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AS MURALHAS DO SALÃO

por Sergio Pugliese


(Foto: Arquivo)

O ala Serginho, do Vila Isabel, driblou um, dois, três e chutou seco no canto, uma pintura! Tratado como lenda, o craque sabia que seu tirambaço tinha endereço certo. Os torcedores, inquietos, preparavam-se para comemorar o título, mas esqueceram-se de avisar ao adversário, então Wagner Firmino Rebelo Cardoso, considerado até hoje um dos três maiores goleiros de futebol de salão de todos os tempos, incorporou o homem-elástico e, num voo espetacular, evitou o gol com a ponta dos dedos. Milagre! O Maracanãzinho tremeu! A sequência de belas jogadas não cessava com tantas feras em quadra. Na época, o Vila ganhava tudo com Serginho, Adílson, Aécio, Ernesto Paulo e Cauby, o Bibi. O Mackenzie não ficava atrás e Fernando, Silvinho, Apio e Paulo Sergio abusavam do talento! Na final histórica, em 75, deu Mackenzie: 2 a 1. 

– O Wagner era meio time, nunca vi nada parecido com ele – afirmou Carlinhos Tiroteio. 

E se alguém tem moral e bagagem para opinar, ele é o cara! Só pelo Monte Sinai foi campeão brasileiro, em 81, e tri carioca, 79/80/81. Pelo Campeonato de Securitários, torneio concorrente ao Carioca, foi campeão pelo Bandeirantes, Capemi e Atlântica Boavista, e tri invicto pela seleção carioca dos securitários. Convidado pela equipe do A Pelada Como Ela É para eleger os melhores goleiros do final da década de 60 a 80, época de ouro do futebol de salão, ele ouviu vários amigos, atletas, torcedores e reuniu três de seus cinco eleitos numa festa no ginásio do Sindicato dos Securitários, no Engenho de Dentro. Fomos lá, claro! Conhecemos Wagner, 65 anos, o número 1 de Tiroteio, o ex-Bradesco Serginho Coelho, 46, segundo lugar, e Fernando Damasceno, 56, campeão carioca pelo Monte Sinai e vice pelo Vila e Cassino Bangú. Os outros dois votos foram para José Arthur, do Grajaú Country, o quarto lugar, e Miguel, do Imperial. 

– Essa eleição vai dar polêmica, hein! – apimentou o craque Sérgio Sapo, carrasco de vários arqueiros e um dos convidados vips da festa. 

– A escolha é minha! – reagiu Tiroteio. 

Com um apelido desses quem iria contrariar? Mas, calma, o “Tiroteio” deve-se apenas ao fato de ter sido pavio curto em algumas fases da carreira, mas ele é amado e admirado por um Maracanã lotado. A festa estava concorrida e o reencontro entre os amigos foi emocionante. Na resenha, Tiroteio lembrou outra final espetacular vencida por Wagner: a decisão do Carioca, de 69, Grajaú Tênis 4 a 1 no São Cristóvão, em Figueira de Melo. O goleirão, cria do Grajaú, pegou até pensamento! Mas nem tudo são louros e sobre Mackenzie e Vila, em 75, o gigante Fernando Damasceno, não traz boas recordações. Vinha jogando, mas na decisão perdeu a vaga para o uruguaio Mundo Libre e, do banco, assistiu a vitória de Wagner, um de seus ídolos, além dos goleiros Hermes, do América, Mário Ricardo, da seleção brasileira, Mauro, do América, Batman, do Rocha Miranda, Serginho Aranha, do Vila, Manga, do Jacarepaguá, e Bidoni e Paulinho, do Carioca. 

– Foi uma época de goleiros fantásticos – comentou Serginho Coelho, tricampeão mundial de clubes pelo Bradesco, entre outros tantos títulos. 

Serginho Coelho foi lançado na arena dos leões por Carlinhos Tiroteio com apenas 15 anos de idade e não se intimidou. Na Taça Brasil, em 81, o teste de fogo! O Monte Sinai foi vencendo todos os clássicos até chegar a final, em Cuiabá, contra o poderoso Corinthians. Mas um time com Serginho, Cilo, Ney Pereira, Ricardo Rogério, Vevé, Trepinha, Jaiminho e Julio Nigri ia ter medo de quem? Final 3 a 0, gols de Vevé. O menino Serginho era uma realidade e choveram propostas, até mesmo para o time de campo do Atlético (MG). Ê, tempo bom! O presidente do Sindicato dos Securitários, Adolfo Lima, fã da turma se deliciava com as histórias. No momento da foto histórica, uma surpresa! Chegou Vevé!! Vevé é ídolo de toda uma geração e, assim com Serginho do Vila Isabel, tem status de lenda. 

– Você tem que estar nessa foto, me garantiu muitos bichos! Venha! – determinou Tiroteio. 

Vevé, 61 anos, integrou-se ao grupo e, sorrindo, ouviu Tiroteio lembrar a final do Carioca de 79, primeiro título importante da dupla. O Monte Sinai venceu com direito a golaço de Vevé, com lençol e tudo. Mário Ricardo, goleiro do Carioca, não conseguiu impedir. “Sorriam!”, pediu o fotógrafo. Wagner, Serginho Coelho, Fernando Damasceno, Carlinhos Tiroteio e Vevé esbanjaram sorriso. Tinham motivos para isso, pois construíram a história do futebol de salão, hoje tão modificado, mecânico e chamado futsal. 

– Futsal parece nome de remédio para digestão!!! – detonou Tiroteio. 

Quando ia disparar a metralhadora giratória, rapidamente foi acalmado pela turma do deixa disso. A rapaziada conhece o tamanho do pavio do homem, então, às gargalhadas, desviaram o assunto, voltaram aos anos dourados e saíram da quadra em direção ao bar abraçados ao mestre.

Oscar Bernardi

EM BUSCA DA CABEÇADA PERDIDA

texto: Marcelo Mendez | fotos e vídeo: Marcelo Ferreira | edição de vídeo: Daniel Planel

 

A história dessa entrevista começou no dia 05 de julho de 1982, aos 42 minutos de uma partida que começou ao meio dia no Brasil e que jamais acabará, pelo menos no coração de uma geração que por acaso é a minha.

Eram jogados 42 minutos do segundo tempo quando Éder bateu naquela bola do lado do campo e ela encontrou a cabeça de Oscar.

Resoluto, o dono da camisa 3 subiu, de olhos abertos, peito estufado e altivo, encheu a testa na bola e no pé da trave, Dino Zoff foi buscá-la. Foi o fim daquele jogo, daquele maldito 3×2 para a Itália. Começou ali o maior dos meus calvários, a minha maior desventura, em ver futebol e querer reencontrar aquele encanto que senti na Copa de 1982.

Sei que os tempos são outros.

O tempo passou e hoje não sou mais o menino que fui em 1982.

Me beijaram a boca algumas vezes, me fizeram poeta, me fiz Jornalista e entre tantas pautas, 35 anos depois daquela segunda-feira de 1982, fui até a casa de Oscar para bater um papo sobre sua carreira, sua vida, sua trajetória e claro, sobre 1982.

Hoje, seria fácil para mim se fosse apenas pra sofrer. Mas eu vi 1982…

Quem viu aquele time jogar sabe do que é a felicidade. Quem viu aquele time jogar, vai torcer pra sempre para a cabeçada de Oscar entrar, mesmo sabendo que isso não vai acontecer?

Não?

Bom… Assistam ao zagueirão em Museu da Pelada…

 

 

AINDA É CEDO, MONTILLO!

por Zé Roberto Padilha


Zé Roberto Padilha (Foto: Guillermo Planel)

De um jogador do seu nível ético e profissional não era de esperar outra coisa: seguidamente impedido por contusões a cumprir o seu contrato, não acha correto continuar a receber e não jogar. E levado pela emoção atrelada a uma profissão praticada a céu, microfones e corneteiros abertos, reúne a família, a imprensa e comunica que vai encerrar a carreira. Tudo compreensível. Menos para o futebol. Ele não pode se dar o luxo de perder tão precocemente um talento como o seu.

Deus concede um dom a cada um de nós. E um tempo certo para suas criaturas o exercerem. Aos 33 anos, está provado, o homem alcança o máximo do seu desempenho físico e intelectual. Sabe aquela manga espada no auge? Pois bem, ela teria 33 anos se colhida no tempo certo. Portanto, não contrarie seus desígnios, cuide das suas contusões dentro do tempo manual de instruções da fisioterapia e não volte porque a sua consciência, mais o clamor das arquibancadas e o desejo do Jair Ventura assim o determine. Quem é do ramo sabe que a sua quinta contusão nada mais foi que conseqüência da primeira mal curada porque todo mundo lhe queria ver jogar.


Tinha a sua idade quando ia jogar a toalha também. Jogava no Americano, de Campos, e capengava nos treinamentos após minha quarta cirurgia no joelho esquerdo. Até que apareceu um anjo negro em minha vida: Professor Paulo Nascimento. No lugar de me levar para o campo, me conduzia ao parque aquático do clube. Meus companheiros vestiam shorts, eu a sunga. Calçavam chuteiras, eu o pé de pato. Não tinha mesmo mais nada a aprender nos treinamentos, a não ser produzir nos jogos, e a natação, aos nos condicionar sem impactar as articulações, me concedeu mais quatro anos de sobrevida. Comecei com 100, 200, e hoje, aos 65 anos, nado 2.000 metros, claro, sem aquela intensidade.

Se durante a semana algum companheiro torcia o nariz porque refrescava o treino e garotas bonitas se bronzeavam ao lado, e o corneteiro de plantão cochichava “Ué, o clube contratou um jogador ou um nadador?”, tudo desaparecia domingo quando voava em campo. Caixa ampliada, cabeça motivada com pneus e amortecedores preservados.


Vamos tentar? Tenho um filho botafoguense em casa e sei da alegria que teve com sua chegada e das lágrimas que compartilhou contigo na despedida. Tenho certeza que litros de lágrimas cheias de cloro e esperança vão lhe trazer de volta para o bem de quem ama o futebol arte. E com os exemplos de cidadão decente que sempre nos concedeu

Obs. Só tem um problema: sabe aquela confraternização concorrida de final de ano com amigo oculto? Esquece. Daqui pra frente será apenas entre você e o guardião da piscina. Mas é esta solidão semanal que lhe trará de volta à multidão que lhe aguarda de braços abertos no Engenhão.

NADA SERÁ COMO ANTES

por Marcos Vinicius Cabral


Depois da Copa da Espanha, em 1982, o futebol passou a ser encarado por resultados.

Aquela derrota para a Itália do até então ineficiente Paolo Rossi, não acertou apenas uma geração de grandes jogadores, mas expôs uma fratura difícil de cicatrizar, a partir de então, no futebol brasileiro.

Sendo assim, foi posto de lado o futebol arte,  envolvente, de toque de bola e acima de tudo, o futebol que vencia e convencia a qualquer custo.

Se Telê Santana (teimoso à mineira) não fez súditos, aquela seleção não teria como servir de exemplo para as menos favorecidas em material humano.


Aquela derrota, fez um mal à saúde do futebol que até hoje, vive à base de encontrar substitutos para aqueles 11 exuberantes atletas e sangra em nós.

Passados 23 anos do tetracampeonato e 15 do pentacampeonato, os programas dos canais fechados não cansam de comemorar essas datas e a galera – que nem era nascida em 82 – vai na onda compartilhando nas redes sociais.

Com isso, cada vez mais me orgulho e tenho a plena consciência do quanto aquela seleção me fez feliz, apesar do insucesso naquele Mundial.

Sobretudo, para um povo carente de ídolos, ter Romário em 94 e Ronaldo Fenômeno em 2002 como tais não chega a soar estranho e nem nevrálgico.


Então, seleções de Dunga & Cia e Kleberson & Cia, vocês, mesmo tendo beijado aquelas taças, jamais, eu disse jamais, serão e representarão o que Waldir Perez, Leandro, Oscar Luizinho e Júnior; Cerezo, Falcão, Sócrates e Zico; Serginho e Éder representaram não só para mim mas para o mundo da bola.

Parabéns aos jogadores de 82, verdadeiros campeões!

DI STÉFANO SÓ GOSTAVA DO NILTON SANTOS

por André Felipe de Lima


“Di Stéfano ficou com ciúme porque teria o seu espaço dividido comigo. Nas primeiras semanas, ele mal me cumprimentava. Nos jogos, ele evitava me passar bolas. Porém, com o tempo, passamos a conversar”. Quem contou isso foi Didi, ídolo do futebol brasileiro, do Fluminense e do Botafogo. Vá lá, ídolo de todos nós, e sem revanchismo. Didi foi (ou pelo menos tentou) ser um bom parceiro do “Saeta Rubia” (como apelidaram Di Stéfano) no Real Madrid. Não conseguiu. Chiou quando voltou ao Brasil. Di Stéfano defendeu-se: “De princípio, duvidei que fosse Didi quem tivesse feito tais afirmativas. Se ele é honrado, devia por sua mão no coração e reconhecer que, se fracassou, não foi por minha culpa, nem de meus companheiros. Ele não resistiu ao ritmo do futebol espanhol, sua velocidade e seu estilo forte, além da marcação cerrada. Se Didi pensar bem, jamais poderá dizer que alguém o tratou mal. É um exemplo típico do fracasso de um jogador de grande classe. Como todos sabem, Didi foi contratado pelo Real Madrid como meia-armador. Por isso, pergunto: onde estão os passes que ele devia me dar? Até hoje ainda os espero… apresar de ter fracassado, Didi, no Real, não encontrou mais do que amizade, ajuda e companheirismo.”

A verdade é que Didi foi mesmo boicotado pelas estrelas do time. Guiomar, sua esposa e “advogada” nas causas mais dramáticas do casal, colocou a boca no mundo e, em alto e bom som, disse que Di Stéfano, Puskas e Cia. colocavam o marido de lado. Ela tinha razão. Até mesmo o ponta Canário – sim, o mesmo do América – foi acusado de “leva e traz”. Guiomar o acusava de minar Didi com as outras estrelas do Real, sobretudo o “Saeta”.


Di Stéfano, como a maioria dos argentinos quando falam do futebol brasileiro, torcia o nariz para os nossos craques. E isso sem a menor parcimônia. Logo após a Copa do Mundo de 1962, quando conquistamos o “bi”, ele “barrou” Pelé e Garrincha de um hipotético “maior time de todos os tempos”. Escalou no gol o conterrâneo portenho Julio Adolfo Cozzi. Meteu na lateral-direita outro argentino, o Carlos Sosa, fez de zagueiro central o inglês Billy Wright e escalou na lateral-esquerda o único brasileiro do time: Nilton Santos. No meio jogariam o húngaro Bosizk e o craque do River Plate Nestor Rossi. No ataque, a começar pela ponta-direita, o francês Kopa, o argentino Moreno, o paraguaio Arsenio Erico, Puskas e na canhota o também argentino Lostau. Como se vê, Stéfano jamais teve boa vontade com o nosso futebol. A única exceção foi Nilton Santos: “O melhor elogio que posso fazer-lhe é dizer que ele sabe jogar até de memória. Faz jus a tudo o que de bom têm dito sobre ele.”

O tempo passou, mas Didi e o sutilmente despeitado Di Stéfano, ambos longe um do outro, acertaram os ponteiros. Didi no Botafogo e ele, Di Stéfano, no Real. A rixa entre os dois foi superada.


Recuperei essas histórias para tentar aproximar o Di Stéfano um pouco mais da realidade histórica do futebol brasileiro, sobretudo para os mais jovens. Além desse episódio com o nosso Didi e da demonstração de apreço por Nilton Santos, o craque argentino naturalizado espanhol teve outra relação direta conosco. Ainda jovem, defendendo “La máquina” do River Plate, em 1948, perdeu para o Vasco da Gama a final do primeiro campeonato sul-americano de futebol. A derrota foi um baque para ele, que começou a perder espaço no time. Passou (de passagem) pelo Huracán e, em seguida, foi parar na liga pirata da Colômbia, país que chegou a defender. A ousadia de “Saeta Rubia” em jogar pela marginalizada liga colombiana quase custou-lhe a carreira. Por pouco não foi banido do futebol pela Fifa. Seria um crime da principal frente institucional da bola contra o futebol. Di Stéfano foi um craque, meus amigos. Mais que isso, um jogador extraordinário. Um dos maiores da história. Os madrilenos idolatram-no como se fosse o ídolo um deus. Não ousamos contrariá-los.

Exatamente há 92 anos, em um 4 de julho, em Barracas, bairro de Buenos Aires bem ao lado de Avellaneda, nasceu Di Stéfano. Desde menino foi um virtuoso da bola, igualmente a outros dois gênios argentinos: Maradona e Messi. Quando “Saeta”, em 1953, preparava-se para respirar novos ares, viu seu futebol valorizar-se. A liga pirata da Colômbia (acreditem!) fez bem ele. Dois monstros espanhóis o disputavam com unhas e dentes. Barcelona e Real Madrid quase deflagraram, sem exagero, a terceira guerra mundial. Mas a “batalha derradeira” foi vencida pelo Real, que o levou para o Santiago Bernabéu e fez de Di Stéfano um dos maiores nomes da história do futebol. Vestindo a famosa camisa branca, o portenho genial conquistou tudo. Conquistou o mundo. Di Stéfano retribuiu ao clube que o tornou ídolo e fez do Real Madrid do final da década de 1950 o maior time em todos os tempos, como qualificam os mais renomados cronistas esportivos e ontem e da atualidade.


Com o Real, “Saeta” ostenta a impressionante marca de 418 gols em 510 jogos e uma penca de títulos que nenhum outro jogador jamais conquistou defendendo um único time. Somente Pelé o superou em todos os quesitos. Di Stéfano levantou cinco Taças dos Campeões (a atual Liga dos Campeões da Uefa) e uma Taça Intercontinental (o hoje Mundial de Clubes da Fifa) e conquistou incríveis oito campeonatos espanhóis. Picuinha à parte com nossos maiores ídolos, “Saeta Rubia” foi, indiscutivelmente, um gênio.