SANDRO GOLEADOR
por PC Guimarães
“Numa partida de futebol soçaite, no clube dos 30, o jornalista Armando Nogueira não dava a bola para ninguém, insistindo em dribles seguidos. E tanto driblou que acabou advertido por Garrincha, um dos participantes do jogo:
– Para de driblar, Armando!
– Logo você reclamando de quem dribla? – protestou o jornalista.
– Mas eu sei, né? retrucou Mané ainda na bronca. ” Sandro Moreyra)
A história abaixo foi contada pelo saudoso jornalista Villas-Boas Corrêa no Jornal do Brasil um dia após a morte de Sandro Moreyra e está reproduzida no livro “Sandro Moreyra – Um autor à procura de um personagem”. Era sobre um amigo de Sandro, “fanático por futebol, pelo espetáculo e pelo esporte”, que equipou o seu sítio em Correias, na serra do Rio, com “um campo cuidado, gramado impecável, refletores, vestiários.” Até que…
“O time da casa, treinando e jogando todo fim de semana, ganhou conjunto e fama, emplacando invencibilidade de mais de ano. Sandro Moreyra lá esteve para assistir a um dos jogos domingueiros contra time de fora. Aplaudiu a vitória, elogiou tudo mas, diante da invocação da invencibilidade, insinuou a provocação:
– Tenho um time de amigos que ganha do de vocês.
Logo se acertou o desafio para o domingo seguinte, com apostas e feijoada.
“No outro domingo, época de férias dos jogadores, Sandro comparecia com o time dos amigos. Campo pequeno, time de cinco: goleiro, um zagueiro e três no ataque. A escalação do time de Sandro começava com Manga no gol, Nílton Santos de zagueiro e, na linha, Garrincha, Zizinho e o próprio Sandro, craque de praia e de peladas. Surpresa, tímidos protestos, Sandro justificando-se de que o time era exatamente formado por seus amigos. Com meia hora, o invicto amargava uma goleada de 13 a 0. Sandro, servido pelos amigos, foi o goleador.
A feijoada começou mais cedo.”
Se Sandro Moreyra estava mesmo com essa bola toda não ficou ninguém pra contar. Seu irmão João Paulo, poucos meses antes de morrer, me contou apenas que Sandro era atacante e ele era beque. Mas poucas vezes se cruzaram em campo. A julgar pelas fotos de Sandro com um companheiro não identificado no time do Ipase e na formação clássica no time de praia com os então jovens amigos João Saldanha e Sérgio Porto, até que levava pinta. O que ficou como sempre foram suas histórias. Logo cedo pendurou as chuteiras e trocou o calção pela sunga. Sua praia acabou sendo outra. A que sempre o manteve bronzeado durante os 365 dias do ano e as redações onde no início ia pouco e com o tempo se transformaram no seu lugar de fazer e de lazer.
Seus dois maiores gols que ficaram para a história foram suas duas filhas, Eugênia e Sandra, por quem era apaixonado. Muito mais do que pelo próprio Botafogo.
curriculos4































“GRANDES SÃO OS OUTROS. O FLUMINENSE É ENORME”
por André Felipe de Lima
Faria anos hoje o genial dramaturgo, cronista, jornalista e, acima de tudo e de todos, o que convencionamos como o amor mais genuinamente traduzido em Fluminense. É festa para o “profeta tricolor” Nelson Rodrigues, que nasceu em Recife, no dia 23 de agosto de 1912.
Pernambucano na carne, mas com uma vocação carioca que muitos que aqui no Rio nasceram jamais tiveram. Aos quatro anos, mudou-se para a cidade que amou incondicionalmente e que dela fez palco para sua produção magistral. Mais que isso. Nelson fez do Rio o Fluminense, e do clube das três cores o óbvio e ululante amor de sua jornada. Amou-o mais que a si mesmo, mais que as mulheres de sua vida e filhos que acariciou. Amou o Fluminense de cabo a rabo, do paraíso ao inferno, no sol e na chuva. Amou-o com o calor das palavras tendo como única confidente dessa paixão a sua máquina de escrever, de onde brotaram estribilhos e odes ao seu Fluminense.
Abaixo, algumas declarações rodrigueanas ao Tricolor:
“Se o Fluminense jogasse no céu, eu morreria para vê-lo jogar.”
“Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.”
“O Fluminense não nasceu para ser unanimidade nem massa de manobra do interesse demagógico das elites opressoras. O Fluminense nasceu para atravessar a harmonia do bloco dos contentes. Nasceu para incomodar o senso comum. Essa é a nossa sina.”
“Pode-se identificar um Tricolor entre milhares, entre milhões. Ele se distingue dos demais por uma irradiação específica e deslumbradora.”
“A Grande Guerra seria apenas a paisagem, apenas o fundo das nossas botinadas. Enquanto morria um mundo e começava outro, eu só via o Fluminense.”
“Se quereis saber o futuro do Fluminense, olhai para o seu passado. A história tricolor traduz a predestinação para a glória.”
“O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade…tudo pode passar…só o Tricolor não passará jamais.”
“Sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, muito antes da presente encarnação.”
“Uma torcida não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento. E a torcida tricolor leva um imperecível estandarte de paixão.”
“Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode – e nem se deseja – fugir.”
“O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade…tudo pode passar…só o Tricolor não passará jamais.”
“O Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente!”
Nelson Rodrigues não era daqui. Nasceu em outra dimensão, em outro planeta, onde brilham no céu o grená, o branco e o verde. Para ele, isso bastava.
NÃO ADIANTA TENTAR VENDER, EU NÃO QUERO COMPRAR
por Mateus Ribeiro
Quem acompanha meus textos sabe que detesto muitas práticas da imprensa esportiva. Na verdade, desprezo, abomino e repudio praticamente tudo que a mídia em geral anda fazendo nos últimos tempos. Seja pelo jornalismo engraçadinho, seja pelas análises parciais, seja por comentarista inventando craque para defender interesse pessoal, seja o motivo que for, assistir ou ler qualquer coisa da imprensa me causa uma arrependimento gigantesco por um dia ter aprendido a ler. Sinceramente, cheguei em um ponto que achei que as coisas não pudessem ficar piores.
ACREDITE, CONSEGUIRAM PIORAR. Todos se lembram do insuportável boom que foi a contratação de Neymar. Desde o “mistério” (que não enganou ninguém) sobre sua possível ida para Paris, até a assinatura do contrato, foram dias cruéis para quem busca informações relevantes e interessantes sobre o futebol. Cheguei a cometer a inocência de imaginar que depois de passado todo esse fricote por parte da mídia, as coisas fossem dar uma pausa. Ledo engano. Tudo virou um inferno.
Chegamos no ponto que a REDE GLOBO cogitou transmitir a estréia do atacante pelo clube francês. Duvida?
Globo desiste de transmitir estreia de Neymar no PSG e exibirá Brasileirão
A Globo desistiu da estreia de Neymar no PSG na TV aberta e optou por transmitir a partida entre Vasco e Palmeiras…
De semanas pra cá, periga você ligar a TV no programa da Ana Maria Braga e encontrar alguma reportagem falando sobre o look de Neymar. Ou então, que façam um programa de cinco horas falando sobre seus dias de PSG, para ser transmitido no lugar da famosa Retrospectiva. Até aí, tudo normal, pois esse tipo de jornalismo para imbecil faz bastante sucesso no Brasil. O que me deixou realmente com a cabeça desgraçada foi o que grande parte da imprensa esportiva anda fazendo. Estão tentando criar um heroi nacional.
Que o Neymar é bom, não há dúvidas. Todo mundo sabe. Ele realmente é bom pra cacete no que faz. Porém, não dá para você ligar a televisão e de cada 10 palavras, ouvir 11 vezes o seu nome. E também não é muito legal essa tentativa de mostrar todo seu lado irreverente, ou seu espírito de liderança. Qualquer um que acompanhou sua trajetória, desde os tempos de Santos, sabe que alguns fatos acabam com a possibilidade dele ser esse ídolo que tentam vender a imagem: Neymar sempre foi um tremendo de um arrogante dentro de campo, além de ser um baita de um cara plastificado. Nada nele é verdadeiro, nada ali é feito sem que role uma cara ou uma boca para as câmeras. Desde suas comemorações até seus pitizinhos, nada ali é feito sem algum interesse por trás, ou é espontâneo. E não adianta essa patrulha da Globo/Sportv tentar vender essa imagem de intocável.
Eu imaginei que essa blitzkrieg para transformar um de seus cartões de visita em um Super-Homem da Nova Era fosse ser constante (e realmente vem sendo). Estou desapontado, porém, nada surpreso.
Novamente, achei que havíamos chegado no limite. Novamente, fui tapeado. A turminha da caneta e do microfone está fazendo algo que subestima muito a inteligência do telespectador (ou de qualquer pessoa que tenha estômago). Acredite você ou não, estão tentando vender a ideia de que o Campeonato Francês é interessante e competitivo.
NÃO! PELO AMOR DE QUALQUER DIVINDADE! NÃO FAÇAM ISSO CONOSCO.
O Campeonato Francês é chato. Extremamente desagradável. Nível técnico baixo, times que lutariam pra não cair no Campeonato Paulista. Jogadores de terceiro escalão mundial jogando por times de quinta categoria, disputando um campeonato nacional que não serve de parâmetro para absolutamente nada. Como se não bastasse o campeonato ser uma baita de uma chatice, agora ele fica nas mãos de um ou outro time. Se até um tempo atrás, o BAGUETÃO era o campeonato com o maior Número de equipes campeãs, daqui pra frente teremos o PSG campeão em 90% das vezes, e o Mônaco fica com o restante. Eu não debato sobre a hegemonia, se o time tem dinheiro para comprar meio mundo e ganhar esse campeonato horroroso, que o faça. Não acho ruim. O que não dá para engolir (nem com cachaça) é jornalista pseudo sério falando essas asneiras de que o campeonato é competitivo.
Não é competitivo. Muito menos legal. Qual a graça de assistir a um jogo que você sabe o time vencedor? Qual a graça de assistir o Lille perdendo para o Caen? Sério, não dá pra ser feliz com o Campeonato Francês. Talvez o único país que tenha uma liga tão insuportável seja a Espanha. E imagino que Messi e Cristiano Ronaldo ocupem o lugar de Neymar em seus países.
Eu até entendo que por ser PARÇA do Neymar, a imprensa o apoie bastante. Mas não é por causa disso que o internauta e o telespectador (que pagam caro pela internet e pela TV por assinatura) tenha que ser submetido a essa overdose de Neymar e de mentiras sobre as peladas que ele vai disputar por lá.
Todos sabemos que ele vai fazer 500 gols, que será pentacampeão (aí depois de cinco temporadas tomando pau na Champions, vai fazer biquinho e bater o pé para sair), e tudo o mais. Porém, não queremos ver seus lances 300 vezes no mesmo jornal, não queremos que tentem transformar um jogador de futebol (o maior brasileiro em muitos anos, é bom que se diga) em um ícone. Muito menos queremos essa lavagem cerebral que tenta nos convencer que o Campeonato Francês seja alguma coisa além de tenebroso.
Trocando por miúdos: o Campeonato Francês é uma desgraça em 360 graus, e ninguém que seja sério se interessa. Não precisa nos incomodar.
Não adianta tentar vender tudo isso, que seja sobre Neymar ou sobre a Ligue 1. Eu não quero comprar. Espero que vocês também não.
Aquele abraço, e até a próxima.
MANIFESTO CONTRA AS EMOÇÕES SINTÉTICAS NA VÁRZEA
por Marcelo Mendez
Esse texto é uma afronta!
Soará como uma bifa na venta daqueles que entendem que o pragmatismo óbvio e ululante é a coisa mais importante do mundo. Uma enorme provocação aos cérebros cansados daqueles que imaginam que o mundo pode ser salvo a partir de falácias “liberaloides” e outras mentiras que nada mais fazem a não ser engessar o verbo.
Uma critica contumaz contra aqueles que imaginam que podem tudo contra a poesia.
Não podem!
Vivemos em tempos bicudos, onde a truculência tenta vencer o argumento, uma época onde para alguns, de nada vale o verso. Em detrimento disso querem metas, boletos e afins. Não. Não será assim.
Por essas linhas escorrerá toda indignação vinda daqueles que lutam para que se mantenham encantos ante a odes de repugnância. Um tratado de fé para quem só beija o rosto de quem dá mais valor para o beijo, do que cem mil réis.
Meu salve pra você, Wally Salomão!
Falemos então de futebol de várzea.
Na cidade de São Paulo do começo do século XX, onde tudo era muito pobre nas periferias e não havia nenhuma opção de lazer, os campos da várzea do Glicério surgiram no centro da cidade. Neles, se perpetuou o que pode haver de mais democrático na pratica esportiva. Pretos, brancos, pobres, japoneses, espanhóis, alemães, italianos, libaneses, turcos, todo mundo podia chegar com seu time, ocupar o espaço público e bater sua bolinha.
A coisa tomou uma proporção tão grande e tão contumaz que a partir daí se formou um estilo: O Futebol de Várzea.
Pelos campos de terra espalhados por todas as periferias da cidade, homens suados em suas camisas de pano grosso e suas chuteiras de pregos usavam a velha bola de capotão para criar as mais belas histórias de bola que se viu, ouviu e que não se viu principalmente. Era parte do encanto o bate papo sobre a pelota e ali se formaram milhões de cronistas.
Aí o mundo resolveu mudar. Nada contra isso, imaginem. A discussão aqui é outra, falamos da distopia que vem a partir dessa mudança e o que ela ocasiona em setores da sociedade. No caso do futebol de várzea, a coisa veio em uma de suas formas mais abjetas:
O campo de grama sintética. O nome por si só já é auto-explicativo; “sintético”
Agora, em um chão de borracha, forrado por uma grama de plástico verde, com linhas pintadas por tinta acrílica se inventou que o jogo de futebol deve acontecer sob o argumento de umas facilidades na pratica da coisa. E quem disse que o futebol de várzea está atrás dessas “facilidades”? A lógica da grama sintética é perversa.
No lugar dos arrabaldes do mundo onde se podia jogar bola com qualquer duas pedras fazendo as traves, temos quadras pagas com horários pré-definidos em um troço que se chama “Futebol Society”. Nome auto-explicativo de novo…
Eis que um gênio desses aí resolveu levar essa porcaria para a várzea. Então agora, tudo por lá passa a ser sintético. Os zagueiros não canelam mais seus atacantes, os chutes são de mentira, os suores são limpinhos, as chuteiras não têm mais travas e os jogos não têm graça. Um horror.
Em detrimento a isso, a crônica de hoje, muito mais que uma homenagem, será um manifesto em prol do que é verdadeiro, do que é a várzea em si. Contra toda a artificialidade de quem acha que pode estender um tapete de plástico em cima da poesia. Acho justo até que tentem.
Desde que o estendam longe do futebol de várzea…