SEM NOME
por Idel Halfen
A Juventus de Turim realizou recentemente um movimento que, se não inédito, é bastante raro em clubes de futebol: a mudança de forma radical de sua logo/escudo.
Não pretenderemos nesse artigo entrar no mérito dos aspectos relacionados ao branding, mas sim chamar a atenção quanto ao maior destaque do nome do clube no escudo. Um movimento que parece óbvio quando pensamos no processo de internacionalização dos clubes, já que os potenciais “torcedores” e “simpatizantes” de outros países – menos familiarizados aos símbolos e cores das equipes internacionais – necessitam de uma maior clareza acerca do reconhecimento das camisas e demais produtos dos clubes, os quais costumam ser muito mais instrumentos de demonstração de orgulho e pertencimento do que propriamente de estética.
Escudo da Juventus antes e depois
Pegando os times da série A do Campeonato Brasileiro de 2017, veremos que nove dos vinte clubes possuem o nome agregado ao escudo e, mesmo assim, grande parte deles misturados a elementos ou com o nome completo – futebol clube, por exemplo -, o que deixa a identificação prejudicada.
Por outro lado, quando observamos o mercado corporativo vemos que o ápice do sucesso de uma marca é quando ela consegue ser reconhecida sem que apareça o seu nome.
Um processo, a bem da verdade, que não se dá do dia para noite e que deve ser estruturado com o máximo rigor, sob o risco de se danificar todo o brand equity.
A evolução nesses casos tem que ocorrer de tal forma que a identificação e o recall não sejam comprometidos nas gerações futuras, pois da perenidade depende a sobrevivência das empresas.
Para deixar mais claro o entendimento sobre esse processo, vamos citar de forma bem resumida a evolução de algumas marcas que estão no nosso cotidiano.
Começando pelo Mc Donald’s, vimos a marca trazer nos seus primórdios tanto o nome quanto frases que melhor identificassem sua área de atuação. Ao longo do tempo, tiraram as frases e demais elementos que remetiam à alimentação para deixar apenas o nome e a logo, até que atualmente o nome foi extinto.
A Pepsi Cola teve no seu início o nome estilizado como logo. Mais tarde chegou a incorporar a palavra drink para associar o produto ao uso. Outra mudança significativa foi a extinção da palavra cola, passando a se chamar simplesmente Pepsi. As várias alterações culminaram na adoção da logo sem nenhum nome.
Completam esse grupo de marcas que hoje não carregam o nome em sua logo: Starbucks, Shell, Apple e Nike, entre outras.
Tenho dúvidas se o forte sentimento tradicionalista dos torcedores permitiria que os clubes brasileiros fossem ousados a ponto de alterarem radicalmente seus escudos, porém, mesmo que não se chegue nesse estágio, penso que os clubes que pretendam ter uma política de expansão para outros territórios devam de alguma forma agregar o nome da equipe aos simbolos, evidentemente, que de forma elegante e que não violente o posicionamento e os valores do clube.
CATRACAS
por Claudio Lovato
(Foto: Reprodução)
– A gente vai?
A pergunta do menino atingiu o homem como um corte de punhal de gelo em algum lugar entre a boca do estômago e o meio de peito.
— Claro!
A resposta exprimia vontade, não certeza. Nenhuma certeza.
Fim do mês. O dia do pagamento ainda coisa distante – teria que esperar mais uma semana pelo menos. Uma pindaíba de dar dó (a dó que ninguém sentia por eles, a não ser eles próprios).
O homem precisava arranjar R$ 120,00 se quisesse levar o menino ao jogo desta tarde.
O dinheiro restante na casa estava em poder da mãe, dentro de um envelope que todos sabiam onde estava, mas do qual ninguém se atrevia a chegar perto. Era o dinheiro da comida, do gás, da conta da luz (atrasada) e da condução para o trabalho.
O menino ouviu a respostae voltou para o quarto.
O homem pensou.
Aos amigos aos quais podia recorrer, já o havia feito, em outras ocasiões recentes.
Poderia falar com o patrão, pedir um vale, mas logo desistiu da ideia. Simplesmente não conseguia imaginar aquele sujeito sovina, dono do mercadinho onde ele trabalhava como faz-tudo havia dois anos, lhe dando um adiantamento.
Poderia falar com o vizinho que emprestava dinheiro para quem quer que aceitasse pagar os juros obscenos que ele cobrava. Se sua mulher descobrisse que ele havia pegado dinheiro com o agiota do bairro, o casamento sofreria sério abalo. Poderia até acabar. Ou no mínimo lhe render duas semanas dormindo no estropiado sofá da sala.
Por fim, pensou no irmão.
O problema era que o irmão costumava combinar uma coisa e se esquecer dela meia hora depois – meia hora regada a toda cachaça que conseguisse beber.
Mas resolveu ligar.
O telefone tocou várias vezes antes de o irmão atender. Estava acordando e, pelo jeito, em seu estado normal: enfrentando uma ressaca furiosa.
Explicou o caso. Sim, o irmão tinha R$ 120,00 para emprestar. Claro que ele sabia o quanto sobrinho queria ir àquele jogo. Marcaram o encontro para dali a duas horas, no portão de acesso que usavam para entrar desde os tempos em que eles dois, os irmãos, eram adolescentes.
Antes da hora marcada, o homem e o menino estavam em frente ao portão. A hora chegou e o irmão não apareceu.
A aflição do homem aumentava a cada minuto. O menino não olhava para o homem; concentrava-se em assistir aos outros torcedores entrarem no estádio.
O homem percebeu que um dos porteiros, o mais velho, os observava.
Agora havia poucos torcedores no entorno do estádio. O jogo estava para começar. O homem sabia: o irmão não apareceria. Ligou para ele do celular. Caixa de recados. A irritação, a amargura e a certeza de que de nada adiantaria fazer aquilo o impediram de tentar uma nova chamada.
O porteiro veterano continuava a olhar para eles. No peito do menino, a iminência da decepção se manifestava na forma de batidas aceleradas do coração.
A torcida lá dentro. A festa. Era o time entrando em campo. O entorno do estádio praticamente deserto. E nada do irmão.
Agora, lá dentro, a primeira explosão da torcida. Gol? Quase gol?
Duas lágrimas invencíveis surgiram nos olhos do menino.
Ódio em estado bruto transbordava do peito do homem – ódio de tudo, ódio da vida.
Então ele viu o porteiro coroa fazer um sinal. Depois o assistiu colocar a catraca numa posição neutra, caminhar em direção ao colega, cochichar alguma coisa e, na sequência, afastarem-se, ambos comas mãos no bolso das jaquetas pretas.
O homem pegou o menino pela mão e o arrastou. Com o máximo de cuidado e rapidez (uma combinação difícil) passaram pela catraca.
O menino enfim ingressou no território em que seu desejo mais profundo se realizava.
O homem olhava para o menino, e para nada mais; era a única forma possível de sufocar a imensa vergonha que sentia.
(Foto: Reprodução)
O barulho da batucada. Os gritos. Quando, por fim, o menino e o homem conseguiram dirigiro olhar para o gramado,um dos atacantes do time deles, o craque tatuado, ídolo maior do menino, estava na cara do gol, sozinho, de cabeça erguida, com a bola colada ao pé direito, apenas ele e o goleiro, e então fez exatamente o que tinha que fazer, para a momentânea desforra do homem e do menino diante daquilo que jamais poderiam enfrentar de igual para igual.
NETO DE PEIXE
Luiz Garrincha
Com muito orgulho, recebemos diversas mensagens dos nossos queridos seguidores. São críticas, elogios e sugestões que nos motivam a seguir em frente. Na última segunda, fomos surpreendidos com um recado de Luiz Garrincha, neto de ninguém menos que uma das maiores lendas do futebol mundial.
Resenha pra lá, resenha pra cá, descobrimos que Luiz treinou em clubes até os 16 anos e, mesmo com a pressão por ser neto do anjo das pernas tortas, se saía muito bem nos jogos. O curioso é que Luiz jogou no mesmo clube que abriu as portas para Garrincha, o Esporte Clube Pau Grande.
– Todos falavam que eu levava jeito, mas não continuei a carreira. Às vezes, com um bom drible, também entortava uns marcadores.
Embora tenha abandonado os gramados, Luiz não consegue ficar muito distante deles, pois se juntou a Ronaldo Fenômeno e se tornou uma espécie de olheiro, sempre atrás dos novos talentos. Ao ser perguntado sobre a possibilidade de surgir um novo Garrincha, não titubeou:
– Acho difícil! Hoje eu vejo o futebol com muita maquiagem! Ele fez a história dele sozinho, sem ajuda de empresários. Hoje o futebol virou um negócio.
Fora de campo, Luiz Garrincha conseguiu marcar um gol de placa que deixaria até seu avô orgulhoso. Numa iniciativa louvável, fundou a ONG Mané Garrincha, que conta com o apoio da CBF, do Botafogo e de Flávio Lopes, representante das lojas do clube alvinegro. Localizado na Vila Cruzeiro, o projeto social recebe 1550 crianças para vários tipos de atividades.
Em março deste ano, por exemplo, Luiz Garrincha proporcionou uma experiência incrível para as crianças, organizando uma excursão até o Museu da Seleção.
– Pra mim é uma honra, pois pude ver a história da nossa seleção. Só tenho a agradecer a todos que possibilitaram nossa visita – disse Caio César, de 17 anos, em entrevista para a CBF TV.
E a família Garrincha segue fazendo gols de placa…
DÊ-LHE O BANCO E LHES DIREI QUEM É
por Zé Roberto Padilha
por Zé Roberto Padilha
As câmeras do Globo Esporte, durante o jogo do Vasco contra o Bahia, se revezaram entre o gramado e o banco de reservas de São Januário. Pela primeira desde que chegou como solução no segundo semestre do Campeonato Brasileiro de 2015, Nenê ficava entre os reservas. E poucos cumpriram seu papel como ele: mesmo com o péssimo primeiro turno, fez do segundo uma emocionante escalada de recuperação que durou até a última rodada. Ano seguinte, trouxe o seu time de volta a primeira divisão e ainda ajudou o clube a ser bi-campeão carioca. E jogando todas as partidas.
Mas na medida em que encarava com naturalidade sua estada no banco, torcendo e comentando normalmente os lances com seus companheiros, vibrando com o gol da sua equipe, a reportagem, que virou seu foco para lá atrás de revolta e inconformismo, foi deixando de lado suas tomadas. Foram atrás de audiência, não de anuência.
Nenê no banco de reservas
Aí vem o clássico com o Fluminense, dentro de São Januário, e novamente Nenê é escalado para o banco de reservas. Durante a semana, Rodrigo, dispensado e contratado pela Ponte Preta, joga o veneno no ar de Campinas:
– O próximo a ser dispensado será o Nenê!
Mas o Nenê não é o Rodrigo, joga pela arte, não pela violência. E a arte é um produto da paz, do amor, já a violência é o desaguar da revolta, da insatisfação, do futebol ruim que andam praticando. Sem lhe dar o troco, os repórteres nem se aproximaram dele para dar entrevistas, aí o meio da bola, que é cruel, joga no ar pelas resenhas: “Deve estar acomodado. Nem reclamou do treinador!”.
Mas se o futebol não é justo, os deuses que o amparam são. No ultimo sábado, entrou quando o time estava perdendo por 2×1, ajudou a organizar o meio-campo para alcançar o empate e se colocou no lugar certo para definir, com um chute forte e cruzado, a vitória. Nenê foi, mais uma vez, o herói vascaíno. E quanto tempo o Vasco não sabe o poder e o carisma de um deles.
Se já nutria admiração pelo seu futebol, depois da partida contra o Fluminense passo a admirá-lo como homem. Na política há uma máxima: “Dê-lhe o poder e saberemos o homem que é!”. No futebol, a partir de sábado, a máxima passa a ser: “Dê-lhe o banco. E conhecerás de perto a grandeza de um jogador!”. Mesmo chateado como tricolor, um apaixonado pelo futebol como eu não poderia deixar de reconhecer: Parabéns, Nenê! Agora, com o seu exemplo, sua humildade, muitos jogadores passarão a encarar o banco de reservas como ele foi concebido, um trunfo, uma banco de dados, não uma reunião de cacos. Uma estratégia para o treinador e não uma tragédia na vida de cada um jogador.
MADEIRA DE LEI E DE VIDA, UM DOMINGO NA VÁRZEA EM MAUÁ
por Marcelo Mendez
(Foto: Reprodução)
São as singelezas que definem o futebol de várzea.
Acordar cedo num domingo, ver o dia começando, os carrinhos de feira rumo às frutas e verduras na periferia, os desejos de bom dia sendo trocados, o cheiro de frango assado vindo das máquinas que ficam nas calçadas, os instrumentos de samba sendo preparados para logo mais tarde, o jogo no campo do bairro, nas primeiras, ou segundas horas da manhã.
O que há de mais poético no rolar da bola marrom se encontra pelas ruas estreitas que nos levam para os campos dos arrabaldes do Brasil.
Dessa forma, rumamos eu e Marcelo Ferreira para o campo do América de Mauá. Um terrão situado na fronteira do Jardim Kennedy com o outro dos Jardins da periferia, o Jardim Mauá. No campo, mais do que apenas um espaço pra as atividades ludopédicas, se encontrava a resistência do mundo bucólico das províncias ante esse urbanismo louco, individualista e solitário dos dias de então.
A cancha fica no alto de um vale, adornado por comunidades um raro matagal e suas trilhas, onde o tempo é muito diferente da vida nos outros jardins de pedras que vivemos. Ali, garotos que não têm (E não precisam ter…) super smartphones, andam a cavalo, passeiam assim em seus domingos matinais.
Perto de mim, carrinho de vendedor de churrasquinho, bar do campo, isopor de cerveja, rosto colado na grade e muita alegria. Teríamos um jogo e nele, para muito mais que só o jogo, um personagem roubou a cena…
MADEIRA, A RESERVA POÉTICA NECESSÁRIA…
Madeira em ação no comando do Scorprions Mauá (Foto: Victor Limeira/Diário da Várzea
Madeira não é um sujeito que se rende fácil aos padrões vigentes do que se tem como recomendável, segundo as conveniências.
Brasileiro, nordestino, trabalhador, morador da cidade de Mauá, mais do que o técnico do Scorpions, Madeira é o que há de mais autêntico dentro da luta que é para o povo simples, sobreviver nesse mundo louco que vivemos.
Madeira é diretor, presidente, massagista, torcedor, apaixonado e tudo mais do seu time. O seu Scorpions enfrentaria o Dragões Nova Mauá, pela terceira rodada do campeonato de várzea da cidade. Aos que leem mais desavisados, isso pode não valer lá muita coisa e, então, para isso serve a crônica aqui escrita.
Aos 30 segundos de jogo, Madeira já vocifera contra a arbitragem! Na beira do campo, ele pula, vibra, xinga, torce, dirige a equipe. Não perde lá seu tempo com táticas mirabolantes, é sábio e entende que isso de nada serve para vida. Ali, ele fica de olho em tudo:
No arbitro auxiliar que não manda os adversários ficarem sentados no banco, na mesária que fica de olho no “zap-zap”, nas bolas que são chutadas para longe, nos erros da arbitragem, na cera do adversário, nas caneladas de seu atacante que perde gol feito, nos erros do bandeira que está a 50 metros dele… Madeira é o olho da vida!
Corre pra la e pra cá, invade o campo de jogo, dá dura em seus jogadores, reclama quando leva o primeiro gol, reclama do tempo, dos acréscimos… Luta! Madeira é sabedor do quanto é necessário na vida, se posicionar. Lutar pelo que se crê, não desistir jamais do que se sente, nunca… Nunca abandonar sua paixão!
O amor que Madeira tem pelo seu time de várzea é o que salva o mundo dessa mesmice, desse não-amor que os tempos bicudos nos impõe.
Como tal não podia ser diferente, Madeira arrumou mais um quiprocó por lá e foi expulso do campo. Do lado de fora enquanto reclamava sua sorte, viu seu time empatar o jogo.
Vibrou como se fosse um Rei, se alegrou como se a vida fosse bela e decerto, a de Madeira é bela sim.
É bela a vida de Madeira porque ele a encara com força, com vitalidade, com poesia, com paixão. Nada falta a ele porque em suas atitudes de coração ele é pleno. É uma honra para esse cronista ficar perto de um homem assim por alguns minutos. Madeira é um homem que faz bem a vida e faz o mesmo bem ao futebol de várzea. Por isso tudo falo dele hoje aqui nessa crônica…
Madeira é a única chance que a alegria tem para ser eterna.