FILLOL, O ESCOLHIDO DO ‘DEUS’ MARADONA
por André Felipe de Lima
Quando o assunto é estritamente futebol, a palavra de Maradona é quase uma oração. Pelo menos para os argentinos, que o levam tão a sério a ponto de fundarem uma “igreja” para o craque. E se o camarada é “santo” para eles, respeitemos. Não se questiona a “fé” alheia. Uma vez perguntaram ao Maradona sobre o que achava dos goleiros. Isso, creio, por volta de 2000. Virada do milênio, todo o mundo com o pé atrás… sei lá. Maradona dirigiu-se ao repórter e devolveu a pergunta: “E você, quer ser goleiro?”. O cara sempre os desprezou. Mas há uma exceção para Maradona: Ubaldo Matildo Fillol, que completa hoje 67 anos. “O único goleiro normal”, referia-se o “deus” Maradona ao Fillol. Coberto de inquestionável e “sacrossanta” razão. Fillol é, pelo menos aos meus olhos (pela TV ou livros) o melhor goleiro que os argentinos produziram. Foi espetacular. O Flamengo teve a honra de tê-lo no time.
Chegou à Gávea em novembro de 1983. Não conquistou nenhum título expressivo com o Flamengo. Apenas uma Taça Guanabara (primeiro turno do Campeonato Carioca) e uma Taça Rio (segundo turno). Mas isso foi apenas um detalhe. Estreou em janeiro de 1984, contra o Palmeiras. Fechou o gol e garantiu a magra vitória de uma a zero. Mas era uma época sem Zico, sem Júnior. O Flamengo, embora ostentasse um bom time sem as feras citadas, não era mais o Mengão “papa-tudo” do comecinho da década de 1980. O time da hora era o Fluminense, de Assis, Washington, Romerito e Cia., craques que perturbaram (e muito!) o Fillol nos Fla-Flus.
Mesmo permanecendo apenas um ano no Flamengo, a torcida o idolatrava. Ocorreu com Fillol um fenômeno mais ou menos parecido com o de outro argentino, Oscar Basso, mas só que no Botafogo. Basso disputou pouco menos de 20 jogos pelo alvinegro, em 1951, porém o suficiente para ser considerado um dos mais brilhantes zagueiros da história do clube. Muitas décadas depois, Fillol, para muitos rubro-negros, é um dos melhores arqueiros que já pisaram na Gávea.
Mas quando falamos do grande arqueiro, vem imediatamente à nossa mente a Copa do Mundo de 1978. Nela, Fillol foi soberano. Estupendo. Recordo as grandes atuações naquela Copa. Tanto quanto os craques Kempes, Luque, Ardilles ou Passarella, foi Fillol, para mim, o melhor dentre os argentinos naquela campanha.
Quem descobriu Fillol foi outro grande ídolo do futebol argentino, o mago Renato Cesarini, que também entrou para a história do futebol italiano pelas impecáveis atuações com a Juventus de Turim. Como jogador, Cesarini foi excepcional. Um dos melhores nas décadas de 1920 e 30. O mesmo sucesso obteve como treinador, principalmente do River Plate. Em 1964, quando regressou à Argentina, Cesarini resolveu, certo dia, parar em um restaurante de San Miguel del Monte, um pouquinho mais distante da cidade de Buenos Aires. Mirou com incômoda fixação um rapaz, com presumíveis 14 anos de idade e mãos enormes, que trabalhava ali como garçom. Olhou paras as mãos do menino… olhou, olhou… e emendou para o garoto: “Serás, ‘chico’, um grande arqueiro!”. Tudo começou ali, com o vaticínio de Cesarini, que entendia um pouco e muito mais de futebol.
Fillol, que rivaliza com Amadeo Carrizo no posto de maior goleiro da história do River Plate, defendeu 26 penais pelo escrete argentino. Somente o exótico Gatti, ídolo do rival Boca Juniors, fez o mesmo. Mas os dados estatísticos são imprecisos. Há registros de que Fillol jamais foi superado por quem quer que seja embaixo das traves da seleção argentina. Concordo com o empirismo, e às favas as estatísticas! Fillol, o “El Pato”, foi genial. O maioral!
AS NOVAS DEMARCAÇÕES DO CAMPO DE FUTEBOL
por Adriano Ávila
Apresentamos as novas demarcações do campo de futebol propostas pelo Futbox. O nosso objetivo é o de sempre, a discussão para a melhoria do futebol brasileiro, agora expandido para a evolução do palco onde é praticado o jogo mais popular do mundo.
Em relação aos tamanhos do campo e das traves nada foi alterado, continuam com a padronização 105mx68m (campo) e 7,32mx2,44m (traves dos gols). Mudanças apenas na delimitação da grande área, eliminação da pequena área (como no futsal) e a criação do setor sem impedimento.
Os estudos para as novas demarcações foram baseados nos desempenhos das personagens em cena: jogadores, árbitro, auxiliares (bandeirinhas) e claro, torcedores! Dois objetivos estratégicos: aumentar o dinamismo da partida e a atratividade do espetáculo, o que é bem diferente de correria pelo gramado sem tática alguma.
Levamos em consideração os avanços praticados nas regras de três esportes de grande penetração mundial:
1º) Vôlei: introdução do ataque dos 3 metros (na Olimpíada de 1976 em Montreal – Canadá, a Polônia utilizou essa jogada pela primeira vez em uma competição oficial na partida contra a União Soviética). E venceu;
2º) Basquete: zona de três pontos (em 1984 a FIBA decidiu adotar a regra dos três pontos, utilizada pela NBA desde 1979);
3º) Futebol Americano: demarcações presentes em seus campos, principalmente a área do touchdown (End Zone).
Importante frisar que não se trata da substituição da cultura brasileira pela norte-americana, o foco aqui é o desempenho dos atletas, a beleza do jogo e a satisfação do torcedor. Tudo em harmonia com a comercialização do futebol sem perder suas essências histórica e cultural, promovendo cada vez mais o espetáculo e a ativação das marcas, patrocinadores e parceiros dos clubes e dos campeonatos.
Três pontos fundamentais para a proposta do Futbox em questão:
O primeiro observado foi a Regra 11: o impedimento. Fundamental para o jogo. Com o condicionamento físico cada vez mais aprimorado dos jogadores, o erro na marcação do impedimento fica mais evidenciado, pois o atacante aguarda o último segundo para partir após o passe e muitas vezes o bandeirinha não tem condições humanas para perceber esse instante, atualmente muito mais rápido, marcando o impedimento de forma equivocada.
O segundo ponto é o avanço tecnológico que evidencia e muito os erros de arbitragem. Uma solução seria retirar os bandeirinhas do campo e recolocá-los em cabines de transmissão com comunicação direta com o árbitro que continuaria presente em campo. De certa forma isso já acontece e está em testes com os árbitros auxiliares.
O terceiro e último ponto, talvez a espinha dorsal de tudo isso, é a audiência do jogo. Ela impacta na qualidade do que é entregue ao torcedor e na sua experiência no estádio ou pela WEB, pois a TV como conhecemos está com os dias contatos. Pouca audiência significa pouco investimento. A taxa de ocupação e a presença de público nos estádios brasileiros, com exceção à Corinthians, Palmeiras, Vasco e Flamengo, estão longe do que poderiam.
Soma-se a esse terceiro ponto o acesso aos grandes jogos e campeonatos europeus. Quando assistimos a esses jogos e depois aos praticados no Brasil, a sensação que temos é um pouco frustrante, pois além dos nossos grandes talentos jogarem no velho continente ou na ásia, o jogo praticado aqui é mais truncado, com muito mais faltas e poucos lances de habilidade e, quando acontecem, são criticados por técnicos defasados ou zagueiros sem qualidade alguma. Entretanto, a proposta para a nova demarcação do campo não é para nivelar o esporte por baixo, se aplica também para o futebol em alto nível, onde inclusive, seria bem mais impactante para a “satisfação de consumo” do torcedor.
Por perceber o jogo dessa forma o Futbox propôs as seguintes mudanças nas demarcações do campo de futebol. A seguir o passo a passo em ilustrações que iniciam com o campo atual, com o detalhamento das suas medidas, até à proposta final.
Demarcações atuais do campo de futebol
Iniciamos com a grande área, preservando sua largura, mas diminuindo seu comprimento de 16,5m para 13,5m. A distância da cobrança do pênalti permaneceu a mesma, 9,15m do cobrador para os demais jogadores. Com isso a “meia lua” aumentou preservando a sua função, manter o cobrador a uma distância segura para os demais jogadores adversários.
A diminuição da grande área, consequentemente da zona de marcação do pênalti, foi ocasionada pela criação do setor sem impedimento, onde o jogador poderá receber o último passe em qualquer lugar dentro desse setor, sem estar em posição irregular.
Diminuição da grande área e eliminação da pequena área
Introdução do setor SEM impedimento
O setor sem impedimento irá provocar uma mudança tática considerável nos esquemas de jogo, aumentando o número de gols sem descaracterizar a tradição do futebol, pois o impedimento continuará existindo na área nobre, o meio de campo, possibilitando os grandes lançamentos, os passes em profundidade e as penetrações dos laterais e demais atacantes.
Nova demarcação do campo de futebol
A preservação do impedimento foi o alicerce para a proposta da nova demarcação do campo de futebol, como ilustrado nos exemplos a seguir. Abaixo os 11 jogadores de cada time dispostos no campo com as novas demarcações e a área de cobertura dos bandeirinhas. Essa área agora é menor e passa a ser “vigiada” pelos dois ao mesmo tempo, bastando apenas um deles para assinalar alguma irregularidade.
Disposição dos jogadores em campo com a nova demarcação
Algumas situações e comparativos para ilustrar a proposta. Lembrando que nas cobranças de escanteio e arremessos laterais o impedimento continua não existindo.
Situações mais comuns COM e SEM impedimento
Enquanto a tecnologia não abranger todas as divisões, com auxiliares (bandeirinhas ou segundos árbitros) em cabines eletrônicas, por exemplo, erros como a marcação ou não do impedimento ou demais faltas serão muito mais prejudiciais ao jogo/espetáculo do que antes, pois o futebol está muito mais valioso, dentro e fora de campo e com muito mais responsabilidade social em relação à formação de jovens atletas e cidadãos no Brasil e no mundo.
Essas novas demarcações podem contribuir muito para o jogo de futebol, pois reduzirão os erros e aumentarão o número de gols, sem quebrar a tradição do futebol e nenhuma regra atual. Criarão apenas um setor dentro do campo com uma nova possibilidade tática com o intuito de promover o gol, a expectativa máxima de qualquer torcedor de futebol.
ANCHETA, UM DOS MELHORES BEQUES DA HISTÓRIA GREMISTA
por André Felipe de Lima
Estava cansado. E tinha motivos de sobra para chatear-se com os cartolas do Nacional. Afinal, chegara ao tradicional e campeoníssimo clube de Montevidéu com apenas 15 anos. Cresceu e, com a tradicional camisa branca, ajudou o Nacional na conquista de quatro campeonatos uruguaios [1966, 69, 70 e 71] e de uma Taça Libertadores da América [1971] e, de quebra, era titular absoluto da seleção uruguaia. Nada mal para quem era ídolo da torcida e um dos melhores zagueiros de seu tempo e o melhor do mundo em 1970. Mas como tolerar quatro meses sem receber um salário de apenas 1100 cruzeiros, ninharia para sua época? Prêmios por vitória, os chamados “bichos”? Ah, aquela dívida era monumental, algo em torno de 120 mil cruzeiros. Ancheta, definitivamente, cansou. Pediu as contas e decidiu que no Nacional, que devia cerca de 5 milhões de cruzeiros na praça, não ficaria mais.
Se for para ser ídolo, seria em outro lugar, ganhando o que realmente merecia um craque de sua estirpe. Foi assim que, em outubro de 1971, o Grêmio herdou do Nacional aquele que faria de sua trajetória nos campos brasileiros um dos melhores jogadores da história gremista.
Se o Grêmio teve dificuldade para comprar o passe de Ancheta? Nenhuma.
Quem aparecesse com dinheiro na sede do Nacional levava qualquer um dos craques do time. Que tal um Cubillas? Ou um Artime? Quer o Montero Castillo e o “cobra” Espárrago? A “feira” uruguaia era farta. Mas os cartolas gremistas só tinham olhos para Ancheta. E botaram preço.
Luís Silveira Martins e Luiz Carvalho [grande ídolo do passado Tricolor] ofereceram 250 mil cruzeiros, o passe de Chamaco [comprado ao River Plate, em março de 71, por 100 mil] e a renda de um jogo em Porto Alegre que garantisse, no mínimo, 200 mil. A soma de 550 mil foi muito em conta. Ancheta, um craque, à preço de banana. Melhor, impossível. Negócio da China para o Grêmio e um grande alívio para Ancheta. Nem mesmo a disputa do Mundial de clubes, no mês seguinte, contra o grego Panathinaikos, comovera-o. Muito menos a chiadeira da imprensa uruguaia. O El País estampou a manchete “Ancheta, o melhor jogador do futebol uruguaio vai embora”. Já o El Día intimou a Associação Uruguaia de Futebol pra que evitasse que mais ídolos locais debandassem. “Olha, eu tinha direito a 20% sobre o preço do passe. Mas abri mão para facilitar o negócio. Também aceitei receber apenas a metade do que o Nacional me devia em prêmios. Era o único jeito de sair de lá.”
O Nacional acabou campeão do mundo. E Ancheta? Estava muito feliz com a nova casa, em Porto Alegre.
O Inter, quando soube que o Grêmio comprara o passe de Ancheta, então o melhor zagueiro do planeta, tratou de acelerar a vinda do antagonista do uruguaio: o defensor Elias Figueroa, chileno e um dos ídolos do Peñarol, arqui-rival do Nacional.
NA VAGA DE UM ÍDOLO
Atilio Genaro Ancheta Weiguel nasceu no dia 19 de julho de 1948, na cidade de Florida, no Uruguai. Sua primeira experiência futebolística foi aos sete anos de idade, na sua cidade natal, no Clube San Lorenzo, e seu ídolo, desde pequeno, era o zagueiro Emílio Alvarez, do Nacional.
Quando completou quinze anos, foi convidado por um amigo para fazer um teste no Nacional, onde ingressou nas categorias de base como centromédio. Gostava tanto da posição que recusou várias tentativas de o escalarem na zaga. Só se convenceu de que deveria recuar ainda mais quando percebeu que Montero Castillo, grande ídolo do Nacional e titular na zaga da seleção uruguaia, estava em fim de carreira.
Em 1966, já se destacava como um zagueiro seguro e de futebol refinado, incapaz de chutões ou entradas violentas nos atacantes. Após se destacar pela seleção uruguaia na Copa do Mundo de 1970, no México, como um dos melhores zagueiros da competição, ao lado do italiano Cera e do alemão Franz Beckenbauer, Ancheta seguiu para o Grêmio, em 1971.
Fez boas temporadas, mas nada de títulos para o Tricolor, que caía sempre diante do rival, o Internacional de Falcão e Figueroa, ganhador de tudo o que era troféu que via pela frente. Se era de prata e brilhava, o Inter ia lá e papava. Para o Grêmio nada sobrava. Mas para Ancheta, o reconhecimento viria em 1973 — e em dourado —, com a “Bola de Ouro”, da revista Placar , de melhor jogador do Brasil. Nem mesmo os dolorosos cálculos renais impediam-no de jogar. Curvava-se de tanta dor, mas não dava moleza para atacante algum.
No ano seguinte, o melhor zagueiro do planeta queria disputar novamente a Copa do Mundo, mas o Grêmio não queira liberá-lo para a seleção do Uruguai. “Então os dirigentes uruguaios ficaram irritados comigo e disseram que eu não era patriota. Quando fui a Montevidéu para explicar, ninguém quis me ouvir, não me deram microfones nem espaço nos jornais”. Somente três anos depois do episódio, Ancheta comentou o imbróglio entre os cartolas do Uruguai e do Grêmio.
Em 1975, quando o rival conquistou o primeiro título nacional de sua história, o Grêmio quase entrou em colapso e Ancheta com ele. O jogador vivia às voltas com uma série de lesões. Ficou até 90 dias fora de ação e por pouco não venderam seu passe ao Fluminense. A imprensa especulava e a torcida também. Diziam que Ancheta pedia para não jogar e que o seu caso estava mais para um psiquiatra que para um técnico de futebol. Havia exagero? Evidentemente que sim, mas Ancheta realmente trocou uma ideia com um psiquiatra. O próprio craque confirmou, na ocasião, a história, dizendo-se amigo do médico, mas sem sequer saber o nome do camarada. Há explicação para — se é mesmo que existe — a teoria do ato falho? Freud talvez explique. Ancheta tratou, porém, de encontrar solução caseira para suas contusões, que o perturbavam desde os tempos de Nacional, como a calcificação óssea na coxa direita que o obrigou a uma cirurgia.
A quem garantisse que o tal “problema psicológico” de Ancheta começou quando ele perdeu a bola para o ponta Valdomiro, que acabou marcando o gol do título estadual do Inter, em 1974. Ou seja, Seria o Gre-Nal o maior tabu na carreira de Ancheta?
Sua fibra em campo nunca foi questionada, mas o jogador começou, nos primeiros meses de 1976, a enfrentar um novo problema físico que muito o incomodava: uma insuportável dor nos quadris. Como era magro, os constantes choques com jogadores adversários provocavam dores na região. Por conta disso, ficava fora do time por alguns jogos seguidos. Para contornar a situação, chegou a usar uma grossa faixa de espuma na cintura durante as partidas e até treinos.
Parece que a solução de Ancheta dera certo. Para ele e todo o time do Grêmio, que, no dia 28 de julho, acabou campeão do primeiro turno do Campeonato Gaúcho para cima do Inter. Seria aquela vitória o começo do fim do jejum de títulos estaduais?
Naquela partida, Dario, o “Dadá Maravilha”, centroavante colorado, elogiou Ancheta. O zagueiro retribuiu a gentileza: “Gostei do Dario. É um cara sensacional”. Mas a recente amizade — se realmente podemos afirmar que há alguma entre um zagueiro e um centroavante — acabaria prematuramente em outro Gre-Nal, do qual o Inter saiu vencedor e, de quebra, campeão do segundo turno. Talvez a vitória não compensasse o estado em que Dario se encontrava quando deixou, mancando, o campo. O saldo foi um olho inchado e a orelha esquerda inchada. O clássico, que de clássico não teve nada, foi uma verdadeira guerra. Hermínio e Falcão, do Inter, e Eurico e Alcino, do Grêmio, foram expulsos, onze receberam cartão amarelo e Dario prometeu vingar-se de Ancheta, que, segundo o centroavante, chutou-lhe, com vontade, a bunda. “Já se viu disso? Senti a dor mais terrível da minha vida. Cansei de apanhar e bati nele. E tem mais: ele não perde por esperar. Depois dessa, posso afirmar que nunca senti um título tão perto.”
Dario cumpriu a ameaça e o Inter levantava novamente o caneco de campeão gaúcho. Ancheta, eu detestava que o comparassem ao chileno Figueroa, zagueiro e ídolo colorado, teve de engolir seco. Um dia haveria de ir à forra, mas como campeão. Quando Figueroa chegou ao Inter, ingressou em um time que já era campeão e que conquistaria o Brasil. Definitivamente, o melhor time nacional dos anos de 1970 foi o Inter de Falcão, Figueroa e companhia. Já Ancheta veio para um Grêmio sempre atrás do rival. Não foi fácil para ele aturar as comparações com o craque do Inter, que existiam desde o duelo entre ambos, quando defendiam Nacional e Peñarol.
Mesmo sem conquistar títulos com o Grêmio, o clube proporcionou a paz de espírito e a grana necessária para que Ancheta fizesse um bom pé de meia. Na mesma época das seguidas contusões, acabara de comprar uma mansão e três casas no Uruguai e trocara um apartamento em Camboriú, no litoral catarinense, por um posto de gasolina.
Custou a ser campeão pelo Grêmio, o que aconteceu somente em 1977, ao erguer o troféu do Campeonato Gaúcho. Apesar de ser um dos homens de confiança do treinador Telê Santana, Ancheta não disputou o jogo que garantiu o título ao Grêmio. Até hoje especula-se que o zagueiro foi sacado do time na final, dando lugar a Cassiá, por tremer em Gre-Nais. Maldade. Ancheta nunca tremeu contra o Inter. Dario que o diga.
Após o título de 77, o zagueiro, que se naturalizou brasileiro em 1976, conquistou os campeonatos estaduais de 1979 e 80, este último na reserva do jovem Newmar.
Após nove anos no Olímpico, Ancheta deixou o Grêmio sob uma indisfarçável amargura. “Não pelo Grêmio, que tem um ambiente sensacional, mas pelo que perdi financeiramente. Hoje sei que poderia ter ganho 50 por cento mais se tivesse saído antes”. Ancheta deixou o Grêmio para defender o Milionários, da Colômbia, em 1980. No ano seguinte, voltou ao clube que o projetou: o Nacional.
Não foi uma estada amena. O clima com o técnico Basile azedou e Ancheta mostrou-se disposto a sair novamente do Nacional. Dono do próprio passe, Ancheta recebeu proposta do São Paulo, em agosto de 1982, com aval do treinador do Tricolor paulista, Poy.
A situação no Nacional foi contornada e Ancheta permaneceu no clube de seu coração para lá encerrar, em dezembro de 1982, uma extraordinária carreira de craque e de ídolo do futebol uruguaio e, por que não, brasileiro. Retornou a Porto Alegre em 1983. Tornou-se empresário até 1987, quando resolveu ser auxiliar técnico, no ano seguinte, do Clube Avaí de Florianópolis, onde se consagrou campeão estadual. Em 1996, começaram as reverências ao legado esportivo de Ancheta: colocou os pés na calçada da fama do Grêmio e recebeu um troféu de “Gaúcho Honorário”. No ano seguinte, outro troféu de reconhecimento por ter sido o melhor zagueiro central da seleção uruguaia nos últimos 25 anos. Em 1998, o Nacional o considerou um dos melhores atletas de sua história. Com a camisa da celeste olímpica, Ancheta entrou em campo 20 vezes.
Aposentado, o ex-zagueiro “descobriu-se” cantor de boleros. E o faz até hoje em clubes e churrascarias. Já gravou, inclusive, alguns CD’s, mas não deixou o futebol de lado. Administrou uma escolinha no clube Força e Luz e arrumou um “bico” na TV Pampa, canal 4, de Porto Alegre, como comentarista esportivo.
Ancheta tornou-se uma lenda do futebol gremista. Quem o viu em campo, garante: uma zaga de sonhos seria Ancheta e Aírton Pavilhão. Realmente seria extraordinário. Sonhar, afinal, não custa nada.
***
Esta é a biografia de Ancheta, um dos maiores ídolos gremistas, que está no primeiro volume (a letra “A”) da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que será lançado até dezembro, pela Livros de Futebol.com, do editor Cesar Oliveira.
CHORO, FESTA E SILÊNCIO: RELATOS DE 16 DE JULHO
por Pablo Lima
Brasil x Uruguai
Aos 22 minutos do segundo tempo, o placar eletrônico do Maracanã divulgou o público presente na final da Copa América de 1989: 148.068 torcedores. A vitória brasileira sobre os uruguaios aconteceu no dia 16 de julho e seria vista por muitos como revanche de outra final, 39 anos antes, também em um 16 de julho e com público ainda mais estrondoso: cerca de 200 mil torcedores assistiram ao bi mundial uruguaio pelos pés de Gigghia, Schiaffino & cia sobre o Brasil na final do Mundial de 1950.
Um outro 16 de julho, agora em 2017, não teve Maracanã e a cidade do Rio de Janeiro não recebeu a seleção brasileira e nem uruguaios. Muito menos: no estádio também não teve torcida, nem gols, nem nada.
Ironicamente, a data em que uma partida de futebol recebeu seu maior público da história amargou, 67 anos depois, a ausência total de torcedores em um jogo oficial. Se em 50 choramos pela derrota e em 89 a tarde foi de regojizo, em 2017 não houve drama nem festa: só silêncio.
Vasco e Santos entraram em campo pelo Campeonato Brasileiro com a triste missão de encarar um Engenhão vazio, de portões fechados aos torcedores, impedidos de assistir ao jogo por conta de episódios de violência. Há duas semanas, no clássico Vasco e Flamengo, em São Januário, torcedores entraram em confronto com policiais e entre si mesmos, e um deles acabou sendo assassinado nos arredores do estádio. E nessa o Vasco da Gama foi proibido de ter público em jogos realizados na cidade. E o agora silencioso clássico,o belíssimo Santos versus Vasco de outrora, repleto de histórias marcantes e personagens históricos – uma delas presenciou o milésimo gol do rei do futebol – fechou a porta para suas testemunhas mais ilustres.
Estádios foram feitos para multidões. Contrariar isso é viver do avesso, é estar em desacordo com as leis da natureza. Jogo de futebol sem torcida é vida sem propósito, como o arco com flecha não lançada: é navio ancorado no porto, sem licença para navegar; é típico de pássaro sem voo, árvore sem fruto. É como se o mundo parasse, em um tempo dominado pela pausa: relógios com ponteiros sem movimento.
No futebol, torcedor é da esfera do sagrado, do visceral e do indispensável. É aquele que vai do radinho de pilha ao aparelho de telefone mais moderno, o que transita entre o chinelo atirado no treinador e o que invade o campo para abraçar o ídolo.
São os “torcedores por conta própria”, do Mário Filho*; ou os “pobres-diabos”, de José Lins do Rego*. Torcedor é o fôlego fiel que falta ao time sem forças em campo, é a última voz que exige o gol nos acréscimos, ainda que ilegal. É o suprassumo da energia que jamais se cala, mesmo impotente diante da batalha perdida.
E se o torcedor é o todo, é a própria instituição, é o próprio futebol em si, algo está fora de ordem com ele ausente.
“De todos os empates, o mais exasperante é o de 0 X 0. O torcedor se sente roubado no dinheiro da entrada e inclinado a chamar os jogadores, o juiz e o bandeirinha de vigaristas”, emplacou certa vez Nelson Rodrigues. Mas no último domingo o que menos importou foi o placar, porque não havia quem se sentisse roubado. O estádio calado se curvou a uma medida judicial, ao palco sem plateia. E o escore zerado não teve torcida para humilhar. E por mais que tentassem, os jogadores, passados de ofensores a ofendidos, jamais conseguiriam sair do zero com tanto espaço vazio e silêncios no lugar das multidões imortais.
Que venham novos 16 de julhos, e nunca mais vazios de gente, de alma e de existência.
* “Torcedores por conta própria, que não se integram na multidão, que não se perdem no meio da multidão, que se destacam, conservando a personalidade”, Mário Filho, cronista esportivo.
* “Vou ao futebol,e sofro como um pobre-diabo”, José Lins do Rego, escritor brasileiro.
FRIEDENREICH, O QUE JOGAVA COM O CORAÇÃO NO PEITO DO PÉ
por André Felipe de Lima
“Arthur Friedenreich jogava futebol com o coração no peito do pé. Foi ele quem ensinou o caminho do gol à bola brasileira”, escreveu o cronista Armando Nogueira. Foi o introdutor da finta curta, do passe improvisado e dos “floreios barrocos” de que sempre falava o sociólogo Gilberto Freyre. Seu drible era curto, com os pés e com o corpo. O chute? De indizível efeito. Se me permitam a ousada tese, talvez tenha sido o precursor da folha seca de Didi.
Friedenreich mostrou ao Brasil o verdadeiro desenho do futebol dos trópicos, metade europeu, metade africano, mas “brasileiro por inteiro”, como frisou João Máximo. Até o começo dos anos de 1950, cerca de dez anos antes de não ser reconhecido por aqueles meninos do mercado municipal, poucos no Brasil eram reverenciados como Friedenreich. Reportagem da revista O Globo Sportivo descrevia logo nas primeiras linhas: “Muitas vezes tem-se dito que Arthur Friedenreich foi dos mais populares homens do Brasil. Sim, mesmo mais conhecido do que muitas figuras célebres da política e de outras atividades. Foi ele, sem dúvida, uma bandeira, um exemplo. Foi uma figura, enfim, nacional, desde aquele célebre campeonato sul-americano de 1919 […] Fried tornou-se um dos maiores beneméritos do esporte em nossa terra.”
Pena que lembravam pouco do ídolo do passado. Em 1970, durante entrevista ao repórter Paulo Mattiussi, dona Joana, companheira de Fried durante 57 anos, lamentava: “Ele foi muito esquecido e ninguém nunca se lembrou que tinha sido o El Tigre, rapaz de futebol perfeito, elegante, melhor até que Pelé. Vi poucas vezes Fried jogando. Mas assim mesmo lembro que era um futebol diferente: mais elegante, humano. Não era tão violento como dos jogos dessa Copa [Copa do Mundo de 1970, no México] […] Na Revolução [Constitucionalista] de 32, ele foi como sargento, voltou como tenente e herói. Comandava o pelotão dos esportistas e subiu um morro debaixo de tiros para tomar a posição. Nos últimos anos, eu e meu filho notamos que Fried estava sentindo muito o esquecimento em que vivia. Quando havia futebol na televisão, virava o rosto ou fingia dormir. Não gostava de comentar nada. Só uma vez, em 65, foi assistir a um jogo de futebol, do Santos.”
Incômoda lembrança da sra. Fried. O craque teve de pagar ingresso para entrar no estádio e só conseguiu sentar-se na tribuna de honra após muita confusão. Ninguém reconhecera El Tigre. Isso o amargurava, relembrou dona Joana: “Fried não gostava de falar, mas, pelo fato de nunca ter recebido dinheiro para jogar, não aceitava a profissionalização do esporte. Dizia que assim tudo perdia o amor. Ele nunca pensou, ou admitiu, que a gente pudesse andar por aí pedindo ou lembrando o seu passado para conseguir alguma coisa. Certa vez, quando trabalhava na Antarctica, Fried foi a Brasília, em 62. Como era muito amigo de Juscelino [presidente Juscelino Kubitschek], recebeu convites do presidente para ir mais vezes a Brasília e até mesmo para trabalhar lá. Mas Fried nunca aceitou. Nesse tempo, até fins de 62, Fried ainda tinha disposição para tudo. Vivia intensamente em cada viagem ou serviço que tinha de fazer. Mas, depois, quando a arteriosclerose começou a atacá-lo, ele mudou. Dizem que as pessoas que têm essa doença não sofrem. Acho que é verdade mesmo. Fried não demonstrava ser um homem doente, pelo contrário. Aos 77 anos usava touca de meia para ainda tentar alisar os cabelos rebeldes e encaracolados. O que ele demonstrava era que se sentia esquecido. E como aqueles troféus não tinham importância para ninguém, passaram a não ter para ele também.”
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O texto acima é um pequeno trecho da biografia sobre Friedenreich, que consta do VI volume de “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, com lançamento previsto para o primeiro semestre de 2018. Em breve teremos no mercado os dois primeiros volumes, as letras “A” e “B”. A enciclopédia, que consiste em 18 volumes, está sob a edição do querido Cesar Oliveira, que gentilmente me convidou para ajudá-lo na organização da autobiografia de Friedenreich, que está na ponta da agulha para também chegar às livrarias.
Hoje, dia 18 de julho, comemoramos o nascimento do maior jogador brasileiro da era amadora e um dos maiores em todos os tempos: Arthur Friedenreich, “o ídolo que não foi de barro”, como estampou, certa vez, a revista O Globo Sportivo.
VÍDEOS RAROS DE FRIEDENREICH