ARTILHARIA PESADA
por Sergio Pugliese
O folclórico Perácio guardava ótimas lembranças de sua última viagem de navio. Afinal, após belas apresentações pelo Botafogo estava entre os selecionados pelo técnico Adhemar Pimenta para representar a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1938, na França. Logo na estreia deixou o seu nos 6 x 5 contra a Polônia, mas assim como os parceiros de equipe preocupava-se com o prenúncio de uma nova guerra. Na competição, os italianos jogaram de uniforme negro, cor oficial do fascismo, e os alemães usaram a suástica como escudo. Que medo!!! No retorno, mesmo amargando o terceiro lugar, o craque sentiu um baita alívio ao pisar em solo brasileiro.
– O que ele nunca imaginou era que alguns anos depois fosse convocado pelo Exército e acabasse jogando pelada em plena Segunda Guerra Mundial, na Itália – contou Léo Christiano, responsável pela organização e edição fac-similar dos 34 números do Cruzeiro do Sul, jornal bissemanal rodado numa gráfica em Florença e publicado, entre janeiro e maio de 1945, pela tropa do quartel-general da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para manter nossos 25 mil pracinhas atualizados no “front” italiano.
Foto | Arquivo
Mas, reza a lenda, Perácio tentou fugir. No porto, a poucos metros da entrada do navio, bateu aquele desespero e ele agiu como se tivesse ouvido a tradicional ordem militar “meia volta, volver”, e sumiu do mapa. A tropa só estava acostumada a vê-lo correr assim nos gramados quando foi peça decisiva no tricampeonato do Mengão, na década de 1940. No segundo título, em 1943, marcou três na goleada sobre o Bangu e entrou definitivamente no coração dos rubro-negros junto com Jurandir, Quirino, Newton, Domingos da Guia, Jaime, Nandinho, Vevê, Zizinho, Biguá e Pirilo. Mas apesar de viver o auge da popularidade, o mineiro de Nova Lima não escapou da marcação cerrada do Exército, foi agarrado logo depois e partiu rumo à incerteza da guerra.
– Pelo menos estava bem acompanhado, num navio recheado de craques – brincou Léo Christiano.
E com tantas feras reunidas, lógico, rolou pelada! Eram vários profissionais, o meia Geninho e o zagueiro Walter Fazzoni, ambos do Botafogo, o goleiro Bráulio, do Atlético (MG), Bidon, centroavante do Madureira, Careca do Fluminense, e Alvanilo, da Ponte Preta, além dos amadores Dunga e Mato Grosso, do Botafogo, Labatut, do Olaria, Juvencio, do Cocotá, Walter, do Ideal, Timbira, do Bonsucesso, Pasquera, do Parque da Mooca, D´Avila e Soares. Juntos, formaram o imbatível time da Quinta Artilharia, sempre mesclado com um francês e quatro americanos, do exército aliado. Juntos, participaram de várias peladas e do Campeonato do Mediterrâneo.
– Esses jogos tinham grande destaque no jornal – disse Léo.
E a penúltima edição do Cruzeiro do Sul foi histórica! Além de noticiar as mortes de Adolf Hitler e Benito Mussolini, também destacou o jogo de Perácio & Cia contra o combinado inglês, RAF (Real Força Aérea) e Marinha. O primeiro tempo terminou 1 x 1, gol de Geninho, mas no segundo Perácio guardou dois e Bidon e Walter fecharam o placar em 5 x 3. Perácio não pode comemorar no Café Nice e na Assirio, como fazia após os títulos do Mengão.
– Esse jogo foi praticamente uma comemoração pelo fim da guerra – comentou Léo.
Dias depois, a Força Expedicionária Brasileira, comandada pelo marechal Mascarenhas de Moraes, aprisionou dois generais, a 148ª Divisão de Infantaria alemã inteira e mais a italiana, totalizando 20 mil inimigos prestes a invadir fronteiras francesas. Gloriosa conquista! Alguns desses guerreiros desfilaram ontem no Dia da Independência. Nos navios que os trouxeram de volta, muita festa, lágrimas, fardas e bolas. O nazifascismo estava derrotado e alguns anos depois o feito seria simbolizado no belo Memorial aos Heróis da FEB, no Aterro do Flamengo. Na chegada, histeria! Perácio novamente disparou pelo porto, mas dessa vez não era medo, mas felicidade. Toda a tropa o acompanhou.
FRAGMENTOS
por Claudio Lovato
Você já ouviu a expressão “a vida inteira de repente passou como um filme…” Claro que já.
Só que com ele não foi bem assim. Não foi como um filme. Acho que nunca é.
Foram fragmentos.
O sorriso do pai cada vez que ele contava o que fez no jogo, e os conselhos do pai, e depois a morte do pai, para nunca mais, a devastadora e insolúvel morte do pai.
E a saída casa aos 16 anos, e o drama da mãe arrumando a mala dele, e a cama no quarto do alojamento sob a arquibancada do velho estádio. Quanta solidão e quanta expectativa e quanto desamparo e quanta saudade cabem numa cama de alojamento debaixo de uma arquibancada de estádio velho?
E a primeira vez em que ele e ela saíram juntos, e o primeiro filho, que viria exatos dois anos e três meses depois, e as mudanças, e as trocas de cidade, e o primeiro clube grande, e a interminável paciência dela com ele, a força dela, a presença dela, firme e forte, sempre.
E o telefonema do irmão mais velho, uma despedida que ele só foi entender que era uma despedida quando já era tarde demais para dizer a ele tudo o que queria dizer, e nunca conseguiu.
E a filha que veio num momento em que ele achava que a vida não valia mais grande coisa, quanto engano; quanta vida aquela criança lhe trouxe.
Fragmentos.
Em um segundo? Dois? Três? Não dá para dizer, não dá para contar, porque não é como um filme. Não é assim. Pelo menos não para ele, aqui, agora, com a bola colocada na marca do pênalti, com o goleiro batendo palmas diante dele, gritando que ele vai se foder, só vai, que essa bola é dele, do goleiro.
E os dedos amarelos do avô, e o sorriso amarelo do avô, e as palavras de encorajamento do avô, uma forma completa e irretocável que Deus arranjou para lhe explicar, cedo na vida, o que era amor, mas que ele só foi entender mais tarde, bem mais tarde.
E o filho, e a filha, e a mulher, sua família agora, a forma como Deus, ou que nome se queira dar, encontrou para lhe dizer que ele – pai, marido, jogador, ser humano – era importante do jeito mais completo e perfeito que alguém pode ser: dando felicidade a outros.
E então o árbitro apita, e há um silêncio que só ele consegue ouvir no estádio lotado, e é a última chance que aquele time tem de conseguir ganhar o primeiro título nacional que disputa em sua longa existência, e então ele respira fundo e esvazia os pulmões e puxa o ar outra vez e corre para a bola sem soltar o ar e bate nela do jeito que tinha que fazer, exatamente como havia se proposto a fazer, e o resultado daquele chute é exatamente aquele que eu e você queríamos (queremos), porque não se pode admitir outra maneira de este novo fragmento chegar ao fim – e se eternizar.
ÍDOLO PERÁCIO FARIA 100 ANOS
por André Felipe de Lima
“O Perácio foi um dos maiores atacantes de todos os tempos do futebol brasileiro”. Como discordar de João Saldanha, o autor da frase? Perácio foi, sim, um dos melhores atacantes do seu tempo e titular da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1938, na França, quando o nosso escrete conseguiu um honroso e memorável terceiro lugar. “Meia-armador e ponta-de-lança ao mesmo tempo e dono de um dos maiores e mais poderosos chutes. Certos goleiros se abaixavam quando era de perto o negócio. Um dos monstros sagrados do futebol brasileiro de fins da década de 30 e da de 40”, completou Saldanha, que estava coberto de razão. Perácio, que tinha um dos chutes mais violentos já emanados por aqui, era parrudo. Tinha cerca de 1 metro e 80 de altura. Dividir bola com ele ou ficar diante de um pelotaço que desferia era derrota na certa.
Que o diga Planicka, lendário goleiro da antiga Tcheco-Eslováquia, um dos melhores da história, que encarou Perácio em um embate na Copa de 38. Deu-se mal, obviamente. Após uma trombada com o craque brasileiro, Planicka perdeu o rumo e chocou-se contra a trave. Resultado: clavícula deslocada.
O cartunista Ziraldo, que teve Perácio como um dos seus ídolos de infância, sempre acreditou que o goleiro tcheco morrera no lance. O fato impressionara o menino Ziraldo, que ao descobrir ser Perácio mineiro igual a ele, assumiu-se um apaixonado torcedor do Flamengo.
Perácio era tão carismático que cativava uma legião de torcedores até mesmo dos rivais do Botafogo e do Flamengo, times em que brilhou no futebol carioca. Além do poderoso chute, o meia-esquerda tinha uma velocidade impressionante. Com a bola dominada ainda na área do time que defendia, partia rumo ao gol adversário com uma fúria igual a de um touro das sangrentas corridas nas ruas de Sevilha. Essa característica singular do craque estimulou uma reflexão em Saldanha, para quem Perácio era a figura exemplar de uma nova etapa do futebol que se construía na década de 1930: a do profissionalismo, na qual, explicava o João “Sem medo”, o jogador não se resumia simplesmente a um mero futebolista, mas a algo muito mais sofisticado: “Um futebolista e atleta, formado em toda a extensão”. E Saldanha completara o raciocínio: caso um jogador do período amador ousasse uma carreira como as que praticava o Perácio, cairia morto de cansaço. Perácio cansava também, mas bem menos. Tinha força e fôlego de sobras.
Perácio era analfabeto. Ou quase isso. Recebia cartas de torcedores e torcedoras apaixonadas, mas quem as respondia para ele eram os companheiros. Foi assim no Botafogo e no Flamengo. Seu bom humor era contagiante. Protagonizou várias histórias das mais engraçadas do anedotário do futebol brasileiro. Algumas realmente aconteceram, outras, porém, não. Cabia a crônica esportiva inventá-las. Perácio ria das histórias que narravam sobre ele e, para não contrariá-los, confirmava todas.
Uma delas, e essa dizem ser realmente verídica, nasceu da vaidade de Perácio, que se deliciava com as vozes dos locutores gritando “Gooool do Perácio!”. Era dia de mais um jogo no qual o artilheiro sabia que faria gols.
O goleador gostava de carros do ano. Teve a “brilhante” ideia de municiá-lo com um rádio possante para ouvir o grito do locutor. Não haveria nada demais na situação se ela não fosse para lá de surreal. Ora, Perácio estacionara o carro perto do estádio e deixara o rádio no volume máximo na esperança de que, de dentro do campo, pudesse ouvir a narração trepidante do gol que viesse a marcar. Balançou a rede mais de uma vez, e nada de ouvir o grito do locutor. Perácio estava inconformado e lamentou para um companheiro de time: “Não adianta. Comprei o rádio errado”.
Outra famosa história ocorreu com Martin Silveira, volante da Seleção Brasileira nas Copas de 34 e de 38 e companheiro do Perácio no Botafogo. Dirigindo seu possante, o goleador virou-se para o Silveira, que o acompanhava, e disse: “Tenho de botar gasolina”. Pararam no primeiro posto que encontraram pelo caminho. Enquanto o frentista enchia o tanque, Perácio, na maior calma zen, tirou um cigarro do maço guardado no bolso, acendeu-o e jogou no chão o fósforo ainda aceso e bem próximo do combustível.
Martin Silveira quase foi à loucura e, aos berros, chamava o Perácio de irresponsável e de outras coisas impublicáveis, naturalmente. Perácio manteve-se sereno diante da revolta do já descabelado amigo: “Por que esse ataque?”, indagou Perácio. “Onde já se viu riscar fósforo num posto de gasolina?”, rebateu o raivoso Martin Silveira. A resposta do Perácio foi mais insólita que a situação em si: “Desculpe, Martin. Eu não sabia que você era tão supersticioso.”
Embora jamais tenha sido campeão com o Botafogo, Perácio gozava de muito prestígio, especialmente entre os cartolas do clube, que sabiam da paixão do jogador pelos carrões da época, sobretudo as conhecidas “baratinhas”, modelo esporte que encantava nas corridas automobilísticas conhecidas como “Circuito da Gávea”, que fez muito sucesso no Rio entre os anos de 1930 e 1940. Diz a lenda que Perácio queria uma daquelas “baratinhas”. Teria pedido-a aos dirigentes do Botafogo. Isso por volta de 1939. O mimo pesaria no bolso do clube, mas valeria à pena presentear Perácio, porém com uma condição: que ele garantisse a vitória do time contra o rival Flamengo. Não deu outra: Botafogo 3 a 2, em São Januário. Dois gols do Perácio e o carro na garagem. Se a história da “baratinha” é mito, não se sabe, mas os gols do Perácio contra o Flamengo foram bastante verossímeis.
Um dos maiores ídolos do nosso futebol, Perácio faria 100 anos nesta quinta-feira, 2 de novembro. Batizado José Ferreira Lemos, o craque do passado nasceu em 1917, na mineira Nova Lima. Lá mesmo, na terra natal, começou a jogar bola e tornou-se um dos principais nomes do fortíssimo Villa Nova, que desbancara o antigo Palestra Itália [hoje Cruzeiro], Atlético e América. Perácio e os seus inúmeros gols foram decisivos para o alvirrubro conquistar um estupendo tricampeonato estadual em 1933,34 e 35.
Ficara famoso. Tão famoso que o rival Palestra Itália o levou para Belo Horizonte. Permaneceu pouco tempo por lá. Seguiu para o Fluminense, mas sequer conseguiu mostrar no cube do bairro das Laranjeiras que haviam contratado um craque. O destino de Perácio seria outro bairro carioca.
No Botafogo, aí sim, Perácio começou a se tornar popular. E como. Chegou ao alvinegro de General Severiano em 1937 deixando o Botafogo somente em 1940, quando se transferiu para o Canto do Rio antes de seguir para o Flamengo, clube com o qual, enfim, voltaria a ser campeão. Saiu do Botafogo bastante magoado com os dirigentes alvinegros, especialmente João Lira Filho. Acusava-o de tê-lo perseguido e vendido seu passe por uma ninharia para um clube pequeno. “Então, eu que já não escondia o meu entusiasmo por Perácio, pedi sua contratação, tratando de adaptá-lo ao novo sistema. Largado às feras, no Canto do Rio, não foi difícil a realização do negócio. Os resultados foram melhores do que se esperava. Em pouco tempo, Perácio se tornaria o ídolo da equipe com suas fintas alucinantes, seus rushs irresistíveis e seus petardos indefensáveis”, disse Flávio Costa, técnico do Flamengo de então.
No clube da Gávea, Perácio viveu, talvez, os momentos mais bacanas na carreira. Ao lado de uma legião de craques, entre os quais se destacam Domingos da Guia, Pirillo, Zizinho, Biguá, Modesto Bria, Jayme de Almeida e Vevé, o artilheiro ajudou ao Flamengo na conquista do seu primeiro tricampeonato carioca, em 1942, 43 e 44. Perácio poderia ter sido ainda mais valioso para o Flamengo quando lá esteve não fosse a Segunda Guerra Mundial. O craque foi convocado na reta final do campeonato de 44 para integrar a Força Expedicionária Brasileira em front de batalhas na Itália.
Encerrou sua carreira no Canto do Rio, onde jogou até 1951. O alegre e carismático Perácio trocou o Rio por São Paulo, onde passou a trabalhar como motorista de lotação. Anos depois chegou a manter um restaurante na Praia Grande, em Santos, e uma pequena fazenda em Uberaba. Nos últimos anos de vida, era funcionário do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Perácio, que na reta final da vida morava na rua Farani, nº 3, em Botafogo, morreu no Hospital dos Servidores Público do Rio, no dia 10 de março de 1977, após sofrer durante um ano com um câncer no pulmão. Estava casado há apenas alguns meses com Wanda e tinha quatro irmãs: Raimunda, Malvina, Efigênia e Lídia. “Ele era capaz de tirar a camisa do corpo para ajudar alguém. Sua casa sempre foi aberta aos amigos, a quem emprestava tudo o que tinha, até o que não podia”, recordara Efigênia.
O craque era uma alma realmente generosa e feliz. Fez da alegria marca registrada desde a infância, período em que dava muito trabalho aos pais. Era um menino levado. Uma vez, levou uma surra homérica porque abrira a gaiola do viveiro de pássaros do pai. Para cada vidraça quebrada da janela dos vizinhos, a mãe o obrigava ir à rua vestido com uma camisola. Os amigos faziam troça dele. “Naquele tempo somente duas coisas me fascinavam verdadeiramente: ir ao cinema e quebrar vidraças”, dizia sempre com um largo sorriso no rosto. Vê-lo sisudo era um fato raro.
Como escreveu o jornalista Márcio Guedes, quem o conhecia, não tinha dúvidas: Perácio era mesmo a alegria em pessoa. Se o abordavam sobre as histórias que dele contavam, soltava uma sonora gargalhada e confirmava todas, mesmo as inventadas. Para ele, a vida só tinha sentido com bom humor. Perácio, como diz um título de uma reportagem sobre ele, era a “Criança grande do futebol brasileiro”.
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A biografia completa do Perácio consta da enciclopédia “Ídolos – Dicionário dos craques do futebol brasileiro, de 1900 aos nossos dias”, cujos dois primeiros volumes (letras “A” e “B”) serão lançados em dezembro. A enciclopédia, que consiste em 18 volumes, está sob a edição do querido Cesar Oliveira.
QUERO XIXI!!!
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
(Foto: Marcelo Tabach)
Estamos em tempos de Fla x Flu, um clássico que já mobilizou a cidade e lotava o Maior do Mundo! Jorge Curi narrava um tempo e Waldir Amaral o outro, e quando terminava o jogo ele sempre repetia “está deserto e adormecido o gigante do Maracanã…”.
Podia pó de arroz e a galera da Geral recebia xixi na cabeça. “Que nojo!”, dirão alguns. Façam uma pesquisa para ver se a rapaziada não está disposta a voltar a enfrentar aquela chuva amarela, kkkkkk!
Eu quero é xixi!!! Era bom ver aqueles torcedores fantasiados, todos misturados. No jogo, dava para identificarmos os câmeras do Canal 100 registrando tudo. Duas semanas depois íamos ao cinema para nos ver lá. E era lindo!
Hoje, o Maracanã virou arena e sua capacidade reduziu drasticamente. Hoje o atacante que parte para dentro virou jogador agudo, o lateral virou jogador de lado de campo, o cabeça de área virou volante, é ocupação de espaços, leitura de jogo, cara da bola, orelha da bola, o 10 virou 67, o 11, 98 e o 7, 42. Acabaram as preliminares e com ela a chance de acompanharmos a nova geração surgindo.
O futebol acabou, PC? Costumam me perguntar provocativamente. Se 10 homens correndo atrás de uma bola é considerado futebol ele vai durar para sempre. O futebol está mais chato, só isso. E mais caro, bem mais caro. A cara da torcida mudou e os banguelos e nordestinos flagrados pelos câmeras do Canal 100 perderam espaço, foram banidos.
O grito dos torcedores atuais não contagia talvez porque o futebol apresentado não desperte maiores emoções. É como responder quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha?
Há alguns dias em uma entrevista com quatro jogadores da seleção brasileira sub17, que perdeu para a Inglaterra, sobre quem eram seus ídolos, três responderam Cristiano Ronaldo e um, Iniesta.
Isso é triste, muito triste. Pela tevê, assisti ao último Fla x Flu e não sei dizer quantos torcedores haviam ali porque para mim, há tempos, o Maracanã está deserto e adormecido.
NINIMBERGUE, O ÍDOLO IMPROVÁVEL
por Rodrigo Ancillotti
Ser botafoguense nunca foi tarefa fácil!! Ok, pode parecer exagero se levarmos em conta a Gloriosa História (assim mesmo, em maiúsculas) do Botafogo de Futebol e Regatas, mesmo com nosso eterno pessimismo e vocação para a tragédia, como dizia Nelson Rodrigues.
Mas a década de 1980… Ah, os anos 80…
Flamengo multicampeão com o esquadrão de Adílio, Nunes, Zico, Tita e Lico; o Vasco de Roberto Dinamite, único time capaz de fazer frente àquele Flamengo no começo da década; o Fluminense construindo o time que seria tricampeão estadual e campeão brasileiro; o Bangu de Marinho e “seo” Castor de Andrade sempre se destacando, assim como América, Campeão dos Campeões; e o Botafogo…
Mas e o Botafogo??
Pagava uma severa conta de administrações terríveis de gente do naipe de Charles Borer, delegado da repressão militar que entendia tanto de futebol quando de democracia. Estava exilado no distante bairro de Marechal Hermes após perder a sede de General Severiano, e parecia a cada ano mais “apequenado” que nunca. Vivia uma seca de títulos que já durava desde 1968 (que só terminaria no Ano da Graça de 1989, mas isso é tema de outro texto…), e sua Gloriosa Torcida, cada vez mais sofrida e achincalhada, precisava aturar, ano após ano, os adversários cantarem um constrangedor “Parabéns pra Você” a cada jogo.
Mas ano após ano, a centelha de esperança surgia, e a Gloriosa Torcida sempre buscava um “salvador”, aquele que reconduziria o clube às glórias, e não era diferente naquele ano de 1983. A esperança tinha nome incomum e futebol de “gente grande”: ao amazonense Ninimbergue dos Santos Guerra, ou simplesmente Berg.
Berg chegou ao Botafogo após o Brasileirão de 1983, onde se destacou pelo Rio Negro de Manaus. 20 anos recém-completos, mirrado (1,71m de altura) e cabelos loiros encaracolados característicos, era habilidoso, rápido e bom finalizador, e podia jogar tanto como autêntico ponta-de-lança, armador ou ponta-esquerda. Chegava para suprir a ausência de Mendonça, que saíra meses antes pra Portuguesa de Desportos após anos liderando times que chegavam perto, mas morriam na praia.
Não seria mesmo em 1983 que a maldita fila terminaria. Apesar de bom jogador e ter companheiros como Josimar, Alemão, Nunes e Geraldo ao seu lado, aquele era o Botafogo que fazia brilhantes clássicos no domingo e perdia contra adversários minúsculos na quarta-feira. Mas foi num desses clássicos que um menino de seis anos (o narrador que vos fala) foi conquistado pela Estrela Solitária.
Dia 14 de agosto de 1983, domingo Dia dos Pais, Botafogo x Flamengo no Maracanã. Flamengo já sem Zico (que partira pra Udinese pouco antes) e ainda brigando pelo título da Taça GB contra um Botafogo já fora da parada. E foi nesse dia que Berg caiu nas graças a Gloriosa Torcida: uma assistência para Geraldo marcar o segundo gol, e um chutaço no canto de Raul pra fechar o placar naquele improvável 3×0 para o Botafogo. Nascia mais um ídolo improvável.
Os anos foram passando, a fila aumentando, e o futebol de Berg se sobressaindo em elencos medíocres que sempre ficavam pelo caminho. Mas foi justamente quando atingiu o seu auge técnico que a tragédia o abateu duramente.
Para variar, o Botafogo ficou longe do título da Copa União de 1987 (terminou em nono lugar entre 16 clubes), mas Berg jogou como nunca num time que tinha jogadores mais badalados como Maurício, Éder Aleixo e Vágner Bacharel. Jogando o fino, conquistou a Bola de Prata da Placar como melhor ponta-esquerda do Brasil, desbancando jogadores como Zinho, Edivaldo, dentre outros. Parecia que 1988 seria em que Berg lideraria o Glorioso rumo ao sonhado título.
Mas o destino pregou uma de suas peças mais injustas…
Durante as férias, numa pelada de Showball na Europa, Berg arrebenta os ligamentos do joelho e fica praticamente dois anos afastado dos campos. Fica fora do time justamente naquele que seria o Ano da Redenção Alvinegra: praticamente não jogou durante o campeonato de 1989, e assistiu Maurício se eternizar marcando o gol do título contra o mesmo Flamengo que o consagrou em 1983.
Berg jogou algumas partidas na campanha do bicampeonato de 1990, mas a barração na finalíssima contra o Vasco marcou sua saída do Botafogo que tanto amava após sete anos. Rodou por Cerro Porteño (PAR), Atlético Paranaense, Americano de Campos, uma volta relâmpago ao Glorioso em 1993, e América (SP), até falecer de infarto durante uma pelada nas férias (outra pelada nas férias!!!) em julho de 1996. Tinha apenas 33 anos.
Mas a imagem que ficou naquele garoto de seis anos que insistia em dizer que “gostava de Zico” é do moleque loiro calando a torcida do Flamengo naquele agosto de 1983.