CARLOS ALBERTO TORRES, O CHUTE PARA A GLÓRIA MAIOR DO NOSSO FUTEBOL E QUE SAUDADE DO CAPITA…
por André Felipe de Lima
Pelé desviou o olhar e rolou a bola, que parecia obediente ao “Rei”. Quem a recebeu foi o lateral-direito Carlos Alberto Torres, que chutou forte. Tiro colossal contra a meta do goleiro italiano. Quarto gol brasileiro. Eram 42 minutos do segundo tempo e nada mais restou a todos que estavam no Estádio Asteca a não ser bater palmas para, talvez, o melhor time de futebol já formado. O Brasil conquistou o tricampeonato mundial e Carlos Alberto entrou para a história como o capitão mais jovem [tinha apenas 25 anos] de uma seleção campeã, que, diga-se, foi uma avassaladora máquina de jogar bola. Mas o brioso lateral, que herdou a camisa dois das mãos do imortal Djalma Santos, imortalizou uma imagem: o “Capita” [capitão em italiano] beija e depois ergue a Taça Jules Rimet, que após o 4 a 1 sobre a Itália ficaria definitivamente no Brasil. Uma cena marcante porque foi vista simultaneamente por milhões de pessoas em todo o mundo coladas na telinha de um televisor. A Copa de 70 foi a primeira a ser transmitida pela TV via satélite, iniciando a comercialização maciça da mais eloquente competição de futebol do planeta.
A cena de Carlos Alberto é o divisor de águas na história do futebol. E muita coisa deve ter passado pela sua mente naquele momento em que recebeu a Taça Jules Rimet. Um filme de sua vida, quem sabe. Dos tempos em que jogava bola nas ruas da Vila da Penha, subúrbio do Rio, aos momentos no Fluminense e Santos, clubes que defendeu antes da Copa.
O “Capita” nasceu no bairro de São Cristóvão, em 17 de julho de 1944, mas cresceu na Vila da Penha. Quando criança, muitas memórias felizes, mas algumas, nem tanto. O pai, que não o queria como jogador de futebol, chegou a surrar-lhe. Sob um choro constrito, o garoto respondia:
– Não adianta o senhor me bater. Eu quero ser jogador de futebol.
Desde pequeno, sinais de obstinação. Nem as broncas paternas e a rejeição do Bonsucesso, em 1958, desanimaram-no. Tinha uma certeza: a de um dia tornar-se um craque. Se o time suburbano não o quis, houve gente nas Laranjeiras que acreditava no jovem Carlos Alberto. Chegou lá e, sem que o pai soubesse, inscreveu-se no clube. Em pouco tempo, o rapaz despontou no juvenil do Fluminense e logo seria lembrado para as seleções brasileiras de novos. Em 1963, um ano após estrear no time principal do Fluminense, substituindo o titular Jair Marinho, veio o primeiro título com a amarelinha: a medalha de ouro dos jogos Pan-americanos de 1963. No ano seguinte, Carlos Alberto seria campeão carioca pelo Tricolor, com apenas 20 anos. O pai já não contrariava mais os ideais de Carlos Alberto. Aceitou o destino do filho e apoiou-o para o que desse e viesse. Sempre que podia, estava no estádio para vibrar com as jogadas elegantes do seu menino.
Quando ainda atuava pelo time juvenil do Tricolor, Carlos Alberto tinha um fã: o tio, Jaime Silva, ex-presidente do Guarani de Campinas, que chegou a prometer ao rapaz um carro caso subisse para o time principal. O presente nunca chegou a Carlos Alberto. A repórter Semiramis Alves Teixeira acompanhou de perto a história e assim escreveu em 1965 para a Gazeta Esportiva Ilustrada: “Não deu [o carro] porque depois começou a achar que seu sobrinho era péssimo jogador, como ele dizia, na mais pura gíria, ‘grosso mesmo’. Quando se arrependeu, era tarde demais. Os pais [de Carlos Alberto], que moram no Rio, assim como os irmãos, ficaram felicíssimos com sua vinda para o Santos, que já tentara anteriormente sua aquisição. O Botafogo também o fizera e pela mesma quantia [duzentos milhões], mas o Fluminense não quis vender o zagueiro.”
O lateral permaneceu no clube da rua Álvaro Chaves até 1965 e só retornaria em 1976 para compor a máquina montada por Francisco Horta e ser novamente campeão estadual. O “Capita” jogou 169 vezes pelo Fluminense e marcou 20 gols. Anos mais tarde, precisamente em 1984, o presidente do Fluminense, Manoel Schwartz, convida-o para assumir a direção de futebol do clube. De cara, uma tacada ousada. Carlos Alberto traz o craque paraguaio Romerito e monta um time quase imbatível, que conquista o campeonato brasileiro de 84. Meses depois, já como treinador, o “Capita” conduz o time de Assis, Romerito, Washington, Delei e Cia. à conquista do Campeonato Carioca.
Mas foi o Santos, de Pelé, que mais alegrias proporcionou ao lateral. Foram tantas, de 1965 a 70 e de 1972 a 75, que o ídolo confessou ter uma “quedinha pelo Santos”, embora, no começo da carreira no clube, teria dito gostar do Palmeiras por conta do primo, o zagueiro Djalma Dias, que lá jogava. Na primeira fase em que esteve no Alvinegro praiano, cansou de tanto erguer troféus. Chegou à Vila Belmiro com pompa. “Minha venda foi a maior negociação do futebol brasileiro até então: 200 milhões de cruzeiros”. A vida no Santos era de causar inveja a qualquer jogador. O jovem lateral carioca jogava entre feras, que já não precisavam conquistar mais nada para o clube. Foram campeões paulista, continental e mundial.
Durante sua passagem pelo Santos, onde seu irmão Beto também treinou no começo da carreira, Carlos Alberto era presença garantida em qualquer escrete. Em 1968, o segundo título pela seleção: campeão da Copa Rio Branco. Faltava apenas a Copa do Mundo. Quase esteve na de 1966, na Inglaterra, mas foi vetado por Vicente Feola. Acreditava piamente ser um “intocável”, mas decepcionou-se quando lhe avisaram sobre o corte. A esperança ficou para os próximos quatro anos e, em 1970, concretizou-se o sonho de ir a um mundial e, mais ainda, o de ser capitão do escrete que encantaria milhões de pessoas.
De todos os jogos da Copa de 70 que o Brasil disputou [e venceu!], Carlos Alberto define o embate contra a Inglaterra como o mais difícil. Parecia um jogo de xadrez que uma partida de futebol. Qualquer erro de um dos lados determinaria a vitória. O Brasil não errou, a Inglaterra apenas uma vez. Foi um jogo duro, mordido. O “Capita” teve de sair da lateral para dar um chega-pra-lá em Farncis Lee, ponteiro adversário, que minutos antes havia chutado o rosto do goleiro Félix. Carlos Alberto parece ter intimidado o gringo, que não tocou mais na bola.
O resto é história… com a Jules Rimet em casa, nada mais faltava para Carlos Alberto Torres conquistar em sua carreira de jogador de futebol. Com a camisa canarinho, disputou 73 jogos, venceu 54, empatou seis e marcou nove gols.
Quando a Copa terminou, havia rumores de que Carlos Alberto teria discutido com Pelé e por isso perdido a braçadeira de capitão do Santos, como apontou reportagem assinada pelo repórter Michel Laurence, em agosto de 1970, na revista Placar.
Tudo teria começado no intervalo de um jogo contra o São Paulo, no dia 9 de agosto, no estádio do Morumbi. Carlos Alberto discutira com cartolas e o técnico Antoninho, que o acusavam de uma falta desnecessária no ponta Paraná que resultaria no gol de empate do Tricolor paulista. No campo, Pelé teria sido ríspido com Carlos Alberto, que respondeu à altura. “Se você quer que eu saia, vou sair!”. A verdade é que o capita devolveu a bordoada em Paraná, na mesma moeda. O jogador do São Paulo havia dado vários pontapés em Carlos Alberto, que não deixaria ficar barata a agressão.
No vestiário, disse a Antoninho e ao diretor de futebol, Nestor Pacheco, e ao vice-presidente, Osman Ribeiro de Moura, que não voltaria para o segundo tempo. O treinador ameaçou tomar-lhe a braçadeira de capitão e os cartolas, aplicar-lhe uma multa de 60 por cento em seu salário. Torres ficou fulo com o teatro dos comandantes do Santos. Não se aborrecera com Pelé porque sabia que bate-boca dentro do gramado fica por lá mesmo. Ainda mais que ambos eram grandes amigos, amizade que perduraria inabalável por muitos e muitos anos. O problema era com o Santos e ponto final. E disse o seguinte, na frente muitos, inclusive de Nestor Pacheco: “Na hora de me multar, eles nem se lembraram de que Pelé e eu fomos ao presidente da República pedir um empréstimo para o Santos. Não faz mal. Agora, só existe Carlos Alberto de um lado, com os jogadores, e os dirigentes do outro.”
A saída do Santos seria questão de tempo. Não havia mais espaço para diplomacia. O lateral retornaria ao Rio para vestir a camisa do Botafogo. Ficou apenas em 1971, tempo necessário para torna-se o maior lateral-direito da história do Alvinegro carioca, como apontam muitos botafoguenses ilustres. Poderia ter saído de General Severiano com um título não fosse a lambança do árbitro José Marçal Filho, que validou um gol ilegal de Lula após rebote em que o goleiro do Botafogo, Ubirajara Mota, sofreu falta clamorosa. Não era para ser…
O resultado daquele clássico “Vovô” estava “escrito há mil anos”, diria Nelson Rodrigues. Nada parecia dar certo para o Botafogo. Dias antes do match, o departamento médico vetou a escalação de Jairzinho, que contundiu-se após uma entrada violenta de Moisés, do Vasco. Logo aos 15 minutos da primeira etapa da finalíssima contra a turma das Laranjeiras, Carlos Alberto torceu o joelho e foi substituído por Mura. Quando parecia que nada mais de ruim aconteceria ao Fogão, Zequinha também se machucou e em seu lugar lançaram Paraguaio. Não havia muito o que fazer, essa era a verdade. Deu Flu e o “Capita” ficou sem o título pelo seu Botafogo, time que aprendeu a amar ainda garoto. Não conquistar nada pelo Alvinegro foi a única frustração de sua carreira. Foram 225 jogos e nenhum gol assinalado.
Voltaria à Vila Belmiro em 1972 para ser campeão paulista no ano seguinte. Até 1975, vestiu a camisa santista em 445 jogos e marcou 40 gols. Com o mesmo manto, foi campeão estadual em 1965, 67, 68, 69 e 73; da Taça Brasil, em 65; Rio-São Paulo, em 66 e Roberto Gomes Pedrosa, em 68.
NA ‘BIG APPLE’
Concluída a segunda fase no Santos, Carlos Alberto voltou às Laranjeiras para ser, em 1976, campeão carioca da Copa Viña del Mar e do torneio de Paris. Jogaria ainda pelo Flamengo durante apenas quatro meses de 77 e regressaria ao Flu. Nos dois períodos em que esteve no Flu, “Capita” disputou 169 jogos e marcou 19 gols. A seleção brasileira também lembraria dele em alguns jogos das eliminatórias da Copa de 1978, na Argentina. No dia 20 de março de 77, o “Capita” vestiu pela última vez a camisa do Brasil. Encerrou sua trajetória no escrete, mas não nos gramados. Decidiu ganhar dólares nos Estados Unidos e, seguindo os passos de Pelé, embarcou para Nova Iorque. Com os amigos Beckenbauer, Marinho Chagas e Pelé, Carlos Alberto defendeu o Cosmos, clube responsável pela popularização do soccer no país do beisebol após conquistar três títulos americanos de 1977, 80 e 82. O ex-lateral esteve em todos. Mas, em 1981, não defendeu o Cosmos e, sim, o Newport Beach, da Califórnia.
No dia 28 de setembro de 1982, com o Cosmos diante do Flamengo, Carlos Alberto Torres encerrou a carreira. Naquele dia, o jornal New York Post estampou em uma de suas chamadas o seguinte texto: “Take one last look, world, the Carlos Alberto legend is about to become a memory”, que diz algo mais ou menos assim em português: “Dê uma última olhada, mundo, a legenda Carlos Alberto está se transformando em memória.”
Sobre a legenda Carlos Alberto, o jornalista americano Paul Gardner, do Sunday News, escreveu: “Suas pernas são pernas comuns, pernas que trotam, pernas que passeiam, mas nunca pernas que correm.” Para muitos, Carlos Alberto descomplicou a forma de se jogar futebol, bem ao estilo do que definiu o célebre baixista americano Charles Mingus: “Transformar algo simples numa complicação, isso é normal. Fazer de uma situação complicada algo simples, isso é talento.”
O jogo com o Flamengo terminou 3 a 3 e Carlos Alberto foi prestigiado por uma platéia de cerca de 37 mil pessoas, no Giants Stadium, em Nova Jersey. Do Brasil, presentes na arquibancada o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, e Pelé.
Querido pelos nova-iorquinos, o lateral recebeu uma homenagem inestimável do prefeito da Big Apple. O dia 7 de agosto passou a se chamar “Dia Carlos Alberto Torres”. No vestiário daquela constelação de craques do Cosmos era comum esbarrar em astros como Mick Jagger e Robert Redford, fãs do soccer.
Torres decidiu permanecer nos Estados Unidos e montou uma escolinha de futebol em New Jersey. Mas um convite do presidente do Flamengo, Antônio Augusto Dunshee de Abranches, convenceu-o a retornar ao Rio de Janeiro. Fim de linha para o jogador e começo de estrada para o técnico, cujo melhor momento foi em 1983 com a conquista do campeonato brasileiro com o Rubro-negro.
Como treinador, “Capita” passou por grandes clubes. Dirigiu o Fluminense e o Botafogo, que comandou durante a conquista da Copa Conmebol, em 1993. Mas a carreira como técnico nunca foi amena. Torres ficou sem trabalhar entre 1988 e 1993, até o Botafogo resgatá-lo. Treinou times como Corinthians, América do Rio, Náutico, Miami Sharks e Payssandu, mas sem o mesmo sucesso obtido com Flamengo, Fluminense e Botafogo. Esteve a frente das seleções de Omã, Nigéria e Azerbaijão. Com os nigerianos ficou oito meses sem receber o salário. Especializou-se em livrar grandes times do rebaixamento no campeonato nacional. Fez isso pelo Botafogo, Atlético Mineiro e Flamengo. Infelizmente, não obteve o mesmo resultado com o Payssandu, em 2005. Desde a passagem pelo clube paraense, Carlos Alberto não treinou mais. Preferiu cuidar dos investimentos e da empresa de consultoria de futebol que montou com o amigo Ricardo Rocha [ex-zagueiro do Guarani, São Paulo e Vasco] e o filho Carlos Alexandre Torres, ex-zagueiro do Vasco, Fluminense e Japão, que nasceu do casamento do “Capita” com Sueli, sua primeira esposa, com quem também teve Andréa.
Carlos Alberto casou três vezes, inclusive com Terezinha Sodré. Conviveu durante 16 anos com a atriz, mas não tiveram filhos. Um período de muitas badalações, colunas sociais e, sobretudo, de sucesso na agitada noite de Nova Iorque. Com a vida bem mais tranquila hoje, o craque está casado com Graça, sua “companheirona”, como a define.
O Capita cresceu ouvindo do pai que futebol era coisa para desocupado, que não o levaria a lugar algum. Apanhou, inclusive, para que desistisse do sonho de jogar bola ao lado de seus ídolos. Hoje, com a globalização e a velocidade dos meios de comunicação, as imagens de grandes jogadores brasileiros, a maioria de ascendência negra e bem sucedidos financeiramente, chegam para todos os jovens. Os mais pobres veem neles a possibilidade de um dia estar em um Real Madrid, Barcelona, Milan… “O que eu aconselharia a todos é que estudem. Mas não adianta apenas aconselhar, tem de se dar condições para isso, pois o estudo é o principal alicerce na vida de qualquer pessoa. No nosso Brasil todos deveriam ter condições para isso. O que acontece é que devido a essa evolução espantosa que o futebol teve na mídia nos últimos anos, todo mundo fica sabendo que os Ronaldinhos lá na Europa ganham milhões de dólares. E não só eles, mas todos os grandes jogadores. Então, quem é que pode impedir que um garoto tenha como sonho ser um jogador de futebol? Ninguém pode impedir isso.”
Palavra de quem foi a “figurinha” de álbum de muitos garotos no passado e, hoje, como diria o cantor e compositor Fagner, tornou-se uma “figura eterna”. Que saudade de você, Capita.
VINTE E TRÊS ANOS DE AMOR
por Mateus Ribeiro
Vinte e três anos de muito amor e saudade. Vinte e três anos de lembranças que levarei até meus últimos dias.
Vinte e três anos é o tempo de uma vida. Vinte e três anos é o tempo que meu time ficou sem conquistar um título importante. Vinte e três anos é o tempo que a Copa de 1994 está em minha vida. E nunca mais sairá.
Pouco importa se a média de gols foi baixa. Pouco importa se você discorda. Pouco importa se o Brasil jogou feio (como alguns dizem).
Meu primeiro contato com futebol não me apresentou jogadores, mas sim, heróis. Meu primeiro contato com o futebol não poderia ter sido melhor.
Seja pelos jogos ao meio dia, seja pelo simples fato de eu poder assistir futebol 24 horas por dia, seja pelos uniformes escandalosos, seja pelo Brasil ter conquistado o tetra, seja lá o que for: eu te amo e te amarei eternamente, Copa de 94!
Em 1994, eu não fazia muita ideia do que era uma Copa do Mundo. Só sei que só se falava nisso. Resolvi perguntar para meu pai e ouvi dele que a Copa era “jogo de futebol o dia inteiro”. em um tempo que TV por assinatura era um sonho mais que distante, essa resposta foi música para meus ouvidos.
Fiquei ansioso esperando pela abertura do evento. E descobri que toda a ansiedade foi em vão, pois odiei a cerimônia. Aliás, não sei se foi pelo trauma de ver a Diana Ross fazendo aquele papelão, ou pelo simples fato de eu detestar qualquer tipo de enrolação, faço questão de perder toda e qualquer cerimônia de abertura e encerramento de eventos esportivos.
Passado isso, eis que no primeiro jogo, a Alemanha já me deixou encantado com aquele uniforme lindo. Aliás, cada uniforme maravilhoso que vi nessa Copa. Tudo era muito bonito e colorido, e mesmo aquela camisa Jeans dos EUA, ou aquela aberração que foi o segundo uniforme do México me deixaram encantado. Ainda tive tempo de ficar apaixonado pela camisa branca da Holanda, pelo azul eterno da Itália, pelos carnavalescos uniformes de Marrocos e da Irlanda, pelas camisas da Adidas, e pela emblemática camisa azul da Seleção Brasileira. Definitivamente, foi a Copa dos uniformes.
Com oito anos de idade, obviamente que eu não era lá profundo conhecedor de jogadores estrangeiros. Aquele mês foi o suficiente para eu conhecer meus primeiros ídolos gringos. Batistuta, Hagi, Stroichkov, Bergkamp, Larsson, e tantos outros que se tornaram referências para mim.
De longe, foi a Copa que mais reuniu craques e bons jogadores, na minha opinião, é claro. Praticamente, todo time tinha uma estrela, ou um jogador capaz de decidir partidas. E não eram só jogadores de ataque que eram estrelas, não. Baresi, Pagliuca, Preud´homme, Maldini, Aldair, Branco e muitos outros defensores me fizeram tomar gosto por sistemas defensivos.
E o que dizer do Brasil? Taffarel, o citado Aldair, Dunga, Branco, Romário, Bebeto e Mauro Silva viraram meus heróis. Acredite se quiser, meu sonho era ser como qualquer um desses caras. Percebe-se que não consegui, entre outros fatores, por eu não ter talento para a prática do esporte bretão.
O gol de Branco contra a Holanda, o “Eu te amo” de Bebeto para Romário, o gol salvador do Baixinho contra a Suécia na semifinal, o pênalti defendido por Taffarel na final, todos esses momentos moldaram meu caráter futebolístico.
Hoje, dia 17 de julho, a final da Copa completa vinte e três anos. Vinte e três anos daquele que foi talvez o maior jogo que vi na vida. Não importa se não foi o jogo mais emocionante. Não importa se o nível técnico foi baixo. A final da Copa foi como a cereja de um bolo que eu insisto em lembrar o sabor vinte e três anos depois.
Praticamente todos os momentos que presenciei entre junho e julho de 1994 foram mágicos para mim. Levarei eternamente em meu coração e em minha memória cada segundo que vivi durante a Copa mais mágica que assisti na minha vida.
Deus salve Yekini e sua comemoração. Deus salve Baggio batendo o pênalti pra fora. Deus salve Escobar, esteja onde estiver. Deus salve a Romênia e a Bulgária, que tanto me encantaram. Deus salve Lalas e Balboa. Deus salve Meola. Deus salve Taffarel. Deus salve Ravelli. Deus salve a Copa de 94, e mantenha nosso amor intacto.
O MENINO DA PENHA
por Sergio Pugliese
Após mais uma vitória sobre o rival Independente, a rapaziada do Ipiranga seguiu para o Armazém do Seu Carlos, tradicional ponto de encontro “pós-massacres”. Seu Carlos além de excelente anfitrião também funcionava como patrocinador do time porque bancava sanduíches, refrigerantes e, claro, o uniforme: camisa branca de gola vermelha, calção azul e meião branco. Nesse dia, o jogo foi duríssimo e o lateral Carlos Alberto, líder do grupo, deitou-se na calçada da Vila da Penha de braços abertos, extasiado e principalmente aliviado por libertar os pés em carne viva das chuteiras, dois números menor.
– Minha família não tinha dinheiro para comprar e usava as que me emprestavam – recordou-se Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, rodeado pela orgulhosa comitiva do A Pelada Como Ela É formada pelo trio de atacantes Reyes de Sá Viana do Castelo, Daniel Planel e Fernanda Pizzotti.
O problema dos pés esfacelados complicava no dia seguinte. Precisava cumprir as tarefas como mensageiro da corretora de imóveis, de Seu Geraldo Albernaes, e à noite marcar ponto no Educandário Santa Fátima. Mas se tivesse bola rolando esquecia tudo. Queria seguir os passos de Zé Luiz, o irmão mais velho que treinava no Fluminense e despontava como possível substituto do ídolo Pinheiro. Mas um acidente de carro jogou tudo ralo abaixo. Os pais Chico e Alaíde não davam a menor força para Carlos Alberto, mas um dia ele foi convidado para um treininho no Fluminense por Roberto Alvarenga, dono do Ipiranga e supervisor tricolor. Inventou para o patrão que precisava visitar uma tia doente, mas foi flagrado pelo Velho Chico nas Laranjeiras.
– Ele me chamou de vagabundo para baixo, mas num jantar com a família pedi uma chance e ele deu. Era um paizão! – contou, ao lado do filho Alexandre Torres.
E Carlos Alberto não desperdiçou a chance. Aos 16 anos, barbarizou nos treinos, entrou para o juvenil e três anos depois substituiu Jair Marinho, que fraturara a perna, no time principal. Comemorou sua estreia no Maracanã dançando até se acabar numa das festas organizadas por Seu Barbosa, figura folclórica do bairro. Perdeu de 3 x 0 para o América, mas vibrou com os Golden Boys tocando na carroceria de um caminhão, na Estrada do Quitungo. Ele e os parceiros do Ipiranga, Noca, o ponta-direita Othon, o lateral-esquerdo Chicão e o goleiro Rui. O pai coruja empolgado com a performance do garotão, liberou o Chevrolet 40 preto para ele ir ao treinos. Um arraso!
– Em 1963 fui convocado para o Panamericano e em 1964, comprei meu próprio Fusca! – vibrou.
Também em 1964 foi convocado para a seleção brasileira e ganhou a vaga de Djalma Santos. Na estreia, vitória sobre a Inglaterra, no Maracanã, ao lado de Gilmar, Gerson, Vavá e Pelé. No ano seguinte, outra grata surpresa: o convite para integrar o dream team do Santos, com Gilmar, Mauro, Orlando Peçanha, Geraldino, Zito, Mengalvo, Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.
– Ganhamos tudo e ficamos mundialmente famosos – orgulhou-se.
(Foto: Arquivo)
A carreira de Carlos Alberto foi fulminante. Se aos 15 anos resgatava as bolas da vala negra que rasgava o campinho de terra batida do bairro, apenas 10 anos depois, no dia 21 de junho, o maior lateral-direito de todos os tempos, entrava no Estádio Azteca, na Cidade do México, para ser assistido por centenas de milhões de pessoas, na decisão da Copa do Mundo de 1970, contra a Itália. E colocou-se naquela faixa de campo, no território onde pouquíssimos ousaram se engraçar. Um deles, Abel, ponta-esquerda do América, pai do jornalista Abel Neto. Esse, por muitas vezes, tirou o seu sono. Mas o tempo seguiu e faltava pouco para o mais jovem capitão da história das Copas do Mundo atingir o sonho maior: erguer a Jules Rimet. E Pelé resolveu ajudá-lo nessa missão rolando aquela bola macia que implorava “me chuta!”. Dessa vez a chuteira tinha o número certo e a pancada pegou na veia. O Brasil explodiu em emoção e no Armazém do Seu Carlos todos desabaram em lágrimas. O eterno patrocinador prometeu uma festa de arromba no Largo do Bicão para recepcionar o craque e, cinco dias depois, a promessa foi cumprida. Carlos Alberto Torres retornou ao armazém e os dois trocaram um longo e emocionado abraço. Depois foram para o jogo! O Ipiranga estava de volta! Após 90 minutos de racha sob sol escaldante, Torres, quebrado, descalço e rodeado de amigos, deitou-se na mesma calçada de sempre, abriu os braços e chorou olhando para o céu azul de Vila da Penha, onde tudo começou.
Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 04 de abril de 2012
Hélio Vieira
NÃO TÁ MORTO QUEM PELEIA
texto: Albino Oliveira e Augusto Dalpiaz | foto e vídeo: Rosângela Oliveira | edição de vídeo: Daniel Planel
O GURI
Hélio Fernando Xavier Vieira nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, no dia 3 de setembro de 1963. Desde criança pedia bolas de presente, escutava os programas esportivos das rádios gaúchas e cariocas. Sabia tudo de futebol e seus jogos imaginários na garagem de casa impedia a sesta que seus pais pretendiam tirar.
O fascínio do menino pelo futebol o levou à escolinha do Brasil Pelotas, onde seguiu no infantil, infanto-juvenil, juvenil. Fez sua primeira partida como profissional aos dezesseis anos. E foi castigado por um “gol contra”: por tirar notas escolares baixas teve que se afastar da equipe Xavante.
O amor pelo futebol era tanto que passou tratou de recuperar rapidamente as notas e assim voltou ao time Xavante.
– Sempre sonhei em ser jogador de futebol, se não tivesse conseguido, seria frustrado – diz ele, que se especializou em fazer milagres como jogador e treinador. O maior deles foi obra coletiva, contra o Flamengo pelo Campeonato Brasileiro (à época Taça Ouro, em 1985).
XAVANTE AVANTE
O Sport Clube Cruzeiro era um clube dirigido por funcionários da cervejaria Haertel. Até que uma insatisfação ocorrida entre os jogadores que foram chamados para construir uma cerca em volta do campo quando chegavam para treinar provocou uma debandada no clube.
Inconformados, Breno Côrrea da Silva e Salustiano Brito que faziam parte desse elenco, depois de algumas reuniões e assembleias fundaram, no dia 7 de setembro de 1911, o Grêmio Sportivo Brasil. Seriam necessários 29 anos para o mudar a palavra para “Esportivo” gerando a sigla GEB – antes era GSB.
A história do Brasil é repleta de feitos heroicos. Em 1919, por exemplo, depois de 16 horas de viagem de navio a vapor de Pelotas a Porto Alegre, o Brasil sagrou-se o primeiro campeão gaúcho, vencendo o Grêmio por 5 a 1.
A conquista fez o time pelotense ser convidado para o que considera ser o primeiro Campeonato Brasileiro, em 1920. Na verdade, era um torneio organizado pela CBD, com campeões estaduais e visava observar jogadores que poderiam ser convocados para disputar o Campeonato Sul-americano e os Jogos Olímpicos pela seleção brasileira. Além do Brasil, participaram o Paulistano (SP) e o Fluminense (RJ).
Outro feito memorável aconteceu em 1950. O Brasil foi convidado para disputar uma partida amistosa contra a seleção uruguaia. No Estádio Centenário aprontou. Venceu por 2 a 1 a seleção que meses depois seria campeã mundial, no Maracanã.
Considerado o time com a maior e mais apaixonada torcida do interior do Rio Grande do Sul, o rubro-negro Xavante também vivenciou uma tragédia em 2009. A delegação que voltava de um amistoso, em Vale do Sol (RS), contra o Santa Cruz, sofreu um acidente quando estava próxima da cidade de Canguçu (RS).
O ônibus em que jogadores, integrantes da comissão técnica e dirigentes viajavam despencou de uma altura equivalente a 15 andares, resultando na morte do preparador de goleiros, Giovani Guimarães, do zagueiro Régis e o maior ídolo da equipe, o uruguaio Claudio Milar, atacante com passagens por Botafogo, Nacional do Uruguai, Náutico, dentre outros clubes.
Atualmente o Brasil de Pelotas está disputando a segunda divisão do campeonato brasileiro, e terminou o campeonato gaúcho de 2017 na décima colocação.
OS ANOS NA CASAMATA
(Foto: Reprodução)
Quando terminou a carreira de jogador de futebol no Esportivo de Bento Gonçalves, Hélio foi convidado para ser gerente de futebol do Brasil de Pelotas, mas declinou.
– Não era minha vontade naquele momento, queria ser técnico! – diz.
Pouco tempo depois, recebeu novo convite para começar sua carreia de treinador, entretanto recusou novamente, pois não quis ocupar o lugar de seu amigo Silvio, treinador demitido do Brasil e seu ex-parceiro de defesa.
A partir de sua resposta, o Xavante contratou o antigo lateral do Internacional Vacaria, que durou pouco tempo no comando da equipe devido aos resultados ruins.
Em 1997, Hélio Vieira estreou à beira do campo no clube onde sempre se sentiu em casa. E no ano seguinte, conseguiu sua melhor campanha como treinador no estado, sendo campeão do interior (melhor equipe colocada depois da dupla Gre-Nal).
Hélio atualmente é um famoso personagem do futebol do interior gaúcho e catarinense, tendo treinando equipes como: Caxias, Veranópolis, Avenida, Novo Hamburgo, Brasil de Pelotas, Rio Grande, Brusque e Tubarão. Nos anos de 2003 e 2004 foi indicado ao prêmio de melhor treinador do campeonato gaúcho.
Nos últimos anos ganhou fama de milagreiro e passou a ser chamado para salvar equipes do descenso de divisão nas últimas partidas dos campeonatos. Foi assim que aconteceu nas duas últimas vezes em que dirigiu o Santa Cruz-RS e Cerâmica na primeira e segunda divisão do estado. E quando assumiu o São Paulo – RS, Aimoré, Farroupilha de Pelotas. O treinador ainda aguarda uma nova oportunidade para voltar a formar uma equipe desde o começo da temporada.
Hélio também teve passagem pelo Oriente Médio. Quando treinava o Al-Shabab da Arábia Saudita em 1998, teve apenas quatro derrotas em 40 jogos, foi vice-campeão continental e saudita, mas perdeu o emprego porque, segundo ele, não aceitou fazer “negociata”. Os dirigentes queriam obrigá-lo a escalar um jogador ruim para vendê-lo depois.
– Fui chamado pelo vice-presidente que o disse: “futebol é um negócio, terás que aprender isso, mas até hoje não aprendi” – conta.
Na Arábia, Hélio voltou a trabalhar nas equipes Al-Ittifaq, Al- Watani e Al-Riyadh. Comandou também o Dibba Al-Fujairah FC, nos Emirados Árabes.
O técnico gaúcho acredita que não é chamado para longos trabalhos em clubes porque não aceita ganhar dinheiro, além do salário, favorecendo empresários e jogadores de pouca qualidade. No entanto, quando os times ficam desesperados, lhe procuram.
– Eu incomodo – conclui.
O SONHO REALIZADO
Em 1983, aos 20 anos, Hélio, após a chegada de um treinador que atuava em Manaus chamado Airton Nogueira, passou a fazer parte da lista de dispensa, e seria emprestado ao Riograndense de Rio Grande. Porém, Airton ficou pouco tempo no comando do Xavante. Para seu lugar foi contratado Luiz Felipe Scolari.
Ao chegar ao clube, Felipão perguntou por um “branquinho” que havia jogado muito bem contra o Juventude, de Caxias do Sul, no ano anterior. O “branquinho” era Hélio, que conseguiu se manter na equipe. E neste mesmo ano foi o jogador que mais partidas jogou pelo clube, recebendo bicho extra por participação.
Scolari, Galego e Valmir Louruz são os treinadores preferidos de Hélio.
– Felipão tem um carisma muito grande, a convivência com ele e muito legal – salienta Vieira.
Durante sua carreira, o jogo que o ex-lateral relembra com satisfação é Grêmio versus Juventude, equipe na qual jogava. Ele fez dois gols e participou dos outros dois dando a vitória para equipe da serra por 4 a 2.
Mas sem dúvida a partida que lhe deu mais projeção foi Brasil x Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro de 1985.
TAÇA OURO
O Brasileirão de 85 foi disputado pelos 20 melhores colocados no ranking da CBF, nos grupos A e B. Remo e Uberlândia, campeão e vice da Taça de Prata, mais 22 clubes de 22 estados (equipes escolhidas a partir dos campeonatos estaduais) formaram os grupos C e D.
Quatro equipes de cada grupo – campeão do primeiro turno, campeão do segundo turno e os dois melhores de cada turno – foram classificados para a etapa seguinte.
Na segunda fase, os 16 times foram divididos em quatro grupos de quatro equipes. A equipe pelotense ficou na chave F junto a Ceará, Bahia e Flamengo. Os favoritos eram as equipes baiana e a carioca.
SIRVAM NOSSAS FAÇANHAS DE MODELO A TODA TERRA…
(Foto: Antônio Vargas / Agência RBS)
Na noite de 18 de julho de 1985, sob a lua nova e frio ardente, com arquibancada lotada, torcedores espremidos ao alambrado e outros pendurados nos muros do Estádio Bento Freitas, em Pelotas, mais de 20 mil torcedores Xavantes presenciaram a vitória do Grêmio Esportivo Brasil por 2×0 sobre o Flamengo de Zico, Bebeto, Andrade, Adílio, Tita, Mozer, Leandro e o treinador Zagallo.
Era muito difícil pensar em vitória ao comparar um elenco em que dos 11 titulares, cinco participaram de Copas do Mundo e sete foram campeões mundiais de clubes, e outro em que o volante titular Doraci teve seu passe adquirido em troca de 12 bolas de futebol com o Riograndense, da cidade de Rio Grande.
O jogo do grupo F – que contava também com o Ceará e o favorito Bahia – valia vaga na semifinal. Na zaga do rubro-negro gaúcho o caçula Silva (20) e Hélio Vieira (22), orientados por Valmir Louruz, não exerciam marcações individuais,
– Até porque, Zico, Tita, Adílio, Chiquinho e Bebeto se movimentavam muito! – justifica o então lateral.
No primeiro jogo entre os dois clubes, em 10 de julho de 1985, no Maracanã, o Brasil de Pelotas havia perdido por 1×0, gol de pênalti cobrado por Bebeto.
– Em uma jogada de linha de fundo pela direita, entrei de carrinho, a bola ficou presa nas minhas costas e o juiz entendeu que havia tocado em meu braço! – esta é a versão de Hélio Vieira.
Outro fato curioso neste jogo foi que em uma disputa de bola, a correntinha de ouro de Adílio acabou sendo arrancada e entregue para o arbitro Emídio Marques de Mesquita. Ao fim do jogo, o atleta rubro-negro carioca foi pegar a corrente com o árbitro, que falou ter entregue a joia para um jogador do Brasil. Até hoje ninguém sabe quem a pegou, cada um conta uma versão diferente.
Um erro de arbitragem no segundo jogo, em Pelotas, também deu o que falar. Ao invés de acabar o primeiro tempo aos 45, Romualdo Arpi Filho deixou a partida correr até aos 55 minutos. De acordo com Hélio “não teve maldade, o árbitro se perdeu, marcou errado, mas não houve má intenção”. Os dirigentes do Brasil (que ganhava de 1 a 0), revoltados, invadiram o campo e pediram o final do jogo.
Ecoando a canção Pingos de Amor, de Paulo Diniz em parceria com Odibar, a maior e a mais fiel torcida do interior gaúcho explodiu de alegria com o segundo gol Xavante, feito por Júnior Brasília em um lance no qual o jogador jurou aos companheiros ter visto Fillol adiantado e decidiu encobri-lo.
– Após receber alguns tapas no vestiário, Júnior admitiu que a intenção foi o cruzamento! – conta Hélio, rindo.
O eliminado Flamengo acabou a competição em 9º lugar.
A HÉLIO O QUE É DE HÉLIO
Para o segundo jogo que teria transmissão nacional da televisão aberta, a diretoria da equipe pelotense vendeu cotas de patrocínio no uniforme, além do permitido. O acordo entre diretores e atletas, segundo Vieira, foi:
– Vocês só vão entrar com a camisa, o juiz vai ver e vai mandar vocês trocar. Vocês voltam, mudam as camisas e podem ficar com elas para vocês!
No entanto, o juiz não observou o regulamento. Por isso, esse fardamento foi diferente de todos os outros jogos da competição.
Ao final da partida, o vestiário foi invadido por pessoas próximas. Em meio a alegria, um torcedor se aproximou de Hélio e disse que queria a camiseta. O lateral disse que ia ficar com ela, mas o fanático rubro-negro se prontificou a comprá-la por um valor maior que o bicho pago aos jogadores, estimado entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. O negócio foi fechado no vestiário.
O torcedor tirou o moletom e colocou a camisa toda embarrada e suada. E partiu feliz.
Em 2003 aconteceu uma reviravolta nessa história. Hélio jogava uma pelada de futebol society em um clube, quando chegou um torcedor e perguntou se ele estava morando em Pelotas. O ex-jogador respondeu que sim e que toda quinta-feira ia jogar futebol naquele campo.
O homem que o abordou então disse:
– Você se lembra de mim?
Hélio pediu desculpas e respondeu que não. O torcedor retrucou:
– Semana que vem vou te trazer uma coisa que é tua e que está comigo, tem mais valor para ti do que para mim.
Na semana seguinte, como prometido, o torcedor estava lá, e devolveu a camisa que tinha comprado há 18 anos.
MAS NÃO BASTA PARA SER LIVRE, SER FORTE, AGUERRIDO E BRAVO…
O primeiro jogo da semifinal contra o Bangu, em 24 de julho de 1985, foi realizado no Estádio Olímpico, em Porto Alegre. A prefeitura, algumas casas de comércio e empresas de Pelotas decretaram ponto facultativo à tarde a fim de possibilitarem a ida dos torcedores Xavantes à capital do Estado.
Dez mil torcedores rubro-negros percorreram 260 km de viagem em cem ônibus lotados e pouco mais de mil e duzentos carros.
Em cobrança de escanteio pelo lado direito, a bola bateu em Gilmar Batata, que fez gol contra.
– O grupo era unido, não tínhamos salto alto, perdemos os quatro jogos para o Bangu neste campeonato… Nada dava certo contra eles. Gilmar fechou o gol! – lamenta-se Hélio Vieira.
No jogo de volta no Maracanã, em 28 de julho de 1985, o Brasil de Pelotas saiu na frente do placar, com gol de Bira. No entanto, com gols de Ado e Marinho (2), o time carioca voltou a vencer.
– Na bicicleta de Marinho, a bola bateu em sua canela e entrou… Não adianta, faltou sorte…
Assim, o Brasil de Pelotas terminou em terceiro lugar no Campeonato Brasileiro. É maior feito de um clube do interior gaúcho.
Júnior Brasília
O PONTA GARÇOM QUE VIROU FORMADOR DE CIDADÃOS
texto e entrevista: Claudio Lovato | vídeo: Edu Andrade | edição de vídeo: Daniel Planel
É uma manhã de terça-feira, no fim de junho, e José Francisco Solano Júnior circula pelas instalações do SESI Taguatinga, cidade-satélite de Brasília. Cumprimenta e é cumprimentado a todo instante. Distribui sorrisos e recebe o troco na mesma agradável moeda. É um homem benquisto que está à vontade em seu ambiente de trabalho.
Trabalho que ele exerce com a satisfação daqueles que se realizam no cotidiano – a cada aula, a cada ensinamento que oferece generosamente, a cada chance que tem de compartilhar com os mais jovens aquilo que de mais importante aprendeu na vida.
Aqui, na cidade que o acolheu quando ele tinha apenas um ano de idade, em 1959, procedente de Alvinópolis, no interior de Minas Gerais, José Francisco Solano Júnior relembra, para o Museu da Pelada, momentos especialmente marcantes de sua carreira.
José Francisco Solano Júnior é Júnior Brasília.
Ex-ponteiro-direito de Flamengo, Cruzeiro e Brasil de Pelotas, entre outros clubes, camisa 7 clássico, ele gostava mesmo era de deixar a bola “queimar” na linha de fundo e então cruzar, para presentear o centroavante que chegava de frente, bola na testa do parceiro.
– Nunca fui de fazer muitos gols! Eu gostava mesmo era de ser ‘garçom’, servir os companheiros – diz Júnior, que foi “Júnior II” antes de se tornar “Júnior Brasília”.
Disputou seu primeiro Campeonato Brasileiro em 1975, aos 17 anos, pelo CEUB, de Brasília. Jogou tanto que, no ano seguinte, estava no Flamengo treinado por Carlos Froner e que tinha no elenco feras como Cantarelli, Rondinelli, Jaime, Júnior (a quem deve o acréscimo de “Brasília” ao seu Júnior), Geraldo, Cláudio Adão, além de um certo Arthur Antunes Coimbra, com quem Júnior Brasília nutre uma grande amizade, que atravessa as décadas.
Conquistou seu espaço no rubro-negro carioca, depois – envolvido numa troca que levou Raul Plassmann para a Gávea – foi para Minas, jogar em outro timaço da época, o Cruzeiro, esteve rodou no Paraná (Grêmio Maringá), Mato Grosso do Sul (Operário), Mato Grosso (Mixto) e então chegou àquele que é, até hoje, o clube que ocupa mais espaço em seu coração: o Brasil de Pelotas. Lá foi treinado por Luiz Felipe Scolari e por Valmir Louruz, ajudou a levar o Xavante à semifinal do Campeonato Brasileiro de 1985, tornou-se ídolo e herói de um clube e de uma cidade.
– Era um ambiente muito bom! Tínhamos realmente uma família, apoiada por aquela torcida maravilhosa. Sinto muita saudade daquele tempo! – relembra um emocionado Júnior Brasília.
Desde 1997, Júnior Brasília ensina futebol a crianças e jovens de 5 a 17 anos, no SESI. Mais que formar jogadores de futebol, ele quer ajudar a formar cidadãos.
– Essa preocupação é algo que não existia no meu tempo. As coisas mudaram bastante! – diz, com a satisfação e a alegria de quem, há muito tempo, aprendeu a se realizar com o seu aqui e o seu agora.