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MICHEL, O LEÃO DA ARENA

por Anderson Gonçalves


Considerado uma das principais peças do time comandado por Renato Gaúcho, o gremista Michel, de 27 anos, precisou lutar muito para alcançar os dias de glória. Órfão de mãe, abandonado pelo pai, o craque passou a ser criado pelos avós maternos Ivonete e José.

Assim como os grandes talentos do futebol brasileiro, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, na Favela da Kelson’s, no Complexo da Maré e desde novo teve que aprender a driblar as dificuldades e marcar gols contra a desistência. Vale destacar, no entanto, o apoio dos avós, principais responsáveis por manter aceso o sonho do pequeno de se tornar um daqueles homens que tanto acompanhava na televisão.


Seus primeiros chutes na bola foram no próprio campo de terra batida na Kelson’s, onde aos 15 anos já jogava no meio dos adultos, enfrentando entradas violentas nas peladas que rolavam todos os domingos pela manhã. Vestia a camisa do Renegado, por onde conquistou seu primeiro e inesquecível título, e como em todo campeonato que se preze, os campeões levaram uma quantia em dinheiro e converteram em uma churrascada com refri e cerva.

Diferente dos tempos atuais, no Grêmio, nos campos de terra batida na Kelson’s, Michel gostava de atuar como meia-atacante.Sua referência era o Berg (exjogador da Portuguesa-RJ) e o Nem (outro peladeiro bom de bola).

Hoje, com o sonho realizado, Michel é quem ajuda a família a ter uma vida melhor. Tirar os avós da comunidade da Penha, onde cresceu, é tarefa praticamente impossível. Mas orgulha-se em dar conforto para aqueles que fizeram de tudo por ele, porque a realidade era complicada. O jogador não esconde que os recursos eram parcos e, por vezes, chegava a treinar com fome.


Cristão, Michel reconhece que toda glória conquista até aqui é permissão de Deus. Para quem não acompanha e acha que a vida sempre lhe sorriu, precisa conhecer a trajetória do menino que superou uma série de desafios para se firmar. Hoje ele colhe os frutos plantados anos atrás.

Da Kelson’s para o Grêmio, Michel, o Leão da Arena!

ODE A MARCIO, O 10 DO BONSUCESSO

por Marcelo Mendez


Era sábado à tarde e eu não sabia exatamente o que iria encontrar ao cobrir meu primeiro jogo de veteranos pela Liga de Santo André.

Na verdade, assuntos e emoções não faltavam, era a volta do time do Bonsucesso, lendário na várzea de Santo André, após 24 anos de inatividade, o jogo seria no campo do Nacional, onde cheguei para jogar futebol com seis anos de idade no longínquo 1977, por lá reencontrei amigos de longa data e tudo mais.

No entanto, dentro de mim senti algo diferente, aquela velha sensação que habita o peito do cronista na hora em que um grande fato está prestes a acontecer de maneira fulgorosa. Não errei na previsão:

Naquela tarde, um craque habitaria o campo e a tarde dos incautos na Várzea de Santo André.

Marcio…

Marcio é o camisa 10 do Bonsucesso, como de fato sempre foi ao longo de toda sua vida. Me recordo dele menino com a 10 do Rhodia, me lembro dele ainda garoto com a 10 do Bonsucesso e depois com a mesma camisa 10 rodou por Andradas, pelo Mauaense e afins. Por onde passou, ele e sua camisa 10, Marcio fez muito mais do que apenas jogar futebol lindamente.

Um jogador refinado de passos de Nijinski, e olhar de fúria. Em campo com a 10, Marcio sempre foi intenso, sempre foi rock and roll. Jogou futebol da mesma forma que Baudelaire escreveu seus versos. Marcou gols com o gosto da chicotada de lírios que o poeta francês deu em seus versos. Em campo, Marcio tinha a mesma grandiosidade de um Rolling Stones tocando Midnigth Rambler. Sempre foi um espetáculo vê-lo jogar e no sábado não foi diferente.

O garoto agora tem 39 anos e é pai. Carrega em seu rosto a paz que a idade e as realizações pessoais dão ao sujeito. Joga bola por encanto, por gosto, para rever amigos, para trazer de volta a ativa o seu amado Bonsucesso. Dá sorrisos, me abraça antes do jogo e vai a campo. Uma beleza.

Márcio já não tem mais a mesma velocidade, mas o que importa isso? Quem está com pressa? Não… Marcio não joga, desfila. De seus pés não saem passes, saem paletadas de multicores. Marcio joga bola como um Ticiano, um Monet, um Rembrandt. Jogava com fleuma.


Caminhava com calma, observava do alto de sua condição de habitante de um outro Olimpo e inebriava quem o via. Antevia tudo, as jogadas, os sonhos, os amores. Porque tudo que Marcio fazia por aquele campo era poesia pura. A bola o agradecia

Das arquibancadas de onde eu assistia a tudo isso, consegui ver um sorriso pleno de amante realizada nela, a bola. A pelota procurava por Marcio pelo campo, tal e qual um apaixonado procura por uma rosa improvável pela noite boêmia para presentear a sua amada. A síntese de tudo que acontecia era esta:

Todos ali estavam totalmente apaixonados por Marcio.

 Um craque pleno, no melhor momento de sua vida a realizar o que melhor sabe; Encantar-nos. Vos digo caros leitores:

Não há no mundo dos homens, obra de arte maior do que a camisa 10 de um time de futebol envergada por um craque.

 O craque de bola é um semideus que faz eventuais concessões a nós pobres diabos, de habitar o mesmo espaço que o nosso vez por outra, para nos encher de alegria, de beleza, de festa, de alegria. Por 90 minutos de jogo, Marcio fez isso.

Enquanto a bola rolou, ele, o 10, regeu todos os nossos sonhos. Nos alegrou e fez da vida, algo muito menos duro do que às vezes ela é. Pelo tempo que a bola rolou o mundo segundo os pés de Marcio foi algo bem mais bacana. Que siga assim, Marcio.

Jogue por mais 100 anos…

PELÉ DO NORDESTE

por André Mendonça


Infelizmente os craques do passado não têm o reconhecimento merecido, principalmente os das regiões Norte e Nordeste. Por isso, o Museu da Pelada não mede esforços para ir atrás deles e reverenciá-los, seja aonde for. Após muitas tentativas, conseguimos falar com Simão Teles Bacelar, o Sima, maior artilheiro do Nordeste. Com 11 títulos estaduais no currículo, tendo sido o maior goleador em dez oportunidades, o “Pelé do Nordeste” se surpreendeu com o telefonema do Rio de Janeiro.

– Rapaz, mas você está falando de longe, hein! Vou ser breve para você não gastar muito! – disse o humilde Sima, sem saber que nenhum dinheiro pagaria uma resenha com um dos maiores atacantes que o Brasil já produziu na década de 60.

Em uma época de ouro do futebol brasileiro, onde craques como Dirceu Lopes, Ademir da Guia e Eduzinho eram preteridos da seleção brasileira, surgia no Piauí um menino veloz com uma facilidade extraordinária de balançar a rede adversária.

– Sempre me destaquei nas peladas em Teresina. O Coquinho, meu irmão mais velho, jogava também, mas não vingou. Meu pai me via chutando bola e falava para todo mundo que eu daria certo como jogador, mas eu era muito magrinho e ninguém acreditava nele.


Logo nos primeiros anos como profissional pelo River, foi tetracampeão do Piauí (1966, 1967, 1968 e 1969) e artilheiro em quatro oportunidades (1968, 1969, 1970 e 1971), comprovando a intuição do paizão Raimundo. O sucesso despertou o interesse de outros clubes do Nordeste e Sima teve passagens curtas por Moto Clube e Bahia.

O desempenho não foi extraordinário como nos tempos de River, mas foi suficiente para receber uma oferta generosa do Tiradentes, do Piauí, em 1973. Se alguém duvidava da capacidade do artilheiro, o craque tratou de calar os críticos com um belo cartão de visita: bicampeão estadual (1974 e 1975) e artilheiro em ambos.

– Fiz uns golzinhos importantes no Bahia, inclusive no Ba-Vi, mas no Piauí joguei demais! O Rivellino me disse que se eu tivesse nascido um pouco mais para o Sul, teria jogado uma Copa do Mundo.

Buscando maior projeção nacional, após sua sexta “dobradinha” – campeão e artilheiro – no Campeonato Piauiense, Sima se transferiu para o Rio Negro, de Manaus, em 76, em busca de novos desafios. A mudança fez bem à carreira do artilheiro, que continuou balançando a rede sem moderação, mas com um pouco mais de visibilidade.


Nessa época, a idade começava a pesar para Dirceu Lopes e o Cruzeiro estava desesperado em busca de um substituto para o seu maior ídolo. Era a oportunidade que Sima tanto esperava.

– Até hoje o Dirceu me pergunta o que aconteceu. Ele diz que todos já estavam me esperando lá em Minas, mas eu não apareci. A negociação não deu certo. Acho que o clube dificultou a minha liberação, mas isso faz parte da vida – lamentou.

De acordo com ele, naquela época as negociações eram mais complicadas porque não havia empresário e os dirigentes se resolviam entre eles.

– O que eu mais ouvia do presidente era que se eu fosse vendido a torcida mataria ele – lembrou Sima, dando uma gargalhada em seguida.

Desapontado, mas com a mesma fome de gols, o atacante retornou para o clube de formação, o River, em 77, e brincou de jogar bola. Naquele ano, conseguiu a proeza de ser o maior artilheiro do Brasil, marcando 33 gols. Além disso, se destacou no Campeonato Brasileiro balançando a rede contra Botafogo, no Maracanã, Inter, no Beira-Rio, São Paulo, no Morumbi, e Vasco, em São Januário, causando um alvoroço para sua convocação à Copa do Mundo de 78, o que acabou não ocorrendo.


River-PI campeão piauiense em 1977

Apesar de ter sido apelidado de Pelé do Nordeste, com méritos, o artilheiro manteve a mesma humildade de sempre e revelou o segredo para marcar tantos gols:

– Nunca pensei que chegaria a esse nível, mas eu me dedicava demais e acabou acontecendo. É muito gratificante. Os treinadores falavam que não existia jogador mais dedicado do que eu. Costumava chegar uma hora mais cedo no treino e saía uma hora depois de todo mundo.

Hoje, aos 69 anos, o artilheiro revelou que ainda joga peladas e dá trabalho para os adversários.

– Jogo de vez em quando com os coronéis no campo do quartel da polícia e, se eles derem mole, ainda faço meus golzinhos. Futebol não se esquece!

No fim da resenha, ainda teve coragem de agradecer a ligação. Que saudade dos nossos ídolos!

ADELINO MOREIRA FUTEBOL CLUBE

por Rubens Lemos


Lágrimas rolavam grossas, sinceras. Copos tremulavam em mãos vacilantes. Homens em fracasso choravam suas dores de cotovelo de infância e mocidade, como chamavam a adolescência, sem nenhum pudor, obstáculo afastado pelo álcool tomado desde as primeiras horas da manhã. Assim que Zeca, o sapateiro, abria o Café Nice, trincheira da boemia de Natal nos elásticos rivelinísticos anos 1970.

A caminho ou entregues ao redemoinho silencioso da cirrose, aqueles homens aguardavam às 18 horas para explodir no pranto que escondia cada frustração vivida e ali exposta no sábado em que procuravam o bar como refúgio e solidão multiplicada numa imensa mesa lotada.

Era à boca da noite que o Galego Pintor, a voz mais aguardada, soltava a Volta do Boêmio, tão presente como a imagem mítica que os papudinhos guardavam na idolatria a Nelson Gonçalves. “Ele voltou, o boêmio voltou novamenteeeeeeee….”, ecoavam suas vozes solidários no pretexto da saideira: “Viva o Velho Nelson! Só tem o Velho Nelson!”.


Em qualquer canto, esquecido na poeira e, provavelmente no desgosto comum para aqueles homens, Adelino Moreira, português que compôs o hino dos beberrões brasileiros. Adelino Moreira era citado por ou por outro, jamais reverenciado. Fizera tudo, queimara os neurônios e não usufruíra nada, pois o imaginário diz que só vale o que é cantado e por quem, analogia com o que está escrito no Jogo do Bicho.

Adelino Moreira é o nome que vem de um baú mofado, cheio de relíquias sem charme para a grande massa que só vê o que está na ribalta, no palco, o encanto a primeira vista, daí Erasmo nunca ter sido Roberto, embora Carlos. Junto a Adelino estão Capinam, Maysa, Hermínio Belo de Carvalho, Beto Guedes, Elomar, Guinga, Lô Borges, Ednardo, Torquato Neto.

O futebol tem centenas de Adelinos Moreiras. Esquecidos, não passam de notas de rodapé de livros e complementos em pôsteres de times campeões. Danival, do Atlético-MG, é o Adelino-Símbolo. Meia-Armador esguio, clássico, acadêmico, como eram chamados os lentos pelos comentaristas dos anos 1970. Danival jogou no grande time do Galo entre 1974 e 1979. Com Cerezo, Paulo Isidoro, Marcelo, Marinho (aquele ex-ponta do Bangu), Ângelo (outro Adelino ludopédico) e Ziza, filho de Pinga, na ponta-esquerda. Com Reinaldo, o Rei de Centroavante.


Todo mundo fala em Reinaldo, Paulo Isidoro, Marcelo, Cerezo e esquece Danival, firuleiro nato, de toques românticos, viradas de jogo que duravam semanas, cabeça erguida como um songa-mongas habilidoso. Saudades de você, Danival, que depois acabou no Santa Cruz (PE).


Por citar o Santa Cruz, recordamos Henágio, um ponta-de-lança de talento, sergipano, rápido, felino, driblador, ídolo e cervejeiro. Goleador. Chegou ao Flamengo e por aquelas injustiças que ninguém sabe, ninguém viu, amarelou, não sem antes ensaiar imitações de Adílio. Saudades adelinistas de você, Henágio, que morreu tão cedo.

Mário Sérgio Pontes de Paiva. Fecho questão também no seu adelinismo puro, por jamais ter jogado uma Copa do Mundo, tamanho o talento que tinha, orquestrando, tramando, armando jogadas sensacionais com a perna esquerda.


Luiz Ávila (Agência)

Mário Sérgio, o Vesgo, olhava para um lado e dava de trivela para o outro, bola caindo direto na chuteira do atacante. Mário Sérgio do Vitória, do Fluminense, do Botafogo, do Palmeiras, do Internacional, do Grêmio e do Adelino Moreira Futebol Clube.

Gilmar Popoca (Flamengo), Elói (América-RJ e Vasco), Adilson Heleno (Flamengo, Grêmio, Criciúma, Avaí, ABC) Luvanor (Goiás), Nélio (Flamengo), William (Vasco), Erivelton (Fluminense e Cruzeiro), Mário (Fluminense, Bangu e Vasco), Djair (Botafogo, Internacional, Lazio, Fluminense e Madureira), Ailton Lira (Santos), Enéas (Portuguesa e Palmeiras), Toinzinho (Santos e Bahia), Robertinho (Fluminense), Jair (Internacional) e Moreno do Ameriquinha.

Estão todos no baú. Esquecidos, como numa masmorra de memória. Se vivo fosse, Adelino Moreira, em hipotético rasgo de revolta e irmandade., comporia outra marcha de roer concreto: Lágrimas de Renegado.

Sandro Gaúcho

O REI DO MARACA

texto e entrevista: Marcelo Mendez | vídeo: Marcelo Ferreira | edição de vídeo: Daniel Planel

 

Não era uma tarde muito boa para mim.

Um dia antes de nosso encontro com Sandro Gaúcho, o Jornal ABCD Maior, onde trabalhei nos últimos sete anos, encerrou suas atividades. Foi um duro golpe, uma pancada no ótimo jornalismo que meus companheiros faziam por lá.

Mas compromisso é compromisso.

Junto de meu amigo, Pastor Marcelo Ferreira (a quem agradeço publicamente pela ajuda naquele dia complicado para mim), inseparável parceiro de pautas no Museu da Pelada, rumamos então para encontrar um dos maiores ídolos da história do Esporte Clube Santo André.

Sandro Gaúcho é grande demais para o time daqui, de nossa cidade.

Para a gente que mora em Santo André, poder falar com ele é uma honra, um prazer imenso, inenarrável. O homem que vestia a 9 do título histórico da Copa do Brasil de 2004 é um gaúcho sereno, tranquilo, de fala ponderada, sóbria, ares de Monge Tibetano que golpeia com um lírio.

Esse é nosso entrevistado da vez em Museu da Pelada.

Na semana em que o Esporte Clube Santo André completa 50 anos de idade, o Museu da Pelada tem a honra de trazer Sandro Gaúcho para falar do maior título do Ramalhão. Com justiça.

Hoje, além de Obdúlio Varela e sua seleção Uruguaia, bem podemos dizer que Sandro Gaúcho também silenciou o Maracanã, em 2004.