O CRAQUE QUE JOGAVA PARA O TIME
por Serginho 5Bocas
Final do segundo turno do Carioca de 1977, FLAMENGO X VASCO, a rivalidade estava começando a ficar “nervosa” e se transformando no clássico dos milhões.
Depois de um jogo tenso, foram para a decisão por pênaltis e me lembro que todos foram convertendo até chegar a vez do quarto batedor rubro-negro que era ninguém menos do que Tita, um garoto recém saído do juvenil que todos apostavam como o sucessor natural de Zico.
Tita era o camisa 10 titular nas divisões de base e vinha sendo aproveitado nos profissionais com êxito, o que se comprovou com a escolha dele, um garoto de 19 anos, para bater um pênalti decisivo na final do turno.
Tita bateu e Mazaropi voou no canto e pegou. Ainda faltavam cobranças de Zico e Roberto, só que ninguém perdeu mais e o Vasco foi o campeão carioca. Tristeza no vestiário que poderia representar o final de uma carreira promissora de um garoto mal aproveitado.
Só esqueceram de combinar com Tita, pois já no ano seguinte se firmaria como um falso ponta tanto pela direita quanto pela esquerda, titular absoluto do Mengão e substituto do “Galinho” toda vez que este se contundia ou servia a seleção brasileira.
Tita era um jogador que diziam naquela época ser “moderno” – a imprensa adora falar isso – pois fazia ás vezes de ponta bem aberto quando o time tinha a posse de bola e voltava para marcar, fechando o meio e ajudando o lateral, uma raridade até nos dias de hoje, imaginem no final dos anos 70. Mas não se engane, não era um garotinho frágil, muito pelo contrário, não fugia de cara feia nem de pancadas e chegava duro nos adversários também, tanto que foi peça fundamental para o Flamengo e o Grêmio vencerem suas Libertadores, torneio mais importante das Américas, que infelizmente não basta ter futebol para vencê-lo.
Tita foi tendo atuações de gala, pois além de marcar muito bem, passava com muita precisão, sabia cruzar com perfeição cirúrgica e fazia gols, muitos gols, gols de cabeça, com o pé direito e o esquerdo, de falta e sempre com muita categoria. Foram mais de 300 gols em toda sua carreira, só no Flamengo mais de 100, marca considerável se levarmos em conta que ele não era centroavante e nem sempre jogou de ponta de lança, próximo ao gol, como gostava mais.
Tita começou a ser convocado por Claudio Coutinho em 1979 e depois por Telê durante a preparação para a Copa do Mundo de 1982. Foi compondo o elenco e, quando finalmente entrou no time, não saiu mais até seu derradeiro fim da linha com Telê.
Telê gostou de Tita logo de cara, porque ele era exatamente o que o treinador procurava e gostava. Tita não era chegado a uma noitada, era disciplinado, extremamente técnico e muito talentoso nos cruzamentos e nas finalizações, polivalente, e econômico nos dribles, o que mais Telê poderia querer?
Vieram as Eliminatórias nos meses de fevereiro e março de 1981 e Tita arrebentou, virou titular a partir do segundo jogo e chegou a marcar dois gols contra a Venezuela, e isso jogando de ponta direita, o cara estava voando baixo, o que podia dar errado? Deu…
Tita tinha uma predileção pela posição de Zico e depois que percebeu sua importância naquele grupo, talvez o sucesso precoce tenha “subido a cabeça” e aí ele jogou todas as suas fichas numa disputa por aquele lugar e se deu mal. Tanto no Flamengo quanto na seleção brasileira, perdeu espaço e visibilidade, pior ainda, perdeu a chance de entrar para a história fazendo parte de um grupo maravilhoso em que provavelmente teria lugar de destaque, o que fazer se a ideia partiu dele?
Tita perdeu espaço mas continuou sua carreira em alto nível. Foi emprestado ao Grêmio e venceu a Libertadores da América de 1983, só não disputou a final do Mundial Interclubes porque voltou ao Flamengo após a venda de Zico para a Itália.
Tita não deu certo na volta ao Flamengo, foi para o Internacional também sem muito brilho e depois no Vasco arrebentou. Jogou tanto que foi comprado pelo Bayern Leverkusen da Alemanha, jogou ainda na Itália e no México.
Tita jogava muita bola e jogava para o time, se estivesse no grupo de 82 acredito que o Brasil poderia ter feito papel melhor ainda e ele seria figura importantíssima naquela máquina. Ajudaria Leandro na marcação e ainda seria opção na direita quando subíssemos ao ataque, mas por opção sua teve seu ocaso na seleção “lamentável” do Lazaroni na Copa de 1990, quando ficou no banco de reservas de um grupo que decepcionou o país com atuações muito aquém de nossas tradições.
Tita foi fera, craque de alto nível, mas perdeu o bonde da felicidade que passou bem ali na sua frente e apesar de todo o sucesso que fez no futebol, não teve o seu real tamanho reconhecido na história, uma pena!
NAS RUAS DO RIO
Parceiro e colaborador do Museu da Pelada, Alex Belchior inaugura hoje o nosso novo quadro: “Nas ruas do Rio”. O craque contará a história de monumentos, ruas, praças, estádios e espaços em geral que tenham alguma relação com o futebol.
O pontapé inicial ocorreu no calçadão de Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro, onde está localizado um busto do craque Domingos da Guia. Inaugurada em 2004, em comemoração ao centenário do Bangu, a obra de arte homenagea um dos maiores zagueiros da história!
TRIBUNAIS DE PADARIA
por Zé Roberto Padilha
Em 5 de outubro de 2017, Paolo Guerero, jogador de futebol, então gripado, utilizou uma medicação para melhorar sua respiração. E ganhar fôlego para enfrentar a Argentina em busca da classificação do seu país, o Peru, para a próxima Copa do Mundo de Futebol. Jogo decisivo, segundo ele, não poderia lhe faltar uma só partícula de oxigênio parta lutar pelo seu país.
Em outubro de 2009, na Dinamarca, segundo o jornal Le Monde, Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB, recebeu a propina de 1 milhão de euros pela compra de votos para a escolha da cidade do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Segundo Nuzman, que não estava gripado, não poderia faltar um só corrupto a ser comprado para não perdermos esta oportunidade única de receber a festa maior do esporte. “Custe o que custar!”, afirmou.
Guerrero, que vive dos seus salários e gratificações, queria apenas, segundo ele, respirar melhor. Já Nuzman, que violou os desígnios olímpicos pregados pelo Barão de Cobertin, segundo a imprensa, e leva uma vida abastada acima dos seus rendimentos, não quis se pronunciar. Mas enquanto um acaba de ser condenado em um café da manhã na padaria ao lado (“Certamente era cocaína, disse um torcedor!”; “Logo desconfiei de tanta luta e correria”, afirmou um vascaíno), o outro, embora preso preventivamente, foi solto porque quem se interessa, nos bares e nas esquinas do nosso país, pelos rumos do vôlei, basquete, handebol, judô e natação?
Somos latinos e passionais. Capazes de convocar às pressas, nas cadeiras de uma padaria, uma sessão extraordinária para julgar um jogador de futebol. E esperar, passivamente, quatro anos para que a chama olímpica seja acesa, ilumine nossa consciência e exija exames de fezes, porque urina é pouco, dos nossos dirigentes esportivos. A questão é: quem fez falta, anteontem, no comando de um ataque para dar orgulho, não vergonha, a uma nação? Paolo Guerrero ou Carlos Nuzman?
GOL DE ARTISTA
Se a pelada for com golzinho de chinelo, uma coisa é certa: em algum momento surgirá a polêmica se a bola entrou ou não. Como a maioria dos jovens, Artur Porto estava exaurido da faculdade no último período, mas precisava entregar um trabalho de conclusão de curso para se formar em Design, na PUC-Rio, Foi aí então que precisou recorrer à grande paixão da sua vida: o futebol.
Após quatro meses de pesquisa e mais quatro de execução, sob a orientação do professor Celso Santos, o flamenguista desenvolveu um golzinho que não tombaria nem com as pedradas de Roberto Dinamite e, por conta disso, recebeu o convite para uma exposição em Dubai.
Diante de tanta intolerância entre as pessoas, Artur foi em busca de uma solução que unisse o povo e nada mais agregador do que a boa e velha pelada de rua. Como suas pesquisas de campo apontaram que os peladeiros carecem de muitas soluções de design, o jovem decidiu colocar a mão na massa.
– Procurei um produto que ajudasse a proteger e alimentar nossa marca registrada que é o futebol-arte. Ele surge, originalmente, nas peladas de rua. A ginga, o drible, a irreverência e a criatividade estão sempre presentes, mas eles jogam em condições adversas, precárias e improvisadas. Desenvolvi esse projeto pensando neles.
A fala é de quem vivenciou todas essas condições nas peladas da Rua General Glicério, em Laranjeiras. Na infância, descia para jogar diariamente com os amigos e improvisava os golzinhos com chinelo, gelo-baiano, portões etc.
Alguns anos mais tarde, agora formado com louvor, Artur vai ter o privilégio de ser um dos representantes do Brasil na Dubai Design Week, a maior exposição de design universitário do mundo. O evento ocorre entre os dias 13 e 18 de novembro e, de malas prontas, o jovem não consegue esconder a felicidade.
– É como se fosse uma convocação para uma Copa do Mundo, né! Vou poder representar o futebol moleque lá em Dubai. São 70 faculdades, com uns três projetos de cada uma.
Quando voltar ao Brasil, Artur pretende correr atrás da produção dos golzinhos. Segundo ele, o projeto exige um alto investimento porque precisa de uma produção em larga escala para ser viabilizado.
– Meu maior interesse é levar esse golzinho para projetos sociais ou campos de refugiado. Acho que tem tudo a ver! – completou.
ALMA DE FRAQUE E CARTOLA
por Rubens Lemos
O homem antiquado é um observador sem teorias para explicar a si próprio. Sou um dos tais a nunca me imaginar velho, dando trabalho aos outros. Procuro não infortunar ninguém em mais um tempo invadindo como um intruso a minha vida. Escolhi viver como se fosse um passageiro do meu saudosismo. Quando a ele retorno, é para lembrar o que ele me guarda de bom.
Só sei fazer o que faço aqui, todos os dias, e mais algumas pequenas variações do jornalismo. Considero-me de alma sossegada por haver passado pelos dois lados da moeda, o ataque e a defesa, na máquina de moer gente que é uma assessoria de imprensa de órgão público. Não me arrependo por saber na pele que foi preciso, para aprender.
Antiquado, sou um conservador, mas não me vejo, num divertido exercício de banalidade, um homem de longas horas em basílicas ou arcadas gregas , ou de detrás de balcões de quinquilharias. Gosto dos sebos, de visitá-los. É a minha tecla de retroceder espiritual.
O que me sobra de antigo é meu e não abro mão. Gosto de papéis, filmes sem atrativos atuais, modelares para comparar o tempo do meu tempo com o tempo do tempo do meus filhos e dos seus amigos. Que eles não saibam, mas o meu tempo foi muito melhor.
Menos moderno, menos acessível à tecnologia, porém superior no quesito gente. Sempre gostei mais de gente do que de me mostrar com dinheiro e patrimônio e talvez não tenha me tornado um rico pela própria vocação de achar mais agradável um livro, um disco, um jogo de futebol ou um suspense instigante.
Sou obrigado a dizer, nesta demorada delonga, que os meninos atuais viram bem menos do que assisti e hoje falam com aspectos de certo modo arrogantes. O futebol é a minha base de analogia. Comparo-o a qualquer assunto e termino com razão. Na vida, como no futebol, quem prefere se defender ou se esconder, perde por omissão, medo ou covardia. Quem tem coragem de lutar, é como um time jogando no ataque, driblando para frente, alegrando a platéia.
Tenho dó dos meninos com direito à TV paga que não se assemelham aos pobres frequentadores de campos interioranos, calvos de grama, imensos de paixão. Os pequenos do mato, das agruras e do pão contado têm no futebol a alegria bem mais autêntica do que o discurso teórico de algumas décadas passadas, quando, entre queijos e vinhos, sem riscos de delação ou tortura, falsos profetas discursavam para ouvidos imbecilizados.
Recitavam Neruda, bebiam bons vinhos e sentenciavam: o povo brasileiro gosta de pão e circo. E olhavam para os interlocutores, todos embevecidos pela falta de opção melhor. A retórica dos catedráticos punha o circo como guarda-chuva de todas as culturas consideradas inúteis por eles, os sábios que, ao passar dos anos, se transformariam em sabidos, no sentido sem graça da esperteza.
O circo dos intelectuais de festa impunha o futebol como ópio das classes dominadas. Esse tipo de arrogante continua achando assim. Com todas as minhas limitações antiquadas, nada é mais cultural do que o futebol, na sua prática que envolve a dança, a literatura expressada por nomes menos pedantes: Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, Carlos Drummond de Andrade, Carlos Heitor Cony, João Máximo, João Saldanha, Luís Fernando Veríssimo, José Lins do Rêgo.
O futebol é uma cultura primordial de massa. Os gurus que tomavam vinho e teorizavam o que outros sentiam na pele e na prática perderam seu manifesto verbal e pedante: O futebol acabou para os humildes.
Nos ingressos a preços absurdos, em clubes proibitivos e na substituição do amor dos torcedores de verdade, pela baba elástica e odienta dos mentecaptos que escolheram um time para destilar suas frustrações de placenta. Palavra de antiquado. De uma alma de fraque e cartola.