FORÇA, ABEL!
por Zé Roberto Padilha
Zé Roberto Padilha
Pouco importa, neste momento, a causa que levou precocemente o seu menino. A nós, seus companheiros, cabe apenas compartilhar a dor. E prestarmos solidariedade a você, Abel, neste momento tão difícil. Independente dos motivos que nos afastaram de um convívio tão bonito, iniciado quanto tínhamos apenas 16 anos, dos infanto-juvenis até os 23 anos, quando Francisco Horta lhe enviou ao Vasco e nos espalhou pelos clubes do país e do Rio, somos todos frutos de uma preciosa geração tricolor. De uma escola onde a ética, a honra, a decência, a disciplina e o amor ao esporte nos foram repassados por professores do tamanho da integridade de João Baptista Pinheiro, Píndaro, Roberto Alvarenga, Argeu Afonso, Sebastião Araújo, Drs. José Rizzo Pinto, Haddad, Durval Valente, roupeiros Silvio e Ximbica. Entre tantos.
Quando o ciclo das nossas vidas se conflita e um pai se despede do filho, nenhum abraço reunirá qualquer força a trazer junto ao peito prazer nenhum ao coração. Porém, Rubens Galaxie, Marinho, Nielsen, Marco Aurélio e eu, que unimos nas Laranjeiras a Vila da Penha com Conselheiro Josino, Realengo junto ao Catumbi, chegamos Muriaé mais próxima de Três Rios, como uma só família que venceu o estadual juvenil 1970, levou ao Torneio de Cannes nosso amor pelo Brasil, e voltou de lá orgulhosa de ter alcançado o primeiro título amador mundial do futebol brasileiro, não poderíamos deixar de estar ao seu lado nesta hora.
Porque nossos 18 anos, comemorados em 1970, foram diferentes dos 18 anos dos nossos meninos. Naquela ocasião, não precisava da Força Nacional ser convocada de Brasília para proteger o povo carioca. Os morros não haviam sido tomados pelos traficantes, apenas geravam talentos, Cartolas, sambas e poesias. Pelo contrário, do Borel só desciam virtuoses para os estádios, como Geraldo e Carlos Alberto Pintinho. E a favela ao lado do Flamengo só gerava Adílios. Tinha o Píer de Ipanema, o La Mole, a New York Discotheque e uma garota toda linda, cheia de graça, que vinha e passava seu doce balanço a caminho do mar.
Éramos felizes, inocentes e sabíamos disto. Me And Mrs Jones, de Billy Paul, era sua musica predileta, seu Opala era branco e do piano que tocava saíam notas inocentes da Bossa Nova. Nada afastava a cidade maravilhosa da simplicidade do subúrbio e do interior em que fomos criados. Infelizmente, tantos anos depois, não foi esta a sociedade herdada pelos nossos filhos. Perdeu-se a pureza, a educação, a segurança e o respeito. O consumo tomou conta de tudo e embolou no Barra Shopping a Bibba, a New Man, o Cine Roxy e o Bob´s que dividiam seu glamour pelos bairros. Drogas, que drogas, são oferecidas hoje nas esquinas e a segurança e o medo estão espalhados nas calçadas. Restava o governo tomar providências, mas este está preso, foi fazer graça em Paris e deixou nossos servidores sem salários, escolas sem professores, hospitais sem remédios.
Sei que neste momento você gostaria de trocar de lugar, época, de moda, hábitos e costumes com seu menino. Às vezes pego meu filho ouvindo Mr. Catra e gostaria que tivesse o privilégio de ouvir em sua idade Lennon & McCartney. No lugar da Anitta, Gal Costa ou Nana Caymmi. Escrever uma carta de próprio punho para a namorada, não uma postagem seca no Facebook, uma mensagem instantânea, muitas vezes irrefletida, no Whatsapp. Mas fazer o quê, esta é a vida. E ela, dura que seja, que lhe ampare, lhe dê forças neste momento junto aos seus e receba um abraço carinhoso de todos nós, seus eternos companheiros de formação, coração e de time..
Força, Abel!
AMARILDO NÃO FOI PELÉ, MAS ENCARNOU DOSTOIEVSKI… E GANHAMOS A COPA
por André Felipe de Lima
“Repito: — os profetas escorriam como a água das paredes infiltradas. Não se dava um passo sem tropeçar, sem esbarrar num profeta. E o que diziam eles? Diziam a vitória do Brasil e mais: — profetizavam o nascimento de um novo Pelé. Eu próprio escrevi, na minha crônica de anteontem: — o novo Pelé era moreno, e antecipei minúcias e fui mais longe. Dei o nome do novo Pelé: — Amarildo.”
Ao escrever estas palavras após a vitória de 2 a 0 do Brasil sobre a Espanha, pelas oitavas de final da Copa do Mundo no Chile, em 1962, Nelson Rodrigues anunciava, evidentemente em tom exagerado, que Amarildo, o “Possesso”, seria o “gênio” que ocupava a vaga de outro gênio, no caso Pelé. Amarildo, ora, foi realmente um jogador excepcional, mas compará-lo a Pelé foi um dos raríssimos equívocos do [esse sim] genial cronista e dramaturgo, que, na mesma crônica, insistia no deslumbramento: “‘O autor do Amarildo é o Dostoievski!’. E, realmente, nunca vi na vida real um sujeito tão possesso e, por carambola, dostoievskiano. […] E eu “vi”, no momento do gol, “vi” Amarildo, a cara, o peito, a loucura de Amarildo. De seu lábio pendia a baba elástica e bovina dos possessos. Nas páginas de Dostoievski é assim que os possessos babam profissionalmente.”
Embora Pelé seja intocável, compreende-se Nelson Rodrigues. Afinal, Amarildo, naquele dia contra os espanhóis, estava além do humano, demasiadamente humano. Mais que um “dostoievskiano” ostentava em campo uma alma “nietzschiana”, com os requintes dionisíaco e apolíneo comuns ao futebol brasileiro [Armando Nogueira adoraria isso…]. Quem assistiu ao jogo ficou inebriado. E com justíssima razão.
Nelson sabia das coisas. Vaticinara, em sua coluna, na edição de O Globo, do dia 2 de maio de 1962, ou seja, a um mês da Copa, que Amarildo se consagraria: “Amigos, vai acontecer com Amarildo o que aconteceu com Garrincha na Suécia. Em 1958, Feola não queria lançar ‘seu Mané’. Os jornais esbravejavam:, ‘O Brasil tem o maior reserva do mundo!’ Só contra a Rússia é que finalmente deu o estalo redentor. Feola escalou Garrincha. E, na primeira bola que recebeu, ‘seu’ Mané liquidou o inimigo. Pois bem: Amarildo irá para o Chile como o maior reserva do mundo, também. No terceiro jogo, ou quarto, sei lá, vai ser lançado como um cristão às feras. E, pela primeira vez, veremos um cristão a devorar leões.”
Amarildo, um fora de série. Um craque, demasiadamente craque. Isso, meus caros, não se discute.
***
Assim é o começo da biografia do aniversariante do dia 29 de julho, o craque Amarildo, que consta do primeiro volume (de 18), a Letra “A”, da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que será lançada ainda este semestre, pela Livros de Futebol.com.
SOMOS TODOS ROMERITO
por Zé Roberto Padilha
Zé Roberto Padilha
Romerito toda hora vem do Paraguai tomar a sua dose. Tem sorte, os portões das Laranjeiras lhe estão abertos e seu nome está sempre entre os convidados de qualquer festa. Mas e os outros dezesseis que o ajudaram a conquistar o Campeonato Brasileiro de 1984, aonde vão buscar as suas?
Todo ex-atleta profissional é dependente de uma droga conhecida como afago. Há também seu genérico, o reconhecimento. Ao longo dos clássicos, vem em uma embalagem para viagem, já quando a partida é na Rua Bariri, em doses homeopáticas. Diferente das outras profissões racionais, em suas veias são injetadas, pela emoção, irreflexão, doses de idolatria ao longo da carreira. O grau de dependência que se manifesta quando a encerram depende do tempo, e da equipe, que defendam. Se jogam no Timão ou Flamengo, fu…danou-se.
Nenhum jogador de futebol pediu para ser ídolo de alguém, mas os gols vão acontecendo, títulos são alcançados, ganham uma faixa em meio a torcida, viram figurinha para o álbum da Panini e goles e mais doses de aplausos lhes são oferecidos. Quando marcam o gol da vitória, então, lhe estendem um papelote. E lhe pedem um autógrafo. Dai seguem anestesiados a cada rodada até o seu jogo de despedida.
No primeiro ano sem a bola nos pés e uma dose no ego poucos sentem. Ainda são reconhecidos, alguns viram treinadores, comentaristas, escrevem suas memórias, sobrevivem. Mas, com o tempo, a ausência do afago, a subida da rampa do Maracanã com aquela bandeira que vestiu passando na cara e nem ela lhe reconhece, sente o início da dependência. Algo começa a faltar no ar junto ao corpo e a alma.
Quando o Fluminense comemorou seus 115 anos, semana passada, e chamou o Gil e não convidou os que fizeram dele um Búfalo da seleção no lugar do touro que surgiu de Vila Nova, faltou o ar para seus companheiros. Subiu a pressão. Passou a ser caso de internação. Sem outra qualificação, pois entendiam ser a profissão de jogador de futebol orgulho do seu país, descobriram quando pararam que a própria previdência lhe negou a insalubridade, mesmo com as chuteiras passado a centímetros de suas cabeças. E precisaram se reinventar na sociedade, sem qualquer preparo ou estudo, para completar o tempo de serviço para alcançar a aposentadoria.
Mais fácil, então, entrar no primeiro botequim. Com um retratinho no bolso do seu time para ser reconhecido, tentar provar que foi importante um dia na vida de algum tricolor. E pedir uma cerveja, uma dose de licor para não lembrar que foi esquecido. Muitos não se chamam Romerito, são brasileiros comuns que se tornaram dependentes esportivos carentes de afago. E de doses profundas de reconhecimento. Na verdade, são todos ex. Para sempre.
*Qualquer semelhança com o autor não terá sido mera coincidência.
REI DAS CAMISAS 1
por André Mendonça
Raphael Reis exibe camisa de Raul
Ter a camisa usada por um de seus maiores ídolos é um privilégio para poucos. Se tratando do uniforme oficial utilizado no jogo mais importante da história do clube, então, é para quase ninguém. É por isso que Raphael Reis, exímio colecionador de camisas de goleiro do Flamengo, não esconde o orgulho para dizer que o item preferido do seu acervo é a blusa que Raul Plassman vestiu na decisão do Mundial Interclubes contra o Liverpool, em Tóquio, quando o rubro-negro sagrou-se campeão mundial.
Viciado em peladas, Raphael se destacava no meio dos amigos fazendo grandes defesas. O desempenho acima da média o levou para a base do Botafogo, mas uma fratura no pé acabou dando fim ao sonho de se tornar profissional. Além da paixão pela posição, o menino adorava o fato dos uniformes dos goleiros serem diferentes dos demais jogadores.
– Tudo começou assistindo à Copa de 1994, quando eu tinha sete anos e fiquei encantado com a camisa do Taffarel.
No ano seguinte, uma Umbro espalhafatosa usada por Paulo César despertava de vez a paixão de Raphael por camisas de arqueiros e dava início a uma bela coleção. A blusa de Paulo César, vale destacar, também é uma das preferidas do colecionador.
Com mais de 160 itens, sendo o primeiro deles uma camisa verde da Adidas usada por Cantarele nos jogos finais do Campeonato Brasileiro de 83, o colecionador revelou que não mede esforços para garantir as preciosidades. Embora não tenha revelado o número exato, o flamenguista revelou que o valor mais alto pago por um uniforme chegou a cinco dígitos.
– Todas as camisas são originais, de jogo. Consigo com ex-jogadores, colecionadores, vendedores e brechós. Meus amigos também me ajudam bastante: tiram foto, me enviam e perguntam se é réplica ou verdadeira. Tenho camisas de 1941, 1953, 1960 e de 1972 até os dias atuais.
Como um bom colecionador tem sempre uma história inusitada envolvendo procura de camisas, o flamenguista não demorou a lembrar do dia em que colocou o amigo Paulinho Pessanha em uma tremenda furada. Tudo começou quando dois amigos de Raphael foram assistir a um jogo em Campos, viram uma camisa rara de goleiro e enviaram uma foto. Encantado, o colecionador pediu para que pegassem o número do desconhecido que vestia aquela blusa e ali iniciava uma saga:
– Eles me passaram o número dele, eu liguei e consegui fechar o negócio. O Paulinho se dispôs a ir pegar a camisa com o cara, afinal, além de ter visto o homem com a camisa, ele morava na cidade. Dito e feito, foi Paulinho para o endereço que o rapaz havia me passado. Era um bar esquisito, um pouco afastado.
Assustado com o ambiente hostil, Paulinho ligou para Raphael para se assegurar de que não estava equivocado.
– Ele encontrou o dono, pegou a camisa e foi embora. Já com a camisa em mãos, Paulinho me ligou apavorado para dizer que estava com ela e que o tal bar também é ponto de venda de drogas da comunidade. Falou que estava tudo bem com ele, e que estava saindo o mais rápido possível de lá! Mesmo percebendo que ali era uma “boca de fumo”, foi lá e me ajudou! Sou muito grato a esse meu amigão!
Além das 164 camisas, o acervo do colecionador reúne algumas luvas, sendo duas da década de 70 e várias atuais com autógrafos de goleiros que passaram pelo Flamengo. A ideia de Raphael é fazer um mini museu dos goleiros do Flamengo com todos esses itens.
No fim da resenha, ao ser perguntado sobre a má fase dos goleiros rubro-negros ultimamente, o colecionador demonstrou esperança com a chegada de Diego Alves:
– A expectativa é a melhor possível! É um grande nome, a altura do Flamengo. Também poderá passar sua experiência ao Thiago e ao César – finalizou.
ESTE CARA SOU EU
por Zé Roberto Padilha
Os cabelos, o bigode, as espinhas e os meniscos se foram. O olhar cansado, após 90 minutos defendendo uma nação, tinha na foto uma explicação: o Flamengo vencera o Vasco por 3×1 e conquistara, após correr os 90 minutos, pela avaliação do Jornal dos Sports, a melhor nota da minha carreira: 9,5. Portanto, acreditem porque já se passaram 41 anos: este cara sou eu.
Apenas Arthur Antunes Coimbra levara uma nota maior naquela tarde, um 10, porque já era o Zico. E marcara dois gols, um deles inesquecível na cobrança de uma falta. Tinha motivação de sobra para jogar o que joguei: o Maracanã recebia no dia 4 de abril de 1976, 174.770 pessoas. O quinto maior público da sua história. Três vezes a população da minha cidade, Três Rios. Pelo menos, ficara sabendo na véspera, que três kombis e dois ônibus da Viação Salutaris conduziriam para lá um pouco da minha gente. Meus pais, irmãos, primos e amigos acabaram também por lá acotovelados. Não poderia decepcioná-los. Não duvidem de quem não dormiu, de tão ansioso, na noite anterior ao clássico: este cara da foto sou eu.
Fui para o Flamengo duvidando de mim mesmo. Como tricolor de carteirinha, escudo pintado no caderno do Colégio Entre-Rios e lambrecado de pó de arroz toda vez que ia aos jogos, passei sete anos nas Laranjeiras torcendo e jogando pelo Fluminense. Ou jogando e torcendo, a recompensa era a mesma. De repente, a troca. Eu para a Gávea, Doval para as Laranjeiras. Da noite para o dia, atleta profissional de futebol. Fim do amor a camisa. Início de fato da profissão. Daí, corri feito um louco e devo ter jogado como gente grande. E afirmo, porque tinha que provar para mim mesmo que podia vencer com outra camisa, mesmo que fosse “a inimiga”: este cara sou eu.
Dia 11 de agosto de 2017, sexta-feira, às 19h30, na Livraria Favorita, no Shopping Américo Silva, estarei autografando meu novo livro: “Memórias de um ponta à esquerda!”. Para provar, levarei comigo os olhos do Bruno, os cabelos da Roberta, o rosto do Guilherme e a coração rubro-negro da Priscila Ou colocarei uma peruca. Pouco importa: estarei por lá esperando vocês. Porque este ponta esquerda aí da foto, um tricolor que se orgulha de ter defendido uma nação, jura para vocês: este cara sou eu.