola vinha aos pés de Fernando ele a colava junto ao seu pé direito e não deixava ninguém tirá-la dele. Com a ginga de um bailarino, driblava lindamente, driblava todos, driblava todo mundo! Ao redor de sua cintura, estava ali, toda a imortalidade de gingas e gafieiras lendárias, de seus pés, sambas e picardias a fazer todos sorrirem.
Fernando driblava e sorria.
Seu time venceu, ele fez os dois gols e mesmo que não fizesse isso não importaria muito. No campo da Vila Mercedes, com a camisa do Santa Rosa, Fernando jogou por muito mais que um título. Jogou pela poesia. Driblou as caretices todas e ali naquele campo, perpetuou todo um sem-fim de odes épicas a craques imortais.
Nesse domingo, Fernando jogou por mim. A ele agradeço.
Profundamente, agradeço…
RENOVA, BRASIL!
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Nana Moraes)
No restaurante a tevê estava ligada em algum jogo ruim da Copa das Confederações e ninguém reparava. E olha que a casa estava cheia. Alguém da mesa ao lado até perguntou ao garçom que jogo era aquele, mas ele não soube responder. Meu Deus, que evento ruim, esvaziado e desinteressante.
Com exceção da Alemanha, que sabiamente transformou o torneio em um laboratório para a Copa de 2018, o resto é o resto. E olha que gosto do Chile, mas não vi nenhuma pinta de renovação por ali.
Camarões é a mesma correria de sempre e não evolui, não consegue deslanchar. Talvez quando pararem de investir em técnicos europeus e apostem em algum profissional do próprio país a situação melhore.
O que será de Portugal quando Cristiano Ronaldo pendurar as chuteiras? Eles ainda apostam em Pepe e Quaresma, não dá.
Projeto, de verdade, é do Alemanha, de Joachim Löw.
A lista dele para as Confederações teve apenas três campeões mundiais, entre eles Draxler, craque do PSG.
Acho o futebol dele parecido com o do Luan, do Grêmio, outro que deveria ser titular no Brasil junto com Philippe Coutinho, Marcelo, Neymar e Gabriel Jesus.
A nossa seleção precisa apostar com mais intensidade nessa renovação e deixar um pouco de lado Paulinhos, Fernandinhos e Renatos Augustos. O Luan joga com prazer e é leve. E é dessa leveza e alegria que precisamos. Mas é preciso acreditar.
O Löw escala o time e não faz substituições. Quem faz isso?
Joachim Löw
A Alemanha está preparando mais uma geração maravilhosa. Se vai ser campeã na próxima Copa, não importa, a conversa não é essa.
Esse projeto alemão começou em 2002 quando Beckenbauer convocou a cúpula de futebol e determinou “vamos parar apenas de correr e marcar, vamos driblar e encantar”.
Tiveram respaldo para isso, investiram pesado na base, o resultado veio e continuará vindo por muitos anos.
Renovar exige coragem e corajosos são raros em nosso futebol.
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 25 de junho de 2017.