GARRINCHA, GENTE BOA, É UM INTEMPESTIVO E TRIUNFAL ESTADO DE SER
por André Felipe de Lima
O poeta Fernando Pessoa escreveu o seguinte: “O mito é o nada que é tudo”. Jung percorreu caminho parecido. Dizia ele que o mito mostra-se essencial para penetrarmos os recônditos do ser humano. O símbolo com os quais nos identificamos desenharia, portanto, quem somos na alma, possibilitando-nos identificar e compreender as “verdades” intrínsecas ao longo da vida. Ao longo da história dos homens. O mito é assim: o “nada que é tudo” que nos permite adentrar a realidade com um sorriso, com a alegria que fundamenta a arte. Garrincha é o meu mito. Jamais o vi jogar ao vivo, mas o que li e assisti em vídeo sobre ele garante-me a certeza de que ali, diante dos meus olhos, encontrava-se o mais singular e eloquente mito da história do futebol mundial. É incalculável o que se construiu a partir daquele previsível e instintivo drible para a direita, porém intransponível. Imarcável. Analogicamente, parar Garrincha seria como se alguma mão deificada fizesse parar a terra de girar. Ou seja, o fim da história. O fim do mundo, ora essa! Garrincha, decerto, jamais deixará de existir. Gira ininterruptamente e eterno como o planeta. Mané jamais nasceu ou morreu, meus caros. O impoluto Garrincha traduz, numa concepção fenomenologicamente heideggeriana, o “ser em” mais completo que brotou do nada para construir a história mais emocionante que o futebol já ofereceu ao mundo.
Outro dia, entrevistando os jogadores tchecos remanescentes da final da Copa do Mundo de 1962 — sim, aquela que o mítico Mané “ganhou” sozinho —, eles foram unânimes ao afirmar que Garrincha foi o maior dentre os maiores. Um camarada, que se dizia músico, acompanhava a delegação dos tchecos. Abordou-me e a mim mostrou um CD todo ele composto em homenagem ao Garrincha. Visivelmente emocionado, ele declarou nunca tê-lo visto jogar, mas fez do Mané o seu grande ídolo. Meu Deus, ali, diante de mim, em uma caixinha de CD, o tal “ser em” do Heidegger personificado na imagem mítica do Garrincha, para a qual jamais haverá tempo capaz de apagá-la.
O dionisíaco Garrincha sucumbiu na carne, mas na alma foi um exemplo liberto, como se fosse o Zaratustra nietzschiano. Mané ensinou-nos a felicidade. Ensinou-nos a buscarmos, sempre para frente, como se driblássemos igualzinho a ele, o gol de nossas vidas. Quando algo triste a assaltar-nos a mente tornar-se insistente, experimente-se pensar em Garrincha, no seu sorriso puro e cativante e, claro, nos seus dribles. Tristeza vai-se embora.
O poeta Carlos Drummond de Andrade sentia-se mais do povo, e portanto feliz, ao fazer de Garrincha o remédio para a melancolia: “Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho.”
Quantos milhares nos estádios sentiram-se Garrincha vendo-o jogar? Quantos ainda hoje sentem o mesmo apenas assistindo ao extraordinário “Alegria do povo”, sob a aguçada câmera do Joaquim Pedro de Andrade e do Barretão? Mané soube retribuir, e com humildade dizia não ser ele a alegria do povo, mas sim ser o povo a sua alegria. Suscetíveis a todas as formas de resignação, louvamos Mané.
Garrincha mostrou a todos que o futebol tem sua peculiar filosofia e que ele, Mané, fez-nos mais felizes e independentes para driblarmos. Quem um dia, quando menino, não se sentiu Garrincha? Garrincha é mais que humano. Garrincha, gente boa, é um intempestivo e triunfal estado de ser.
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ENTREVISTAS E IMAGENS DO GARRINCHA NA TV CULTURA
ENTREVISTAS E IMAGENS DO GARRINCHA NA TV RECORD
ALEGRIA DO POVO
O MARKETING É INSUBSTITUÍVEL
por Idel Halfen
Na semana que passou surgiram duas notícias envolvendo patrocinadores e fornecedores de material esportivo de clubes de futebol.
Uma se referia à troca de fornecedor de material esportivo por parte do Santos, que voltará a usar uniformes da Umbro após dois anos de parceria com a Kappa.
O fato em si pode ser considerado relativamente normal, pois troca de fornecedores costuma acontecer com relativa frequência. Nesse caso, porém, o tema exige um pouco mais de reflexão por se tratar também de uma troca de modelo de negócios, já que a Kappa atuava como uma espécie de marca própria. O artigo “Marcas próprias no esporte” – http://halfen-mktsport.blogspot.com.br/2017/05/marcas-proprias-no-esporte.html – explica como se dá esse formato e traz um comparativo em relação a outros produtos.
Apesar de nunca ter sido um entusiasta desse modelo para clubes grandes de futebol, confesso que me surpreendi com a notícia, mesmo porque ambas as partes divulgavam a todo o momento a satisfação com os resultados.
A outra notícia versou sobre o suposto atraso dos pagamentos da Carabao ao clube por ela patrocinado, o que teria sido causado pelo fato de as vendas estarem abaixo das expectativas, as quais embasam os valores do contrato e o fluxo de recebimentos.
Não creio, no entanto, que os clubes envolvidos possam ser responsabilizados diretamente pelos resultados negativos dessas operações.
No caso do material esportivo podemos dizer que havia espaço para se testar um novo modelo devido ao processo de transformação que esse mercado vem passando, onde os valores de remuneração estão sendo readequados.
Outrossim, há de se frisar que gestão de bens de consumo e de varejo não faz parte do core business dos clubes de futebol, além de requerer aportes em estrutura e em profissionais, o que não faz sentido num ambiente com limitação de recursos e outras prioridades.
Em relação ao energético parece claro que a empresa não estimou corretamente o mercado e/ou não se aprofundou o suficiente para entender que fazer um produto novo chegar ao consumidor final, ou mesmo ao varejo, carece de pesados investimentos estruturais em comercialização/distribuição e não apenas em patrocínio. A propósito, remunerar o patrocinado em função das vendas dos produtos é uma expressiva prova de desprezo aos demais componentes do composto de marketing e às ações comerciais.
Analisando os dois episódios de forma mais ampla, podemos inferir que os dois casos têm origem num problema bastante comum no mercado esportivo brasileiro: a confusão entre marketing esportivo e marketing.
Na verdade nem haveria razão para essa distinção, afinal o conhecimento e a experiência em marketing já conferem requisitos suficientes para capacitar profissionais a atuarem em qualquer ramo de atividade, inclusive no esporte.
Todavia, o mercado esportivo abriu espaço para que achassem que a miopia em marketing pudesse ser compensada através da paixão pela atividade, o que não condiz com os princípios de uma gestão inteligente.
As situações que envolvem varejo exemplificam bem esse cenário, visto que muitos dos erros cometidos pelas organizações – esportivas ou não – são frutos da incompreensão acerca das etapas e variáveis envolvidas numa cadeia de consumo.
FIGUEROA, O ‘PATRÃO’ DA ÁREA OU O MAIS BONITO DO VERISSIMO
por André Felipe de Lima
Falcão, quem diria, não foi unanimidade entre os torcedores do Internacional. O vaticínio soaria sacrilégio se a revista Placar, em uma edição especial de dezembro de 2005, não confirmasse o zagueiro Figueroa como o único a receber todos os votos de torcedores ilustres do Colorado reunidos para eleger o time dos sonhos do Internacional. “Não precisa explicar”, disse Mário Marcos de Souza, co-autor do livro História dos Grenais, para quem Figueroa não exigia elucubrações mais complexas. Era craque e ponto final. Ademais, como o próprio costumava alegar: “Vitórias não se merecem, se conquistam.”
Os 320 jogos e os 26 gols com a camisa rubra fizeram do grande zagueiro um dos maiores jogadores de todos os tempos do futebol gaúcho. Na defesa, mandava Figueroa. Era o “patrão da área”, o “capitão dos Andes”. Há quem defenda com ardor a tese de que a história do futebol dos pampas deva ser contada antes e depois da passagem de Figueroa pelo Inter. E quem discordaria do mago das letras Luis Fernando Verissimo, que durante um jantar oferecido ao ídolo em sua casa, em que compareceram Bráulio, Carpegiani e outras celebridades coloradas, constatou o imponderável? Além de craque, o “patrão da área” declamava Pablo Neruda como poucos: “E na saída do jantar, já na rua, olhando as estrelas, o Figueroa lascou o Neruda — Figueroa é fã de Pablo Neruda, especialmente do “Poema 20” — diante de uma platéia fascinada: “Puedo escribir los versos más tristes esta noche. Escribir, por ejemplo: la noche esta estrellada Y tiritan, azules, los astros, a lo lejos…”. O Ruy [Ruy Carlos Ostermann, jornalista e, obviamente, colorado em várias encarnações] descreveu a cena na sua coluna do jornal Correio do Povo, dias depois. Estava lançado o mito. O homem, além de tudo, era um intelectual!”. A verdade é que o escritor encontrou-se outras vezes com Figueroa. Esperava ouvir dele comentários revestidos de vigorosa erudição sobre a literatura latino-americana, mas os encontros nem foram tantos assim e tampouco o papo era intelectual. Na pauta das conversas, um único tema: futebol. “Ele e a Marcela [esposa do craque] eram pessoas inteligentes e agradáveis, mas depois daquela noite estrelada o Neruda nunca mais foi citado”, conformou-se Verissimo.
Elías Ricardo Figueroa Brander nasceu em Viña del Mar, no Chile, dia 25 de outubro de 1945. Defensor técnico e preciso nos desarmes, era vigoroso nas disputas de bola, porém leal. O “Xerifão” costumava se referir a grande área como uma propriedade: “A área é a minha casa, aqui só entra quem eu quero”. Mas havia os mais abusados que ousavam entrar em sua “casa” sem serem convidados. Ah, os incautos… e Figueroa usava os cotovelos “com alguma prodigalidade”, como escreveu Veríssimo, para “punir” os atacantes. Nada pessoal. Só não permitia invasão de domicílio. Isso, nunca.
Antes de brilhar com as camisas de Internacional e da seleção chilena, Don Elias Figueroa teve de travar uma batalha contra problemas de saúde na infância. Passou por uma operação para sanar um problema respiratório que não o permitia praticar esportes quando ainda tinha apenas seis anos de idade. Logo depois, aos dez, o adversário era a poliomielite [paralisia infantil] que o obrigou a um ano de tratamento, a maior parte do tempo deitado sobre uma cama. Porém, cercado de cuidados da família e, quem sabe, graças a uma mãozinha dos deuses do futebol, estaria de pé novamente. Saiu da infância e tão logo entrou na adolescência surgiu o casamento. Figueroa tinha apenas 16 anos e Marcela, o amor de infância, 15.
O primeiro clube da carreira foi o Santiago Wanderes, em 1963. No ano seguinte, teve uma rápida passagem pelo Unión La Calera. Depois, mais duas temporadas no Wanderes quando foi convocado para defender o Chile na Copa do Mundo de 1966*. Conseguiu destaque internacional e logo surgiu o interesse do Peñarol. Fez grande sucesso no aurinegro onde conquistou o bicampeonato uruguaio [1967 e 1968] e logo se tornou ídolo da torcida.
Em 1971, o Peñarol passava por dificuldades financeiras e teve que negociar o jogar. O Internacional disputou o passe do craque com o todo poderoso Real Madrid e no fim o Colorado levou a melhor. Para Figueroa a escolha foi mais do acertada: “Tive a oportunidade de sair para os dois lados. Escolhi o Inter e fico feliz pela escolha que fiz”. Desembarcou em Porto Alegre, no dia 11 de novembro de 71, ao seu lado o vice-presidente de futebol do Inter, Eraldo Hermann, que alegava ter sido Figueroa a contratação mais expressiva da história do futebol gaúcho. O marketing era nada mais que uma resposta ao rival, que contratara o melhor zagueiro da Copa de 1970, o uruguaio Ancheta, semanas antes. “O Internacional não podia ficar atrás. Toda a história moderna do futebol gaúcho está contida nesta frase: nem Inter nem Grêmio podem ficar atrás um do outro, sem o risco de crise e revolta da torcida”, escreveu Luis Fernando Verissimo, para quem Figueroa, além de mais craque que Ancheta, era “mais bonito”. E parece que o cartola Hermann compreendia bem a frase citada pelo escritor colorado. No ano seguinte, com Figueroa quase intransponível, o Inter conquistou o Campeonato Gaúcho e, em 1973, alcançou o “penta” estadual.
Entre os vários motivos que fizeram Figueroa optar pelo futebol brasileiro, um em especial nos leva a pensar sobre os rumos do esporte no País: “Eram muitos atletas de alto nível, por isso era melhor jogar aqui”. E ele tinha razão, quase todos os tricampeões mundiais jogavam no Brasil. Algo improvável nos tempos atuais é ver um grande craque atuar por um clube brasileiro.
Figueroa chegou ao Beira-Rio para dividir com Falcão a liderança do time na fase áurea do Internacional. Os números são impressionantes de 1971 a 1976, ganhou todos os campeonatos gaúchos. De quebra, o escolheram como o melhor zagueiro da América do Sul por três anos consecutivos [1974, 75 e 76] e participou das Copas de 1966, 1974 e 1982, na Inglaterra, na Alemanha e na Espanha, respectivamente. Na de 1974, foi considerado o melhor defensor.
Em 1975, o capitão fez o gol que garantiu o primeiro título brasileiro da história do Internacional. Na tensa final contra o Cruzeiro, em pleno Beira-Rio, marcou o “gol iluminado” ao cabecear a bola cruzada por Valdomiro para o fundo das redes de Raul Plasmann. O “gol iluminado” ficou conhecido desta maneira porque foi assinalado no único local do estádio onde batia a luz do sol naquela tarde.
No ano seguinte, a forte equipe gaúcha seria novamente a dona do Brasil ao conquistar o bicampeonato nacional. A final foi disputada mais uma vez no Beira-Rio, só que o adversário era o Corinthians. Após fechar a partida em 2 a 0, a taça novamente era erguida pelo inesquecível capitão colorado. Também em 1976, o Inter travou contra o Cruzeiro um dos jogos mais emocionantes dos anos de 1970. Palhinha, então ponta-de-lança cruzeirense, tinha o hábito de provocar os adversários. Fez troça logo com quem… “Palhinha vinha com aquele papo de ‘você não joga nada’ ou ‘vou te quebrar’. Isso me chateava. Ele jogava muito, não precisava desses recursos. Um dia, na Libertadores de 1976, rebentei a cara do Palhinha. Ele jogou sangrando. Na volta, em Belo Horizonte, tentou fazer o mesmo comigo e foi expulso. Eu dizia: ‘Me bate de frente, Palhinha’. Mas ele vinha por trás. Gosto de nego valente.”
Não era só dentro de campo que o zagueirão se destacava. O estilo galã e o porte físico do jogador atraíam a torcida feminina.
Em meados de 1973, um repórter resolveu fotografá-lo nu, de costas, após uma partida quando Figueroa ainda trocava de roupa no vestiário do Estádio dos Eucaliptos. A foto foi estampada em uma charge de Marco Aurélio, no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. O escândalo transformou o jogador em um símbolo sexual, mas também despertou nos cartolas da Federação Gaúcha de Futebol um arroubo moralista [ou seria despeito?…]. O campeonato foi interrompido durante uma semana por causa da bunda do Figueroa: “Depois o fotógrafo disse que só queria mostrar que eu era de carne e osso. Pô, que me mostrasse no supermercado ou algo assim”. Aurélio premeditou tudo. Queria mesmo era espetáculo, polêmica. Ele mesmo reconheceu isso. “A Jacqueline Kennedy Onassis havia sido flagrada nua por paparazzi em uma ilha grega. O escândalo foi total. Eu resolvi tentar o mesmo estardalhaço por aqui”. O chargista combinou tudo com o fotógrafo do Zero Hora, Hipólito Pereira. Os dois seguiram para o estádio do Beira-Rio, mas os jogadores colorados estavam no Eucaliptos. Ambos mudaram o rumo e seguiram para o local onde poderiam flagrar Figueroa. Foram barrados pelo segurança e, pacientemente, aguardaram o final do treino. Diante do basculante do vestiário, promoveram o clique mais causticante daquele ano. “Eu dei o pé para o Hipólito subir. E ainda assim ele foi obrigado a erguer a máquina e disparar, nem viu direito o que estava acontecendo no vestiário”. Figueroa, garantiu o chargista, foi o que menos se sentiu incomodado com a história. O zagueiro recebeu a solidariedade de todo estado. Era gente da Igreja Católica, políticos, cartolas [inclusive do Grêmio] e torcedores mais sentidos com aquilo tudo. Aurélio é quem penou. Teve de conceder entrevistas para Deus e o mundo — até mesmo para o programa televisivo do apresentador Flávio Cavalcanti — e quase foi linchado em um restaurante por colorados mais exaltados. O principal executivo do Grupo RBS, proprietário do Zero Hora, Maurício Sirotsky, deu o caso por encerrado ao não passar as fotos para outros veículos e entregá-las a Figueroa. No final das contas, o campeonato foi paralisado pela foto da bunda do zagueiro chileno e o Inter conseguiu recuperar uma penca de craques contundidos. Tudo a tempo para o elenco levantar o pentacampeonato estadual. Restou ao treinador Dino Sani agradecer ao chargista, como descreveu o cronista Marcelo Xavier: “Você venceu o campeonato para nós.”
Polêmica e muitas glórias depois, Figueroa trocou o Inter pelo Palestino, do Chile, em 1977. O craque passou ainda pelo futebol dos Estados Unidos, onde defendeu o Fort Lauderdale Strikers. O último clube do eterno capitão chileno foi o chileno Colo-Colo, onde encerrou a carreira em 1980, aos 36 anos de idade. No time americano, Figueroa, após cotovelada de um adversário, quebrou o maxilar e teve de levar quarenta pontos no rosto. Queria voltar a campo, mesmo machucado, para bater no jogador. Contido, levaram-no para o hospital.
Enquanto vivia intensamente a paixão pelo esporte bretão, Figueroa foi se preparando para o momento em que deixaria os gramados. Iniciou a carreira de treinador no Palestino e, em seguida, retornou ao Inter, em 1995, para atuar como gerente de futebol. Neste período, chegou a assumir o cargo de treinador do Colorado.
O craque passou a fazer de tudo um pouco. Como empresário, assumiu uma distribuidora e importadora do vinho Dom Elias, em Porto Alegre.
Com consciência da importância do estudo, fez faculdade de jornalismo e permaneceu ligado ao esporte exercendo a profissão de comentarista e de diretor da Universidade do Esporte, no Chile. Ciente de sua posição de ídolo, o ex-atleta também dá exemplo de cidadania ao se dedicar ao programa Futebol pela Paz, da Organização das Nações Unidas. Figueroa preside um grupo de ex-jogadores que faz parte do projeto que luta contra a pobreza e auxilia crianças carentes pelo mundo.
Nas lembranças de colorados, nunca deixará de existir. Luis Fernando Verissimo guarda até hoje, como relíquia, a foto ao lado do ídolo, tirada em sua casa, durante um churrasco que marcou a despedida de Figueroa, em 1977, entre uma partida e outra de totó: “Nosso zagueiro ia embora, mas nos deixava a memória de uma fase incrível que hoje parece tão remota quanto nossas calças”.
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#Ídolos #DicionáriodosCraques #EliasFIgueroa #SCInternacional
UMA MÁQUINA NA MÃO, UMA FRUSTRAÇÃO NA CABEÇA
por Zé Roberto Padilha
Zé Roberto Padilha
Cheguei ao Flamengo levando junto do Fluminense, em 1976, o maior lateral-direito em atividade do país, Toninho Baiano. Leovegildo da Gama Júnior, então titular da camisa 2, recebeu do nosso treinador, Carlos Froner, uma dica: ou vai se adaptar na lateral esquerda e disputar a posição com Wanderley Luxemburgo (o titular, Rodrigues Neto, tinha ido para o Fluminense no troca-troca) ou sentar no banco de reservas. Júnior aceitou o desafio e se adaptou tão bem à nova posição que chegou à seleção brasileira.
Na concentração, reparei a quantidade de saladas que seu prato continha, chamava a atenção diante de outros, como o meu, não tão politicamente saudáveis. Como todos ali que jogavam por amor à camisa, que nem tinha patrocínios, Júnior abriu mão das noitadas. Treinava de dia na Gávea e à tarde corria nas areias fofas de Copacabana. Sua renúncia e cuidados foram longe, se tornou o jogador que mais vestiu a camisa rubro-negra em jogos oficiais: 865. Só quem se cuida muito conseguiria alcançar patamares que Adriano, Ronaldinho Gaúcho e os integrantes do Bonde da Stelinha nem sonharam chegar.
E é sobre este exemplo de desportista, ilustre cidadão carioca e meu amigo que dedico esta crônica. Pois na semana passada postaram no Facebook cenas de sua intimidade. Num restaurante cercado de amigos e admiradores, bebeu um pouco mais. Tinha direito, era dia de folga na Rede Globo onde nos brinda com o melhor e mais imparcial dos comentários. Todos já bebemos acima do normal e nossas mulheres nos levaram em segurança para casa. Mas entre o ídolo, sua privacidade e os seus admiradores, havia a postos no local um jogador frustrado de plantão. Com uma máquina na mão, uma inveja na cabeça, um sonho inalcançável de ter sido jogador de futebol, registrou tudo. E jogou na rede.
Até a invenção da Internet, recalcados e frustrados sofriam, afinal, em que lugar poderiam expor suas fraquezas sem serem percebidos? Daí veio a rede social a lhe estender a tela, palco e o anonimato onde poderiam postá-las, compartilhá-las com outros recalcados que passariam frustrações à frente. Não conhecemos quem gravou a cena, mas quem o fez tem o perfil daqueles que sempre se incomodaram com a luz que Júnior irradia, carregando atrás de si cidadãos carentes de ídolos e a procura de um autógrafo, uma foto, um registro seu para a história.
O recalcado da vez não deve ter passado de um jogador qualquer no Aterro do Flamengo. Não sabe onde fica Pescara, e do Estádio Sarriá, em Barcelona, nem passou por perto. Nem que fosse para sofrer junto com a gente. Sua vingança por não ser famoso e tão bom de bola acabou no exato instante em que o Flamengo, 48 horas depois, entrou em campo contra o Bahia e o nome e rosto do Júnior na bandeira, imortalizada ao lado da do Zico, foi erguida com orgulho outra vez pela torcida na Ilha do Urubu. E vai ser sempre assim. Quando uma nação tomba um monumento seu como patrimônio histórico e esportivo, melhor os frustrados de plantão recolherem suas câmeras. E retornar às selfies com que vão revelando, a cada dia, o tamanho da sua mediocridade.
OS DOIS LADOS DA BOLA
por Marcos Vinicius Cabral
Quis o destino que os “Deuses do Futebol” tornassem o ano de 1974 marcante para Wemerson Lins Brum e Leovegildo Lins Gama Júnior.
No mundo ludopédico, tradicionalmente conhecidos como Lins e Júnior.
Foi em janeiro de 1974 que o recém-nascido Lins dava, no Hospital São Paulo, no Ingá, em Niterói, seu primeiro choro em vida.
Havia em Dona Elza, sua mãe, alegria em acordar nas madrugadas para amamentar e trocar suas fraldas, pois o pequeno Lins era a realização de um sonho dela com seu esposo Moacyr.
Em dezembro do mesmo ano, um certo Júnior marcava um golaço do meio-campo, na vitória do Flamengo por 2 a 1 sobre o América.
O gol em si – precedeu o título carioca em um empate sem gols contra o arquirrival Vasco da Gama – foi marcado no Maracanã e percorreu alguns bairros como Tijuca, Cidade Nova, Praça Mauá, Glória, Flamengo, Botafogo, até chegar em Copacabana, onde Dona Vilma pulava de alegria com o primeiro de muitos triunfos do filho, camisa 4 e lateral-direito do Flamengo.
Se havia um brilho ímpar nos olhos das progenitoras dos predestinados filhos, as emoções em trocar uma simples fralda ou amamentar na madrugada, assim como o gol antológico ou o título logo no primeiro ano como profissional em uma noite iluminada no Estádio Mário Filho, representariam para elas um orgulho imensurável.
A vida seguia seu fluxo normal e ao ganhar pela primeira vez um presente especial das mãos de seu pai, seu Moacyr, o pequeno Lins entenderia aquele gesto paterno como um mandamento: amar a bola sobre todas as coisas.
Foi a primeira vez que, com os olhos marejados, seu Moacyr ficou emocionado com o sorriso sincero e inocente de seu filho.
Já Júnior, então com 22 anos, jogaria sua primeira e única Olimpíada, a de Montreal, no Canadá, na lateral-esquerda.
Contudo, dois anos depois, acabou tendo uma grande decepção ao ser preterido pelo técnico Cláudio Coutinho, que optou em improvisar o tricolor Edinho na lateral-esquerda, na Copa do Mundo da Argentina, em 1978 e não levá-lo ao Mundial na Argentina.
Mas apesar do ato imperdoável de um dos maiores treinadores do Clube de Regatas do Flamengo, os rubro-negros sabem que “herrar é umano”.
Já no fim daqueles anos, o pequeno Lins passou a ser chamado carinhosamente na infância de “Merson”, por ter sido uma criança dócil e benquisto pelos moradores da Rua Benjamin Constant, no Barreto em Niterói.
E Júnior, ganhava dos companheiros de clube e da imprensa carioca, o apelido de “Capacete”, por ostentar um cabelo estilo “Black Power” (movimento representado pelo orgulho racial que teve início nos anos 20 mas ganhou notoriedade durante o período dos direitos civis no final dos anos 60).
Na abertura da década seguinte e na mais prolífera do vermelho e preto, o ano de 1980 traria importância às vidas de Lins e Júnior.
Se os jogos do Flamengo, transmitidos pela Rádio Globo, na voz marcante de Waldir Amaral, criador do “Galinho de Quintino” – que acompanha Zico até os dias de hoje – eram a única forma de acalmar o espevitado Lins, que dava trabalho aos seus pais com suas peraltices inimagináveis, Júnior sagrava-se campeão brasileiro pela primeira vez, em um Maracanã apinhado de 154.355 rubro-negros.
Ao assoprar o apito com veemência, decretando o fim da partida, o árbitro José de Assis Aragão tornaria aquele épico Flamengo 3 x 2 Atlético Mineiro, a primeira alegria a nível nacional de Lins como torcedor e de Júnior como jogador.
Talvez tenha sido e permanecido até hoje, a maior rivalidade de dois gigantes do futebol brasileiro, oriundos de estados diferentes.
Alguns anos passaram e em 1984, com 10 anos, Lins foi parar no Praia Clube, em Niterói, para ser lapidado pelo “professor”Jair Marinho (lateral-direito reserva de Djalma Santos, na Copa do Mundo do Chile, em 1962), que viu qualidades no menino franzino.
E Júnior, já consagrado com três Brasileiros, alguns Cariocas, uma Libertadores, um Mundial e a Copa do Mundo de 1982, como cereja do bolo de uma belíssima carreira, desembarcava na Itália.
O camisa 5 do Flamengo aceitou uma oferta do Torino-ITA de dois milhões de dólares para jogar no duro “Calcio Italiano”, com 30 anos e pensando no futuro, pediu ao técnico Luigi Radice para ser deslocado ao meio de campo, a fim de se preservar mais fisicamente e pôr em prática sua visão de jogo privilegiada.
Com um futebol envolvente, a idolatria ao craque ficou ainda maior perante os torcedores, principalmente após os casos de racismo e preconceito de “pseudotorcedores” rivais.
Na partida contra o Milan, no San Siro, Júnior foi alvo de xingamentos e cusparada e, contra o Juventus, foi vítima de faixas racistas.
À procura de um lugar ao sol em solo brasileiro por onde pisam pés apaixonados e sofridos pela bola, o zagueiro Lins enfrentou os obstáculos como qualquer garoto de sua idade.
Acabou, com muita determinação, percorrendo um árduo caminho nas andanças pelos clubes.
Vestiu camisas como a do Palmeiras de Niterói e do Caramujo, ambos pela categoria infantil e adquiriu experiência para alçar voos maiores.
E na terra do Coliseu, com uma cabelo mais moderado e um futebol cada vez mais encantador, Júnior desfilava seu talento nos gramados italianos.
Pelo Torino, clube fundado em 1906, enfrentava jogadores do quilate do francês Platini, do polonês Boniek e do italiano Paolo Rossi na Juventus; dos brasileiros Edinho e Zico na Udinese; dos brasileiros Alemão, Careca e do argentino Maradona no Napoli; do italiano Baresi e do trio holandês Rijkaard, Gullit e Van Basten no Milan; do brasileiro Falcão e do italiano Conti no Roma; do brasileiro Cerezo e do italiano Vialli no Sampdoria; do trio alemão Matthäus, Klinsmann e Rummenigge no Internazionale e mesmo assim, se tornou em 1985 o melhor jogador do Campeonato Italiano.
O ex-camisa 5 do Flamengo já era considerado um “Maestro” pelos italianos.
E o Lins, no Campeonato Niteroiense, era eleito por três vezes como o melhor jogador, nos anos de 1986, 1987 e 1988, coincidentemente nos anos em que sagrava-se campeão.
Como se vibrassem com um título, os torcedores do Pescara – apesar de nunca terem visto seu clube dar uma volta olímpica – receberiam de braços abertos a nova contratação naquele 1987: Júnior.
Os desafios eram maiores e no segundo ano de clube, apesar de não ter conseguido ajudar a equipe a manter-se na primeira divisão, ele foi eleito o segundo melhor estrangeiro da Série A, ficando à frente de grandes jogadores.
Nada mal para um jogador prestes a completar 35 anos e jogando em uma equipe modesta.
No entanto, em 1989, Júnior resolveu atender a um pedido de seu filho Rodrigo, então com 4 anos à época, de voltar ao Brasil.
O menino, que sonhava vê-lo jogando no Maracanã com o manto rubro-negro, havia cansado de ver no vídeo-cassete, as fitas VHS com os gols do Zico pelo Flamengo, que o “Galinho” mandava para o garoto ver.
Mesmo assim, reconhecendo sua importância para o clube da cidade de Pescara em Abruzzo, em sua despedida do futebol italiano, recebeu uma bela homenagem: uma partida entre as seleções de Brasil e Itália, revivendo a “Tragédia do Sarriá”, em gramado italiano dessa vez.
No mesmo ano, Lins ia escrevendo sua história com destaque nas categorias mirim e infantil do Flamengo, levado por seu Moacyr nas peneiras (testes nas escolinhas de futebol dos clubes) no Fundão e Cocotá na Ilha do Governador, em Jacarepaguá e por fim na Gávea.
Ficou apenas um ano no Flamengo, seu clube de coração e divagou como uma estrela solitária em busca de se firmar no cenário futebolístico, indo parar no Botafogo, onde ficou apenas três meses.
Muitos reconheciam seu futebol e foi parar no Olaria a convite de um amigo.
Percorreu o Brasil, jogando no Estrela do Norte Futebol Clube (ES), Paraná Clube (PR) e chegou a jogar na cidade espanhola de Las Palmas de Gran Canaria, no time do Unión Deportiva Las Palmas, após uma excursão bem sucedida do clube suburbano.
Mesmo sendo um nômade da bola, esperou um dia realizar dois sonhos: enfrentar o Flamengo e Júnior.
Os anos 90 surgiam no horizonte e tanto Lins quanto Júnior trilharam caminhos opostos nas carreiras.
Se Lins buscava sua profissionalização, sendo destaque no Olaria Atlético Clube, o “Maestro”Júnior (apelido recebido pelo fino trato à bola nos anos em que jogou no competitivo futebol italiano) conquistava títulos importantes como o da Copa do Brasil em 1990, o Campeonato Carioca em 1991, vencendo o Fluminense com uma exibição inesquecível e o Campeonato Brasileiro de 1992, disputado no primeiro semestre do ano.
Aliás, foi o único remanescente da década de 80 a conquistar o quinto brasileiro de sua história.
Portanto, ganhar o Campeonato Carioca de 1992, seria para o “Vovô” Júnior encerrar a carreira com chave de ouro, conforme ditado popular.
Já o Campeonato Carioca daquele ano, seria para Lins – jovem zagueiro olariense – a oportunidade em ser relacionado para o banco em algum jogo, pelo professor Toninho Andrade.
E seu maior receio era não jogar contra o experiente jogador da camisa 5 rubro-negra, que estava com 38 anos e com a aposentadoria batendo à porta.
Com isso, naquela quinta-feira, 19 de novembro de 1992, o Flamengo enfrentaria o Olaria, no Estádio da Gávea.
Para Lins, além de querer ser promovido aos profissionais – até a véspera daquele jogo era juniores – o que ele mais queria era estar perto do seu ídolo e viver aquela atmosfera.
Lembrou das suas lutas e do quanto batalhou para estar ali, pisando no gramado onde seu ídolo deu seus primeiros chutes.
Foi escalado sim, não na sua posição de origem mas de cabeça de área.
Por instantes, segurou o choro ao lembrar das coisas que teve que abdicar para seguir na carreira.
Ao entrar em campo, sentiu um frio na barriga ao ver os jogadores do Flamengo, um a um, pisando no palco verde da Gávea.
Ainda meio disperso, viu com exatidão, o momento em que um enxame de repórteres entrevistava o recordista de partidas oficiais pelo Flamengo, com 876 jogos.
Enquanto seus companheiros do celeste suburbano batiam bola e aqueciam para o jogo, Lins não tirava os olhos da direção dos jornalistas.
Não havia tática e tampouco meios de parar o talentoso craque da camisa 5.
Mas Lins queria era jogar bem e registrar tal momento para um dia poder dizer: “Eu joguei contra o Júnior”.
Porém, antes do árbitro Paulo Roberto Chaves chamar os capitães para o tradicional par ou ímpar, Lins se aproxima do idolo e pergunta sem jeito: “Seu Júnior, dá pro senhor tirar uma foto comigo?”
Com alguns fios prateados no tradicional bigode e nas laterais da cabeça, a lenda rubro-negra se aproximou e fez o registro.
Ele (Lins), não lembra quem bateu a foto e nem da partida em si, pois foi há 25 anos.
– Na verdade, naquele Flamengo x Olaria, eu me entreguei de corpo e alma àquela partida. Com 18 anos, recém-promovido aos profissionais, joguei em uma posição que não era a minha, pois era zagueiro e fui deslocado para cabeça de área e enfrentar um ídolo como o Júnior, não pode ser considerado normal. Mas joguei e tentei aprender um pouco mais, porque aquele ali, realmente foi um maestro. Não tenho como explicar em palavras o que senti jogando contra ele. Sinto até hoje que foi um presente de Deus, algo que jamais vou esquecer”, diz emocionado.
Naquele 1992, o Olaria fez um bom campeonato, terminando em sexto lugar com 14 pontos, à frente do América e Bangu, clubes tradicionais da cidade.
O Vasco foi campeão invicto do torneio – conseguindo ganhar com facilidade as Taças Guanabara e Rio, deixando o vice-campeonato para o Flamengo, em um empate por 1 a 1, em São Januário.
A equipe cruzmaltina, conquistaria o 18° título de sua história, contra o Bangu, com duas rodadas de antecedência.
Se Júnior não conquistou o título carioca, coube ao jovem Lins, conquistar seu título particular: enfrentar o veterano jogador.
Depois disso, as carreiras tiveram choques de realidade: Júnior parou um ano depois e Lins parou em 1996.
O vitorioso jogador rubro-negro, virou observador técnico da seleção brasileira em 1994, técnico de futebol, diretor de futebol e comentarista esportivo da Rede Globo.
Já o promissor e talentoso zagueiro do Olaria, virou bancário, trabalhou em uma seguradora e há seis anos, virou taxista. E a unidade 14 da Táxi-Forte, por onde conduz clientes contando suas histórias do mundo ingrato da bola.
De tudo, sua única saudade é de seu Moacyr, que faleceu em 2015:
– Meu pai foi meu amigo, companheiro de todas as horas, que me acompanhava nas partidas, treinos e onde eu estivesse, ele estava junto”, diz emocionado.