E O FELIPE SE PERDEU
por Zé Roberto Padilha
Tudo é muito rápido para a Geração Vizeu. Mal disputou uma Taça São Paulo de Juniores, são alçados à equipe profissional. Campeões Carioca Sub-20, vão direto para a seleção. Não tem o salário reajustado como todo trabalhador em ascensão na sua empresa. São triplicados antes mesmo da estreia. Tão carente anda o futebol de artilheiros, que basta marcar dois gols no estadual, um deles contra o Voltaço, que já vem proposta da Europa. Seu companheiro que deu um drible diferente ao seu lado, mesmo sem completar 18 anos, já vai jogar no Real Madrid.
Não é fácil para a Geração Vizeu cultuar o respeito, exercitar hierarquia sem queimar etapas na vida. Seja em casa, na escola, no futebol. Como uma manga embrulhada em um jornal, uma banana acondicionada em câmara de gás, não há tempo para o amadurecimento adolescente. O bom dia, benção meu pai, obrigado, sim senhor, o carinho com os cabelos brancos que, mesmo desnudando quilômetros percorridos, são ultrapassados pela velocidade do primeiro carro. Antes era um fusca. Hoje, o primeiro já é um Jeep. E o respeito vai ficando para trás.
Se Zico levantasse um dedo daqueles para o Liminha seria suspenso dos treinos. E afastado do time. Mas Zico passou pelo Chevette, teve carteira assinada, reajustes anuais, lições diárias do Seu Bria e respondia aos conselhos dos mais velhos com um aparelho que falava e ouvia.
Já o WhatsApp da Geração Vizeu não escuta ninguém. São tão rápidas as reações que não há tempo para reflexões. Mas tem jogo quarta, é o que mais importa. E como os interesses estão à frente da formação, feitas as pazes com o Rodolpho frente às câmeras. Sem freios, limites ou punições, estes meninos vão continuar erguendo os dedos, perdendo a cabeça e se arrependendo depois. Pode ser tarde. E valer mais do que uma efêmera Copa Sul Americana na vida de um cidadão que vai seguir em frente quando Felipe Vizeu parar de jogar. E de fazer malcriação.
Pepe
O canhão da vila
texto e entrevista: Marcelo Mendez | vídeo: Marcelo Ferreira | edição de vídeo: Daniel Planel
O caminho da serra era calmo.
No meio de um turbilhão inconstante, duvidoso e obtuso do Brasil de então, uma quarta-feira que poderia ser uma qualquer decidiu ser linda.
Ela sabia que a ocasião era nobre.
Em algum canto da cidade de Santos morava um gênio, um ícone, um semi deus.
Pepe…
O maior camisa 11 da história do lendário Santos de Pelé, dos gloriosos anos 60, dos 405 gols com a camisa do Santos, nos recebeu em sua casa para uma conversa.
A prosa segue ao lado…
BONS DOMINGOS… E DA GUIA PARA TODOS
por André Felipe de Lima
O velho Antônio José da Guia só andava descalço. Não sabia ler nem escrever. Vivia para a plantação, para a esposa, dona Maria Pereira Ramos da Guia, com quem se casou no dia 25 de julho de 1891, e para os filhos do casal. Antes de chegar à cidade grande, trabalhava na roça, lá nas bandas da Fazenda Saião Velho, próxima à Bananal. Antônio nunca soube ao certo quantos anos tinha. Intuía oitenta, isso em 1951. “Sei lá! Eu sou diferente da maioria: porque conto os janeiros que tenho, a partir do dia em que me casei. No dia 25 de julho de 1891, meu pai fez os cálculos e disse ao escrivão Dr. Getúlio Macedo de Azeredo: ‘Tem tanto’. O ‘tanto’ de meu pai significava 21 carnavais completos. Podia não ter 21 carnavais. Mas como meu pai era seguro do cálculo, ninguém duvidava.”
A saga dos Da Guia, como narra o jornalista e pesquisador inglês Aidan Hamilton, começou na antiga lavoura. Antônio José relembrou com detalhes do pai, do avô: “Meu pai, como meu avô, trabalhava na Fazenda do Saião Velho, vizinho do Bananal. Meu pai era bem moço quando nasci. Nem devia ter 19 anos, enquanto meu avô andava beirando os 100. Pelo sim, pelo não, 100 carnavais de sol e eito […] Foi lá que nasci, sim senhor. E foi lá também que me iniciei no trabalho de campo, braço comprido e mão forte. Na roça, cavando terra, derrubando árvores, queimando e sulcando, plantando e colhendo, formei meu caráter e cimentei minha crença”.
O primeiro lugar que Antônio e Maria encontraram no Rio de Janeiro foi Bangu, no qual permaneceram. Chegaram no finzinho do século XIX ao bairro do subúrbio da cidade grande como uma “ave perdida”, como o próprio Antônio definiu. Bangu não tinha nada. Ou tinha. Muito campo, pasto, gado e taperas no mato, uma delas a primeira casa dos Da Guia no Rio. “Era no tempo do Coronel Carneiro e do Dr. Jorge Estrela, donos da tapera”, recordou o velho Antônio, que ao lado de sua Maria ficaram no casebre. No começo, foi um Deus nos acuda. Não havia casa decente, não havia serviço e nem quem pudesse indicar o Da Guia para algum trabalho.
Maria queria voltar para a fazenda. Seu Antônio ainda tinha esperança de que tudo melhoraria. Convenceu-a ficar ao seu lado. “Só que, vez por outra, tinha de ouvir o que muito me doía. Palavras assim: ‘Você já pensou, Antônio, já imaginou sério, como iremos matar a fome de nossos filhos?” Quando ela me fez a advertência pela primeira vez, fiquei maluco de contente”. Nas entrelinhas da bronca de dona Maria o aviso a Antônio de que teriam o primeiro filho.
Luiz Antônio da Guia foi o primeiro da leva. Depois veio Ilídio, Acácio, Ladislau… foram sete homens e cinco mulheres. Entre a filharada do casal, o mais querido de dona Maria era “Mingo”, o Domingos. Domingos Antônio da Guia: “Maria, minha velha Maria [morta em 1945], que Deus a tenha a seu lado, começou a ficar aflita. Queria que êles aprendessem a ler. Que até se formassem em alguma coisa. Mas não houve como. Não houve, realmente, por onde, apesar de sonharmos com um advogado e com um padre na família. Sabe? O padre deveria ser ‘Mingo’ — outro qualquer que fosse advogado […] Sabe? — guardo uma mágoa! De não ter conseguido formar um filho doutor”. Antônio José da Guia concedeu essa entrevista ao repórter Geraldo Romualdo da Silva, em 1951. Ou seja, sete anos após o filho mais famoso ter encerrado a carreira no futebol. Mesmo assim, queria um deles doutor. Mas Domingos da Guia, o “Mingo” de dona Maria, foi doutor! Catedrático da bola. Título que poucos ostentam na história do futebol.
Muitos intelectuais oraram ao “Divino Mestre” Mingo. O uruguaio Eduardo Galeano, doutor das letras, sábio das palavras, disse o seguinte sobre o filho pródigo do casal Antônio e Maria: “A leste a Muralha da China, a oeste Domingos da Guia, nunca existiu zagueiro mais sólido na história do futebol mundial”. O romancista Otavio de Faria dissecava Domingos da Guia como o “Mozart do futebol”. Outro gênio da crônica esportiva, Marcos de Castro, vaticinou: “Domingos foi um capítulo especial do futebol brasileiro”.
O apelido “El Divino Mestre” não foi por menos. Homenagem dos uruguaios, quando Domingos da Guia, aos 20 anos, defendia o Nacional de Montevidéu. Mas a fama começou mesmo durante um amistoso, no dia 22 de junho de 1930, entre a seleção carioca e um combinado formado por húngaros e austríacos, o Hakoah All Stars, dirigido por Bela Gutmann. O estádio de São Januário foi o palco para a vitória de 2 a 0 dos brasileiros, cujos destaques ficaram por conta de Domingos e de seu companheiro de Bangu, o zagueiro e treinador Sá Pinto. Esse mesmo Sá Pinto foi quem lançou Domingos, em 1928, no Bangu. Enquanto o Da Guia insistia em ser escalado como centromédio, Sá Pinto não lhe deu ouvidos e decidiu que o rapaz jogaria ao lado do irmão, Luis Antônio, entrando no lugar de Conceição.
Toda essa reverência para um rapaz com apenas 20 anos de idade… tão novo e já chamado de “Divino Mestre” pelos torcedores uruguaios.
Zizinho, como narra Kleber Mazziero de Souza, visitava, junto com Ademir de Menezes e outros ex-craques do escrete nacional, o colega Obdulio Varela, no Uruguai, o grande capitão da Celeste Olímpica campeã mundial em 1950. Em meio ao bate-papo, Mestre Ziza citou o nome de Domingos da Guia:
— Obdulio, trago um abraço para você lá do Brasil de uma pessoa muito especial.
— De quem, maestro?
— Domingos da Guia.
Varela pôs a mão no queixo e recordou:
— Domingos da Guia, Domingos da Guia, Domingos da Guia, Domingos da Guia… Quando o Nacional contratou o Domingos, nós, jogadores, e toda a imprensa do Uruguai ficamos revoltados. Por que comprar um zagueiro do Brasil, se o maior zagueiro do mundo, o Nasazzi, era uruguaio? Ele estreou, jogou um mês, dois… No terceiro mês, percebemos que até a chegada de Domingos, ninguém aqui sabia o que era um zagueiro. Jamais o mundo verá um zagueiro igual a Domingos da Guia!”.
Como narra Carlos Molinari, o maior pesquisador da história do Bangu, Domingos encerrou a carreira durante o jogo em que o Flamengo fez quatro gols e o Bangu, dois. Uma partida que aconteceu no dia 12 de dezembro de 1948.
Como no Flamengo, no Corinthians, no Vasco, no Boca Juniors e no Nacional, em Bangu ninguém se esqueceu de Domingos. Ele é o maior o ídolo da história do clube. No hino do Bangu, Domingos está lá, citado, homenageado. Poucos no futebol conseguiram tal deferência. Talvez, somente Eurico Lara, cujo nome é mencionado na letra do bonito hino do Grêmio. Até busto de Domingos da Guia está exposto em um calçadão do bairro suburbano em que nasceu. “De todos os jogadores que vi atuar, Domingos da Guia foi o que mais me impressionou. Absoluto. Gigantesco. Estupendo”. Palavras de ninguém menos que Friedenreich, o maior entre todos os gigantes da era do amadorismo no futebol brasileiro, como recordaram os jornalistas Orlando Duarte e Severino Filho.
Pai de Ademir da Guia — outro gênio da bola —, o fantástico Domingos da Guia, ídolo da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1938, foi biografado pelo jornalista inglês Aidan Hamilton, que vasculhou de forma impecável a vida do craque. Hamilton identificou uma aproximação de Domingos da Guia e de Leônidas da Silva com o debate sobre racismo no País. Não há, entretanto, provas ou depoimentos francos de engajamento político de ambos em movimentos anti-racistas. Provavelmente foram assediados pela Frente Negra Brasileira [FNB] para aderirem à causa, na fase em que jogaram por clubes paulistas, quando fotos dos dois craques estamparam capas de publicações do movimento negro. Mas o fato de não aderir a alguma daquelas ações públicas de resistência não significa omissão. Domingos sabia de sua importância para a auto-afirmação da população negra, tão segregada nos primórdios da bola:
“O jogador negro tem uma série de virtudes específicas. Em primeiro lugar, é preciso considerar o estímulo profundo de sua condição racial e tem tudo mais, o preconceito de cor. Normalmente, esse preconceito pode ser disfarçado, atenuado. Mas basta que no decorrer de um ‘match’, ele incorra num ‘foul’ qualquer. Logo, o adversário e a torcida passarão a vê-lo, não como um ser humano, igual aos demais, mas como ‘o negro’, ‘o preto’ ou, ainda, ‘o moleque’. É comum ver alguém dizer, em relação ao craque de cor que, eventualmente, irrita a torcida: Aquele moleque!’ Eu fui jogador durante vinte anos e me fartei de escutar coisas semelhantes referentes aos meus companheiros.”
Domingos da Guia presenciou o preconceito racial no futebol ainda rapaz, em Bangu, como descreveu neste depoimento resgatado pelo historiador Rubim Aquino, no livro “Futebol, uma paixão nacional”, e reproduzido por Aldir Blanc e José Reinaldo Marques, na obra “Vasco: A cruz do Bacalhau”: “Ainda garoto, eu tinha medo de jogar futebol porque vi muitas vezes jogador negro, lá em Bangu, apanhar em campo, só porque fazia uma falta, nem isso às vezes… meu irmão mais velho me dizia: malandro é o gato que sempre cai de pé… tu não é bom de baile? eu era bom de baile mesmo e isso me ajudou em campo… gingava muito… sabe que eu me lembrava deles… o tal do drible curto eu inventei imitando o miudinho, aquele tipo de samba.”
Para Domingos, o estímulo ao jogador negro vinha das arquibancadas. Fosse um aplauso o um apupo seguido de ofensas indizíveis: “Ora, essas manifestações se, por um lado machucam, constituem, por outro lado, o incentivo de que falei. Ocorre, então, o seguinte: o jogador procura recuperar-se. Sente, por instinto, que tem meios no futebol de ascender social e humanamente [sic]. Experimenta o prazer, a volúpia de magnetizar a multidão com seu virtuosismo. Reparem: não lhe basta jogar bem. Ele quer mais, muito mais. Precisa burilar, enfeitar a jogada, da na bola o toque ou retoque que entusiasma a torcida. Basta ver Didi, com seu extremo virtuosismo. Se fosse branco não seria um estilista tão perfeito e tão minucioso. Outro: Leônidas, o ‘Diamante Negro’. A meu ver, sua imaginação é caracteristicamente racial”.
Já idoso, Domingos, sem a esposa Erothildes e sem a filha Solange, que morreu em 1990, recordava, saudosista e emocionado, a sua brilhante história. Sua vida inigualável. Especial:
“Minha passagem por este mundo tem sido como o nome que meu pai e minha mãe me deram: uma sucessão de domingos, dia de futebol e de festa. No meu tempo, só se treinava uma ou duas vezes por semana. E só se jogava aos domingos. Era uma festa […] Minha mulher já morreu. Aliás, são essas perdas que não deixam a gente ser feliz por inteiro. Paciência. Tive dois grandes amigos na vida, além de meus filhos. Um deles foi Guilherme da Silveira, patrono do Bangu. O outro, o professor Flávio Costa. Dizem que fui um grande jogador. Não tenho motivos para discordar.”
Uma vez perguntaram ao craque qual seria a escalação do “Flamengo dos sonhos”. Ele respondeu: “O meu Flamengo de todos os tempos seria com Amado ou Jurandir — um ou outro, pois ambos foram ótimos goleiros; Penaforte e Hélcio; Biguá, Bria e Jaime; Valido, Zizinho, Leônidas, Perácio e Moderato.”. Inconformado, o jornalista questionou-o por que não escalar-se no time inesquecível. Domingos foi emblemático ao responder: “Garanto que não foi por modéstia. Penaforte e Hélcio formaram uma dupla muito boa de zagueiros. E se é para escalar os melhores do Flamengo de todos os tempos, estou apenas, em consonância, fazendo justiça a dois ótimos zagueiros que vi jogar […] Penso que consegui enganar bem durante 20 anos. Não fui de TV nem do Maracanã, mas pude dar sempre meu recado direitinho”.
Ele era assim: humilde, genial, surpreendente. Fosse no campo de futebol ou fora dele. Divino.
Neste domingo, 19 de novembro, Domingos faria 106 anos.
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O texto acima integra a biografia do Domingos da Guia, que está no IV volume (a Letra “D”) de “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, com lançamento previsto para o começo de 2018. A enciclopédia, que consiste em 18 volumes, está sob a edição da Livros de Futebol.com.
EDU E OS BAILARINOS
por Rubens Lemos
O Museu da Pelada segue diferenciado. Linda entrevista com Edu, o Eduardinho de Jaú. Edu, do Santos, merece a condecoração de Pai da Ponta-Esquerda. Edu representou, pela canhota, sem esquecer Canhoteiro do São Paulo, o encanto do drible repetido a cada façanha inédita de Mané Garrincha e Julinho Botelho pelo lado direito.
Incrível se falar nas Eliminatórias de 1969, permitidas a mim em DVDs de todos os jogos, em Pelé ou Tostão como senhores absolutos. Sem blasfêmia, Edu foi, aos 18 anos, o melhor jogador do Brasil na visão dos meus marejados olhos.
Seus dribles curtos indomáveis desmontaram todos os esquemas armados pelos técnicos do continente. Um toque curto para dentro, outro para fora e o lateral girando feito um Ioiô vertical, patético.
Edu não errou uma e foi gigante nos 3×0 sobre o Paraguai lá em Assunção e na decisiva partida no Maracanã, aquela do famoso chute rebatido pelo goleiro Aguilera nos pés de Pelé a desferir um petardo classificatório ao México.
O Brasil foi tricampeão sem Edu no time e Zagallo acertou ao juntar tantos craques sem função determinada. Jairzinho no Botafogo, Gerson no São Paulo, Tostão no Cruzeiro e Rivelino no Corinthians jogavam no meio-campo. O mais avançado era Tostão. Todos fantásticos, se entenderam no olhar e na sintonia ludopédica.
O futebol é subversivo a normas idiotas. A minha geração viu, pela ponta-esquerda, peladeiros inesquecíveis, bailarinos irreverentes. Vascaíno, fazia figa quando Júlio César, o Uri Geller, apelido em referência ao ilusionista israelense que dobrava facas e colheres, partia para cima de Orlando Lelé.
Júlio César partia como um carro de Fórmula 1. Pela lateral do campo disparava e puxava o freio diante de Orlando. Dava o famoso “breque”, bordão dos narradores da época. Dava um toque de calcanhar e enfiava a bola por entre as pernas do violento e falecido lateral cruzmaltino.
Dos cruzamentos de Júlio César, em 1979, o Flamengo fez muitos, dos seus gols dos dois títulos estaduais conquistados num ano só: O Carioca e o Especial. Cláudio Coutinho, técnico do Flamengo, jamais levou Júlio César à seleção e o seu futebol definhou, também de tanto apanhar. Orlando Lelé fez cirurgias, ao vivo e a cores, nos seus joelhos.
No São Paulo havia Zé Sérgio, o Curió, primo de Rivelino, uma pintura de ponta-esquerda, que chutava com a direita e driblava em diagonal. Zé Sérgio enfileirava zagueiros como Cauby Peixoto cantava “Conceição”. Foi reserva para a Copa do Mundo de 1978.
No Santos, João Paulo, da primeira leva dos Meninos da Vila, com Pita, Nilton Batata e Juary, campeão paulista em 1978. João Paulo dava um toque, o lateral jogava o corpo, ele passava o pé por cima da bola e saía pela esquerda até a linha de fundo.
No Cruzeiro, a molecagem de Joãozinho, que vi dançar e levar o pânico à defesa do ABC no Castelão (Machadão). Joãozinho metia medo no Atlético-MG de Reinaldo. Bateu sem autorização uma falta contra o River Plate e fez o gol do título da Libertadores de 1976.
Joãozinho levou esculacho do sisudo Zezé Moreira. O Brasil jogou bonito pela ponta-esquerda. Edu, o moleque Eduardinho de Jaú, fez herdeiros banidos pela violência e a burrice dos técnicos.
O GALÃ DE XERÉM, A PELADA QUE AFAGA E A QUE APEDREJA
por Cesar Oliveira
Nunca fui bom de bola, antes um botinudo. Por isso, quando percebi que tinha jeito para o basquete, não hesitei em aceitar o convite do professor de ginástica do Ginásio Luiz de Camões, no bairro do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro, para treinar na escolinha de basquete do clube. Quem se houvesse melhor, diziam, estaria na equipe para o campeonato do ano seguinte.
Não importa aqui explicar os motivos, mas a verdade é que acabei parando no Club Municipal, tradicional agremiação socio-esportiva da Tijuca, onde acabei disputando um ou dois campeonatos cariocas de basquete, no infanto-juvenil.
A preparação física que nos era oferecida acendeu o gosto pela ginástica e pela corrida — que passei a praticar nas ruas de Vila Isabel, Grajaú e Maracanã, em corridas diárias de 12Km, instigadas e orientadas pelo “Guia Completo da Corrida”, de James Fixx (Record, 1977).
Com o tempo, criei métodos: bons tênis de corrida da época (o Adidas era um “conga” com três listras do lado, solado em EVA), sessões regulares de alongamentos antes e depois da corrida, relógio Casio que marcava ritmo, distância percorrida e tempo, alimentação controlada etc.
Saía da Praça Barão de Drummond, corria até o Grajaú, subia a Borda do Mato (uma ladeira que hoje só encaro de carro ou ônibus…), descia a Araxá e tomava uma reta pro Maracanã, onde dava duas voltas no Estádio e voltava para Vila Isabel pela 28 de Setembro. Chegava em casa e nem subia. Beth, a mãe dos meus filhos, já estava me esperando na garagem, onde eu colocava o casaco de couro, capacete e luvas, a deixava no Banerj do Centro da Cidade e ia para a ACM na Lapa, para mais 20 minutos de corrida, uma hora de ginástica e uma pelada de basquete com os velhinhos. Na época, eu com 30, eles com 60.
Sentia grande prazer em acordar às 5h30 para ir pra rua correr. Cheguei certa vez a ir pra rua com febre e debaixo de chuva: voltei curado, a temperatura do corpo expulsando a doença que se insinuava. Quando me perguntavam por que tanta ginástica e “correria”, respondia que queria ser “um velhinho saudável”.
A resposta era premonitória. Hoje, aos 65 anos, ostento no currículo médico duas operações no coração, a primeira aos 52 anos de idade, quatro stents farmacológicos que se fizeram necessários para acertar o entupimento que, agora eu sei, deveria ter percebido quando o professor mandava eu “acelerar! acelerar! acelerar!” na aula de spinning e eu tinha que parar antes dos outros, o peito ardendo e a respiração faltando.
Descobri o problema por uma rotina que eu me impunha: checapes periódicos, teste ergométrico e exames laboratoriais, sob o controle de um médico. Herança dos tempos de ACM e da parceria com o Dr. Paulo Pegado, discípulo de Kenneth Cooper, a quem prestei serviços de marketing no Centro Aeróbico do Brasil.
Não me queixo. O primeiro cirurgião que me operou, no Pro-Cardíaco de Botafogo, me disse logo depois da operação que eu “estava vivo porque havia malhado a vida inteira”: “Seu coração não dava para 40 anos. Você teria um infarto fulminante se não tivesse decidido malhar desde cedo”.
Outro médico, responsável pelo último exame que me liberou para voltar a malhar depois da angioplastia, me disse que estava lendo o trabalho de um cardiologista escandinavo que provava, por A + B, que pessoas fadadas a cardiopatias só se livram da morte súbita se malharem desde cedo, malharem muito e malharem pesado. Então, anotem: dar voltinhas na pracinha antes ou depois do trabalho não vai livrar a sua cara.
Não tenho ilusões sobre os motivos que me levarão, um dia, sabe Deus quando, a desencarnar. Mas gostaria de explicar agora por que esse papo num site de peladas e peladeiros.
Gamarra (de verde) na pelada
Semana passada, meus filhos e eu perdemos um jovem amigo durante uma pelada em Jacarepaguá. O músico e compositor Pablo Amaral — o tricolor de coração “Gamarra”, integrante do Galocantô, grupo de samba do qual meu filho Rodrigo Carvalho participou da fundação, um cavaquinista de primeira, pai de uma linda menina de quatro anos — infartou e não chegou vivo ao hospital.
Por mais que as crenças nas lições do Espiritismo consolem a minha alma, não posso deixar de chorar e lamentar uma perda tão precoce. Talvez Gamarra, como muitos outros jovens, nem desconfiasse dos problemas que o fariam nos deixar órfãos do seu sorriso, da sua amizade e do seu enorme talento.
Por fim, uma lição, para todos nós. James Fixx (1932–1984), o corredor-escritor, autor do “Guia Completo da Corrida”, citado lá em cima, começou a correr para evitar ter o mesmo destino do pai: morrer por infarto, aos 30 anos de idade.
Depois de começar a correr aos 35 anos, Fixx largou o cigarro e emagreceu mais de 20 kg. Ainda assim, aos 52 anos de idade, morreu enquanto corria numa estrada de Vermont. Foi encontrado deitado ao lado da estrada, morto devido a um ataque cardíaco.
Correndo, ele ganhou quase 20 anos de sobrevida. Eu também, ganhei uns doze até a primeira operação e vou segurando a onda.
Então, você que gosta de uma pelada semanal, faça um favor a você, seu cônjuge, filhos e filhas, netos e netas, amigos e companheiros. Procure um cardiologista amanhã e comece a controlar a sua saúde. Faça exercícios regularmente. Controle a alimentação. Beba e coma pelo paladar. E viva o tempo que Deus quiser, mas com ótima qualidade de vida.
“Galã de Xerém” é um samba de Pablo Amaral e Edu Tardin, gravado pelo Galocantô no CD Fina Batucada, que você pode ouvir aqui.