MARACA E FLAMENGO: TRADIÇÃO DE PAI PARA FILHO
por Leandro Ginane
Nasci em 1970 na Pavuna, bairro pobre do Rio de Janeiro. Já com oito anos pude presenciar, nos ombros do meu pai Juca, um dos momentos mais emocionantes da minha vida. Eram 41 minutos do segundo tempo, Zico bateu o escanteio e Rondinelli fez de cabeça o gol que fez do Flamengo campeão carioca e criou uma das maiores escritas do futebol. O Flamengo vencendo o Vasco em finais.
Cresci tendo o Maracanã como a minha maior diversão. Aos domingos, em dia de jogo e céu azul com pipas colorindo, o clima da partida já rondava meu bairro desde cedo. O papo nos bares e nas esquinas era o grande clássico que aconteceria logo mais no Maraca. Acordava cedo, ansioso colocava o manto sagrado e esperava o momento do meu pai nos levar ao estádio de trem. O caminho até lá era uma farra. Trem abarrotado, alegria que poucas vezes via meu pai sentir.
Ele levava toda a molecada da região. Eram nove moleques, eu, meu pai e seu amigo Bororó. A ansiedade me consumia a cada estação que passava. A tradição de levar os filhos ao templo sagrado do futebol na Pavuna passava de pai para filho. As histórias do Maraca se disseminavam no bairro como se o Estádio batizado de Mario Filho tivesse vida. Muitos vizinhos mais velhos presenciaram a final da Copa de 1950, outros tantos estavam no jogo do Brasil contra o Uruguai nas Eliminatórias para a Copa de 1994, as histórias que ouvia só aumentavam o meu fascínio pelo Maior Estádio do Mundo.
E talvez por isso, cresci com aquele sonho tradicional de todos que gostam de futebol aqui na área: ter um filho homem para poder leva-lo ao Maracanã. Casei com 21 anos e quando tinha 22, ele nasceu. Seu nome: Arthur. Em homenagem ao maior jogador que vi jogar, o Zico.
Já com dois anos, levei Arthur e meu pai Juca – agora era eu quem o levava – para ver a final do Campeonato Brasileiro de 1992. Flamengo e Botafogo. Primeiro jogo, com mais de cem mil pessoas o Fla venceu por 3 a 0 em um jogo inesquecível de Leovegildo Lins Gama Junior, nosso Maestro.
No segundo jogo, com mais de cento e vinte mil pessoas, minutos antes de o jogo começar parte da arquibancada cedeu a alguns torcedores caíram da arquibancada. Um helicóptero desceu no gramado para resgatar vítimas. Três pessoas morreram, entre elas um amigo de infância. Em um gesto de companheirismo, torcedores amarraram uma faixa de tecido para servir como proteção para os torcedores que ficaram naquela parte da arquibancada. Arthur e o velho Juca se assustaram e queriam sair do estádio. Nós estávamos ao lado do que aconteceu e vimos tudo de perto. Mas apesar do clima de tensão, consegui acalmá-los e continuamos no estádio. Logo em seguida, o Mais Querido entrou em campo e a festa começou.
Mesmo com o que havia acontecido, a Nação mostrou sua força e não parou de cantar o jogo todo. Poucas vezes vi algo parecido no estádio e creio que tenha sido em homenagem aos que caíram e não puderam ver o jogo. Essa energia da arquibancada parece ter sido um incentivo a mais para o Flamengo em campo, que naquele dia com poucos minutos do segundo tempo já aplicava 2 a 0 no Botafogo. Final de jogo: 2 a 2. Festa na favela. Flamengo Pentacampeão Brasileiro. Arthur com dois anos conhecera a Nação e o que nós éramos capazes de fazer nas arquibancadas, cadeiras e geral do Maracanã.
De lá pra cá, a cada reforma que o Maraca passava, ficávamos eu, meu filho e meu querido pai, já com oitenta anos, apreensivos com a data da reabertura do estádio para que voltássemos à nossa maior diversão. A nossa segunda casa.
Mas a cada volta ao estádio, mais eu ficava assustado com o que via. Menos lugares, ingressos limitados e muita violência. Porém nada foi igual ao que aconteceu na última reforma que o Maracanã passou. A transformação em arena para a Copa do Mundo no Brasil fez o Maracanã sucumbir junto com sua colossal marquise de cimento. O que fizeram com o estádio foi um golpe fatal em todos nós que crescemos ouvindo a mística do templo sagrado do futebol.
Desde então, Arthur e eu não conseguimos mais ir aos jogos do Flamengo. Ele, hoje com vinte e quatro anos, e eu, com quarenta e quatro, não conseguimos mais acompanhar nosso time como sempre fizemos desde que ele nascera. De certa forma, fico feliz que o velho Juca não esteja mais entre nós para ver o que fizeram com o seu Maraca e com o nosso Flamengo, o time do povo, da favela, que em dia de jogo inundava as ruas do Rio de Janeiro e as arquibancadas. Tenho receio pelo que pode acontecer com a identidade do nosso Flamengo. Rico nos cofres e pobre nas arquibancadas.
Espero que a tradição se mantenha viva e que junto com Arthur e meu neto Júnior, possamos desfrutar de mais um domingo de festa com a Nação. SRN.
Tomás (Nome que o velho Juca me deu em homenagem ao Zizinho).
CHICÓ, O MAESTRO DO OLARIA
por Marcelo Mendez
(Foto: Cassimano)
Amigo leitor que me acompanha vos afirmo:
O 3 a 0 no futebol é um placar deveras impiedoso e singular.
Nele não paira a dúvida. O derrotado não consegue ver uma falha de árbitro, um erro de bandeirinha, nada. A coisa é sonoramente rotunda, “Foi um 3 a 0”. Geralmentek o time vencedor desse placar sai da cancha consagrado, sem o menor problema em curtir as benesses da grandiosidade ludopédica.
Peitos estufados, festas feitas, quem vence de 3 a 0 na várzea, por exemplo, tem seu domingo cheio, completo, realizado. Foi o caso do time sub-20 do Olaria de São Bernardo no domingo último, uma outra peculiaridade da pauta.
Em tempos onde as categorias de base na várzea existem cada vez menos, torna-se muito raro que a imprensa esportiva, aqui por mim representada, abra espaço para esses meninos. E aqui também reside a minha mea-culpa na questão toda; Nunca havia feito cobertura do futebol sub 20. Pensando nisso, topei a pauta e lá fomos para o campo do Jardim das Orquídeas em São Bernardo acompanhar o Match.
Domingo belo de várzea, clássico.
Enquanto parte da comunidade acordava, outra parte já estava lá, na beira do campo a torcer. Viram um bom jogo, com o Olaria vencendo o Jardim Thelma sem sustos pelo impiedoso 3 a 0 que conto, mas com um ingrediente a mais, o seu capitão, o dono do time, o seu camisa 8:
Chicó…
Já havia reparado naquele menino alto, jogando ereto, com elegância, ali na cabeça da área do Olaria como os antigos faziam. Jogava um futebol de classe, comandava a saída de bola de seu time controlava os ímpetos do time adversário, até que saiu uma falta da entrada da área.
Chicó foi até a pelota. Parou, olhou a posição da barreira e bateu por cima dela, um tapa a lá Zico que saiu de seus pés para o ângulo do gol do Thelma. Um golaço! Na comemoração esfuziante de seus companheiros, odes, montinhos e peitadas em Chicó. Vi ali um Grande.
Eu não sei o que será de Chicó. Se vai ser jogador de bola, se seguirá vestindo a camisa do Olaria se vou reencontrá-lo pelos campos de terra do ABCD, não sei. A várzea tem um pouco disso. Vale o que se vive ali no momento, curte-se isso com intensidade, com a fúria apaixonada dos meninos dos 20 anos. Não sei do que será Chicó.
Mas sei que nesse último domingo, ele foi Grande…
QUAL É A FRONTEIRA DO PATROCÍNIO
por Idel Halfen
O céu é o limite quando se pensa em ativação de patrocínios.
Na Inglaterra, o Bendale AFC – um clube semiprofissional – tem sua camisa ornamentada por desenhos de salsichas. Isso mesmo, por ser patrocinado por um fabricante desse produto – a Heck – o clube decidiu customizar um de seus uniformes com a citada iguaria.
Devido ao fato de se tratar de um clube sem sólida estrutura profissional direcionaremos nossa análise ao conceito e não à instituição que, provavelmente, não deve estar se importando muito com as consequências da iniciativa, nem tampouco com a estética do uniforme.
A adoção desse tipo de prática é, no meu modo de ver, bastante maléfica à organização patrocinada, pois um espaço demasiadamente dedicado à marca do patrocinador desvaloriza seus símbolos. Enquanto que para o patrocinador esse tipo de divulgação pode até ser vantajoso, já que outros potenciais interessados no espaço precisariam investir um montante expressivo para que a “parceria” anterior seja esquecida e a nova percebida, o que acaba inibindo eventuais propostas, e assim garante uma espécie de reserva de mercado para a marca atual.
Há também que se considerar que, caso o patrocinador decida alterar o produto a ser divulgado, o uniforme precisará sofrer alterações bem radicais, o que envolve inclusive as cores.
E já que tocamos no assunto do design, convém lembrar que o fornecedor de material esportivo fica bastante vulnerável na situação mencionada, visto que uma mudança de patrocínio faz com que todo o uniforme que esteja no mercado sofra uma forte desvalorização.
A propósito, é justamente em função do risco de mudança de patrocinador que a maioria das camisas comercializadas no varejo não trazem a marca deste, e reparem que nesse caso o que muda é apenas o cromo.
Claro que a desvalorização do produto também ocorre às vésperas dos lançamentos das novas versões, essas, porém, não costumam sofrer alterações bruscas no design, nem na essência.
Para ilustrar o artigo com um fato real, vale citar um caso ocorrido em 2005 com a Confederação Brasileira de Voleibol, que tentou alterar as cores dos uniformes da seleção – preto no masculino e rosa no feminino – para, segundo se comentou na época, se desassociar do amarelo e do azul, cores que coincidentemente são as mesmas do seu patrocinador, o Banco do Brasil.
Ações como as do clube inglês corroboram para deixar ainda mais evidente que patrocinados e patrocinadores enxergam ainda os uniformes como um mero veículo de mídia, quando na verdade deveriam encará-los como uma plataforma que representasse os valores e propósitos da instituição, de forma que o patrocínio também se aproveitasse dessas características ao associá-las a sua marca, mas sobre isso não vou me estender, pois tal assunto já rendeu inúmeros artigos nesse blog.
Diante do argumentado não parece razoável supor que um patrocínio que chegue ao ponto de se customizar toda a camisa do clube com seus produtos seja salutar, o que não significa que uma marca não possa ter uma relação mais forte com algum time, mesmo porque há a possibilidade de a própria empresa ser proprietária da equipe, vide o caso da Red Bull.
UM DUELO DE TITÃS – ZICO X MARADONA
por Serginho5Bocas
De alguns anos para cá, a imprensa tem-se perguntado constantemente quem foi o melhor, Pelé ou Maradona? Dúvidas à parte, em minha opinião chega a ser brincadeira esta comparação, Pelé sempre esteve acima de todos.
Alguém seria capaz de escolher e me dizer em qual critério Pelé perderia para Maradona? Prefiro dizer que Maradona deveria ser primeiro o melhor disparado de sua época, como Pelé foi em todas as épocas.
Lembro na minha infância e adolescência que Maradona de tempos em tempos duelava com Zico pelo trono de melhor do mundo. E para a surpresa de muita gente de agora, o argentino não levou vantagem em nenhum confronto direto, mas indiretamente, pois eles não se enfrentaram na Copa de 1986. Maradona fez a diferença que Zico não conseguiu fazer pelo Brasil em Copas do Mundo e daí a superioridade que muitos dizem que ele teve sobre o Zico.
Em 1979, Zico tinha saído de uma Copa horrorosa em todos os sentidos para ele, pois perdeu a vaga de titular e quando finalmente recuperou a posição, sofreu uma distensão muscular. Mas foi exatamente quando a Argentina comemorava seu aniversário da conquista que Zico deu a primeira mostra ao mundo de quem era o melhor naquele momento.
A FIFA reuniu os melhores do resto do mundo e enfrentou os argentinos. Maradona abriu o placar, enquanto Zico estava no banco por ter chegado atrasado para o jogo. O Galinho entrou na segunda etapa, fez o gol de empate e deu o passe para o gol a vitória, deixando a imprensa mundial estarrecida tal o futebol apresentado por ele.
Naquele mesmo ano, voltariam a se enfrentar pela Copa América e nova propaganda foi feita questionando quem era o melhor dos dois. Brasil 2×1 Argentina com um gol de Zico e passe do craque para Tita fazer o outro.
Já em 1981, voltariam a se enfrentar pela terceira vez, desta vez num amistoso entre Flamengo e Boca Juniors no Maracanã, que também era a despedida de Carpegiani do futebol. Flamengo 2×0 Boca Juniors, com dois gols de Zico e mais um show da bola, mesmo apresentando 38° de febre e furúnculos pelo corpo.
No ano seguinte, na Copa da Argentina seria o verdadeiro tira teima, já que o Brasil dava show a cada jogo e a Argentina era o time campeão de 1978 reforçada por Maradona e Ramon Diaz. Brasil venceu o jogaço por 3×1 com um gol de Zico, um passe para Júnior marcar outro e o passe para Falcão cruzar na cabeça de Serginho. Maradona além de perder pela quarta vez e assistir a mais uma exibição do Galinho, deu uma entrada dura em Batista e foi expulso do jogo e da Copa.
Em 1985 se enfrentariam duas vezes, uma num empate entre a Udinese e o Napoli em 2×2 com 2 gols de Maradona (sendo um de mão) e depois jogariam festivamente no jogo da volta de Zico da Itália, quando o Flamengo venceu um combinado de amigos dele por 3×1 com outro gol do Galo.
Podemos defender Maradona dizendo que em poucos confrontos destes citados, ele jogou em uma equipe tão boa quanto a do Zico, mas talvez a diferença residisse justamente neste ponto: até que ponto cada um influenciou decisivamente nos confrontos? O saldo não deixa dúvidas, não mente, Maradona nunca venceu o Galinho, e mais, a única vitória do baixinho habilidoso, foi na Copa de 90, sem Zico, mesmo tendo levado um chocolate na bola, apesar de ter saído vencedor com um gol de Caniggia em passe primoroso seu.
Acho que Maradona foi um dos maiores de todos os tempos, mas na década de 80 que foi o seu apogeu, ele não reinou sozinho, pois além de dividir as atenções com Zico, o francês Platini também gastava a bola e era nome certo em qualquer eleição de melhor do mundo.
O tempo amplifica os feitos, para o bem e para o mal, e a atuação magistral de Maradona em 1986 foi o que ele precisava para deixar na história sua marca eternizada como o melhor daquela Copa, mas continuo a achar que ele foi um deles e não o melhor acima de todos daquela época.
Fica aí a polêmica e podem me bater de porrete, mas, meninos, foi o que eu vi…
Jairzinho + Moacyr Luz
DUPLA AFI(N)ADA
texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Planel | fotos: Marcelo Tabach
“Todo jogador sonha em ser cantor e vice-versa”. A frase mais do que batida é pura realidade, mas quando junta um craque da bola e um fenômeno da música, não tem jeito, dá samba. Literalmente!
Imediatamente após compor uma canção em homenagem a Jairzinho, Moacyr Luz, eufórico, entrou em contato com a equipe do Museu da Pelada para contar a novidade e solicitar mais um encontro musical daqueles, afinal já havíamos unido o próprio Moacyr com Júnior Capacete, além de PC Caju com Evandro Mesquita, e Adílio com Oswaldo Montenegro. O Furacão da Copa de 70 não pensou duas vezes e poucos dias depois estávamos no apartamento novo do Moa, no Flamengo.
– Nunca na minha vida eu imaginei estar perto de você desse jeito aqui! – disparou o anfitrião para Jairzinho após abrir a primeira gelada.
Vestido com a camisa da seleção brasileira, que tanto honrou, o Furacão agradeceu o carinho e emendou:
– Quer dizer que você vai me brindar com uma música?
A ansiedade tomava conta de todos: Moacyr não sabia qual seria a reação de Jairzinho e, assim como nós, o artilheiro não fazia a menor ideia do que escutaria. Tudo bem que Moacyr Luz não precisa provar mais nada para ninguém, mas a expectativa era gigantesca. Logo nos primeiros versos, no entanto, tratou de “botar a bola no chão” e narrou de forma precisa e detalhada o primeiro gol do Furacão na Copa de 70. Um golaço, diga-se de passagem.
– É muito acima do vento o Furacão/ Parte com tudo pra dentro o jogador/ Não sai da cabeça o momento/ Na Copa do Mundo o nosso primeiro gol/ Deu um lençol e clareou, matou a bola no peito e fuzilou (…)
A missão de Moa não era nada fácil, tratava-se de uma obra em homenagem a um feito histórico: Jairzinho marcou gol em todos os jogos daquela Copa. Acontece que o músico é “jogador experiente”, acostumado a carregar multidões, toda segunda-feira, ao Clube Renascença, para as rodas do Samba do Trabalhador, e tirou de letra o desafio de narrar em forma de samba todos os tentos do goleador na Copa de 70.
Uma homenagem justa, merecida e que, inevitavelmente, fez passar um filme na cabeça de todos nós. De tão bem detalhadas, até quem não teve o privilégio de assistir àquela Copa conseguiu imaginar as pinturas de Jairzinho pela descrição.
– Gostou? Pensei numa coisa meio épica, para homenagear mesmo. Eu corri atrás para fazer esse samba, tive que rever a Copa de 70 inteira. – revelou Moa.
– Se eu gostei? Tô chorando de alegria. Você fazendo rever o melhor momento da minha carreira! – agradeceu Jairzinho.
Em seguida, visivelmente emocionado, o craque lembrou o drama que viveu antes de brilhar na campanha do Tri:
– Passei por uma tremenda tempestade, mas consegui soprar como um furacão. Depois de ter fraturado o quarto e o quinto metatarso do pé esquerdo, após a Copa de 66, cheguei a ser condenado a não jogar mais futebol. Até que apareceu um “Jesus Cristo” da ortopedia, Dr. Nova Monteiro, que me ressuscitou e possibilitou tudo isso.
Lá pelas tantas, após muita resenha, Jairzinho solicitou o tamborim e fez uma bela dupla com Moa. Juntos, relembraram o sucesso “Jair da Bola” e cantaram o refrão do presente que o craque havia acabado de receber.