EDU E OS BAILARINOS
por Rubens Lemos
O Museu da Pelada segue diferenciado. Linda entrevista com Edu, o Eduardinho de Jaú. Edu, do Santos, merece a condecoração de Pai da Ponta-Esquerda. Edu representou, pela canhota, sem esquecer Canhoteiro do São Paulo, o encanto do drible repetido a cada façanha inédita de Mané Garrincha e Julinho Botelho pelo lado direito.
Incrível se falar nas Eliminatórias de 1969, permitidas a mim em DVDs de todos os jogos, em Pelé ou Tostão como senhores absolutos. Sem blasfêmia, Edu foi, aos 18 anos, o melhor jogador do Brasil na visão dos meus marejados olhos.
Seus dribles curtos indomáveis desmontaram todos os esquemas armados pelos técnicos do continente. Um toque curto para dentro, outro para fora e o lateral girando feito um Ioiô vertical, patético.
Edu não errou uma e foi gigante nos 3×0 sobre o Paraguai lá em Assunção e na decisiva partida no Maracanã, aquela do famoso chute rebatido pelo goleiro Aguilera nos pés de Pelé a desferir um petardo classificatório ao México.
O Brasil foi tricampeão sem Edu no time e Zagallo acertou ao juntar tantos craques sem função determinada. Jairzinho no Botafogo, Gerson no São Paulo, Tostão no Cruzeiro e Rivelino no Corinthians jogavam no meio-campo. O mais avançado era Tostão. Todos fantásticos, se entenderam no olhar e na sintonia ludopédica.
O futebol é subversivo a normas idiotas. A minha geração viu, pela ponta-esquerda, peladeiros inesquecíveis, bailarinos irreverentes. Vascaíno, fazia figa quando Júlio César, o Uri Geller, apelido em referência ao ilusionista israelense que dobrava facas e colheres, partia para cima de Orlando Lelé.
Júlio César partia como um carro de Fórmula 1. Pela lateral do campo disparava e puxava o freio diante de Orlando. Dava o famoso “breque”, bordão dos narradores da época. Dava um toque de calcanhar e enfiava a bola por entre as pernas do violento e falecido lateral cruzmaltino.
Dos cruzamentos de Júlio César, em 1979, o Flamengo fez muitos, dos seus gols dos dois títulos estaduais conquistados num ano só: O Carioca e o Especial. Cláudio Coutinho, técnico do Flamengo, jamais levou Júlio César à seleção e o seu futebol definhou, também de tanto apanhar. Orlando Lelé fez cirurgias, ao vivo e a cores, nos seus joelhos.
No São Paulo havia Zé Sérgio, o Curió, primo de Rivelino, uma pintura de ponta-esquerda, que chutava com a direita e driblava em diagonal. Zé Sérgio enfileirava zagueiros como Cauby Peixoto cantava “Conceição”. Foi reserva para a Copa do Mundo de 1978.
No Santos, João Paulo, da primeira leva dos Meninos da Vila, com Pita, Nilton Batata e Juary, campeão paulista em 1978. João Paulo dava um toque, o lateral jogava o corpo, ele passava o pé por cima da bola e saía pela esquerda até a linha de fundo.
No Cruzeiro, a molecagem de Joãozinho, que vi dançar e levar o pânico à defesa do ABC no Castelão (Machadão). Joãozinho metia medo no Atlético-MG de Reinaldo. Bateu sem autorização uma falta contra o River Plate e fez o gol do título da Libertadores de 1976.
Joãozinho levou esculacho do sisudo Zezé Moreira. O Brasil jogou bonito pela ponta-esquerda. Edu, o moleque Eduardinho de Jaú, fez herdeiros banidos pela violência e a burrice dos técnicos.
O GALÃ DE XERÉM, A PELADA QUE AFAGA E A QUE APEDREJA
por Cesar Oliveira
Nunca fui bom de bola, antes um botinudo. Por isso, quando percebi que tinha jeito para o basquete, não hesitei em aceitar o convite do professor de ginástica do Ginásio Luiz de Camões, no bairro do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro, para treinar na escolinha de basquete do clube. Quem se houvesse melhor, diziam, estaria na equipe para o campeonato do ano seguinte.
Não importa aqui explicar os motivos, mas a verdade é que acabei parando no Club Municipal, tradicional agremiação socio-esportiva da Tijuca, onde acabei disputando um ou dois campeonatos cariocas de basquete, no infanto-juvenil.
A preparação física que nos era oferecida acendeu o gosto pela ginástica e pela corrida — que passei a praticar nas ruas de Vila Isabel, Grajaú e Maracanã, em corridas diárias de 12Km, instigadas e orientadas pelo “Guia Completo da Corrida”, de James Fixx (Record, 1977).
Com o tempo, criei métodos: bons tênis de corrida da época (o Adidas era um “conga” com três listras do lado, solado em EVA), sessões regulares de alongamentos antes e depois da corrida, relógio Casio que marcava ritmo, distância percorrida e tempo, alimentação controlada etc.
Saía da Praça Barão de Drummond, corria até o Grajaú, subia a Borda do Mato (uma ladeira que hoje só encaro de carro ou ônibus…), descia a Araxá e tomava uma reta pro Maracanã, onde dava duas voltas no Estádio e voltava para Vila Isabel pela 28 de Setembro. Chegava em casa e nem subia. Beth, a mãe dos meus filhos, já estava me esperando na garagem, onde eu colocava o casaco de couro, capacete e luvas, a deixava no Banerj do Centro da Cidade e ia para a ACM na Lapa, para mais 20 minutos de corrida, uma hora de ginástica e uma pelada de basquete com os velhinhos. Na época, eu com 30, eles com 60.
Sentia grande prazer em acordar às 5h30 para ir pra rua correr. Cheguei certa vez a ir pra rua com febre e debaixo de chuva: voltei curado, a temperatura do corpo expulsando a doença que se insinuava. Quando me perguntavam por que tanta ginástica e “correria”, respondia que queria ser “um velhinho saudável”.
A resposta era premonitória. Hoje, aos 65 anos, ostento no currículo médico duas operações no coração, a primeira aos 52 anos de idade, quatro stents farmacológicos que se fizeram necessários para acertar o entupimento que, agora eu sei, deveria ter percebido quando o professor mandava eu “acelerar! acelerar! acelerar!” na aula de spinning e eu tinha que parar antes dos outros, o peito ardendo e a respiração faltando.
Descobri o problema por uma rotina que eu me impunha: checapes periódicos, teste ergométrico e exames laboratoriais, sob o controle de um médico. Herança dos tempos de ACM e da parceria com o Dr. Paulo Pegado, discípulo de Kenneth Cooper, a quem prestei serviços de marketing no Centro Aeróbico do Brasil.
Não me queixo. O primeiro cirurgião que me operou, no Pro-Cardíaco de Botafogo, me disse logo depois da operação que eu “estava vivo porque havia malhado a vida inteira”: “Seu coração não dava para 40 anos. Você teria um infarto fulminante se não tivesse decidido malhar desde cedo”.
Outro médico, responsável pelo último exame que me liberou para voltar a malhar depois da angioplastia, me disse que estava lendo o trabalho de um cardiologista escandinavo que provava, por A + B, que pessoas fadadas a cardiopatias só se livram da morte súbita se malharem desde cedo, malharem muito e malharem pesado. Então, anotem: dar voltinhas na pracinha antes ou depois do trabalho não vai livrar a sua cara.
Não tenho ilusões sobre os motivos que me levarão, um dia, sabe Deus quando, a desencarnar. Mas gostaria de explicar agora por que esse papo num site de peladas e peladeiros.
Gamarra (de verde) na pelada
Semana passada, meus filhos e eu perdemos um jovem amigo durante uma pelada em Jacarepaguá. O músico e compositor Pablo Amaral — o tricolor de coração “Gamarra”, integrante do Galocantô, grupo de samba do qual meu filho Rodrigo Carvalho participou da fundação, um cavaquinista de primeira, pai de uma linda menina de quatro anos — infartou e não chegou vivo ao hospital.
Por mais que as crenças nas lições do Espiritismo consolem a minha alma, não posso deixar de chorar e lamentar uma perda tão precoce. Talvez Gamarra, como muitos outros jovens, nem desconfiasse dos problemas que o fariam nos deixar órfãos do seu sorriso, da sua amizade e do seu enorme talento.
Por fim, uma lição, para todos nós. James Fixx (1932–1984), o corredor-escritor, autor do “Guia Completo da Corrida”, citado lá em cima, começou a correr para evitar ter o mesmo destino do pai: morrer por infarto, aos 30 anos de idade.
Depois de começar a correr aos 35 anos, Fixx largou o cigarro e emagreceu mais de 20 kg. Ainda assim, aos 52 anos de idade, morreu enquanto corria numa estrada de Vermont. Foi encontrado deitado ao lado da estrada, morto devido a um ataque cardíaco.
Correndo, ele ganhou quase 20 anos de sobrevida. Eu também, ganhei uns doze até a primeira operação e vou segurando a onda.
Então, você que gosta de uma pelada semanal, faça um favor a você, seu cônjuge, filhos e filhas, netos e netas, amigos e companheiros. Procure um cardiologista amanhã e comece a controlar a sua saúde. Faça exercícios regularmente. Controle a alimentação. Beba e coma pelo paladar. E viva o tempo que Deus quiser, mas com ótima qualidade de vida.
“Galã de Xerém” é um samba de Pablo Amaral e Edu Tardin, gravado pelo Galocantô no CD Fina Batucada, que você pode ouvir aqui.
O FIM DO FERROLHO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Nana Moraes)
Foi triste a Itália ficar fora da Copa? Se no elenco tivesse Baggio, Cabrini, Maldini, Baresi, Paolo Rossi e Antonioni seria um drama. Só que essa turma jamais ficaria fora de uma Copa porque jogava bola. Mas a verdade é que desde a nossa eliminação, em 82, a Azzurra vem fazendo um mal tremendo ao futebol com essa história de se considerarem a melhor defesa do mundo.
Tudo bem, saber jogar na defesa é uma arte. Baresi e Maldini que o digam, dois craques! Mas futebol não é só isso. A Itália não se renovou, insistiu nessa filosofia e provou de seu próprio veneno quando encontrou uma defesa bem armada como a da Suécia. A Espanha insistiu com essa história de Fúria até não dar mais. Rendeu-se, trouxe mais estrangeiros, investiu no toque de bola e Guardiola foi a cereja do bolo!
No calçadão, me perguntam: “Mas, PC, essa história de ter muitos estrangeiros não prejudicou a Itália?”. Claro que não. Essa mistura é ótima e jogar com craques fica muito mais fácil. Quem não sabe, aprende. Lembro que na Copa de 70 quando entrei em campo contra a Inglaterra reparei que eles não tinham nenhum pretinho, kkkkkk!!!! A nossa tinha eu, Pelé, Jair….
Quando fui jogar na França também era assim. Vejam as duas seleções hoje! Até a tradicionalíssima Inglaterra está se renovando e já venceu os mundiais de sub 17 e 20. Essa história de ferrolho italiano já deu, esse conservadorismo, futebol de resultado, covarde e chato.
O maior ídolo da Itália é o Buffon. Isso é a maior prova da falta de renovação. Meu Deus, ele ia para a sexta Copa do Mundo. Garanto que os reservas estão vibrando porque finalmente ganharão uma oportunidade. E, além disso, quem é esse técnico da Itália???? Chupou laranja com quem????
Coloca o Conti, o Allegri, sei lá, mas esse aí parece um dos nossos professores retranqueiros. Resumindo: a Itália ficar fora da Copa foi uma luz no fim do túnel, principalmente para os que compartilham da opinião de que a melhor defesa é o ataque.
“A BOLA PELA QUAL ZICO ESPEROU NA CARREIRA INTEIRA”
por Luis Filipe Chateaubriand
Arthur Antunes Coimbra, o Zico, é o jogador de futebol brasileiro mais completo que este escriba conheceu. Era bom para lançar e concluir, como Armando Nogueira bem definiu certa vez, arco e flecha. Passava e chutava de perna direita e de perna esquerda. Cabeceava como poucos. Batia faltas de forma divina. Sabia usar o calcanhar com perfeição. Driblava de forma vertical.
Uma estória pouco lembrada da carreira do “Galinho de Quintino” aconteceu em 1988: jogo pelo Campeonato Brasileiro, no Maracanã, o Flamengo venceu o Criciúma por 3 a 0.
No primeiro tempo, o Flamengo vencia de 2 x 0, dois gols de Bebeto. Com o segundo tempo em andamento, Bebeto recebe a bola na grande área, em seu lado esquerdo. Domina, ajeita o corpo e, mansamente, rola a bola para a meia lua, na entrada da grande área. Zico, um pouco atrás de onde a bola chegaria, corre, arma o chute e desfere uma “bomba” no ângulo direito do goleiro do clube de Santa Catarina.
Um gol fora de série!
No vestiário, comentando o gol, Zico fala sobre o passe de Bebeto:
– Esperei minha carreira inteira que alguém rolasse uma bola como essa, para fazer um gol assim!
A magia de futebol é composta de lances que marcam a nossa memória. Este aconteceu há 29 anos, mas, em minha mente, parece que aconteceu ontem. Bendito futebol, que nos dá a chance de ter recordações como essa!
*Luis Filipe Chateaubriand é estudioso das questões acerca do calendário do futebol brasileiro. Foi consultor do Bom Senso Futebol Clube para o assunto. Escreveu vários livros e artigos a respeito, entre os quais “Um Calendário de Bom Senso para o Futebol Brasileiro”. Foi membro do Grupo de Trabalho de Reformas do Calendário da Confederação Brasileira de Futebol. Vascaíno, é um grande admirador do futebol de Zico, com quem sofreu durante a juventude.
ODE A NILSINHO, O 10 QUE DESAFIOU A MESMICE
por Marcelo Mendez
(Foto: Reprodução Cenas Lamentáveis)
O exercício do cronista ludopédico que vai a várzea todos os domingos de manhã é um ato de fé.
Muito mais que obrigação ou trabalho, minha atuação no relato do que acontece nesses campos de terra é um compromisso firmado com o encanto, com o lirismo, com tudo que há de mais intrínseco na poesia, na luta que há de sol a sol protagonizada por esses homens suados e suas chuteiras coloridas.
Para além da razão e do que pode haver óbvio, o futebol de várzea á uma privação de sentidos em prol da catarse. A várzea é plena.
Dentre toda essa plenitude, seus sentimentos não escapam incólume a premissa que narrei. Ela pode ser triste, muito triste. Pois senão, vejamos…
O futebol de várzea é o universo do Quase. O quase jogador, o quase profissional o quase que tinha tudo para dar certo, mas que não se firma por contingências da vida, por fatos que sufocam a alegria. Daí então, temos o ocaso do menino que, em qualquer outra situação se dá com mais viver, mas na várzea não:
Ela acolhe o menino de 20 e poucos anos que está “velho” para ser jogador profissional. No mundo dos homens, um rapaz no esplendor de sua vida, com toda a vitalidade de seus sonhos está velho demais para sonhar. Tiram-lhe, portanto, o que é o principal combustível do homem; o sonho.
Esses meninos que não teriam mais nada para fazer na vida têm na várzea a resistência do encanto. Ela vai perpetuar seu sonho, ou como diria o grande compositor Paulo Vanzolini em sua imortal música “Bandeira de Guerra”, ela vai garantir o seu “Direito de ser Gente”.
Vendo a final da Copa Lourencini em Mauá, me deparei com um caso desses. É a história de Nilsinho que contamos aqui…
O match seria entre Hélida e Santa Rosa e teve toda a pompa possível; Fogos, imprensa, árbitra FIFA, Hino Nacional, papel picado, prefeito na beira do campo e estádio do Itapeva lotado. Alheio a tudo isso observei Nilsinho.
Nilsinho tem 34 anos. O vejo jogar pela várzea de Mauá há muito tempo. Com sua companheira camisa 10, o meia sempre foi muito bem. Rápido, habilidoso, inteligente, cerebral, Nilsinho joga futebol da mesma forma que um Spalla cuida de uma orquestra sinfônica empunhando seu violino.
Elegante com a bola nos pés, classudo, imperial em suas passadas, Nilsinho se destaca pela beleza de seu bom futebol. Não se sabe bem o motivo, mas dessa vez ela não usava a 10. Sua camisa era 19 e então ele começou no banco de reservas de uma partida dura, brigada, bastante pegada. Viu dali seu time, o Santa Rosa, sair perdendo para o bom time do Hélida e as coisas estavam difíceis, até o momento que seu técnico o chamou…
Entrou em campo e trouxe a paz do meu sorriso.
Tirou de seu time a pressa, fez a bola correr no chão e fez o que faz de melhor; Pensou. Botou seus meias para jogar, ajudou seu volante marcar e criou a possibilidade do empate marcado por Camisinha. Seguiu bailando no Itapeva e em uma bola que veio a seu encontro, Nilsinho decidiu que se faria grande naquele campo. Sem pressa, sem ficar afoito, levantou sua cabeça, ajeitou seu corpo e de fora da área acertou um chute no ângulo.
Gol do Santa Rosa! O time ainda faria o terceiro de pênalti, mas pouco se viu disso.
A história foi feita ali por um homem que ousou desafiar a mesmice. Em um tempo onde o mundo cobra dureza e truculência, Nilsinho ousou ser Poeta. Quis ser lúdico, quis ser belo, jogou para o titulo de seu time e pela manutenção do sonho. Impossível não te louvar por isso, craque.
Amém Nilsinho, amém…