O SCRIPT DA REDENÇÃO
por Victor Escobar
Existem algumas perguntas que são insuperáveis, que conseguem atordoar as pessoas ao longo da existência e que parecem nunca ter resposta. Uma delas, sem dúvidas é: quem veio primeiro, o ovo ou a galinha? Parece coisa de estudante do primário, mas encafifa até o pHD em física quântica. Não existe parecer científico que elimine todas as dúvidas! E, não, não estou aproveitando esse animal para fazer alguma referência ao herói dessa nossa crônica.
Uma outra questão é se a arte imita a vida ou vice-versa. Nessa eu não vou nem me arriscar. Vou usar a velha estratégia daquela eterna candidata à Presidência da República, que parece estar sempre dormindo na rede, e ficar em cima do muro para dizer que nem um, nem outro. Arte e vida caminham lado a lado!
Mas pra que bodegas estou falando disso tudo? Porque o resultado final da Copa do Brasil já está traçado.
Não sei se vocês perceberam, mas o “caso Muralha” é a ficção se confundindo com a realidade o tempo todo – e hoje é o desfecho da epopeia. Poderia ser uma história digna do realismo mágico de Fellini ou um romance psicológico de Doistoeviski, mas é só futebol. Homero que me desculpe, mas olha só que história:
1 – Um menino nascido numa cidadezinha do interior que, assim como muitos outros, sonhava em ser jogador de futebol.
2 – Começa a carreira em um time minúsculo e passa por vários outros também pequenos – Olé Brasil, Votoraty e Comercial de Ribeirão Preto.
3 – Na época de Comercial, ganhou o apelido de Muralha da torcida, após defender dois pênaltis na mesma partida – essa é a grande tirada da história.
4 – Por conta das boas atuações, foi parar no futebol Japonês, em um time de nome impronunciável que nem vou me arriscar em escrever.
5 – Volta ao Brasil, disputa a série A2 do Campeonato Paulista pelo Mirassol e se destaca positivamente mesmo na péssima campanha do time.
6 – Ganha oportunidade de chegar à elite do futebol brasileiro jogando pelo Figueirense.
7 – Tem um início difícil no time, mas, meses depois, consegue alcançar a titularidade. Como em todo time ruim, quem se destaca sempre é o goleiro. Com isso, Muralha foi um dos destaques do Figueira.
8 – O bom campeonato fez com que Muralha fosse contratado pelo Flamengo, um dos maiores times do país.
9 – Momento “On the Road”: viaja de Santa Catarina para o Rio de Janeiro num Opala!
10 – Começa na reserva do Flamengo. Após a lesão do titular, ganha a titularidade e se firma como um grande personagem na campanha que, depois de muitos anos, disputou o título brasileiro.
11 – As boas atuações e o excelente momento da equipe lhe renderam convocações para a SELEÇÃO BRASILEIRA.
12 – Virando o ano, começa a derrocada do goleiro: insegurança, péssimas atuações e falhas constantes. Começou a ser perseguido pela torcida e foi responsabilizado pelo fracasso do time em competições importantes.
13 – Amargurou a reserva do goleiro recém-promovido ao profissional e depois foi para a reserva definitiva com a chegada de um grande goleiro.
14 – Em uma partida que foi titular, o Flamengo foi eliminado em uma disputa de pênaltis onde Muralha sequer acertou o canto – olha o gancho que falei!
15 – O escracho público: humilhado pela própria torcida e chacota dos rivais, um jornal de grande circulação crucificou o goleiro num editorial na capa, que ganhou muita repercussão e críticas.
16 – Por ironia do destino, no meio de um dos piores momentos da carreira, Muralha vai ser o goleiro da partida final da Copa do Brasil, que pode render o tetracampeonato para o Flamengo – justamente em uma das a partidas mais importantes do ano do clube.
17 – Muralha, psicologicamente arruinado, ganha apoio incondicional do elenco e da torcida e vai confiante para o jogo – “os humilhados serão exaltados”, chega a ser bíblica a parada, para os mais religiosos, claro. O grand finale todo mundo já sabe. Muralha vai ser o nome do jogo que renderá título para o Flamengo – provavelmente num lance de pênalti. Pelo menos é o que a história se encarregou de escrever. E se não for, meus amigos, podem me cobrar! (Mentira! Como todo bom torcedor, vou ficar pistola se o Flamengo perder o título a ponto de mandar todo mundo que der um pio pra casa do chapéu!)
SEM ROSTO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Nana Moraes)
A convocação de Diego, do Flamengo, é a maior comprovação do marasmo vivido por nosso futebol. Mas o que podemos esperar se no Brasileirão a artilharia vem sendo disputada pelos rodados Ceifador (é Ceifador, Gladiador, Pitbull, Hulk, He Man… estamos perdidos), Jô e Roger?
Reparem nos ídolos dos principais clubes. Ricardo Oliveira continua comandando o Santos, Fred e Robinho o Atlético, Nenê e Luis Fabiano são os ídolos do Vasco, Zé Roberto ainda disputa vaga no Palmeiras, Rafael Sóbis continua fazendo seus golzinhos no Cruzeiro, e Léo Moura e Cortês são titulares no Grêmio. Vão jogar até os 100 anos porque as bases desses clubes não são aproveitadas como deveriam.
Pouquíssimas novidades surgem. Santos e Fluminense ainda nos dão algumas surpresas e mesmo assim rapidinho se mandam para algum time de fora. Me digam, recentemente, qual o garoto fez sucesso ao sair do Brasil: Gabigol? Gerson, do Fluminense, daquela venda que virou empréstimo, uma confusão danada? Douglas, do Vasco? Agora vai o Wendel, do Flu, Vinícius Júnior, do Fla, e uma penca de tantos outros, que vão botar uma graninha para dentro e cair no esquecimento.
Gente, o Diego não está jogando mais do que o Everton Ribeiro, por exemplo. Sem qualquer tipo de provocação, mas ele não teria vaga, nesse momento, nem na seleção carioca. A convocação é para ficar bem com a torcida do Mengão? Porque com a do Corinthians nosso técnico está em dia, afinal até o Fagner tem tido chance.
Resumindo, o Diego vai juntar-se a Renato Augusto, Fernandinho e os Casemiros da vida e vamos em frente torcendo para uma seleção sem rosto.
PS: E o Rogério Micale, hein! Me engana que eu gosto….
MICHEL, O LEÃO DA ARENA
por Anderson Gonçalves
Considerado uma das principais peças do time comandado por Renato Gaúcho, o gremista Michel, de 27 anos, precisou lutar muito para alcançar os dias de glória. Órfão de mãe, abandonado pelo pai, o craque passou a ser criado pelos avós maternos Ivonete e José.
Assim como os grandes talentos do futebol brasileiro, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, na Favela da Kelson’s, no Complexo da Maré e desde novo teve que aprender a driblar as dificuldades e marcar gols contra a desistência. Vale destacar, no entanto, o apoio dos avós, principais responsáveis por manter aceso o sonho do pequeno de se tornar um daqueles homens que tanto acompanhava na televisão.
Seus primeiros chutes na bola foram no próprio campo de terra batida na Kelson’s, onde aos 15 anos já jogava no meio dos adultos, enfrentando entradas violentas nas peladas que rolavam todos os domingos pela manhã. Vestia a camisa do Renegado, por onde conquistou seu primeiro e inesquecível título, e como em todo campeonato que se preze, os campeões levaram uma quantia em dinheiro e converteram em uma churrascada com refri e cerva.
Diferente dos tempos atuais, no Grêmio, nos campos de terra batida na Kelson’s, Michel gostava de atuar como meia-atacante.Sua referência era o Berg (exjogador da Portuguesa-RJ) e o Nem (outro peladeiro bom de bola).
Hoje, com o sonho realizado, Michel é quem ajuda a família a ter uma vida melhor. Tirar os avós da comunidade da Penha, onde cresceu, é tarefa praticamente impossível. Mas orgulha-se em dar conforto para aqueles que fizeram de tudo por ele, porque a realidade era complicada. O jogador não esconde que os recursos eram parcos e, por vezes, chegava a treinar com fome.
Cristão, Michel reconhece que toda glória conquista até aqui é permissão de Deus. Para quem não acompanha e acha que a vida sempre lhe sorriu, precisa conhecer a trajetória do menino que superou uma série de desafios para se firmar. Hoje ele colhe os frutos plantados anos atrás.
Da Kelson’s para o Grêmio, Michel, o Leão da Arena!
ODE A MARCIO, O 10 DO BONSUCESSO
por Marcelo Mendez
Era sábado à tarde e eu não sabia exatamente o que iria encontrar ao cobrir meu primeiro jogo de veteranos pela Liga de Santo André.
Na verdade, assuntos e emoções não faltavam, era a volta do time do Bonsucesso, lendário na várzea de Santo André, após 24 anos de inatividade, o jogo seria no campo do Nacional, onde cheguei para jogar futebol com seis anos de idade no longínquo 1977, por lá reencontrei amigos de longa data e tudo mais.
No entanto, dentro de mim senti algo diferente, aquela velha sensação que habita o peito do cronista na hora em que um grande fato está prestes a acontecer de maneira fulgorosa. Não errei na previsão:
Naquela tarde, um craque habitaria o campo e a tarde dos incautos na Várzea de Santo André.
Marcio…
Marcio é o camisa 10 do Bonsucesso, como de fato sempre foi ao longo de toda sua vida. Me recordo dele menino com a 10 do Rhodia, me lembro dele ainda garoto com a 10 do Bonsucesso e depois com a mesma camisa 10 rodou por Andradas, pelo Mauaense e afins. Por onde passou, ele e sua camisa 10, Marcio fez muito mais do que apenas jogar futebol lindamente.
Um jogador refinado de passos de Nijinski, e olhar de fúria. Em campo com a 10, Marcio sempre foi intenso, sempre foi rock and roll. Jogou futebol da mesma forma que Baudelaire escreveu seus versos. Marcou gols com o gosto da chicotada de lírios que o poeta francês deu em seus versos. Em campo, Marcio tinha a mesma grandiosidade de um Rolling Stones tocando Midnigth Rambler. Sempre foi um espetáculo vê-lo jogar e no sábado não foi diferente.
O garoto agora tem 39 anos e é pai. Carrega em seu rosto a paz que a idade e as realizações pessoais dão ao sujeito. Joga bola por encanto, por gosto, para rever amigos, para trazer de volta a ativa o seu amado Bonsucesso. Dá sorrisos, me abraça antes do jogo e vai a campo. Uma beleza.
Márcio já não tem mais a mesma velocidade, mas o que importa isso? Quem está com pressa? Não… Marcio não joga, desfila. De seus pés não saem passes, saem paletadas de multicores. Marcio joga bola como um Ticiano, um Monet, um Rembrandt. Jogava com fleuma.
Caminhava com calma, observava do alto de sua condição de habitante de um outro Olimpo e inebriava quem o via. Antevia tudo, as jogadas, os sonhos, os amores. Porque tudo que Marcio fazia por aquele campo era poesia pura. A bola o agradecia
Das arquibancadas de onde eu assistia a tudo isso, consegui ver um sorriso pleno de amante realizada nela, a bola. A pelota procurava por Marcio pelo campo, tal e qual um apaixonado procura por uma rosa improvável pela noite boêmia para presentear a sua amada. A síntese de tudo que acontecia era esta:
Todos ali estavam totalmente apaixonados por Marcio.
Um craque pleno, no melhor momento de sua vida a realizar o que melhor sabe; Encantar-nos. Vos digo caros leitores:
Não há no mundo dos homens, obra de arte maior do que a camisa 10 de um time de futebol envergada por um craque.
O craque de bola é um semideus que faz eventuais concessões a nós pobres diabos, de habitar o mesmo espaço que o nosso vez por outra, para nos encher de alegria, de beleza, de festa, de alegria. Por 90 minutos de jogo, Marcio fez isso.
Enquanto a bola rolou, ele, o 10, regeu todos os nossos sonhos. Nos alegrou e fez da vida, algo muito menos duro do que às vezes ela é. Pelo tempo que a bola rolou o mundo segundo os pés de Marcio foi algo bem mais bacana. Que siga assim, Marcio.
Jogue por mais 100 anos…
PELÉ DO NORDESTE
por André Mendonça
Infelizmente os craques do passado não têm o reconhecimento merecido, principalmente os das regiões Norte e Nordeste. Por isso, o Museu da Pelada não mede esforços para ir atrás deles e reverenciá-los, seja aonde for. Após muitas tentativas, conseguimos falar com Simão Teles Bacelar, o Sima, maior artilheiro do Nordeste. Com 11 títulos estaduais no currículo, tendo sido o maior goleador em dez oportunidades, o “Pelé do Nordeste” se surpreendeu com o telefonema do Rio de Janeiro.
– Rapaz, mas você está falando de longe, hein! Vou ser breve para você não gastar muito! – disse o humilde Sima, sem saber que nenhum dinheiro pagaria uma resenha com um dos maiores atacantes que o Brasil já produziu na década de 60.
Em uma época de ouro do futebol brasileiro, onde craques como Dirceu Lopes, Ademir da Guia e Eduzinho eram preteridos da seleção brasileira, surgia no Piauí um menino veloz com uma facilidade extraordinária de balançar a rede adversária.
– Sempre me destaquei nas peladas em Teresina. O Coquinho, meu irmão mais velho, jogava também, mas não vingou. Meu pai me via chutando bola e falava para todo mundo que eu daria certo como jogador, mas eu era muito magrinho e ninguém acreditava nele.
Logo nos primeiros anos como profissional pelo River, foi tetracampeão do Piauí (1966, 1967, 1968 e 1969) e artilheiro em quatro oportunidades (1968, 1969, 1970 e 1971), comprovando a intuição do paizão Raimundo. O sucesso despertou o interesse de outros clubes do Nordeste e Sima teve passagens curtas por Moto Clube e Bahia.
O desempenho não foi extraordinário como nos tempos de River, mas foi suficiente para receber uma oferta generosa do Tiradentes, do Piauí, em 1973. Se alguém duvidava da capacidade do artilheiro, o craque tratou de calar os críticos com um belo cartão de visita: bicampeão estadual (1974 e 1975) e artilheiro em ambos.
– Fiz uns golzinhos importantes no Bahia, inclusive no Ba-Vi, mas no Piauí joguei demais! O Rivellino me disse que se eu tivesse nascido um pouco mais para o Sul, teria jogado uma Copa do Mundo.
Buscando maior projeção nacional, após sua sexta “dobradinha” – campeão e artilheiro – no Campeonato Piauiense, Sima se transferiu para o Rio Negro, de Manaus, em 76, em busca de novos desafios. A mudança fez bem à carreira do artilheiro, que continuou balançando a rede sem moderação, mas com um pouco mais de visibilidade.
Nessa época, a idade começava a pesar para Dirceu Lopes e o Cruzeiro estava desesperado em busca de um substituto para o seu maior ídolo. Era a oportunidade que Sima tanto esperava.
– Até hoje o Dirceu me pergunta o que aconteceu. Ele diz que todos já estavam me esperando lá em Minas, mas eu não apareci. A negociação não deu certo. Acho que o clube dificultou a minha liberação, mas isso faz parte da vida – lamentou.
De acordo com ele, naquela época as negociações eram mais complicadas porque não havia empresário e os dirigentes se resolviam entre eles.
– O que eu mais ouvia do presidente era que se eu fosse vendido a torcida mataria ele – lembrou Sima, dando uma gargalhada em seguida.
Desapontado, mas com a mesma fome de gols, o atacante retornou para o clube de formação, o River, em 77, e brincou de jogar bola. Naquele ano, conseguiu a proeza de ser o maior artilheiro do Brasil, marcando 33 gols. Além disso, se destacou no Campeonato Brasileiro balançando a rede contra Botafogo, no Maracanã, Inter, no Beira-Rio, São Paulo, no Morumbi, e Vasco, em São Januário, causando um alvoroço para sua convocação à Copa do Mundo de 78, o que acabou não ocorrendo.
River-PI campeão piauiense em 1977
Apesar de ter sido apelidado de Pelé do Nordeste, com méritos, o artilheiro manteve a mesma humildade de sempre e revelou o segredo para marcar tantos gols:
– Nunca pensei que chegaria a esse nível, mas eu me dedicava demais e acabou acontecendo. É muito gratificante. Os treinadores falavam que não existia jogador mais dedicado do que eu. Costumava chegar uma hora mais cedo no treino e saía uma hora depois de todo mundo.
Hoje, aos 69 anos, o artilheiro revelou que ainda joga peladas e dá trabalho para os adversários.
– Jogo de vez em quando com os coronéis no campo do quartel da polícia e, se eles derem mole, ainda faço meus golzinhos. Futebol não se esquece!
No fim da resenha, ainda teve coragem de agradecer a ligação. Que saudade dos nossos ídolos!