FALTA JOÃO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Nana Moraes)
E bastou chegar ao calçadão para um torcedor disparar: “PC, como o João Saldanha comentaria o futebol de hoje?”. Kkkkkkkkkkkkkkk!!!! Dessa eu tive que gargalhar!!! Olha, o Saldanha se excedia além da conda e pegou pesado em algumas situações, mas era uma figura maravilhosa.
Se nos áureos tempos ele fumava 40 cigarros por dia, hoje em dia, com certeza, triplicaria o nível de nicotina no pulmão. Tenho certeza que, de 94 para cá, ele ficaria com calos nos pés de tanto chutar o balde. Mas acho mesmo é que ele viveria só para curtir seus cavalinhos, sua segunda paixão, e desistiria do futebol.
Alguém me enviou outro dia sua primeira coluna publicada na revista “Placar”. Ele reclamava da ausência de pontas. Saldanha, sabe como é hoje? Os jogadores não malham mais pernas, acredita? A onda, agora, é deixar os braços fortinhos para, na cobrança de lateral, conseguirem arremessar a bola dentro da grande área, kkkkkk!!!
Mas se não for dessa forma como a bola chegará ao centroavante? Centroavante? E quem precisa mais dessa peça? Teve um jogo outro dia em que o técnico do Vasco, tirou o artilheiro e colocou um zagueiro. Saldanha, os zagueiros e volantes estão comandando o espetáculo e já chegou a hora de ganharem a Bola de Ouro como os melhores do mundo.
Vocês viram Vasco x Santos, que horror!!! Ah, João, agora quando o jogador é substituído, a TV mostra quantos quilômetros ele percorrer, kkkkkk!!!! Mas quem tem que correr não é a bola?
João Saldanha
O Rogério Ceni trouxe dois estrangeiros para ajudá-lo na formação do São Paulo, mas passou o tempo se explicando nas coletivas e apresentando números, estatísticas, posse de bola, blá blá blá. Na última, reclamou até da distância da barreira. O Zidane antes de assumir o Real Madrid passou dois anos treinando o time B, depois foi auxiliar do principal. Os técnicos brasileiros parecem estar brincando de bonequinhos e casinhas. Rabiscam e desenham em suas pranchetinhas. Só faltam os lápis de cera coloridos. Futebol virou totó com um monte de jogadores engessados dando bicudas na bola.
João Saldanha colocou Tostão para jogar com Pelé e foi criticado, João Saldanha batia boca com presidente da República. Hoje, o profissional um dia está no Bom Senso criticando a CBF e no outro vira técnico da seleção e não abre mais o bico. O que falta no futebol de hoje é arte, mas, acima de tudo, falta atitude, falta João Saldanha.
FUTEBOL É PARA POBRE, RICO E ATÉ MESMO PARA ALGUNS IDIOTAS
por Mateus Ribeiro
Vivemos dias difíceis em todos os aspectos de nossas vidas. Seja no âmbito social, seja no pessoal, seja no econômico, já diria aquele ditado, “não está fácil para ninguém”.
Como se não bastasse o Celtic x Rangers da nossa política, a crise social, o Tsunami de preconceito e intolerância, nossa maior paixão, o já judiado futebol, passa por um período nebuloso.
Não é de hoje, todos nós sabemos, que passamos por dificuldades dentro e fora de campo. A qualidade foi para o fundo do poço, seja dos nossos jogadores, seja dos nossos queridos cronistas que aprenderam futebol através de jogos eletrônicos. Como se todo esse cenário todo não bastasse, nosso bolso também sofre.
Ingressos com preços de uma cesta básica (não só aqui, mas em qualquer lugar do mundo) para assistir um futebol tão empolgante quanto um acústico do Julio Iglesias representam um crime hediondo da pior espécie. É o fenômeno dos estádios faraônicos, construídos para atender a vontade de dirigentes e empresários gananciosos ,atingindo quem deveria ser espectador, e virou vítima: o pobre torcedor.
Qualquer um que seja um pouco mais esperto sabe que para se assistir qualquer partida de futebol hoje, uma mísera nota de 50 reais já não é mais suficiente. Se você tiver o azar de torcer para algum time de primeira divisão, o buraco é mais fundo, uma vez que alguns ingressos ultrapassam os três dígitos na hora do pagamento. Uma pornografia. Um valos obsceno.
Estamos falando do futebol. o esporte que um dia uniu povos. O esporte que faz o dono da empresa sentar ao lado do desempregado. O esporte que faz o presidente da nação abraçar quem ganha mil vezes menos que qualquer político na hora do gol. O esporte que não precisa de mais do que uma bola para ser praticado. Acredite se quiser, o futebol é tudo isso, apesar de ter virado essa balada top nos dias atuais.
O mais triste de tudo: existe quem defenda isso. E não estou falando de “torcedor” que paga 500 reais pra gritar que é brasileiro com muito orgulho e com muito amor. Estou falando de cachorro grande. Mais precisamente de Alexandre Kalil.
Alexandre é uma das personalidades mais abomináveis e desnecessárias do mundo do futebol. Um falastrão, que sempre se notabilizou por suas opiniões polêmicas . A sua diferença para dirigentes antigos é que Kalil não tem carisma. E provou também não ter caráter, ao afirmar que “… no mundo inteiro, futebol não é coisa para pobre…”, dentre outros impropérios. Para quem tiver estômago, segue o link : https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/14/deportes/1500068233_300420.html
Pois bem, vamos aos fatos. Realmente, o ingresso é caro, muito caro. Acontece que pessoas que já vivenciaram (e talvez vivenciem ainda) o meio do futebol, DEVERIAM fazer o mínimo de esforço para mudar o quadro. Como é que quem ganha um salário mínimo vai ter a oportunidade de levar os filhos, o par amoroso, os pais, ou até mesmo ir sem companhia ver seu time do coração? Chega a doer os olhos ler uma declaração dessas, ainda mais vindas de quem sempre se mostrou torcedor do clube que dirigiu. Porém, tais palavras se mostram fundamentadas partindo de alguém que aparentemente gosta muito de dinheiro, já que o fanfarrão ajeitou seu burro na sombra através da maneira mais fácil de se ganhar dinheiro sem fazer nada, ao conseguir se tornar prefeito da capital mineira.
É claro, óbvio e evidente que essa banana podre não vai se importar com o torcedor, com o povo, com a situação do futebol atual, que seja. Não apenas ele, mas grande parte dos dirigentes, gestores, políticos que poderiam mudar a situação dos fãs de um dos maiores PATRIMÔNIOS CULTURAIS do nosso país estão se lixando. O importante é o bolso cheio, mesmo que seja com o estádio vazio.
(Foto: Agência O Globo)
O plano de transformar estádios em camarotes vips para a turma mais abastada continua a todo vapor. Em Minas Gerais, em Itaquera, e em todo lugar do planeta, como disse o já citado mandatário. A elitização só não é um fato consumado porque ainda existe quem sacrifica o lazer para se martirizar em uma partida de futebol do clube do coração.
Apenas para finalizar, é legal ver o rico no estádio. Mas é legal ver o pobre também. Da mesma forma que é legal ver todo mundo. Afinal, o futebol é para todo mundo. Para o rico, para o pobre, e para alguns imbecis. você pode se encaixar onde quiser, Kalil!
FILLOL, O ESCOLHIDO DO ‘DEUS’ MARADONA
por André Felipe de Lima
Quando o assunto é estritamente futebol, a palavra de Maradona é quase uma oração. Pelo menos para os argentinos, que o levam tão a sério a ponto de fundarem uma “igreja” para o craque. E se o camarada é “santo” para eles, respeitemos. Não se questiona a “fé” alheia. Uma vez perguntaram ao Maradona sobre o que achava dos goleiros. Isso, creio, por volta de 2000. Virada do milênio, todo o mundo com o pé atrás… sei lá. Maradona dirigiu-se ao repórter e devolveu a pergunta: “E você, quer ser goleiro?”. O cara sempre os desprezou. Mas há uma exceção para Maradona: Ubaldo Matildo Fillol, que completa hoje 67 anos. “O único goleiro normal”, referia-se o “deus” Maradona ao Fillol. Coberto de inquestionável e “sacrossanta” razão. Fillol é, pelo menos aos meus olhos (pela TV ou livros) o melhor goleiro que os argentinos produziram. Foi espetacular. O Flamengo teve a honra de tê-lo no time.
Chegou à Gávea em novembro de 1983. Não conquistou nenhum título expressivo com o Flamengo. Apenas uma Taça Guanabara (primeiro turno do Campeonato Carioca) e uma Taça Rio (segundo turno). Mas isso foi apenas um detalhe. Estreou em janeiro de 1984, contra o Palmeiras. Fechou o gol e garantiu a magra vitória de uma a zero. Mas era uma época sem Zico, sem Júnior. O Flamengo, embora ostentasse um bom time sem as feras citadas, não era mais o Mengão “papa-tudo” do comecinho da década de 1980. O time da hora era o Fluminense, de Assis, Washington, Romerito e Cia., craques que perturbaram (e muito!) o Fillol nos Fla-Flus.
Mesmo permanecendo apenas um ano no Flamengo, a torcida o idolatrava. Ocorreu com Fillol um fenômeno mais ou menos parecido com o de outro argentino, Oscar Basso, mas só que no Botafogo. Basso disputou pouco menos de 20 jogos pelo alvinegro, em 1951, porém o suficiente para ser considerado um dos mais brilhantes zagueiros da história do clube. Muitas décadas depois, Fillol, para muitos rubro-negros, é um dos melhores arqueiros que já pisaram na Gávea.
Mas quando falamos do grande arqueiro, vem imediatamente à nossa mente a Copa do Mundo de 1978. Nela, Fillol foi soberano. Estupendo. Recordo as grandes atuações naquela Copa. Tanto quanto os craques Kempes, Luque, Ardilles ou Passarella, foi Fillol, para mim, o melhor dentre os argentinos naquela campanha.
Quem descobriu Fillol foi outro grande ídolo do futebol argentino, o mago Renato Cesarini, que também entrou para a história do futebol italiano pelas impecáveis atuações com a Juventus de Turim. Como jogador, Cesarini foi excepcional. Um dos melhores nas décadas de 1920 e 30. O mesmo sucesso obteve como treinador, principalmente do River Plate. Em 1964, quando regressou à Argentina, Cesarini resolveu, certo dia, parar em um restaurante de San Miguel del Monte, um pouquinho mais distante da cidade de Buenos Aires. Mirou com incômoda fixação um rapaz, com presumíveis 14 anos de idade e mãos enormes, que trabalhava ali como garçom. Olhou paras as mãos do menino… olhou, olhou… e emendou para o garoto: “Serás, ‘chico’, um grande arqueiro!”. Tudo começou ali, com o vaticínio de Cesarini, que entendia um pouco e muito mais de futebol.
Fillol, que rivaliza com Amadeo Carrizo no posto de maior goleiro da história do River Plate, defendeu 26 penais pelo escrete argentino. Somente o exótico Gatti, ídolo do rival Boca Juniors, fez o mesmo. Mas os dados estatísticos são imprecisos. Há registros de que Fillol jamais foi superado por quem quer que seja embaixo das traves da seleção argentina. Concordo com o empirismo, e às favas as estatísticas! Fillol, o “El Pato”, foi genial. O maioral!
AS NOVAS DEMARCAÇÕES DO CAMPO DE FUTEBOL
por Adriano Ávila
Apresentamos as novas demarcações do campo de futebol propostas pelo Futbox. O nosso objetivo é o de sempre, a discussão para a melhoria do futebol brasileiro, agora expandido para a evolução do palco onde é praticado o jogo mais popular do mundo.
Em relação aos tamanhos do campo e das traves nada foi alterado, continuam com a padronização 105mx68m (campo) e 7,32mx2,44m (traves dos gols). Mudanças apenas na delimitação da grande área, eliminação da pequena área (como no futsal) e a criação do setor sem impedimento.
Os estudos para as novas demarcações foram baseados nos desempenhos das personagens em cena: jogadores, árbitro, auxiliares (bandeirinhas) e claro, torcedores! Dois objetivos estratégicos: aumentar o dinamismo da partida e a atratividade do espetáculo, o que é bem diferente de correria pelo gramado sem tática alguma.
Levamos em consideração os avanços praticados nas regras de três esportes de grande penetração mundial:
1º) Vôlei: introdução do ataque dos 3 metros (na Olimpíada de 1976 em Montreal – Canadá, a Polônia utilizou essa jogada pela primeira vez em uma competição oficial na partida contra a União Soviética). E venceu;
2º) Basquete: zona de três pontos (em 1984 a FIBA decidiu adotar a regra dos três pontos, utilizada pela NBA desde 1979);
3º) Futebol Americano: demarcações presentes em seus campos, principalmente a área do touchdown (End Zone).
Importante frisar que não se trata da substituição da cultura brasileira pela norte-americana, o foco aqui é o desempenho dos atletas, a beleza do jogo e a satisfação do torcedor. Tudo em harmonia com a comercialização do futebol sem perder suas essências histórica e cultural, promovendo cada vez mais o espetáculo e a ativação das marcas, patrocinadores e parceiros dos clubes e dos campeonatos.
Três pontos fundamentais para a proposta do Futbox em questão:
O primeiro observado foi a Regra 11: o impedimento. Fundamental para o jogo. Com o condicionamento físico cada vez mais aprimorado dos jogadores, o erro na marcação do impedimento fica mais evidenciado, pois o atacante aguarda o último segundo para partir após o passe e muitas vezes o bandeirinha não tem condições humanas para perceber esse instante, atualmente muito mais rápido, marcando o impedimento de forma equivocada.
O segundo ponto é o avanço tecnológico que evidencia e muito os erros de arbitragem. Uma solução seria retirar os bandeirinhas do campo e recolocá-los em cabines de transmissão com comunicação direta com o árbitro que continuaria presente em campo. De certa forma isso já acontece e está em testes com os árbitros auxiliares.
O terceiro e último ponto, talvez a espinha dorsal de tudo isso, é a audiência do jogo. Ela impacta na qualidade do que é entregue ao torcedor e na sua experiência no estádio ou pela WEB, pois a TV como conhecemos está com os dias contatos. Pouca audiência significa pouco investimento. A taxa de ocupação e a presença de público nos estádios brasileiros, com exceção à Corinthians, Palmeiras, Vasco e Flamengo, estão longe do que poderiam.
Soma-se a esse terceiro ponto o acesso aos grandes jogos e campeonatos europeus. Quando assistimos a esses jogos e depois aos praticados no Brasil, a sensação que temos é um pouco frustrante, pois além dos nossos grandes talentos jogarem no velho continente ou na ásia, o jogo praticado aqui é mais truncado, com muito mais faltas e poucos lances de habilidade e, quando acontecem, são criticados por técnicos defasados ou zagueiros sem qualidade alguma. Entretanto, a proposta para a nova demarcação do campo não é para nivelar o esporte por baixo, se aplica também para o futebol em alto nível, onde inclusive, seria bem mais impactante para a “satisfação de consumo” do torcedor.
Por perceber o jogo dessa forma o Futbox propôs as seguintes mudanças nas demarcações do campo de futebol. A seguir o passo a passo em ilustrações que iniciam com o campo atual, com o detalhamento das suas medidas, até à proposta final.
Demarcações atuais do campo de futebol
Iniciamos com a grande área, preservando sua largura, mas diminuindo seu comprimento de 16,5m para 13,5m. A distância da cobrança do pênalti permaneceu a mesma, 9,15m do cobrador para os demais jogadores. Com isso a “meia lua” aumentou preservando a sua função, manter o cobrador a uma distância segura para os demais jogadores adversários.
A diminuição da grande área, consequentemente da zona de marcação do pênalti, foi ocasionada pela criação do setor sem impedimento, onde o jogador poderá receber o último passe em qualquer lugar dentro desse setor, sem estar em posição irregular.
Diminuição da grande área e eliminação da pequena área
Introdução do setor SEM impedimento
O setor sem impedimento irá provocar uma mudança tática considerável nos esquemas de jogo, aumentando o número de gols sem descaracterizar a tradição do futebol, pois o impedimento continuará existindo na área nobre, o meio de campo, possibilitando os grandes lançamentos, os passes em profundidade e as penetrações dos laterais e demais atacantes.
Nova demarcação do campo de futebol
A preservação do impedimento foi o alicerce para a proposta da nova demarcação do campo de futebol, como ilustrado nos exemplos a seguir. Abaixo os 11 jogadores de cada time dispostos no campo com as novas demarcações e a área de cobertura dos bandeirinhas. Essa área agora é menor e passa a ser “vigiada” pelos dois ao mesmo tempo, bastando apenas um deles para assinalar alguma irregularidade.
Disposição dos jogadores em campo com a nova demarcação
Algumas situações e comparativos para ilustrar a proposta. Lembrando que nas cobranças de escanteio e arremessos laterais o impedimento continua não existindo.
Situações mais comuns COM e SEM impedimento
Enquanto a tecnologia não abranger todas as divisões, com auxiliares (bandeirinhas ou segundos árbitros) em cabines eletrônicas, por exemplo, erros como a marcação ou não do impedimento ou demais faltas serão muito mais prejudiciais ao jogo/espetáculo do que antes, pois o futebol está muito mais valioso, dentro e fora de campo e com muito mais responsabilidade social em relação à formação de jovens atletas e cidadãos no Brasil e no mundo.
Essas novas demarcações podem contribuir muito para o jogo de futebol, pois reduzirão os erros e aumentarão o número de gols, sem quebrar a tradição do futebol e nenhuma regra atual. Criarão apenas um setor dentro do campo com uma nova possibilidade tática com o intuito de promover o gol, a expectativa máxima de qualquer torcedor de futebol.
ANCHETA, UM DOS MELHORES BEQUES DA HISTÓRIA GREMISTA
por André Felipe de Lima
Estava cansado. E tinha motivos de sobra para chatear-se com os cartolas do Nacional. Afinal, chegara ao tradicional e campeoníssimo clube de Montevidéu com apenas 15 anos. Cresceu e, com a tradicional camisa branca, ajudou o Nacional na conquista de quatro campeonatos uruguaios [1966, 69, 70 e 71] e de uma Taça Libertadores da América [1971] e, de quebra, era titular absoluto da seleção uruguaia. Nada mal para quem era ídolo da torcida e um dos melhores zagueiros de seu tempo e o melhor do mundo em 1970. Mas como tolerar quatro meses sem receber um salário de apenas 1100 cruzeiros, ninharia para sua época? Prêmios por vitória, os chamados “bichos”? Ah, aquela dívida era monumental, algo em torno de 120 mil cruzeiros. Ancheta, definitivamente, cansou. Pediu as contas e decidiu que no Nacional, que devia cerca de 5 milhões de cruzeiros na praça, não ficaria mais.
Se for para ser ídolo, seria em outro lugar, ganhando o que realmente merecia um craque de sua estirpe. Foi assim que, em outubro de 1971, o Grêmio herdou do Nacional aquele que faria de sua trajetória nos campos brasileiros um dos melhores jogadores da história gremista.
Se o Grêmio teve dificuldade para comprar o passe de Ancheta? Nenhuma.
Quem aparecesse com dinheiro na sede do Nacional levava qualquer um dos craques do time. Que tal um Cubillas? Ou um Artime? Quer o Montero Castillo e o “cobra” Espárrago? A “feira” uruguaia era farta. Mas os cartolas gremistas só tinham olhos para Ancheta. E botaram preço.
Luís Silveira Martins e Luiz Carvalho [grande ídolo do passado Tricolor] ofereceram 250 mil cruzeiros, o passe de Chamaco [comprado ao River Plate, em março de 71, por 100 mil] e a renda de um jogo em Porto Alegre que garantisse, no mínimo, 200 mil. A soma de 550 mil foi muito em conta. Ancheta, um craque, à preço de banana. Melhor, impossível. Negócio da China para o Grêmio e um grande alívio para Ancheta. Nem mesmo a disputa do Mundial de clubes, no mês seguinte, contra o grego Panathinaikos, comovera-o. Muito menos a chiadeira da imprensa uruguaia. O El País estampou a manchete “Ancheta, o melhor jogador do futebol uruguaio vai embora”. Já o El Día intimou a Associação Uruguaia de Futebol pra que evitasse que mais ídolos locais debandassem. “Olha, eu tinha direito a 20% sobre o preço do passe. Mas abri mão para facilitar o negócio. Também aceitei receber apenas a metade do que o Nacional me devia em prêmios. Era o único jeito de sair de lá.”
O Nacional acabou campeão do mundo. E Ancheta? Estava muito feliz com a nova casa, em Porto Alegre.
O Inter, quando soube que o Grêmio comprara o passe de Ancheta, então o melhor zagueiro do planeta, tratou de acelerar a vinda do antagonista do uruguaio: o defensor Elias Figueroa, chileno e um dos ídolos do Peñarol, arqui-rival do Nacional.
NA VAGA DE UM ÍDOLO
Atilio Genaro Ancheta Weiguel nasceu no dia 19 de julho de 1948, na cidade de Florida, no Uruguai. Sua primeira experiência futebolística foi aos sete anos de idade, na sua cidade natal, no Clube San Lorenzo, e seu ídolo, desde pequeno, era o zagueiro Emílio Alvarez, do Nacional.
Quando completou quinze anos, foi convidado por um amigo para fazer um teste no Nacional, onde ingressou nas categorias de base como centromédio. Gostava tanto da posição que recusou várias tentativas de o escalarem na zaga. Só se convenceu de que deveria recuar ainda mais quando percebeu que Montero Castillo, grande ídolo do Nacional e titular na zaga da seleção uruguaia, estava em fim de carreira.
Em 1966, já se destacava como um zagueiro seguro e de futebol refinado, incapaz de chutões ou entradas violentas nos atacantes. Após se destacar pela seleção uruguaia na Copa do Mundo de 1970, no México, como um dos melhores zagueiros da competição, ao lado do italiano Cera e do alemão Franz Beckenbauer, Ancheta seguiu para o Grêmio, em 1971.
Fez boas temporadas, mas nada de títulos para o Tricolor, que caía sempre diante do rival, o Internacional de Falcão e Figueroa, ganhador de tudo o que era troféu que via pela frente. Se era de prata e brilhava, o Inter ia lá e papava. Para o Grêmio nada sobrava. Mas para Ancheta, o reconhecimento viria em 1973 — e em dourado —, com a “Bola de Ouro”, da revista Placar , de melhor jogador do Brasil. Nem mesmo os dolorosos cálculos renais impediam-no de jogar. Curvava-se de tanta dor, mas não dava moleza para atacante algum.
No ano seguinte, o melhor zagueiro do planeta queria disputar novamente a Copa do Mundo, mas o Grêmio não queira liberá-lo para a seleção do Uruguai. “Então os dirigentes uruguaios ficaram irritados comigo e disseram que eu não era patriota. Quando fui a Montevidéu para explicar, ninguém quis me ouvir, não me deram microfones nem espaço nos jornais”. Somente três anos depois do episódio, Ancheta comentou o imbróglio entre os cartolas do Uruguai e do Grêmio.
Em 1975, quando o rival conquistou o primeiro título nacional de sua história, o Grêmio quase entrou em colapso e Ancheta com ele. O jogador vivia às voltas com uma série de lesões. Ficou até 90 dias fora de ação e por pouco não venderam seu passe ao Fluminense. A imprensa especulava e a torcida também. Diziam que Ancheta pedia para não jogar e que o seu caso estava mais para um psiquiatra que para um técnico de futebol. Havia exagero? Evidentemente que sim, mas Ancheta realmente trocou uma ideia com um psiquiatra. O próprio craque confirmou, na ocasião, a história, dizendo-se amigo do médico, mas sem sequer saber o nome do camarada. Há explicação para — se é mesmo que existe — a teoria do ato falho? Freud talvez explique. Ancheta tratou, porém, de encontrar solução caseira para suas contusões, que o perturbavam desde os tempos de Nacional, como a calcificação óssea na coxa direita que o obrigou a uma cirurgia.
A quem garantisse que o tal “problema psicológico” de Ancheta começou quando ele perdeu a bola para o ponta Valdomiro, que acabou marcando o gol do título estadual do Inter, em 1974. Ou seja, Seria o Gre-Nal o maior tabu na carreira de Ancheta?
Sua fibra em campo nunca foi questionada, mas o jogador começou, nos primeiros meses de 1976, a enfrentar um novo problema físico que muito o incomodava: uma insuportável dor nos quadris. Como era magro, os constantes choques com jogadores adversários provocavam dores na região. Por conta disso, ficava fora do time por alguns jogos seguidos. Para contornar a situação, chegou a usar uma grossa faixa de espuma na cintura durante as partidas e até treinos.
Parece que a solução de Ancheta dera certo. Para ele e todo o time do Grêmio, que, no dia 28 de julho, acabou campeão do primeiro turno do Campeonato Gaúcho para cima do Inter. Seria aquela vitória o começo do fim do jejum de títulos estaduais?
Naquela partida, Dario, o “Dadá Maravilha”, centroavante colorado, elogiou Ancheta. O zagueiro retribuiu a gentileza: “Gostei do Dario. É um cara sensacional”. Mas a recente amizade — se realmente podemos afirmar que há alguma entre um zagueiro e um centroavante — acabaria prematuramente em outro Gre-Nal, do qual o Inter saiu vencedor e, de quebra, campeão do segundo turno. Talvez a vitória não compensasse o estado em que Dario se encontrava quando deixou, mancando, o campo. O saldo foi um olho inchado e a orelha esquerda inchada. O clássico, que de clássico não teve nada, foi uma verdadeira guerra. Hermínio e Falcão, do Inter, e Eurico e Alcino, do Grêmio, foram expulsos, onze receberam cartão amarelo e Dario prometeu vingar-se de Ancheta, que, segundo o centroavante, chutou-lhe, com vontade, a bunda. “Já se viu disso? Senti a dor mais terrível da minha vida. Cansei de apanhar e bati nele. E tem mais: ele não perde por esperar. Depois dessa, posso afirmar que nunca senti um título tão perto.”
Dario cumpriu a ameaça e o Inter levantava novamente o caneco de campeão gaúcho. Ancheta, eu detestava que o comparassem ao chileno Figueroa, zagueiro e ídolo colorado, teve de engolir seco. Um dia haveria de ir à forra, mas como campeão. Quando Figueroa chegou ao Inter, ingressou em um time que já era campeão e que conquistaria o Brasil. Definitivamente, o melhor time nacional dos anos de 1970 foi o Inter de Falcão, Figueroa e companhia. Já Ancheta veio para um Grêmio sempre atrás do rival. Não foi fácil para ele aturar as comparações com o craque do Inter, que existiam desde o duelo entre ambos, quando defendiam Nacional e Peñarol.
Mesmo sem conquistar títulos com o Grêmio, o clube proporcionou a paz de espírito e a grana necessária para que Ancheta fizesse um bom pé de meia. Na mesma época das seguidas contusões, acabara de comprar uma mansão e três casas no Uruguai e trocara um apartamento em Camboriú, no litoral catarinense, por um posto de gasolina.
Custou a ser campeão pelo Grêmio, o que aconteceu somente em 1977, ao erguer o troféu do Campeonato Gaúcho. Apesar de ser um dos homens de confiança do treinador Telê Santana, Ancheta não disputou o jogo que garantiu o título ao Grêmio. Até hoje especula-se que o zagueiro foi sacado do time na final, dando lugar a Cassiá, por tremer em Gre-Nais. Maldade. Ancheta nunca tremeu contra o Inter. Dario que o diga.
Após o título de 77, o zagueiro, que se naturalizou brasileiro em 1976, conquistou os campeonatos estaduais de 1979 e 80, este último na reserva do jovem Newmar.
Após nove anos no Olímpico, Ancheta deixou o Grêmio sob uma indisfarçável amargura. “Não pelo Grêmio, que tem um ambiente sensacional, mas pelo que perdi financeiramente. Hoje sei que poderia ter ganho 50 por cento mais se tivesse saído antes”. Ancheta deixou o Grêmio para defender o Milionários, da Colômbia, em 1980. No ano seguinte, voltou ao clube que o projetou: o Nacional.
Não foi uma estada amena. O clima com o técnico Basile azedou e Ancheta mostrou-se disposto a sair novamente do Nacional. Dono do próprio passe, Ancheta recebeu proposta do São Paulo, em agosto de 1982, com aval do treinador do Tricolor paulista, Poy.
A situação no Nacional foi contornada e Ancheta permaneceu no clube de seu coração para lá encerrar, em dezembro de 1982, uma extraordinária carreira de craque e de ídolo do futebol uruguaio e, por que não, brasileiro. Retornou a Porto Alegre em 1983. Tornou-se empresário até 1987, quando resolveu ser auxiliar técnico, no ano seguinte, do Clube Avaí de Florianópolis, onde se consagrou campeão estadual. Em 1996, começaram as reverências ao legado esportivo de Ancheta: colocou os pés na calçada da fama do Grêmio e recebeu um troféu de “Gaúcho Honorário”. No ano seguinte, outro troféu de reconhecimento por ter sido o melhor zagueiro central da seleção uruguaia nos últimos 25 anos. Em 1998, o Nacional o considerou um dos melhores atletas de sua história. Com a camisa da celeste olímpica, Ancheta entrou em campo 20 vezes.
Aposentado, o ex-zagueiro “descobriu-se” cantor de boleros. E o faz até hoje em clubes e churrascarias. Já gravou, inclusive, alguns CD’s, mas não deixou o futebol de lado. Administrou uma escolinha no clube Força e Luz e arrumou um “bico” na TV Pampa, canal 4, de Porto Alegre, como comentarista esportivo.
Ancheta tornou-se uma lenda do futebol gremista. Quem o viu em campo, garante: uma zaga de sonhos seria Ancheta e Aírton Pavilhão. Realmente seria extraordinário. Sonhar, afinal, não custa nada.
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