VAI DAR ZEBRA!
texto: Victor Kingma | charge: Eklisleno Ximenes.
Gentil Cardoso
A zebra do Gentil Cardoso, no gramado, e a zebrinha do Borjalo, na loteca.
O futebol, nosso velho e bom esporte bretão, trazido para o Brasil por Charles Miller em 1894 e que em pouco tempo se tornou uma paixão nacional, vem, ao longo de todos estes anos, não só contribuindo para a divulgação da imagem do país em todos os cantos do mundo, mas, também, influenciando até na formação da nossa língua pátria. Várias expressões, oriundas do meio futebolístico, acabaram se incorporando ao nosso vocabulário.
Uma delas, que muito bem comprova essa tese, é “vai dar zebra!”
Borjalo
Essa expressão, tão comum entre os boleiros, significa, no popular, que o inesperado pode acontecer.
Foi usada pela primeira vez pelo técnico Gentil Cardoso, um dos maiores filósofos do futebol brasileiro, em 1964, num jogo do Vasco da Gama contra o seu time, a Portuguesa, pelo Campeonato Carioca daquele ano.
O favoritismo era todo do Vasco, mas antes do jogo, entrevistado pelo repórter de campo, Gentil profetizou: vai dar zebra! Estava se inspirando numa outra grande manifestação da nossa cultura, que é o jogo do bicho.
Quando o Barão de Drumonnd criou este jogo, escolheu 25 bichos e entre eles, não estava a zebra.
Assim, dar zebra no jogo do bicho é impossível.
Mas, no jogo de futebol, o que parecia impossível aconteceu: a Portuguesa venceu por 2 a 1. Deu zebra!
O fato foi manchete em vários jornais do dia seguinte. E virou folclore.
No início dos anos 70, com a implantação da loteria esportiva que se tornou uma febre para os apostadores, o termo foi mais popularizado ainda. Isso porque, na televisão, era uma zebrinha, na voz da dubladora Maralisi Tartarini, quem informava o resultado dos jogos.
Quando acontecia algum resultado inesperado, a simpática zebrinha, criada pelo saudoso cartunista Borjalo, baseado na expressão de Gentil Cardoso, roubava a cena nas noites de domingo no programa Fantástico, com sua voz inconfundível:
– Olha eu aí! Zebra!
E a zebra foi se incorporando cada vez mais ao vocabulário esportivo.
Com o passar do tempo a expressão passou a ser usada popularmente para definir algo que pode não dar certo ou não sair conforme o previsto. Assim, pode “dar zebra” num negócio, viagem, eleição, namoro e, é claro, num jogo de futebol.
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BARABÁ: 38 ANOS RESISTINDO AO TEMPO
por Marcos Vinicius Cabral
Sempre foi lema dos mais antigos, desde quando os jogos eram praticados no extinto campo do Jacaré, no bairro do Paiva – afinal de contas, o Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, existe desde 01 de agosto de 1979 – que jogar aqui, tem que ser por amor.
Mas não um amorzinho desses de filmes românticos, não!
E sim um amor incondicional, daqueles que ultrapassam barreiras e transformam uma diluída paixão – sentimento comprovado por qualquer um ao vestir a camisa do Barabá – em um sólido amor.
Sobretudo, para jogar aqui, independe da opção partidária, sexual e religiosa:
– Houve uma época, que o Frei Adão e o diácono Carlos Alberto, que eram da igreja Nossa Senhora das Graças, no Porto Velho, jogaram conosco, demonstrando que o amor ao Barabá ultrapassa todo e qualquer preconceito – cita o ex-presidente do grupo, Roosevelt Pina, de 50 anos.
Antes chamado Bar a Bar – já que os jogadores iam após os extenuantes jogos, perambulando pela cidade em diferentes bares para tomar aquela gelada -, o nome mudou através das quase quatro décadas de existência.
Hoje, os frutos estão sendo colhidos por uma nova geração de jogadores que segue a cartilha da colheita produtiva que lá atrás foi semeada pelos inesquecíveis Armando, Beto, Chiquinho, Marlon (que foi presidente em duas ocasiões), Mathias (que pendurou as chuteiras ano passado), Plínio e o já falecido Seu Osório, que foram os fundadores do grupo, assim como Marcelo, fiel patrocinador.
Com o passar dos anos e dos avanços tecnológicos nas comunicações, não seria de se estranhar que exista um grupo com os integrantes no aplicativo WhatsApp, funcionando com 28 barabaenses.
Nele, as discussões, brincadeiras, rivalidades e encarnações, dão um frescor não menos apimentado que antecedem as partidas.
Portanto, a ordem aqui é chegar cedo, vocifera Jorginho, camisa 11 e que tem 10.178 gols no cômputo geral da carreira, escritos na chuteira branca da marca Topper, como prova irrefutável dos seus feitos.
Enquanto é chamado pejorativamente por alguns de “Além” – mundo em que os espíritos habitam, segundo o dicionário -, Jorginho diz não estar morto para o futebol.
E completa, ajeitando o óculos, fazendo questão de enumerar suas pinturas futebolísticas, comparáveis aos grandes mestres impressionistas, como os pintores franceses Monet, Renoir, Cézanne, o holandês Van Gogh e o espanhol Pablo Picasso:
– Já parei no ar e fiz de cabeça, igual ao Dadá Maravilha; já escorei chutes sem direção e fiz de barriga, igual ao Renato Gaúcho; rompendo a marcação, marquei de bico igual ao Ronaldo Fenômeno; cobri o goleiro na saída, igual fazia Romário; na falta, bati no ângulo, e lembrei Zico; de pênalti, humilhei igual costumava fazer Djalminha; de voleio, fui Bebeto por um dia; de calcanhar, mesmo sem ter estudado medicina, operei milagres na bola igual Dr. Sócrates; de oportunismo, lembrei Túlio Maravilha; de peito, igual a Paulinho; em arrancada, me confundiram com Neymar, quando fiz um golaço; de bicicleta, fiz um de placa, igual ao rei Pelé e até de mão já fiz, igual Maradona. Mas confesso que de canela, joelho, ombro e até deitado, por incrível que pareça, eu sacudí as redes – cita se considerando um peladeiro completo.
Com isso, os artistas do espetáculo vão chegando um a um, para participarem de mais um domingo de pelada, onde atos litúrgicos ou tragicômicos são encenados naquele palco de terra batida.
Se o ex-árbitro Arnaldo Cézar Coelho (que apitou a final da Copa do Mundo da Espanha, em 1982 e hoje comentarista de arbitragem da Rede Globo) diz que a regra é clara, aqui essa regra é mais clara ainda, quase insípida.
Quem quiser jogar o primeiro tempo, tem que levantar do quentinho da cama, botar o relógio para despertar, se privar de sair no sábado, permanecendo concentrado para o dia D.
Sempre chegar cedo, bem cedo!
O cedo aqui, no campo da Brahma, no Porto Velho, em São Gonçalo, é notório quando saem das bocas a fumacinha que lembra muito os filmes americanos, tamanho o sereno que, às vezes, fazem queixos tremerem.
Mas isso não importa!
Se os queixos tremem, são os jogos acirrados que desmistificam a baixa temperatura.
Mas antes um queixo tremer do que perder o primeiro tempo da pelada.
Mas se alguém chegar depois das 6h30, já era, é segundo tempo e ponto final.
Porém, aos poucos, chuteiras adormecidas e multicoloridas são tiradas das bolsas esportivas e/ou das sacolas do Guanabara.
Existem ainda, os que não utilizam bolsas e tampouco sacolas, trazendo as embaixo do braço ou já chegam com elas calçadas, demonstrando, com isso, pinta de jogador.
Tem uns que nem pinta são, são uma mancha!
Mas a expectativa da partida iniciar é grande, dando para perceber o nervosismo nas mãos que vestem os meiões ou no cheiro do gelol que é aplicado no músculo adutor da coxa.
Neste momento, antes da bolar rolar, as equipes são formadas e todos querem jogar ao lado de Washington, vulgo Macaé, que por ser craque, faz a diferença.
– É um prazer estar nesse grupo. Fico feliz pelo reconhecimento ao meu futebol e sei que às vezes, sou decisivo – diz o humilde atleta de 30 anos que chegou a enfrentar o craque Samuel Eto’o (que na ocasião defendia a seleção de Camarões e fez história no Barcelona), quando ainda jogava no clube camaronês Canon Sportif de Yaoundé, em um amistoso em 2008.
Mas antes da bola rolar, o meio de campo começa a ser ocupado pelas camisas azuis e laranjas, que vão uns dando as mãos aos outros formando assim, um círculo com os 20 jogadores unidos em oração.
– Aqui no Barabá, nenhum jogador fica sem participar da oração. Ali, elevamos nosso pensamento ao Senhor, pedindo que o jogo seja abençoado e principalmente, que nenhum colega se machuque. Tem dado certo, pois o único que está machucado há um bom tempo é o Paulo, nosso querido Guerron – explica Marcos Vinicius, o atual presidente.
Depois disso, o jogo vai começar e a bola, impávida, se prepara para receber tratamento especial de pés contumazes.
Do lado de fora, alguns torcedores separados pelo alambrado, rasgam o horizonte de gol a gol, e, com olhos tristes e compenetrados, olham o céu e sussurram baixinho palavras inaudíveis.
O árbitro apita, dando início a partida com tamanha vontade, que nos faz lembrar os mestres de bateria das escolas de samba, que travam uma luta com seus componentes na busca desenfreada do ritmo harmonioso pela nota 10.
Aos poucos, o palco antes esquecido e pisado por 42 pés (20 jogadores e o árbitro), recebe a presença necessária do sol, que ocupa metade da arena, arrefecendo assim, os gladiadores.
Se por um lado o poder belicoso com sua artilharia pesada de Júnior Gás, Manoelzinho, Jorginho, Alan e Macaé buscam incessantemente o gol, por outro lado, a retaguarda com Luiz Pinóquio, Silvano, Luan, Gaúcho, Lucas, Gugu e Marcos Paulo (que tem um sério problema com o quique da bola), tentam evitá-los.
Nas laterais, o duelo é intenso e sadio.
Se Jacaré, com toda sua idade, ainda dá conta do recado, Sandro se sobressai com talento incomum.
Enquanto Pupuca peca nos cruzamentos quando explora os avanços do rápido garoto Coutinho, Denis, quando atua, compensa com um corpo avantajado e fica na defensiva, travando com Batista, um bom duelo.
Já Maguinho, o lateral diferenciado como costuma se auto-proclamar, vai dosando e se mantém firme na esquerda, enquanto Aderaldo ou Soneca vão percorrendo por ali, uma avenida que costumam encontrar.
Já na meio campo, ponto de equilíbrio e criação de toda equipe, Nebi, Richard, Pinto, Ricardo e Vinicius, tocam a bola e cadenciam o jogo com categoria, mesmo em momentos de lassidão.
Em contrapartida, Wellington, Daniel, Nathan, Thiago, Davidson e Marcos Saci dão velocidade e intensidade ao time.
De uns tempos pra cá, com as saídas dos goleiros Neco e Candango, dos zagueiros Alexandre, Carrapeta e Reco, do lateral Bicudo e dos meias André, Gugu, Gutyerrez e Roosevelt, a renovação aconteceu naturalmente e deixou saudades:
– Sinto falta dos que saíram do grupo, mas o Fabiano Caixote, é especial, pois me trouxe para cá – diz emocionado o camisa 30 Nebi, ao lembrar do amigo morto há seis anos.
Hoje, o Barabá completa mais um ano de vida solidificando os laços amigáveis, como uma verdadeira família, conforme exalta o meia Nathan:
– Muitos falam do futebol aqui, mas não somos profissionais, o que conta é a amizade, o companheirismo e além de tudo o respeito – diz o atleta de 23 anos, que é o mais novo do elenco.
E não existe para a “Família Barabaense” tristeza maior que não ter jogo no domingo.
– Realmente, se tem algo que me deixa triste, é não ter jogo no domingo – diz o centroavante Alan Rodrigues, de 36 anos.
E completa, como bom finalizador que é:
– Minha relação com este grupo, trouxe amigos e rendeu troféus nos anos em que fui artilheiro. Afinal, é uma filharada enorme, pois são oito ao total – diz mostrando os troféus guardados carinhosamente em sua residência.
Novo uniforme do Barabá estampa logo do Museu da Pelada
Mas o Barabá não é a única paixão dominical, na vida de seus jogadores:
– Futebol é paixão e sou apaixonado por esse grupo” – diz um apressado Carlos Magno, ou melhor, Maguinho, indo em direção ao bar para comer o seu sagrado pão com ovo, ritual que faz ao fim de cada jogo.
Portanto, o Grêmio Recreativo e Esportivo Barabá, (re)vive os bons momentos e vai cada vez mais, marcando a vida e permanecendo em um cantinho reservado dentro do coração daqueles que têm ou tiveram a oportunidade de vestir suas cores.
A TRISTE MILONGA DO JUIZ FRACO NA VÁRZEA…
por Marcelo Mendez
(Foto: Reprodução do site Amigos da Várzea Fria)
Dos sábados pela manhã nada se espera de muito diferente das idiossincrasias que esse dia reserva para quem mora nos Bairros do ABCD, como no meu caso, no Parque Novo Oratório. Geralmente é assim, desde que existem os sábados pela manhã. Via de regra é isso, mas no último sábado vivi a exceção da coisa toda. Eu teria um jogo de várzea para fazer.
Pois é.
Da vez em questão não aconteceria clássica peleja dominical que rege a tradição do futebol varzeano. É assim desde sempre, desde que havia os campos espalhados pelas periferias que não existem mais, por sonhos que não se sonham, por poesias que não escritas, por músicas que não são mais tocadas, por paixões que não são mais vividas. Sendo assim, de acordo com o que não mais se tem, do que se nega, o fato de haver jogo na várzea sábado à tarde, afora de mudar minha rotina, nada de mais estranho provoca. Dessa forma lá fui eu.
Munido de caneta Bic, bloco de notas e alguns sambas assoviáveis e épicos, rumei para o Estádio do Nacional no meu Parque Novo Oratório para cobrir a rodada inicial do Torneio Uniligas, uma copa que reúne os campeões e vice das sete cidades do ABCD. Um campeonato que vem com toda pompa de uma competição recheada de patrocinadores, apoios, olhos atentos de todos e muitos interesses, até alguma ansiedade, ora veja.
A peleja se daria entre os times do Metalúrgico de São Caetano e o IV Centenário de Santo André. A expectativa era grande, afinal trata-se de times formados pelo que há de melhor no futebol amador da Região. Tinha camisas novas, bolas boas, técnicos atentos, focados, jogadores aflitos pelo tocar na bola. Tudo, portanto, estava pronto para que houvesse ali um daqueles jogos de muita pompa e grita. No entanto, apesar do dia ser outro, mesmo não havendo aquele romantismo de outrora, as coisas citadas são do Universo da Várzea e este, meus caros, é impar. Sendo assim, não demorou muito para que aparece-se um personagem que fizesse jus a esta tradição.
Dez minutos de jogo e então temos a primeira falta dura; Um carrinho dado com a voracidade de um solo de sax de Sonny Rollins, a riscar a perna do atacante. O árbitro, ali ao lado da jogada o que faz? Nada. Absolutamente nada. Avisado pelo auxiliar muito custa a apitar uma falta, mas não uma falta portentosa, digna de um zagueiro bufão, não; apitou uma faltinha, desconsiderando totalmente o clima do jogo, tal e qual um juiz de jogo de condomínio. O resultado foi péssimo.
A partir dali surge então o juiz fraco. Sim meus caros. O juiz fraco não coíbe nada, não grita, não se impõe, não ta nem aí para nada disso. Ele tem no semblante, toda a tragédia de uma obra Shakespeariana, tem toda a melancolia de um Huckleberry Finn, tem a tristeza dos amantes de amores frustrados.
Não há nele a febre de uma paixão impossível, não existe em seus atos, o impulso que vira um jazz flamejante, um rock sanguíneo, nem a epifania do primeiro beijo na boca de uma adolescente virgem. Nada disso. Ele além de triste, nada mais que é um correto. Sim, vos afirmo:
O juiz fraco é um honesto! Nele não há o encanto de um juiz tendencioso, não há a poesia daquele clássico apito caseiro, nada disso. Erra porque é ruim. Falha porque apenas é fraco. Ouve gritos, xingamentos e palavrões diversos por obstinação, como ouviu o juiz de sábado. Ao término, após o 1 a 1 final me aproximei do moço. Vendo seu rosto melancólico, nada falei. Apenas lhe dei um abraço.
Sem entender muito, ele retribuiu me abraçando fortemente…
DINO DA COSTA, O PRIMEIRO BRASILEIRO ARTILHEIRO DO CALCIO
por André Felipe de Lima
Dino da Costa foi o primeiro brasileiro a se consagrar no “Calcio” (como chamam o futebol na Itália) ao se tornar artilheiro do Campeonato Italiano, quando marcou 22 gols com a camisa da Roma na temporada 1956/57. O centroavante nasceu no Rio de Janeiro em 1º de agosto de 1931. Das peladas nas ruas da Penha, na zona norte do Rio, em um clube do mesmo bairro em que morava, para os juvenis do Botafogo, em 1947, deu os seus primeiros passos no futebol.
Quem o levou a General Severiano foi seu tio Rogério. Quando chegou ao time de aspirantes, Dino teve sua primeira chance entre os profissionais graças ao técnico Pirillo, craque de bola em passado ainda mais remoto, vestindo as cores do Internacional, do Peñarol, do Flamengo e do próprio Botafogo. A estreia aconteceu durante a vitória de 3 a 0 sobre o Madureira, no dia 14 de abril de 1951. No jogo, Dino marcou dois gols. Ele e o ponta-direita Joel, que trocaria General Severiano pela Gávea numa das transações mais polêmicas do futebol carioca do início dos anos de 50, tinham acabado de sair do time de aspirantes.
Mais tarde, sob o comando do folclórico técnico Gentil Cardoso, garantiu a vaga de titular e, de quebra, foi renovando contratos vantajosos a ponto de conquistar um salário de onze mil cruzeiros mensais, em fevereiro de 1955. Estava a meses, portanto, de ter o passe negociado ao futebol italiano.
Dino partiu, mas deixou bons investimentos com o que ganhou no Botafogo. Comprou três terrenos no interior do Estado do Rio de Janeiro. Foi, contudo, no campo de futebol suas mais significativas conquistas. Dino da Costa consagrou-se como artilheiro do Campeonato Carioca de 1954, com 24 gols, jogando sempre pelo Botafogo, único clube que defendeu no Brasil antes de se transferir para o futebol italiano.
Embora desejasse ser artista de rádio, um anseio de muitos jovens de sua época, a vocação para o futebol era latente e a de goleador simplesmente espantosa. Que o digam os rivais do Botafogo. No tradicional clássico “Vovô”, contra o Fluminense, Dino da Costa marcou 11 gols, marca que o posiciona em segundo lugar, atrás apenas de Heleno de Freitas, na lista de artilheiros alvinegros contra o Tricolor. Frente ao Flamengo assinalou seis vezes e contra o Vasco, sete. Apesar da excelente performance diante dos rivais, Dino confessou ao repórter Isaac Cherman, em 1955, que o Botafogo era “clube mais azarado do Brasil”.
Após uma excursão à Europa em 1955, a diretoria do Fogão vendeu, além do próprio Dino da Costa, que passou a vestir a camisa da Roma, seus outro excelente atacante, o craque Luiz Vinícius de Menezes, conhecido como “Leão de General Severiano”, que seguiu para o Napoli. Com o passe de Dino e Vinícius, o Botafogo embolsou 10 milhões de cruzeiros, o equivalente a 50 mil dólares na época.
O último jogo de Dino da Costa pelo Alvinegro aconteceu no dia 9 de julho de 1955, em Praga, na vitória de 1 a 0 [com gol de Vinícius] sobre o Dínamo. Dino vestiu a camisa do Botafogo em 176 partidas e marcou 144 gols, sendo artilheiro também do torneio Rio-São Paulo de 54, com sete gols.
As negociações dos passes de Dino da Costa e Vinícius renderam uma fortuna ao clube, mas também uma grita incessante dos torcedores. No primeiro jogo, contra o Vicenza, no dia 18 de setembro de 1955, Dino da Costa marcou um gol na goleada de 4 a 1 da Roma sobre o Vicenza, clube em que seu ex-companheiro de Botafogo jogaria na década seguinte. A torcida Alvinegra ficou revoltada, e não era à toa, já que ao fim da temporada italiana de 1956/57 Vinícius foi o segundo artilheiro, com 18 gols, atrás apenas de Dino, que assinalou 82 gols pela Roma em 163 jogos, incluindo os da Série A, disputados entre 1955 e 1960.
Dino da Costa permaneceu no futebol italiano, onde também se destacou na Fiorentina, pela qual disputou 30 jogos e marcou oitos gols, e no Atalanta, com 52 jogos e 18 gols, de 1961 a 63. Rodou por vários clubes da “vecchia bota”, vestindo as camisas da Juventus, pela qual marcou 12 gols, Hellas Verona e Ascoli, último clube da carreira, na temporada 1967/68. De 1955 a 1968, o desempenho do jogador brasileiro na Série A do Campeonato Italiano foi extraordinário: marcou 108 gols em 282 jogos.
Cidadão brasileiro, porém oriundi, Dino da Costa obteve a dupla nacionalidade e chegou a entrar em campo uma vez pela Squadra Azzurra. O jogo aconteceu no dia 15 de janeiro de 1958 e a Itália perdeu de 2 a 1 para a Irlanda do Norte, com um gol dele, o implacável Dino da Costa. Mas o jogo valia muito. Era decisivo para ver quem iria à Copa do Mundo de 1958, a ser realizada na Suécia. Foi a última vez que a Itália ficou fora de uma Copa. Dino formou o ataque da Azzurra com outros dois grande nomes do futebol sul-americano, os uruguaios (e oriundi como ele) Alcides Ghiggia e Juan Alberto Schiaffino, que nos fizeram chorar na final da Copa de 50, no Maracanã.
Quando encerrou a carreira nos gramados, o ex-atacante do Botafogo ingressou imediatamente em outra profissão que não lhe afastasse do futebol: a de treinador.
Poucos ainda se recordam do craque Dino da Costa no Botafogo, mas o goleador é considerado um dos maiores artilheiros da história do Fogão e incontestável ídolo da história da Roma.
***
A biografia de Dino da Costa consta do quarto volume (de um total de 18), a Letra “D”, da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, que será lançada no primeiro semestre de 2018, pela Livros de Futebol.com. Ainda este ano, disponíveis no mercado os dois primeiros volumes, as letras “A” e “B”. Aguardem!
QUANDO NISKIER DESCOBRIU BIGODE. E BIGODE DESCOBRIU A VIDA SEM A BOLA
por André Felipe de Lima
(Foto: Reprodução Esporte Ilustrado)
Nascia um repórter com “Bigode”. Sim, bigode, mas não um bigode comum. Era o Bigode, aquele lateral-esquerdo que brilhou no Atlético Mineiro, no Fluminense e no Flamengo. Esse ficou famoso pelo lance capital da Copa de 50, mas pouco se fala (ou se escreve) sobre a fase de repórter do jornalista e escritor Arnaldo Niskier, que escreveu, quatro anos após o Maracanazo, sobre a volta por cima do Bigode, claro, o da Copa de 50.
Seis anos antes de assumir a chefia de reportagem da revista “Manchete”, Niskier, que contava apenas 19 anos de idade e já assinava crônicas esportivas no jornal “Última Hora” (desde os 16 anos), escreveu aquela que talvez tenha sido uma de suas primeiras reportagens mais elaboradas no começo da carreira: “Bigode ‘ressuscitou’ duas vezes”, publicado na “Gazeta Esportiva Ilustrada”, em novembro de 1954.
Escrevera assim o broto do jornalismo carioca: “O futebol é o tipo de esporte cheio de caprichos. Assim à semelhança de uma mulher exigente”. Toda a pompa do “nariz de cera” preparava o enredo da reviravolta na vida de Bigode após o fiasco da Copa de 1950 e a passagem tosca pelo Flamengo.
Para Niskier, Bigode tinha prestígio consolidado por um estilo “duro como carne de pescoço”. Ao jovem Niskier, Bigode contrariou a tese de que era um jogador violento: “Eu não me acho violento. Ou, se o sou, é uma violência (sic) leal. Não busco o adversário. Vou na bola”.
Ao repórter juvenil, o jogador criticou o sindicato dos jogadores da época. Para Bigode, a entidade descontava mensalidades na folha salarial dos jogadores e não tinha força alguma para defendê-los, sobretudo na questão do passe. “Os clubes acabam sempre levando a melhor”.
Como apurou o bravo repórter Niskier (que sequer imaginaria, no longínquo 1954, tornar-se um dia imortal das Letras), a transferência de Bigode do clube das Laranjeiras para o da Gávea foi conturbada devido a um “mal-entendido” do departamento médico do Fluminense. “Diziam que o médio tinha acabado para o futebol, estava ‘morto’ para as lides desportivas. Mas, bem tratado, recuperou-se, chegando a brilhar no grêmio da Gávea”.
Niskier frisou, contudo, que o treinador Flávio Costa mostrou-se desinteressado por Bigode, dispensando-o para promover o lateral Jordan, que acabara de ser contratado ao São Cristóvão. Coube ao cartola do Fluminense, Benício Ferreira, resgatar o antigo ídolo do clube. E pelo Fluminense conquistou seu maior título na carreira: a Copa Rio de 1952, uma espécie de campeonato mundial de clubes. Mas o fim da trajetória nos campos de futebol era iminente.
Após a carreira, Bigode evitou falar sobre futebol. Morou parte de sua vida na pequena São Mateus, no Espírito Santo, e na Rua Viveiros de Castro, em Copacabana. Ao contrário de Barbosa, que teve um destino impiedoso e vida paupérrima, Bigode conseguiu amealhar uma economia (“mais de um milhão de cruzeiros”, como dissera a Niskier) suficiente para tocar a vida. A passagem pelo futebol carioca permitiu-lhe comprar imóveis (teve cinco somente em Sagrada Família, bairro de BH), oito terrenos na Vila Industrial (também Minas) e empreender uma loja de material de rádio, televisão e refrigeradores, na Travessa Belas Artes, no Centro do Rio de Janeiro, com um sócio vascaíno, Amadeu Barbedo.
Nas eliminatórias para a Copa do Mundo, Brasil e Uruguai enfrentaram-se em junho de 2000. Bigode pisou, enfim, novamente no Maracanã para gravar seu pé no Hall da Fama do estádio e reencontrou Ghiggia. Os dois se abraçaram. “Foi meio difícil, mas não podia me negar a falar com ele”. Se quis abraçar Ghiggia, nunca mais quis conversa com Juvenal. “Essas vaias são para você”, teria dito Juvenal após o gol de Ghiggia. Bigode magoou-se. “Um companheiro me culpou pela derrota. Foi o que mais doeu”.
Bigode ficou só. Todos de sua família morreram. No final da década de 1990, após sofrer um acidente na mão que o impediu consertar aparelhos eletrônicos. o seu ganha-pão, decidiu deixar o Rio de Janeiro e migrar para São Mateus, no interior do Espírito Santo, onde foi acolhido por uma família que conhecera no Rio de Janeiro.
Na madrugada de uma quinta-feira, dia 31 de julho de 2003, problemas respiratórios e circulatórios, uma pneumonia crônica e um choque séptico derrotaram Bigode, que estava internado no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, em Belo Horizonte.
No Cemitério Bosque da Esperança, na capital mineira, jaz aquele que, ao lado de Barbosa e Juvenal, foi um dos mais injustiçados pela “inquisição do futebol brasileiro”. Talvez, a torcida do Atlético Mineiro tenha redimido o craque. Era verdadeiramente idolatrado em Minas Gerais, como disse ao repórter Irapuan Barbariz: “A maior emoção já experimentada por mim, em tôda a minha vida esportiva, ocorreu em Belo Horizonte: integrava o quadro do Atlético e, após derrotar o São Paulo FC, em que figuravam King, Piolim, Noronha, Luizinho, Remo e outros, fui, à noite, ao Cinema América, ao entrar, recebi uma verdadeira ovação dos expectadores, pois eu havia consignado o tento único da pelêja e êles acharam por bem comemorar em mim a vitória alcançada, fazendo-me alvo de suas manifestações”.
Ao longo da carreira, o “Bigodinho de Arame” – como o chamavam na infância – merecia muitos apupos. Mas aquele gol do Ghiggia não deixou isso acontecer.