VINTE E TRÊS ANOS DE AMOR
por Mateus Ribeiro
Vinte e três anos de muito amor e saudade. Vinte e três anos de lembranças que levarei até meus últimos dias.
Vinte e três anos é o tempo de uma vida. Vinte e três anos é o tempo que meu time ficou sem conquistar um título importante. Vinte e três anos é o tempo que a Copa de 1994 está em minha vida. E nunca mais sairá.
Pouco importa se a média de gols foi baixa. Pouco importa se você discorda. Pouco importa se o Brasil jogou feio (como alguns dizem).
Meu primeiro contato com futebol não me apresentou jogadores, mas sim, heróis. Meu primeiro contato com o futebol não poderia ter sido melhor.
Seja pelos jogos ao meio dia, seja pelo simples fato de eu poder assistir futebol 24 horas por dia, seja pelos uniformes escandalosos, seja pelo Brasil ter conquistado o tetra, seja lá o que for: eu te amo e te amarei eternamente, Copa de 94!
Em 1994, eu não fazia muita ideia do que era uma Copa do Mundo. Só sei que só se falava nisso. Resolvi perguntar para meu pai e ouvi dele que a Copa era “jogo de futebol o dia inteiro”. em um tempo que TV por assinatura era um sonho mais que distante, essa resposta foi música para meus ouvidos.
Fiquei ansioso esperando pela abertura do evento. E descobri que toda a ansiedade foi em vão, pois odiei a cerimônia. Aliás, não sei se foi pelo trauma de ver a Diana Ross fazendo aquele papelão, ou pelo simples fato de eu detestar qualquer tipo de enrolação, faço questão de perder toda e qualquer cerimônia de abertura e encerramento de eventos esportivos.
Passado isso, eis que no primeiro jogo, a Alemanha já me deixou encantado com aquele uniforme lindo. Aliás, cada uniforme maravilhoso que vi nessa Copa. Tudo era muito bonito e colorido, e mesmo aquela camisa Jeans dos EUA, ou aquela aberração que foi o segundo uniforme do México me deixaram encantado. Ainda tive tempo de ficar apaixonado pela camisa branca da Holanda, pelo azul eterno da Itália, pelos carnavalescos uniformes de Marrocos e da Irlanda, pelas camisas da Adidas, e pela emblemática camisa azul da Seleção Brasileira. Definitivamente, foi a Copa dos uniformes.
Com oito anos de idade, obviamente que eu não era lá profundo conhecedor de jogadores estrangeiros. Aquele mês foi o suficiente para eu conhecer meus primeiros ídolos gringos. Batistuta, Hagi, Stroichkov, Bergkamp, Larsson, e tantos outros que se tornaram referências para mim.
De longe, foi a Copa que mais reuniu craques e bons jogadores, na minha opinião, é claro. Praticamente, todo time tinha uma estrela, ou um jogador capaz de decidir partidas. E não eram só jogadores de ataque que eram estrelas, não. Baresi, Pagliuca, Preud´homme, Maldini, Aldair, Branco e muitos outros defensores me fizeram tomar gosto por sistemas defensivos.
E o que dizer do Brasil? Taffarel, o citado Aldair, Dunga, Branco, Romário, Bebeto e Mauro Silva viraram meus heróis. Acredite se quiser, meu sonho era ser como qualquer um desses caras. Percebe-se que não consegui, entre outros fatores, por eu não ter talento para a prática do esporte bretão.
O gol de Branco contra a Holanda, o “Eu te amo” de Bebeto para Romário, o gol salvador do Baixinho contra a Suécia na semifinal, o pênalti defendido por Taffarel na final, todos esses momentos moldaram meu caráter futebolístico.
Hoje, dia 17 de julho, a final da Copa completa vinte e três anos. Vinte e três anos daquele que foi talvez o maior jogo que vi na vida. Não importa se não foi o jogo mais emocionante. Não importa se o nível técnico foi baixo. A final da Copa foi como a cereja de um bolo que eu insisto em lembrar o sabor vinte e três anos depois.
Praticamente todos os momentos que presenciei entre junho e julho de 1994 foram mágicos para mim. Levarei eternamente em meu coração e em minha memória cada segundo que vivi durante a Copa mais mágica que assisti na minha vida.
Deus salve Yekini e sua comemoração. Deus salve Baggio batendo o pênalti pra fora. Deus salve Escobar, esteja onde estiver. Deus salve a Romênia e a Bulgária, que tanto me encantaram. Deus salve Lalas e Balboa. Deus salve Meola. Deus salve Taffarel. Deus salve Ravelli. Deus salve a Copa de 94, e mantenha nosso amor intacto.
O MENINO DA PENHA
por Sergio Pugliese
Após mais uma vitória sobre o rival Independente, a rapaziada do Ipiranga seguiu para o Armazém do Seu Carlos, tradicional ponto de encontro “pós-massacres”. Seu Carlos além de excelente anfitrião também funcionava como patrocinador do time porque bancava sanduíches, refrigerantes e, claro, o uniforme: camisa branca de gola vermelha, calção azul e meião branco. Nesse dia, o jogo foi duríssimo e o lateral Carlos Alberto, líder do grupo, deitou-se na calçada da Vila da Penha de braços abertos, extasiado e principalmente aliviado por libertar os pés em carne viva das chuteiras, dois números menor.
– Minha família não tinha dinheiro para comprar e usava as que me emprestavam – recordou-se Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, rodeado pela orgulhosa comitiva do A Pelada Como Ela É formada pelo trio de atacantes Reyes de Sá Viana do Castelo, Daniel Planel e Fernanda Pizzotti.
O problema dos pés esfacelados complicava no dia seguinte. Precisava cumprir as tarefas como mensageiro da corretora de imóveis, de Seu Geraldo Albernaes, e à noite marcar ponto no Educandário Santa Fátima. Mas se tivesse bola rolando esquecia tudo. Queria seguir os passos de Zé Luiz, o irmão mais velho que treinava no Fluminense e despontava como possível substituto do ídolo Pinheiro. Mas um acidente de carro jogou tudo ralo abaixo. Os pais Chico e Alaíde não davam a menor força para Carlos Alberto, mas um dia ele foi convidado para um treininho no Fluminense por Roberto Alvarenga, dono do Ipiranga e supervisor tricolor. Inventou para o patrão que precisava visitar uma tia doente, mas foi flagrado pelo Velho Chico nas Laranjeiras.
– Ele me chamou de vagabundo para baixo, mas num jantar com a família pedi uma chance e ele deu. Era um paizão! – contou, ao lado do filho Alexandre Torres.
E Carlos Alberto não desperdiçou a chance. Aos 16 anos, barbarizou nos treinos, entrou para o juvenil e três anos depois substituiu Jair Marinho, que fraturara a perna, no time principal. Comemorou sua estreia no Maracanã dançando até se acabar numa das festas organizadas por Seu Barbosa, figura folclórica do bairro. Perdeu de 3 x 0 para o América, mas vibrou com os Golden Boys tocando na carroceria de um caminhão, na Estrada do Quitungo. Ele e os parceiros do Ipiranga, Noca, o ponta-direita Othon, o lateral-esquerdo Chicão e o goleiro Rui. O pai coruja empolgado com a performance do garotão, liberou o Chevrolet 40 preto para ele ir ao treinos. Um arraso!
– Em 1963 fui convocado para o Panamericano e em 1964, comprei meu próprio Fusca! – vibrou.
Também em 1964 foi convocado para a seleção brasileira e ganhou a vaga de Djalma Santos. Na estreia, vitória sobre a Inglaterra, no Maracanã, ao lado de Gilmar, Gerson, Vavá e Pelé. No ano seguinte, outra grata surpresa: o convite para integrar o dream team do Santos, com Gilmar, Mauro, Orlando Peçanha, Geraldino, Zito, Mengalvo, Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.
– Ganhamos tudo e ficamos mundialmente famosos – orgulhou-se.
(Foto: Arquivo)
A carreira de Carlos Alberto foi fulminante. Se aos 15 anos resgatava as bolas da vala negra que rasgava o campinho de terra batida do bairro, apenas 10 anos depois, no dia 21 de junho, o maior lateral-direito de todos os tempos, entrava no Estádio Azteca, na Cidade do México, para ser assistido por centenas de milhões de pessoas, na decisão da Copa do Mundo de 1970, contra a Itália. E colocou-se naquela faixa de campo, no território onde pouquíssimos ousaram se engraçar. Um deles, Abel, ponta-esquerda do América, pai do jornalista Abel Neto. Esse, por muitas vezes, tirou o seu sono. Mas o tempo seguiu e faltava pouco para o mais jovem capitão da história das Copas do Mundo atingir o sonho maior: erguer a Jules Rimet. E Pelé resolveu ajudá-lo nessa missão rolando aquela bola macia que implorava “me chuta!”. Dessa vez a chuteira tinha o número certo e a pancada pegou na veia. O Brasil explodiu em emoção e no Armazém do Seu Carlos todos desabaram em lágrimas. O eterno patrocinador prometeu uma festa de arromba no Largo do Bicão para recepcionar o craque e, cinco dias depois, a promessa foi cumprida. Carlos Alberto Torres retornou ao armazém e os dois trocaram um longo e emocionado abraço. Depois foram para o jogo! O Ipiranga estava de volta! Após 90 minutos de racha sob sol escaldante, Torres, quebrado, descalço e rodeado de amigos, deitou-se na mesma calçada de sempre, abriu os braços e chorou olhando para o céu azul de Vila da Penha, onde tudo começou.
Texto publicado originalmente na coluna “A Pelada Como Ela É” em 04 de abril de 2012
Hélio Vieira
NÃO TÁ MORTO QUEM PELEIA
texto: Albino Oliveira e Augusto Dalpiaz | foto e vídeo: Rosângela Oliveira | edição de vídeo: Daniel Planel
O GURI
Hélio Fernando Xavier Vieira nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, no dia 3 de setembro de 1963. Desde criança pedia bolas de presente, escutava os programas esportivos das rádios gaúchas e cariocas. Sabia tudo de futebol e seus jogos imaginários na garagem de casa impedia a sesta que seus pais pretendiam tirar.
O fascínio do menino pelo futebol o levou à escolinha do Brasil Pelotas, onde seguiu no infantil, infanto-juvenil, juvenil. Fez sua primeira partida como profissional aos dezesseis anos. E foi castigado por um “gol contra”: por tirar notas escolares baixas teve que se afastar da equipe Xavante.
O amor pelo futebol era tanto que passou tratou de recuperar rapidamente as notas e assim voltou ao time Xavante.
– Sempre sonhei em ser jogador de futebol, se não tivesse conseguido, seria frustrado – diz ele, que se especializou em fazer milagres como jogador e treinador. O maior deles foi obra coletiva, contra o Flamengo pelo Campeonato Brasileiro (à época Taça Ouro, em 1985).
XAVANTE AVANTE
O Sport Clube Cruzeiro era um clube dirigido por funcionários da cervejaria Haertel. Até que uma insatisfação ocorrida entre os jogadores que foram chamados para construir uma cerca em volta do campo quando chegavam para treinar provocou uma debandada no clube.
Inconformados, Breno Côrrea da Silva e Salustiano Brito que faziam parte desse elenco, depois de algumas reuniões e assembleias fundaram, no dia 7 de setembro de 1911, o Grêmio Sportivo Brasil. Seriam necessários 29 anos para o mudar a palavra para “Esportivo” gerando a sigla GEB – antes era GSB.
A história do Brasil é repleta de feitos heroicos. Em 1919, por exemplo, depois de 16 horas de viagem de navio a vapor de Pelotas a Porto Alegre, o Brasil sagrou-se o primeiro campeão gaúcho, vencendo o Grêmio por 5 a 1.
A conquista fez o time pelotense ser convidado para o que considera ser o primeiro Campeonato Brasileiro, em 1920. Na verdade, era um torneio organizado pela CBD, com campeões estaduais e visava observar jogadores que poderiam ser convocados para disputar o Campeonato Sul-americano e os Jogos Olímpicos pela seleção brasileira. Além do Brasil, participaram o Paulistano (SP) e o Fluminense (RJ).
Outro feito memorável aconteceu em 1950. O Brasil foi convidado para disputar uma partida amistosa contra a seleção uruguaia. No Estádio Centenário aprontou. Venceu por 2 a 1 a seleção que meses depois seria campeã mundial, no Maracanã.
Considerado o time com a maior e mais apaixonada torcida do interior do Rio Grande do Sul, o rubro-negro Xavante também vivenciou uma tragédia em 2009. A delegação que voltava de um amistoso, em Vale do Sol (RS), contra o Santa Cruz, sofreu um acidente quando estava próxima da cidade de Canguçu (RS).
O ônibus em que jogadores, integrantes da comissão técnica e dirigentes viajavam despencou de uma altura equivalente a 15 andares, resultando na morte do preparador de goleiros, Giovani Guimarães, do zagueiro Régis e o maior ídolo da equipe, o uruguaio Claudio Milar, atacante com passagens por Botafogo, Nacional do Uruguai, Náutico, dentre outros clubes.
Atualmente o Brasil de Pelotas está disputando a segunda divisão do campeonato brasileiro, e terminou o campeonato gaúcho de 2017 na décima colocação.
OS ANOS NA CASAMATA
(Foto: Reprodução)
Quando terminou a carreira de jogador de futebol no Esportivo de Bento Gonçalves, Hélio foi convidado para ser gerente de futebol do Brasil de Pelotas, mas declinou.
– Não era minha vontade naquele momento, queria ser técnico! – diz.
Pouco tempo depois, recebeu novo convite para começar sua carreia de treinador, entretanto recusou novamente, pois não quis ocupar o lugar de seu amigo Silvio, treinador demitido do Brasil e seu ex-parceiro de defesa.
A partir de sua resposta, o Xavante contratou o antigo lateral do Internacional Vacaria, que durou pouco tempo no comando da equipe devido aos resultados ruins.
Em 1997, Hélio Vieira estreou à beira do campo no clube onde sempre se sentiu em casa. E no ano seguinte, conseguiu sua melhor campanha como treinador no estado, sendo campeão do interior (melhor equipe colocada depois da dupla Gre-Nal).
Hélio atualmente é um famoso personagem do futebol do interior gaúcho e catarinense, tendo treinando equipes como: Caxias, Veranópolis, Avenida, Novo Hamburgo, Brasil de Pelotas, Rio Grande, Brusque e Tubarão. Nos anos de 2003 e 2004 foi indicado ao prêmio de melhor treinador do campeonato gaúcho.
Nos últimos anos ganhou fama de milagreiro e passou a ser chamado para salvar equipes do descenso de divisão nas últimas partidas dos campeonatos. Foi assim que aconteceu nas duas últimas vezes em que dirigiu o Santa Cruz-RS e Cerâmica na primeira e segunda divisão do estado. E quando assumiu o São Paulo – RS, Aimoré, Farroupilha de Pelotas. O treinador ainda aguarda uma nova oportunidade para voltar a formar uma equipe desde o começo da temporada.
Hélio também teve passagem pelo Oriente Médio. Quando treinava o Al-Shabab da Arábia Saudita em 1998, teve apenas quatro derrotas em 40 jogos, foi vice-campeão continental e saudita, mas perdeu o emprego porque, segundo ele, não aceitou fazer “negociata”. Os dirigentes queriam obrigá-lo a escalar um jogador ruim para vendê-lo depois.
– Fui chamado pelo vice-presidente que o disse: “futebol é um negócio, terás que aprender isso, mas até hoje não aprendi” – conta.
Na Arábia, Hélio voltou a trabalhar nas equipes Al-Ittifaq, Al- Watani e Al-Riyadh. Comandou também o Dibba Al-Fujairah FC, nos Emirados Árabes.
O técnico gaúcho acredita que não é chamado para longos trabalhos em clubes porque não aceita ganhar dinheiro, além do salário, favorecendo empresários e jogadores de pouca qualidade. No entanto, quando os times ficam desesperados, lhe procuram.
– Eu incomodo – conclui.
O SONHO REALIZADO
Em 1983, aos 20 anos, Hélio, após a chegada de um treinador que atuava em Manaus chamado Airton Nogueira, passou a fazer parte da lista de dispensa, e seria emprestado ao Riograndense de Rio Grande. Porém, Airton ficou pouco tempo no comando do Xavante. Para seu lugar foi contratado Luiz Felipe Scolari.
Ao chegar ao clube, Felipão perguntou por um “branquinho” que havia jogado muito bem contra o Juventude, de Caxias do Sul, no ano anterior. O “branquinho” era Hélio, que conseguiu se manter na equipe. E neste mesmo ano foi o jogador que mais partidas jogou pelo clube, recebendo bicho extra por participação.
Scolari, Galego e Valmir Louruz são os treinadores preferidos de Hélio.
– Felipão tem um carisma muito grande, a convivência com ele e muito legal – salienta Vieira.
Durante sua carreira, o jogo que o ex-lateral relembra com satisfação é Grêmio versus Juventude, equipe na qual jogava. Ele fez dois gols e participou dos outros dois dando a vitória para equipe da serra por 4 a 2.
Mas sem dúvida a partida que lhe deu mais projeção foi Brasil x Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro de 1985.
TAÇA OURO
O Brasileirão de 85 foi disputado pelos 20 melhores colocados no ranking da CBF, nos grupos A e B. Remo e Uberlândia, campeão e vice da Taça de Prata, mais 22 clubes de 22 estados (equipes escolhidas a partir dos campeonatos estaduais) formaram os grupos C e D.
Quatro equipes de cada grupo – campeão do primeiro turno, campeão do segundo turno e os dois melhores de cada turno – foram classificados para a etapa seguinte.
Na segunda fase, os 16 times foram divididos em quatro grupos de quatro equipes. A equipe pelotense ficou na chave F junto a Ceará, Bahia e Flamengo. Os favoritos eram as equipes baiana e a carioca.
SIRVAM NOSSAS FAÇANHAS DE MODELO A TODA TERRA…
(Foto: Antônio Vargas / Agência RBS)
Na noite de 18 de julho de 1985, sob a lua nova e frio ardente, com arquibancada lotada, torcedores espremidos ao alambrado e outros pendurados nos muros do Estádio Bento Freitas, em Pelotas, mais de 20 mil torcedores Xavantes presenciaram a vitória do Grêmio Esportivo Brasil por 2×0 sobre o Flamengo de Zico, Bebeto, Andrade, Adílio, Tita, Mozer, Leandro e o treinador Zagallo.
Era muito difícil pensar em vitória ao comparar um elenco em que dos 11 titulares, cinco participaram de Copas do Mundo e sete foram campeões mundiais de clubes, e outro em que o volante titular Doraci teve seu passe adquirido em troca de 12 bolas de futebol com o Riograndense, da cidade de Rio Grande.
O jogo do grupo F – que contava também com o Ceará e o favorito Bahia – valia vaga na semifinal. Na zaga do rubro-negro gaúcho o caçula Silva (20) e Hélio Vieira (22), orientados por Valmir Louruz, não exerciam marcações individuais,
– Até porque, Zico, Tita, Adílio, Chiquinho e Bebeto se movimentavam muito! – justifica o então lateral.
No primeiro jogo entre os dois clubes, em 10 de julho de 1985, no Maracanã, o Brasil de Pelotas havia perdido por 1×0, gol de pênalti cobrado por Bebeto.
– Em uma jogada de linha de fundo pela direita, entrei de carrinho, a bola ficou presa nas minhas costas e o juiz entendeu que havia tocado em meu braço! – esta é a versão de Hélio Vieira.
Outro fato curioso neste jogo foi que em uma disputa de bola, a correntinha de ouro de Adílio acabou sendo arrancada e entregue para o arbitro Emídio Marques de Mesquita. Ao fim do jogo, o atleta rubro-negro carioca foi pegar a corrente com o árbitro, que falou ter entregue a joia para um jogador do Brasil. Até hoje ninguém sabe quem a pegou, cada um conta uma versão diferente.
Um erro de arbitragem no segundo jogo, em Pelotas, também deu o que falar. Ao invés de acabar o primeiro tempo aos 45, Romualdo Arpi Filho deixou a partida correr até aos 55 minutos. De acordo com Hélio “não teve maldade, o árbitro se perdeu, marcou errado, mas não houve má intenção”. Os dirigentes do Brasil (que ganhava de 1 a 0), revoltados, invadiram o campo e pediram o final do jogo.
Ecoando a canção Pingos de Amor, de Paulo Diniz em parceria com Odibar, a maior e a mais fiel torcida do interior gaúcho explodiu de alegria com o segundo gol Xavante, feito por Júnior Brasília em um lance no qual o jogador jurou aos companheiros ter visto Fillol adiantado e decidiu encobri-lo.
– Após receber alguns tapas no vestiário, Júnior admitiu que a intenção foi o cruzamento! – conta Hélio, rindo.
O eliminado Flamengo acabou a competição em 9º lugar.
A HÉLIO O QUE É DE HÉLIO
Para o segundo jogo que teria transmissão nacional da televisão aberta, a diretoria da equipe pelotense vendeu cotas de patrocínio no uniforme, além do permitido. O acordo entre diretores e atletas, segundo Vieira, foi:
– Vocês só vão entrar com a camisa, o juiz vai ver e vai mandar vocês trocar. Vocês voltam, mudam as camisas e podem ficar com elas para vocês!
No entanto, o juiz não observou o regulamento. Por isso, esse fardamento foi diferente de todos os outros jogos da competição.
Ao final da partida, o vestiário foi invadido por pessoas próximas. Em meio a alegria, um torcedor se aproximou de Hélio e disse que queria a camiseta. O lateral disse que ia ficar com ela, mas o fanático rubro-negro se prontificou a comprá-la por um valor maior que o bicho pago aos jogadores, estimado entre R$ 3 mil e R$ 4 mil. O negócio foi fechado no vestiário.
O torcedor tirou o moletom e colocou a camisa toda embarrada e suada. E partiu feliz.
Em 2003 aconteceu uma reviravolta nessa história. Hélio jogava uma pelada de futebol society em um clube, quando chegou um torcedor e perguntou se ele estava morando em Pelotas. O ex-jogador respondeu que sim e que toda quinta-feira ia jogar futebol naquele campo.
O homem que o abordou então disse:
– Você se lembra de mim?
Hélio pediu desculpas e respondeu que não. O torcedor retrucou:
– Semana que vem vou te trazer uma coisa que é tua e que está comigo, tem mais valor para ti do que para mim.
Na semana seguinte, como prometido, o torcedor estava lá, e devolveu a camisa que tinha comprado há 18 anos.
MAS NÃO BASTA PARA SER LIVRE, SER FORTE, AGUERRIDO E BRAVO…
O primeiro jogo da semifinal contra o Bangu, em 24 de julho de 1985, foi realizado no Estádio Olímpico, em Porto Alegre. A prefeitura, algumas casas de comércio e empresas de Pelotas decretaram ponto facultativo à tarde a fim de possibilitarem a ida dos torcedores Xavantes à capital do Estado.
Dez mil torcedores rubro-negros percorreram 260 km de viagem em cem ônibus lotados e pouco mais de mil e duzentos carros.
Em cobrança de escanteio pelo lado direito, a bola bateu em Gilmar Batata, que fez gol contra.
– O grupo era unido, não tínhamos salto alto, perdemos os quatro jogos para o Bangu neste campeonato… Nada dava certo contra eles. Gilmar fechou o gol! – lamenta-se Hélio Vieira.
No jogo de volta no Maracanã, em 28 de julho de 1985, o Brasil de Pelotas saiu na frente do placar, com gol de Bira. No entanto, com gols de Ado e Marinho (2), o time carioca voltou a vencer.
– Na bicicleta de Marinho, a bola bateu em sua canela e entrou… Não adianta, faltou sorte…
Assim, o Brasil de Pelotas terminou em terceiro lugar no Campeonato Brasileiro. É maior feito de um clube do interior gaúcho.
Júnior Brasília
O PONTA GARÇOM QUE VIROU FORMADOR DE CIDADÃOS
texto e entrevista: Claudio Lovato | vídeo: Edu Andrade | edição de vídeo: Daniel Planel
É uma manhã de terça-feira, no fim de junho, e José Francisco Solano Júnior circula pelas instalações do SESI Taguatinga, cidade-satélite de Brasília. Cumprimenta e é cumprimentado a todo instante. Distribui sorrisos e recebe o troco na mesma agradável moeda. É um homem benquisto que está à vontade em seu ambiente de trabalho.
Trabalho que ele exerce com a satisfação daqueles que se realizam no cotidiano – a cada aula, a cada ensinamento que oferece generosamente, a cada chance que tem de compartilhar com os mais jovens aquilo que de mais importante aprendeu na vida.
Aqui, na cidade que o acolheu quando ele tinha apenas um ano de idade, em 1959, procedente de Alvinópolis, no interior de Minas Gerais, José Francisco Solano Júnior relembra, para o Museu da Pelada, momentos especialmente marcantes de sua carreira.
José Francisco Solano Júnior é Júnior Brasília.
Ex-ponteiro-direito de Flamengo, Cruzeiro e Brasil de Pelotas, entre outros clubes, camisa 7 clássico, ele gostava mesmo era de deixar a bola “queimar” na linha de fundo e então cruzar, para presentear o centroavante que chegava de frente, bola na testa do parceiro.
– Nunca fui de fazer muitos gols! Eu gostava mesmo era de ser ‘garçom’, servir os companheiros – diz Júnior, que foi “Júnior II” antes de se tornar “Júnior Brasília”.
Disputou seu primeiro Campeonato Brasileiro em 1975, aos 17 anos, pelo CEUB, de Brasília. Jogou tanto que, no ano seguinte, estava no Flamengo treinado por Carlos Froner e que tinha no elenco feras como Cantarelli, Rondinelli, Jaime, Júnior (a quem deve o acréscimo de “Brasília” ao seu Júnior), Geraldo, Cláudio Adão, além de um certo Arthur Antunes Coimbra, com quem Júnior Brasília nutre uma grande amizade, que atravessa as décadas.
Conquistou seu espaço no rubro-negro carioca, depois – envolvido numa troca que levou Raul Plassmann para a Gávea – foi para Minas, jogar em outro timaço da época, o Cruzeiro, esteve rodou no Paraná (Grêmio Maringá), Mato Grosso do Sul (Operário), Mato Grosso (Mixto) e então chegou àquele que é, até hoje, o clube que ocupa mais espaço em seu coração: o Brasil de Pelotas. Lá foi treinado por Luiz Felipe Scolari e por Valmir Louruz, ajudou a levar o Xavante à semifinal do Campeonato Brasileiro de 1985, tornou-se ídolo e herói de um clube e de uma cidade.
– Era um ambiente muito bom! Tínhamos realmente uma família, apoiada por aquela torcida maravilhosa. Sinto muita saudade daquele tempo! – relembra um emocionado Júnior Brasília.
Desde 1997, Júnior Brasília ensina futebol a crianças e jovens de 5 a 17 anos, no SESI. Mais que formar jogadores de futebol, ele quer ajudar a formar cidadãos.
– Essa preocupação é algo que não existia no meu tempo. As coisas mudaram bastante! – diz, com a satisfação e a alegria de quem, há muito tempo, aprendeu a se realizar com o seu aqui e o seu agora.
DO AVESSO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Numa resenha, o boleiro Eduardo Alf (de Fla ao contrário, kkkk!!!) me pergunta o que achei de o técnico do Coritiba ter escalado Kléber Gladiador como capitão mesmo após ele ter dado uma cusparada no adversário. Sinceramente, Alf, não tenho tido prazer de comentar mais nada.
O país está do avesso, sem comando. Políticos fazem papel de palhaço, estádios são depredados por vândalos de torcidas organizadas, o Senado é invadido, nossos filhos são assassinados. No Brasil, o infrator sempre é beneficiado, Alf.
O jogador já tem o apelido de Gladiador. Quando não bate, cospe. E quando cospe vira capitão. Joga sob efeito suspensivo, faz dois gols e vira herói. E vamos que vamos!!!! O Mancini foi demitido da Chapecoense mesmo tendo sido campeão estadual com o time em frangalhos.
No Atlético Paranaense, Eduardo Baptista foi mandado embora e Paulo Autuori, que o indicou, se solidarizou e pediu demissão. Gesto nobre, raro nos dirigentes de hoje. E que nos surpreende, assim como nos surpreendemos com o fairplay de Rodrigo Caio.
O bem tem nos surpreendido. Até o balãozinho do Vinícius Júnior tem nos surpreendido. Hoje em dia, deu balão, fechou um contrato milionário. O belo está cada vez mais raro. Acho que o Alf ficou meio zonzo com o meu discurso e para não deixá-lo ir embora tão desmotivado como eu, contei que a última vitória do Flamengo sobre o Vasco, dentro de São Januário, foi em 73, com gol meu de falta em cima de Andrada, que costumava falar “La vem el negro” quando me aproximava da bola. O meio-campo do Fla tinha Liminha e Zé Mário.
Eu formava o ataque com Dadá Maravilha e Doval. O Vasco tinha Tostão, Silva, Eberval e Buglê. Nesse dia não teve briga e São Januário seguiu intacto. Alf sorriu, suspirou e perguntou: “Eram bons tempo, né, PC?”. Suspirei e parti.