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DA JANELA DO HOTEL NOVO MUNDO, PELÉ SE DELICIAVA COM PELADAS NO ATERRO

por André Felipe de Lima


(Foto: Reprodução)

Em outubro de 1969, o Brasil vivia a ansiedade por estar a meses do começo da Copa do Mundo, para a qual a seleção brasileira, ainda sob o comando do João Saldanha, preparava-se exaustivamente. Paralelamente a essa expectativa pelo “tri”, o carioca experimentava a deliciosa mobilização em torno do campeonato de pelada promovido pelo Jornal dos Sports. O Rio era uma festa. Ou melhor, o Aterro do Flamengo. Pelé, uma das “feras” do João “Sem medo”, também mostrava empolgação com o torneio de peladeiros e chegou a confessar ao repórter do saudoso JS a paixão pela pelada.

No dia 12 de julho, aniversário da eleição de Pelé como “Atleta do Século”, publicamos uma recordação bacana do maior camisa 10 de todos os tempos. Uma lembrança da época em que jogou peladas em Bauru e de quando se deliciava com as improvisadas peladas do Aterro bem antes de o JS institucionalizá-las. Com a palavra, o Rei:

“Quando o Santos se hospedou no Hotel Novo Mundo (no Flamengo) eu tive oportunidade de olhar da janela do apartamento algumas peladas jogadas no Parque do Flamengo. Mas eram peladas improvisadas na hora, alguns sem camisas, outros de camisetas, uns de camisas de clubes. Alguns usavam calções, mas outros arregaçavam as calças e entravam de qualquer maneira. Havia até quem entrasse de sapato e tudo. A fome de bola falava alto. A pelada é um negócio muito bacana. Às vezes me dá saudade daquele tempo que jogava nas ruas de Bauru, depois de tirar os costumeiros par ou ímpar para escolher o time (…) Não me lembro bem, mas tinha sete ou oito anos quando jogava no Sete de Setembro, um time infantil da rua Sete de Setembro, esquina da rua Rubens Arruda, em Bauru. Nas peladas, jogavam até 15 ou 16 de cada lado. Joguei também no Radium, atrás do campo do Noroeste, e só não disputei campeonato por este clube porque não tinha chuteira. Só mais tarde é que ganhei uma, com um bico de ferro na frente (…) Lá em Santos tem também um campeonato de pelada, na areia, que às vezes a TV transmite. Alguns jogos são muito bons.”

 

DIA DE CLÁSSICOS

Dois clássicos prometem agitar a 13ª rodada do Campeonato Brasileiro. Enquanto Fluminense e Botafogo se enfrentam no Maracanã, em confronto direto para se aproximar da zona de classificação para a Libertadores, o Palmeiras recebe o líder Corinthians. Por conta disso, a equipe do Museu da Pelada recorda hoje dois clássicos sob as lentes do saudoso Canal 100!

EU NASCI HÁ 81 ANOS ATRÁS E NÃO TEM NADA NESSE MUNDO QUE EU NÃO SAIBA DEMAIS

por José Dias


José Dias

Eu vi o início, o meio e o fim da 2ª Grande Guerra. Eu vi os Pracinhas embarcarem para a Itália. Eu vi os Pracinhas desembarcarem vindo da Itália. Eu os vi cantando a “Canção do Expedicionário”.

“Por mais terras que eu percorra
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá”.

Eu vi duas bombas atômicas destruírem Hiroshima e Nagasaki. Eu vi, por várias vezes, acima da minha cabeça, o gigantesco dirigível/zeppelin, que mais parecia uma bola de futebol americano, dando rasantes a 10 km/h. Eu vi também o primeiro avião a jato da FAB o o Gloster Meteor, dando rasantes a 900 km/h Eu vi o Major Vaz levar um tiro, endereçado a Carlos Lacerda, a mando de Gregório Fortunato, apadrinhado de Getúlio Vargas, que por isso cometeu suicídio.


Eu vi o Flamengo ser Tri por duas vezes – 42/43/44 e 53/54/55. Eu vi o Fluminense também ser Tri em 83/84/85. Eu vi o Brasil ser – Campeão/Bi/Tri/Tetra/Penta. Eu vi achegada dos bicampeões mundiais ao Brasil, pois participei do cordão de isolamento, no Palácio do Catete, para resguardar os nossos heróis. Eu vi o Brasil, em 1950, não ser campeão em pleno Maracanã. Eu vi também o Brasil, em 2014, não ser campeão em pleno Mineirão. Eu vi, em compensação, o Brasil ser campeão olímpico, em 2016.

EU NASCI HÁ 81 ANOS ATRÁS ………

Eu vi a inauguração do Estádio Maracanã.

Eu vi a Seleção Paulista vencer a Seleção Carioca por 2 x 1. Lembro, pelos Paulistas, do Ponce de Leon, e pelos Cariocas, de Didi e Esquerdinha. Eu vi o Brasil ganhar da Iugoslávia, no Maracanã, por 2 x 0, na Copa de 1950. Eu vi o Brasil ganhar do Paraguai, no Maracanã, por 4 x 1, na Eliminatória para a Copa de 1954. Eu vi o Vasco empatar com o Real Madrid, no Maracanã, por 2 x 2, sendo que, nada mais nada menos, Gento, Puskas, Di Stefano e Canário estavam em campo, pelo Real Madrid.

Eu vi lembrando as aulas de História Geral, de Cartago, Egito, Roma, Paris, Atenas, Persepolis, Biblos, com suas ruínas e monumentos espetaculares. Eu vi Beirute destruída pela insanidade de loucos. Eu vi o Mestre ZIZA fazer embaixadas, sentado na grama. Eu vi e convivi com o Mestre ZIZA durante 45 dias seguidos, numa viagem fantástica por vários países da América, da África, da Ásia e da Europa.

EU NASCI HÁ 81 ANOS ATRÁS ………


José Dias

Eu estava junto com Milton, Niquinho, Celso, Hilmar, como coroinhas na Paróquia Nª Senhora da Conceição. Eu estava junto com Ezequiel, Leoncio, Altair e Almir, no 15-15 – Professor Venancio Filho. Eu estava junto com Luiz Carlos, Gelson, Rubinho, Amilton e tantos outros, no Barão do Rio Branco. Eu estava junto com Caetano, Beck, João Luiz, Peres, na Escola de Sargento das Armas Eu estava junto com Wilson, Burkle, Jandir, na Escola de Educação Física do Exército, Eu estava junto com Oliveira, Marques, Prado, Bessa, nos “Dragões da Independência”.

Eu estava junto com Bria, Jouber, Zagallo, Jayme Valente, Taranto, Julio, Tuninho Barroso, Pedro, Dida, Silva, Carlinhos, no Flamengo. Eu estava junto com Chirol, Parreira, Lucio Novelli, Othon Valentim, Procópio, no Fluminense. Eu estava junto com Jair Pereira, Zé Carlos, Zeca, no Botafogo. Eu estava junto com Claudio Garcia, Luizão, no Farense. Eu estava junto com Antoninho, Djalma Cavalcante, Hadad, Mello, Eithel Seixas, Evaristo, Clemente, Kurtz, Zé Fernandes, na Seleção Amadora. Eu estava junto de Fidelis, Maurinho, Handam, João Neto, no Campo Grande. Eu estava junto com Carpegiane, Kruger, Robson, Gilberto Tim, no Coritiba.

Meu Deus!

E tantos outros que meus 81 anos me permitem esquecer!

“E quando a pedra despencou da ribanceira. Eu também quebrei a perna”.

E para aquele que provar que eu estou mentindo eu tiro o meu chapéu.

A NOSSA PORÇÃO EURICO MIRANDA

por Zé Roberto Padilha


(Foto: Reprodução)

Ainda vai levar um bom tempo para levantarmos a nossa Bandeira de Mello da racionalidade esportiva. Porque no Vasco e Flamengo de cada dia carregamos dentro da nossa paixão uma porção Eurico Miranda. Sábado, após toda a confusão provocada pela sua torcida em seu estádio, o presidente vascaíno reuniu a imprensa e pediu desculpas. E foi logo avisando: eu não tenho culpa de nada. E quanto a nós?

Somos habitantes de um país novo convivendo com uma liberdade tardia. Com a última das abolições concedidas e ainda nada independentes do jugo do capital estrangeiro. E escolhemos o futebol para nos vingar da violência, da opressão colonizadora, das imposições imperialistas. De um lado da Faixa de Gaza exigimos a seriedade, a justiça, a democracia. Do outro, o que será preciso para levar a nossa equipe a ganhar o jogo? Qual o preço no mercado para levantar um título? E entre um ídolo a presidir o nosso clube, um cidadão sensato e tranquilo como Roberto Dinamite, e um cartola-torcedor exaltado capaz de afirmar que “não sei se tenho mais prazer numa relação sexual ou quando ganho do Flamengo”, nós votamos no último. E que outra reação poderíamos esperar dos seus torcedores após perder uma partida em casa para o Flamengo? Apertos de mãos entre os jogadores? Respeito aos torcedores adversários que se tornam em 90 minutos vorazes inimigos? Quando Everton parou a sua frente e deu uma pedalada, Nenê deixou de ser bebê porque seu berço fervia. Foi violento e adulto e lhe deu uma violenta entrada porque o mau exemplo estava sentado fumando charuto nos camarotes de São Januário. E o rastilho de ódio foi se alastrando pelas arquibancadas.


(Foto: Reprodução)

Reclamamos da suprema corte quando um dos seus membros, Gilmar Mendes, se reúne tarde da noite para conversar em Brasília com o mandatário investigado de um poder paralelo. Porém, na hora de votar pra presidente do nosso clube optamos por quem tem como lema: “O que a justiça tem que entender é que o futebol brasileiro tem as suas próprias leis!”. Somos todos a favor da igualdade social, do respeito a diversidade étnica, religiosa e sexual, mas para comandar nossa paixão exacerbada, doentia, permitimos ser dirigido por quem carrega a bandeira da segregação. “Futebol é coisa para homem que mantém distância um do outro, por isso sou contra homossexual e mulher no futebol”.

Tão novos enquanto nação, pouco sabemos se já somos povo ou não passamos de uma massa de manobra. Pois se William Bonner nos conclama as ruas para tirar do governo quem apenas pedalou, a exigir a saída de uma incorruptível exceção política eleita pela maioria da população, que cidadania habita dentro de nós que se cala, não bate mais panelas e se omite diante do primeiro presidente da nossa história denunciado por corrupção? Pois se o juiz erra e marca um pênalti contra o nosso time, discutimos com os amigos, brigamos com a patroa e o chamamos de ladrão. Se o erro for a nosso favor, trocamos de canal, procuramos outras imagens, depoimentos nas resenhas que anistie o pobre do coitado.

Em breve a justiça vai se pronunciar nas duas instâncias. Se a merecermos perante nossa incoerência cidadã e esportiva, mais de 173 deputados, entre 513 parlamentares, irão votar pelo arquivamento das denúncias contra Michel Temer. E São Januário tomará apenas dois jogos de suspensão. Enquanto não levantarmos a Bandeira de Mello da coragem cidadã, voltarmos às ruas e aos estádios empunhar a bandeira da democracia, seremos eternamente habitantes do país Eurico Miranda que merecemos.

O BLUES DO RESERVA DA VÁRZEA

por Marcelo Mendez


(Foto: Rogério de Moura)

De todos os personagens que formam o maravilhoso universo do futebol de várzea, um dos que mais me chama atenção sem duvida é o do reserva:

O reserva de futebol de várzea.

Se no mundo glamoroso do futebol profissional ele já é secundário, imaginem, amigos leitores, como seria nos terrões. Que shakespearianos são os nossos amigos que sentam ao banco de nossos times varzeanos. Já começa a diferença por aí; O banco.

Nada de estofados, nada de coberturas de acrílico, nenhum conforto, nada do tipo. Na várzea, salvo raras exceções, o espaço é um coberto de concreto, uma típica “casinha”, com uma pedra dura para sentar. Algumas vezes com muita sorte, pode ter alguma sombra, mas, maioria das vezes, a dita casinha fica de frente para um sol absurdamente quente.

Quando as equipes adentram o campo, vem o blues da coisa. Enquanto os titulares, posudos, munidos de toda a sorte de caneleiras, chuteiras coloridas e outras mandingas do estrelato varzeano ocupam a cancha, aos reservas sobra o total anonimato. Poucos são os que observam.

De rosto colado no alambrado, o torcedor não se interessa muito em sequer olhar para aquele reservado rústico que os espera. A eles, quase se esquece de dar nomes.

– Ô 18, como você é ruim!  

– Fulano, onde você arrumou esse camisa 15 aí? Ta doido, que cara ruim! – e por aí vai.


(Foto: Reprodução)

Na várzea, o reserva é tão somente um número sem muito estilo, sem muita pompa, sem nada que sequer chegue perto de tirá-lo de todo secundarismo que lhe é imposto. Mas ao contrário de todo o entorno, eu, cronista ávido por vidas e sonhos, há muito os observo.

Em geral seus rostos são desprovidos de emoções frívolas, baratas, de falsidades que as conveniências acabam por nos condenar. O reserva do futebol de várzea é autêntico. Olha para o campo com desejo mordaz de estar ali.

Espera por sua vez, tal e qual um menino virgem espera pela primeira paixão, por seu primeiro beijo na boca. De sua maneira, escolhe um jeito de ajudar e cria a sua melhor forma de fazer parte do jogo.

Alguns viram auxiliares do técnico. Gritam, vociferam táticas, incentivam os titulares, lhes açoita de recomendações que ao seu juízo são perfeitas.

– Cicrano, fica esperto com esse lateral direito deles, fecha essa diagonal!

Outros são torcedores, fazem suas figas, fecham os olhos quando os adversários atacam, oram, clamam pela ajuda de um Deus o qual eles têm plena convicção de que, de fato está ali a observar toda aquela pantomima ludopédica. São plenos.

De forma alguma se entregam ao pouco charme do ar blasé de quem não está nem aí. Fazem parte do jogo por pura profissão de fé e encanto. E quando o treinador os chama para entrar, nossa… É a consagração!


(Foto: Reprodução)

Em meio aos outros companheiros de pedra dura, o escolhido então se levanta e vem em direção ao Professor todo imponente, impávido, realizado. Uma luz divina, talvez enviada pelo Deus que ele rezava há pouco, o qual ele tinha plena convicção de que o ouvia, vem até ele e o ilumina. Nessa hora ele galga os degraus da divindade do mundo maravilhoso dos titulares. Ouve as instruções com atenção e quando autorizado pelo árbitro corre, como correria os que soubessem que no final do pique, vem a alegria.

E ela vem.

No instante em que a bola encontra o pé do reserva varzeano pela primeira vez, toda a sagração possível acontece e todo sorriso é farto e pleno.

E assim a várzea segue. De titulares e principalmente, de reservas…