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DO SARRIÁ AO MINEIRÃO: UMA LUZ NO FIM DO TÚNEL DO TEMPO

por Pablo Lima


No filme “Meia-Noite em Paris”, o renomado cineasta Woody Allen lida com a questão do tempo de maneira irônica e nada trivial. Na história, o protagonista entra em uma máquina do tempo e viaja até a Paris de 1920, onde realiza o sonho de conhecer seus maiores ídolos, como Ernest Hemingway, Cole Porter e Salvador Dalí, e alterar a sua vida refazendo um novo passado. O problema é que, ao chegar lá, ele se apaixona por uma mulher que também quer voltar no tempo e conviver com artistas de épocas mais remotas, como os pintores Paul Gauguin e Toulouse-Lautrec.

Woody Allen levanta a questão sobre até onde é válido prezar o passado a ponto de querer alterá-lo, e como cada indivíduo cria, em sua própria linha do tempo, um lugar de referência que julga ser o momento crucial de suas vidas.

Traçar paralelos entre a sétima arte e a primeira delas – no caso a melhor das artes, aquela existente dentro das quatro linhas, nem sempre soa como agradável. E no túnel do tempo do futebol, as nossas referências trariam a companhia de Falcão, Zico e Sócrates; ou Neymar, Marcelo e Júlio César? Onde dói mais, a ferida de 1982 ou a de 2014?


Brasil x Itália 


Brasil x Alemanha

Para boa parte dos boleiros, o selecionado que tombou no estádio Sarriá durante a Copa do Mundo de 82 representou a maior dor possível para os fãs do futebol brasileiro. Quantos de nós não voltaríamos no tempo se pudéssemos alterar a realidade e ver a seleção brasileira triunfar na Copa da Espanha, há exatos 35 anos? Aquela taça erguida seria a glória do time perfeito que não venceu.


A derrota para a Itália sacramentou o fim do futebol-arte no país, e treinadores teriam criado desde então o chamado futebol de resultados: é o que diz um discurso recorrente entre os especialistas da bola.

Mas há quem diga que o fatídico 7 a 1, placar da derrota para a Alemanha conhecida como o “tragédia do Mineirão”, ocorrido na Copa de 2014, teria sido o nosso maior fracasso. Ninguém em sã consciência imaginou que a nova chance de vencer o Mundial em casa nos traria o mais impensado dos desastres, que acabou acontecendo de maneira ainda mais trágica que a primeira. Barbosa & cia, os vilões de 1950, que nos desculpem, mas o “Mineiraço” machucou muito mais.

As reflexões sobre grandes derrotas são sempre complexas e repletas de indignação. Como se o caminho do revés não fosse permitido aos grandes e a digníssima Copa do Mundo não reinasse célebre em puxar o tapete dos escretes tidos como imbatíveis – vide a Hungria em 54; os holandeses, favoritos em 74 e 78; e mesmo a Alemanha, nosso maior algoz, perdendo em casa em 2006.


Fato real é que o futebol brasileiro, tombado ou não, teimou em brilhar no intervalo entre as Copas de 1982 e 2014. Nomes como Bebeto, Romário, Aldair, Taffarel, Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho, Jorginho, Branco, Leonardo, Denílson, Cafu e Roberto Carlos levantaram o troféu mais cobiçado do futebol. Será que não teríamos motivos para valorizar uma gama de incontáveis triunfos, que serviriam para compensar as perdas? Ou priorizar um passado de derrotas soaria mais adequado às nossas mazelas mais profundas?

De Zizinho a Neymar, de Falcão a Robinho, de Leônidas da Silva a Ademir da Guia, lamentosos seremos sempre dos infortúnios dos craques brasileiros com a camisa canarinho. Se Nelson Rodrigues afirmou que “o futebol é passional porque é jogado pelo pobre ser humano”, a nossa passionalidade – ou pobreza – não conseguem permitir grandes fracassos no gramado.

 E você, para onde iria em sua máquina do tempo? Voltaria três anos ou trinta e cinco anos para alterar os rumos da história do futebol? Chegaria ao Sarriá ou ao Mineirão?

AS CELEBRIDADES VESTEM CAMISAS

por Idel Halfen


Tem sido bastante comum ver celebridades internacionais vestindo camisas de times de futebol brasileiros quando visitam nosso país.

Vejo essa ação bastante interessante para o clube, pois consegue um bom retorno de mídia espontânea para sua marca, para seus patrocinadores – inclusive internacionalmente – e se associa ao ídolo aqui presente. 

Para que tais resultados ocorram é fundamental que a camisa seja respeitada, o que parece óbvio, porém não custa lembrar o incidente ocorrido com o baterista da banda Red Hot Chilli Peppers que, ao receber a camisa de um clube carioca, fingiu utilizá-la como papel higiênico.
Voltando à associação entre marcas, não creio que haja um estudo detalhado para avaliar se a imagem da celebridade é sinérgica ao posicionamento adotado pelo clube, contudo se consegue exposição e talvez até atraia simpatizantes que tenham a tal celebridade como ídolo, isso sem falar num eventual aumento de demanda pela camisa.

Diante desses benefícios, muitos até poderão questionar se a ação não pode vir a ser considerada como uma espécie de ambush marketing, o popular marketing de emboscada.

Em minha opinião é sim, afinal de contas os clubes estão auferindo benefícios sem terem pagos por eles. Caberia aqui como defesa para o clube, o fato de estarem se antecipando a um rival nesse tipo de iniciativa – uma espécie de legítima defesa do ambush marketing –, ou que não tiveram participação na operação, pois ele pode ter sido executada por algum torcedor.


Ainda pelo lado dos clubes, é importante contemplar a situação em que a própria celebridade, encantada com a beleza da camisa e a história vencedora da equipe, resolve comprar o material para vestir sua família. Apesar de relativamente raro, isso ocorreu na visita do goleiro Buffon ao Rio de Janeiro, onde o jogador comprou o uniforme do Fluminense para seus filhos.

Aproveito a menção à ingerência do clube para questionar se os patrocinadores que têm suas marcas nas camisas desses times são consultados quando a iniciativa parte assumidamente pelo clube. Dentro de um preciosismo, que reconheço fazer parte de um mundo “ideal”, penso que deveriam, pois certas celebridades podem não possuir uma imagem que a empresa almeja associar a sua marca. 

Depois de abordado o lado dos clubes e dos patrocinadores, passemos para o lado das celebridades. 

Não sei até que ponto há uma preocupação por parte dessas celebridades e de seus empresários quanto à exploração – sem remuneração – e quanto à possível rejeição que um ato, aparentemente inocente, possa despertar nos fãs.

Particularmente, não vejo com bons olhos essa atitude, tendendo a achar que os benefícios não compensam os riscos que as celebridades correm no calor da ação.


Sendo que os riscos não se resumem à eventual rejeição ou algum desalinhamento de posicionamento, havendo também que ser ventilada a hipótese de um eventual conflito de patrocínios, pois muitas vezes a celebridade veste uma camisa cujos patrocinadores ali expostos são concorrentes dos seus patrocínios individuais.

Diante das argumentações acima, é razoável admitir que a operação “vestir celebridade” tem um bom potencial de retorno, carecendo de uma formatação que permita tanto à celebridade quanto aos clubes auferirem ganhos, salvaguardando os eventuais problemas de conflito de interesses, exclusividade ou mesmo de mau uso da camisa.

 

HÁ 60 ANOS, A PRIMEIRA VEZ DO PELÉ

por André Felipe de Lima


Há 60 anos, exatamente no dia 7 de julho de 1957, Pelé vestia a camisa da seleção brasileira pela primeira vez. Isso aconteceu em um jogo contra a Argentina, no Maracanã, valendo a primeira partida da disputa da Copa Roca entre brasileiros e argentinos. Perdemos a peleja pelo placar de 2 a 1, mas Pelé, que entrou no lugar de Del Vecchio, logo na estreia, deixou a sua marca de goleador implacável e assinalou o único tento canarinho.

Pelé foi tão bem no jogo que acabou titular na partida seguinte, realizada no Pacaembu três dias depois da estreia. Com um gol do nosso eterno camisa 10 e do atacante Mazzola vencemos a Argentina por 2 a 0 e levamos a taça.

Infelizmente, não conseguimos o registro de áudio da estreia do Pelé, mas o do jogo do dia 10 de julho de 1957, o do título, sim, nas vozes de Edson Leite, como narrador, e Fiori Gigliotti, como repórter.

FICHA TÉCNICA DOS DOIS JOGOS DA COPA ROCA DE 57

07/07/1957 (16h)
BRASIL 1 x 2 ARGENTINA
Local: Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro (Brasil). Público: 80.000 espectadores.
Árbitro: Erwin Hieger (Áustria). Assistentes: Guálter Gama de Castro (Brasil), José Monteiro (Brasil).
Gols: Labruna, aos 30; Pelé, aos 76; Juárez, aos 77.
BRASIL: Castilho, Paulinho de Almeida, Bellini, Jadir e Oreco; Zito (Urubatão, aos 70) e Luisinho; Maurinho, Mazzola (Moacir, aos 46), Del Vecchio (Pelé, aos 46) e Tite. Treinador: Sylvio Pirillo.
ARGENTINA: Carrizo, Pizarro e Vairo; Gianserra, Rossi (Guidi, aos 77) e Urriolabeitia; Oreste Corbatta, Herrera (Antonio, aos 70), Juárez (Blanco, aos 41), Labruna e Moyano. Treinador: Guillermo Stábile.

10/07/1957 (20h45)
BRASIL 2 x 0 ARGENTINA
Local: Estádio do Pacaembu, em São Paulo (Brasil). Público: 38.441 espectadores.
Árbitro: John Husband (Inglaterra). Assistentes: Antonio Musitano (Brasil), Catão Montes Júnior (Brasil).
Gols: Pelé, aos 20; Mazzola, aos 57.
BRASIL: Gilmar, Djalma Santos, Bellini, Jadir e Oreco; Zito e Luisinho; Maurinho, Mazzola (Del Vecchio, aos 61), Pelé e Pepe. Treinador: Sylvio Pirillo.
ARGENTINA: Carrizo (Musimessi, aos 69), Biaggioli e Vairo; Gianserra, Rossi (Guidi, aos 87) e Urriolabeitia; Oreste Corbatta, Juárez, Herrera (Antonio, aos 46), Labruna e Sesti. Treinador: Guillermo Stábile.

OS PROLETÁRIOS DA BOLA

por Igor Serrano


O futebol como conhecemos hoje em dia tem seu cerne na Inglaterra no ano de 1863 com a fundação da Football Association e o estabelecimento das regras do esporte. Embora a entidade tenha sido fundada por membros da elite inglesa, o futebol inglês rapidamente se tornou um esporte de massa, principalmente das muitas fábricas e operários.

No Brasil, por sua vez, a religião pagã (como diria Eduardo Galeano) foi trazida graças a alguns jovens da aristocracia que foram enviados para estudar na Europa e ao regressar trouxeram livros de regras, bolas e demais equipamentos para a prática.

O que poderia ser uma importante ferramenta de integração de classes sociais em um país recém-liberto da escravidão e com pouco tempo de República instaurada, na verdade foi transformado em instrumento de segregação das camadas populares, de exaltação à elite e fomento ao racismo.

Ao confrontarem este panorama, alguns clubes tiveram grande destaque na história do futebol brasileiro. Um deles ficaria marcado para sempre, inclusive, por ser o responsável por escalar o primeiro jogador negro do futebol brasileiro: Francisco Carregal, em 1905. O nome da equipe? The Bangu Athletic Club!


Mas tal fato histórico nunca teria acontecido se não fosse o entusiasmo de Thomas Donahoe, escocês, um dos funcionários da Fábrica Bangu (localizada na então zona rural da Freguesia de Campo Grande) para fomentar a prática do futebol nos arredores fabris. Em 1904, com a autorização da Direção, foi fundado o Bangu A.C. a partir dos trabalhadores da citada indústria têxtil, prática muito comum na Europa, em especial na Grã-Bretanha, de onde vieram Donahoe e mais vinte e um ingleses.

Todo este panorama, em especial o pioneirismo da escalação de Carregal e a fundação de um clube operário em uma época de futebol dominado pela elite carioca, é contado em “Os Proletários da Bola: The Bangu Athletic Club e as lutas de classes no futebol da Primeira República (1894-1933)” de Gustavo Santos, que será lançado na próxima sexta-feira às 19h no Rio de Janeiro (Bistrô Multifoco: Av. Mem de Sá 126 – Lapa) pela Editora Multifoco (Selo Drible de Letra).

Indagado sobre a motivação para escrever a obra, o autor declarou:

Considero que toda pesquisa histórica nasce de uma preocupação do presente, uma História de fato como ciência, não como literatura ou romance deve ter uma preocupação de um problema social em que vai se buscar elucidar tais problemas através de elementos do passado. É como se estivessem estudando elementos embrionários de um determinado corpo que se formou ao longo do tempo, e estudando esses elementos germinais permite-nos entender melhor o por quê tal corpo se configurou de tal forma, assim como os elementos do presente e do distanciamento histórico permitem elucidar fenômenos mais nebulosos da História.


Partindo dessa premissa, três fatores me levaram a essa pesquisa. O primeiro foi a inauguração do monumento a Thomas Donohoe no Shopping Bangu (antiga Fábrica Bangu), pois sempre me incomodou essa perspectiva da introdução do futebol no Brasil através dos impulsos pioneiros, de homens a frente de seu tempo que edificaram o futebolà partir “do nada” nessas sociedade, seja com Charles Miller, Oscar Cox ou mesmo Donohoe. O segundo problema consistiu na carência que verifiquei de uma abordagem marxista à história social do futebol brasileiro, pois há interpretações pelas mais diversas vias, mas nenhuma praticamente que busque compreender o futebol dentro de um contexto mais amplo da economia e do desenvolvimento da sociedade. A terceira questão foi dar uma pequena contribuição para estimular esse sentimento das raízes operárias à torcida do Bangu, contribuindo no sentido do torcedor entender um pouco mais o que moldou a identidade de seu clube, isso num contexto atual em que os diversos aspectos do futebol foram plenamente dominados pela lógica mercadológica, inclusive o ato de torcer que se esvai os ritos e símbolos, e fica apenas o consumo. A figura do consumidor substituiu o torcedor. Assim uma compreensão histórica da formação social do futebol contribui de alguma forma a analisar criticamente os problemas a que chegaram o futebol de hoje.

Falando da pesquisa em si, ela consistiu em buscar que elementos históricos permitiram que nascesse um clube como o Bangu numa conjuntura em que o futebol era um monopólios das elites, um clube operário, localizado numa Fábrica praticamente isolada do resto da cidade, e que ainda aceitava negros, poucos anos após a abolição da escravidão no país.

Para isso eu compreendi em que constituir apenas uma narrativa de micro-história do clube do Bangu durante o período seria insuficiente, então busquei compreender o Bangu num contexto mais amplo, abarcando a ligação da inserção do futebol na sociedade brasileira através penetração dos capitais ingleses no país (sendo a Inglaterra o pai do futebol com regras unificadas). Em uma conjuntura em que o Brasil saia das relações de produções escravistas para relações assalariadas e passava a formar seu capitalismo de estilo sui generis, um capitalismo dependente ao centro do imperialismo (Inglaterra, e posteriormente pós a Segunda Guerra, os EUA). Assim busquei entender o futebol sendo inserido no Brasil como um reflexo dessa lógica econômica, e a partir daí fui reduzindo a escala de observação, onde podia notar aspectos como: Que conteúdos ideológicos estavam sendo inseridos na disseminação da prática aqui no país, ou entender melhor a composição da classe operária pluri-nacional de Bangu, e depois dessa análise contextual fui fazendo propriamente estudos de caso, observando como o futebol durante todo aquele período foi um centro de eferverscência de lutas políticas e de organização de classe, tanto para a classe operária como no caso do Bangu, como no caso dos clubes das elites, em que almejavam que o futebol fosse um meio de distinção, onde se desenvolveram embates entre esses dois meios distintos, à qual qualifico como uma luta de classes. 

Depois desse segundo movimento pude retornar a escala macro, e pensar o futebol como imagem-síntese da sociedade contemporânea“.

Imperdível para todos os amantes do futebol!