RENOVA, BRASIL!
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Nana Moraes)
No restaurante a tevê estava ligada em algum jogo ruim da Copa das Confederações e ninguém reparava. E olha que a casa estava cheia. Alguém da mesa ao lado até perguntou ao garçom que jogo era aquele, mas ele não soube responder. Meu Deus, que evento ruim, esvaziado e desinteressante.
Com exceção da Alemanha, que sabiamente transformou o torneio em um laboratório para a Copa de 2018, o resto é o resto. E olha que gosto do Chile, mas não vi nenhuma pinta de renovação por ali.
Camarões é a mesma correria de sempre e não evolui, não consegue deslanchar. Talvez quando pararem de investir em técnicos europeus e apostem em algum profissional do próprio país a situação melhore.
O que será de Portugal quando Cristiano Ronaldo pendurar as chuteiras? Eles ainda apostam em Pepe e Quaresma, não dá.
Projeto, de verdade, é do Alemanha, de Joachim Löw.
A lista dele para as Confederações teve apenas três campeões mundiais, entre eles Draxler, craque do PSG.
Acho o futebol dele parecido com o do Luan, do Grêmio, outro que deveria ser titular no Brasil junto com Philippe Coutinho, Marcelo, Neymar e Gabriel Jesus.
A nossa seleção precisa apostar com mais intensidade nessa renovação e deixar um pouco de lado Paulinhos, Fernandinhos e Renatos Augustos. O Luan joga com prazer e é leve. E é dessa leveza e alegria que precisamos. Mas é preciso acreditar.
O Löw escala o time e não faz substituições. Quem faz isso?
Joachim Löw
A Alemanha está preparando mais uma geração maravilhosa. Se vai ser campeã na próxima Copa, não importa, a conversa não é essa.
Esse projeto alemão começou em 2002 quando Beckenbauer convocou a cúpula de futebol e determinou “vamos parar apenas de correr e marcar, vamos driblar e encantar”.
Tiveram respaldo para isso, investiram pesado na base, o resultado veio e continuará vindo por muitos anos.
Renovar exige coragem e corajosos são raros em nosso futebol.
– texto publicado originalmente no jornal O Globo, em 25 de junho de 2017.
País
UM PAÍS PASSADO A LIMPO
entrevista: Sergio Pugliese | texto: Marcos Vinícius Cabral | fotos e vídeo: Guillermo Planel | edição de vídeo: Daniel Planel
Era final de maio e, ao sair para trabalhar, fui interpelado pelo Naldo, dono com seu sócio Ailton do mercado Carijó há 20 anos, na esquina da rua onde moro, aqui no Boa Vista, em São Gonçalo:
– Marquinhos, você tem que dar uma moral ao País! – disse apertando meu ombro esquerdo.
Por alguns segundos, pensei em o que significava “dar moral”, porém, antes de engatar a primeira marcha, ele de bate pronto mandou:
– Você não escreve pro não sei o quê da Pelada? – perguntou em tom Hitleriano sem saber que apenas colaboro.
– Sim, querido! Escrevo. Mas o que você quer que eu faça por ele, uma matéria? – perguntei já sabendo a resposta.
Ele se virou de costas, atravessou a rua e gritou:
– Passa na casa dele mais tarde! – sugeriu apontando com o dedo indicador a direção da casa do lendário goleiro do América-RJ na década de 70.
Fui trabalhar e, na hora de almoçar, por volta das 13h, resolvi dar uma passada na casa do goleiro que quase foi vendido ao Atlético de Madrid depois de fazer chover com defesas acrobáticas na vitória do Mecão, em 1977, no Torneio Teresa Herrera, disputado na Espanha.
Parei com meu carro em frente à sua casa e buzinei duas ou três vezes no máximo.
O portão de madeira se abriu e era País, com seus quase dois metros de altura (na verdade ele tem 1,87) e com sua magnificência dos tempos de atleta.
A generosidade que sempre o acompanhou enquanto foi jogador de futebol ficou escancarada ao beijar a minha mão, como agradecimento, após eu ter falado que faríamos uma matéria com ele.
Em seguida, liguei para o Sergio Pugliese e ao comentar com ele sobre fazer uma matéria com o País, ouvi do outro lado da linha:
– Sen-sa-ci-o-nal, marca com ele no primeiro sábado de junho, que iremos em São Gonçalo fazer! – disse um entusiasmado garimpador de histórias.
Então, voltei à casa de País e marquei com ele, que apesar do ceticismo demonstrado em seu olhar, fez um sinal de joia com sua enorme mão.
Dito e feito.
A equipe do Museu da Pelada chegou naquele sábado (3) para uma resenha muito especial.
Na varanda de sua casa, na rua Marajó, próximo à BR-101, um pouco antes do Piscinão da cidade – desativado há anos – País falou de tudo um pouco.
E não deixou de contar, por exemplo, do começo de carreira, na década de 70, quando contra o Flamengo pegou uma falta na gaveta cobrada por ninguém menos que Zico, sendo inclusive parabenizado pelo Galinho após a partida.
E também aos risos, contou que no encontro seguinte contra o camisa 10 rubro-negro, duas faltas bem cobradas e indefensáveis, fizeram com que ele após a partida retribuísse o gesto do jogo anterior, e ao apertar a mão da jovem promessa do clube da Gávea, reconhecesse nele, o maior batedor de faltas do futebol brasileiro.
De tudo o que foi conversado, a maior mágoa foi não ter sido vendido pelo presidente Wilson Freire Carvalhal para o Atlético de Madrid, podendo ter feito, sua independência financeira.
O papo rendeu tanto, que um dos maiores goleiros da história do América-RJ, recebeu uma caricatura feita por mim, enquanto falava de suas inúmeras defesas ao longo da conversa.
Sem contar o rico material fotográfico, que será carinhosamente digitalizado pelo Museu da Pelada.
Imperdível aos que gostam de uma boa resenha.
Marcos Vinícius, Márcio Soares Figueiredo, País e Guillermo Planel
CRIAS DO ATERRO
Crias do Aterro, Sebastião Lazaroni, Filé e Álvaro Canhoto relembraram os lendários campeonatos de pelada do Rio de Janeiro. Os torneios eram organizados pelo saudoso Jornal dos Sports com o intuito de arrecadar fundos e reunia boleiros de todos os cantos da cidade!
OS DO BARRO PRETO
por Matheus Rocha
Créditos: Thiago Lanza
Em 1921, um grupo de italianos resolveu seguir os passos de seus compatriotas paulistas e fundaram a Società Sportiva Palestra Italia, em Belo Horizonte. Quem acompanha futebol conhece essa história, e sabe também que por conta da Segunda Guerra Mundial o Palestra Italia Paulista e Mineiro mudaram seus nomes para Palmeiras e Cruzeiro, respectivamente.
Do início com a nova capital mineira aos dias de hoje
Mas detalhes daquela década de 20 da recém inaugurada capital mineira poucos brasileiros conhecem.
Os italianos compraram um terreno no bairro do Barro Preto, bairro limítrofe entre a zona urbana e a zona rural da capital. Hoje é somente a região limítrofe da região central de Belo Horizonte. Este terreno, logo que foi comprado, foi desapropriado para dar lugar ao fórum da cidade. Então os italianos compraram, com o dinheiro recebido da desapropriação, o terreno ao lado onde havia uma plantação de couve. Em 1923, neste local comprado, foi inaugurado o Estádio Juscelino Kubitschek de Oliveira – Estádio JK (foi ter esse nome após a reforma do estádio em 1945). Até a construção do Mineirão em 1965, o Cruzeiro treinou e jogou no Barro Preto. Em 1985, o estádio deu lugar ao clube (sede social) onde funciona até hoje, inclusive onde fica o ginásio que o time de vôlei Sada Cruzeiro treina.
Estádio JK
Até hoje, quando há jogos movimentados, os ingressos são vendidos no clube do Barro Preto, com filas que dobram quarteirão – o que com o advento da internet, está diminuindo com o passar dos anos. A sede administrativa foi construída recentemente, mais moderna, mas também no Barro Preto e inaugurada no ano da Tríplice Coroa, 2003.
O sangue azul ainda pulsa por essas bandas
O sangue azul celeste ainda pulsa nas ruas do Barro Preto, seja pelo clube, pela nova sede ou simplesmente pela história. A Rua dos Guajajaras já não é mais a entrada do estádio, nem a sede administrativa que passou para a Rua Timbiras. Mas é ali no Barro Preto, onde pedreiros, trabalhadores braçais, pessoas do povo italiano construíram com sangue, um dos maiores clubes do Brasil. Ali corre o sangue dos antepassados celestes, com seus ideais de conquista de Belo Horizonte. Mal sabiam eles que Belo Horizonte era pequena para aquele Palestra Itália que conquistaria a América por duas vezes, anos mais tarde.
La Calle Azul
O bairro Prado, limítrofe ao Barro Preto, também entrou no ritmo celeste. A ideia é criar este ponto de encontro cruzeirense com exposições, shows e tudo aquilo que diga respeito ao Cruzeiro. La Calle Azul deve iniciar pela Rua dos Pampas, onde já há um bar que é ponto de encontro em dias de jogos.
Arregaçando as mangas
Cruzeirenses já lançaram a ideia. Mais que isso, já começaram os trabalhos pelos muros do clube do Cruzeiro no Barro Preto. Em breve a ideia é expandir para as portas das lojas do bairro aos comerciantes cruzeirenses e adeptos da ideia, transformando em reduto e território totalmente celeste o Barro Preto que, apesar do nome é e sempre foi azul e branco.
Assim como na Argentina, nos bairros de La Boca e Boedo, onde Boca Juniors e San Lorenzo de Almagro rabiscam suas cores pelas ruas, a ideia é que as ruas do Barro Preto sejam rabiscadas de azul e branco, desenhados pela batalha em campo, por aqueles nascidos Palestra, forjados Cruzeiro.
ATERRO NA VEIA
por Sergio Pugliese
Da esquerda para a direita: Jacaré, Hugo Aloy, Xanduca, Carlos Stern, Tonico, Filé, Zé Brito, Joel Santana, Luisinho, Joaquim, Roni e Sergio Pugliese. Agachados, Dinoel Santana e Álvaro Canhoto.
O comodoro do Caiçaras, Zé Brito, chegou cedo ao clube para conferir os mínimos detalhes. Esticou a toalha, lustrou os talheres e ajeitou os guardanapos. Nada podia dar errado. Também caprichou no cardápio: moqueca de frutos do mar e congro rosa, e pudim de leite para fechar com chave de ouro! Escalou Tavares Bandeja de Ouro para a cerimônia e sentou-se, ansioso, para aguardar os convidados que há mais de 30 anos não via, todos rivais nos memoráveis campeonatos do Aterro do Flamengo, nas décadas de 60 e 70.
– Tenho que tratar bem os meus eternos patos – brincou ele, estrela do Milionários, campeão em 1972.
Patos?? Aí, Zé Brito pegou pesado! Mas nossa equipe conhece o lateral de outros carnavais. Considerado um dos gênios do soçaite, ele mantém intactos o bom humor e os quilinhos dos áureos tempos. Sorte a dele o primeiro convidado não ter ouvido essa gracinha de “patos”, afinal o gigante Luisinho sempre intimidou só de olhar. E cara a cara com o símbolo maior do Embalo do Catete, Zé Brito mudou o discurso.
– Esse aqui dava gosto de ver jogar e o chute era certeiro!
Luisinho era o cara! Decidiu várias partidas para o bicampeão do Aterro batendo faltas e pênaltis, e sua garra enlouquecia a fanática torcida do esquadrão vermelho e branco. E justamente quando a dupla trocava ideias sobre o fanatismo dos torcedores chegou o cracaço Filé, do Ordem e Progresso, maior rival do Embalo, e logo chutou o balde.
– O Ordem tinha a maior torcida do Flamengo!
– Grande e quizumbeira – provocou Zé Brito.
As duas torcidas realmente eram gigantes e a do Embalo até virou escola de samba, mas Luisinho reconheceu a força do Morrone, adversário que não estava ali para vender seu peixe e também gravou o nome no Aterro com a maior goleada da história dos campeonatos: 47 x 0. O Morrone (Movimento dos Oito Rapazes Que Riem Onde Ninguém Se Entende) atraía uma galera imensa, apaixonada e ávida para assistir o show do trio Hamilton Iague, Marcelo e Wilson Fragoso, o Onça.
– Naval na área! – anunciou Zé Brito.
Era Joaquim! De uma família de craques, o centroavante do Naval também está entre as lendas do soçaite, assim como Cícero, seu parceiro de equipe. Era admirado até pelos rivais e chegou a jogar no Milionários e Embalo. Cinco minutos depois chegaram Hugo Aloy e Xanduca, do Capri, de Santa Teresa, primeiros campeões do Aterro, em 1966. Teve até continência! Hugo era fenomenal e Xanduca, letal. Também do Capri, da geração seguinte, Roni, talento puro, chegou de mansinho. Assim como Joaquim, ele atuou por outros times, como Naval e Milionários.
– Cansei de deixar o Zé Brito na cara do gol – pilhou.
– Se deixou, eu fiz! No Aterro, só ganhei, só fiz bonito – tirou onda o anfitrião.
– Perdeu para mim! – alguém gritou.
Era o genial Tonico, do Xavier, campeão de 1971, anunciando a chegada. Zé Brito prefere esquecer esse dia quando perdeu a decisão para o time da Tijuca por 2 x 1, gols de Tonico e do endiabrado Jacaré, que também apareceu no almoço, com o zagueiro Carlinhos Stern, para atormentar ainda mais a memória de Zé Brito, que até pênalti perdeu nesse dia.
– Se tivesse me deixado bater o goleiro não ia nem ver…. – garantiu Álvaro Canhoto, do Milionários, mais um fora de série da turma.
– Ouvi goleiro? Me chamaram? – brincou Dinoel, campeão pelo Pedra Negra, do Méier, que chegou acompanhado de seu zagueiro Joel Santana, ele mesmo, o consagrado técnico.
A mesa estava repleta de estrelas! Eu não tinha mais blocos para registrar tantas glórias e me beliscava para confirmar se estava mesmo ali, entre Tonico, Roni, Hugo, Zé Brito… Caramba, aqueles caras arrastavam multidões de casa para vê-los e até hoje são reverenciados em seus bairros. Participaram da época mais gloriosa do futebol de rua e destacaram-se! O Aterro era o Maracanã e o campeonato, a Copa do Mundo. Como explicar tudo numa coluna? Não dá. Quem viu, viu! Então, desisti, acenei para Tavares Bandeja de Ouro, troquei a caneta pela tulipa e mergulhei na melhor resenha de minha vida.