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Válber

xerifão em casa

entrevista e texto: Marcello Pires |  fotos e vídeo: Daniel Planel

Muitos apontam Válber como um dos zagueiros mais habilidosos da história do futebol brasileiro. Outros o consideram um talento desperdiçado por não ter jogado em um grande clube da Europa ou tampouco disputado uma Copa do Mundo. Mas o que ninguém questiona é que o menino que nunca jogou na categoria de base, que conciliava o trabalho pesado durante a semana com os treinos no desconhecido Tomazinho, clube pelo qual se profissionalizou aos 21 anos, e que apareceu no cenário nacional com a camisa do Fluminense jogava muita bola. Jogava tanto que não se destacou apenas na zaga do São Paulo, onde viveu seu melhor momento. Brilhou como lateral-esquerdo do Botafogo vice-campeão brasileiro de 1992, como lateral-direito naquele Vasco comandado por Edmundo que atropelou seus adversários no Brasileiro de 1997 e até mesmo como meio-campista já no fim de carreira no próprio Fluminense, seu time de coração e onde trabalha atualmente ensinando a garotada do sub-15 e sub-17.

O convite veio através de um de seus grandes parceiros nos gramados. Outro zagueiro técnico e talentoso, Alexandre Torres, com quem formou a zaga do Fluminense no Brasileiro de 1991, quando o Tricolor das Laranjeiras foi surpreendido nas semifinais da competição em pleno Maracanã, pelo Bragantino de Carlos Alberto Parreira, que mais tarde ficou conhecido no país como carrossel caipira. 

– É meu time de criança, o time do meu pai, das minhas filhas, e fico bastante feliz com esse convite porque foi onde comecei. Foi meu primeiro clube grande, tenho boas lembranças daqui e retornar para o Fluminense é uma honra. Fiz um curso (de treinador) há um tempo e tive a oportunidade de trabalhar no Audax. Mas o time não foi muito bem e depois fiquei muito tempo afastado do futebol. Estou bastante satisfeito de estar fazendo esse trabalho em Xerém com a garotada – agradeceu Válber, atualmente responsável pelo aprimoramento técnico dos meninos de Xerém. 

– Procuro observar e trabalhar principalmente com os zagueiros a colocação, o passe, o cabeceio, todas as coisas que os zagueiros têm que fazer nos jogos. Procurar tirar os erros e corrigir algumas coisas como a entrada na bola para que eles sejam bem sucedidos nas partidas.

Com uma postura bem mais séria que a dos tempos de boleiro, o ex-zagueiro prefere deixar as polêmicas e as histórias do passado adormecidas na memória. Válber quer olhar para frente. Não que ele se arrependa de alguma coisa. Muito pelo contrário. Para quem nunca jogou nas categorias de base de um clube e se profissionalizou somente aos 21 anos, o saldo dos mais de 20 anos de carreira é considerado por ele mais do que positivo. 


Nem o fato de ter ficado fora da Copa do Mundo de 1994, quando já era bicampeão mundial de clubes pelo São Paulo e titular absoluto do técnico Telê Santana, seu grande mestre no futebol, parece perturbar a paz e tirar o sono de Válber. 

– O sonho de todo jogador é chegar à Seleção Brasileira. Eu cheguei, disputei as eliminatórias de 93, fui titular em dois jogos, mas me machuquei e acabei saindo da seleção. O ponto mais alto é claro que é chegar à Copa do Mundo, eu queria ter chegado, não consegui. Mas fico bastante satisfeito pela participação que tive na seleção e pelos clubes que joguei, demonstrando sempre um bom futebol. Não tenho do que reclamar, graças a Deus fui muito bem sucedido no futebol. Comecei com 21 anos, trabalhava durante a semana e jogava em Jacarepaguá um campeonato empresarial aos domingos. Não tive a oportunidade de jogar mirim, infantil e as demais categorias, por isso converso bastante com os garotos para dar valor a isso, pois é muito importante na carreira de um jogador – afirmou o ex-zagueiro. 

Se a chance de estar entre os 22 tetracampeões mundiais nos Estados Unidos acabou sendo interrompida por conta de uma contusão, o fato de um jogador tão talentoso e vitorioso como ele nunca ter jogado em um grande clube da Europa sempre levantou dúvidas e se tornou um verdadeiro mistério.

Sereno e conformado com seu destino, o ex-jogador que ainda defendeu São Cristovão, Santos, Coritiba, Inter de Limeira e América-RJ tem a resposta na ponta da língua.


– Na época até existiram algumas propostas, mas eu estava muito satisfeito no São Paulo, era uma época de conquistas, vínhamos conquistando vários títulos e acabei optando por ficar. Não me arrependo, no momento você tem que fazer aquilo que tem vontade. Era muito bem tratado no São Paulo, foi um clube que me acolheu muito bem e decidi permanecer. Surgiram rumores quando eu estava na Copa América de 93 sobre o interesse do Milan, alguma coisa assim, mas nada concreto, ninguém chegou até mim. Eu só ouvia falar, mas nunca recebi nenhuma oferta oficial, talvez por isso tenha optado em ficar no São Paulo.

Aos 50 anos, completados em maio, Válber está feliz na nova função, mas não descarta uma nova oportunidade como treinador. Sua primeira chance no Audax, do amigo Vampeta, não foi como ele esperava. Sem a estrutura e o material humano que lhe foram prometidos, os resultados acabaram não sendo aqueles que todos esperavam. Mas o futuro do ex-zagueiro como chefe tem tudo para dar certo. Afinal, Válber tem na bagagem ensinamentos preciosos de dois mestres ao longo de sua carreira, Telê Santana e Carlos Alberto Parreira. 

– Com certeza o Telê foi o melhor treinador que tive e o responsável pelo meu melhor momento. Me dava liberdade para jogar, onde me sentia bastante à vontade, tanto no meio, de zagueiro ou como líbero. Me ensinou muitas coisas, sou muito agradecido a ele por tudo que me ensinou e me corrigiu – elogiou. 

Mas ele pegava no seu pé e te dava muita dura, né? 

– Isso ai é normal, ainda mais ele que era um treinador que exigia muito da disciplina, tanto dentro do campo como fora, mas para mim ele era um verdadeiro mestre, me ensinava o que tinha que ser feito e ensinava bem. Isso é bastante gratificante. O Parreira também sempre foi um excelente treinador, mas tive outros grandes treinadores e acho que não tenho nada do que reclamar. 

Se além de Alexandre Torres, Ronaldão, com quem formou um verdadeiro paredão na zaga do São Paulo, foi o outro grande parceiro de zaga citado por Válber, Romário, Ronaldinho e Evair foram apontados pelo ex-zagueiro como os principais tormentos que teve pela frente. Só na hora de escolher o grande craque com quem jogou é que o prêmio não teve bola dividida. 

– Difícil, tem Raí, Romário, mas tem um que não esqueço na minha vida que é o Toninho Cerezzo. Para mim ele é “hors concours”, diferente. Antes dele chegar no São Paulo, o Telê falava que estava chegando um jogador da Itália que ia nos ajudar muito. E não foi diferente. Nós fomos campeões mundiais com ele jogando a mesma coisa. 

Mas a família que fez no futebol e que o deixou com saudade não é a única razão que o fez voltar aos gramados. Com três filhas e uma neta que carregam o seu sobrenome, o pai coruja confesso garante ter uma motivação a mais para tentar retribuir ao Fluminense tudo que o clube lhe proporcionou.


– Senti muita falta quando parei, pois gosto de estar dentro do gramado. Meu dia a dia começa cedo, trabalhando dentro do campo, é onde sempre me senti bem. Venho todo dia feliz para cá para fazer um bom trabalho. A minha filha de 21 anos me pegou jogando aqui no Fluminense em 2002, a mais nova de 8 anos, que é a Maria Eduarda, não teve essa oportunidade, a de 27 também me viu jogando. Sou bem coruja, sou muito apaixonado pelas minhas filhas, agora eu tenho uma netinha. Tudo mulher. É uma coisa nova para mim, mas que me dá uma tranquilidade e uma motivação maior para vir trabalhar – admite, emocionado.

Apesar de ter ficado longe do futebol por muitos anos, Válber jamais ficou longe da bola. Ao contrário da maioria dos boleiros, o ex-jogador não abre mão de jogar uma peladinha sempre que tem um tempo. Se entre os profissionais ele já deitava e rolava, é quase impossível imaginar que entre os peladeiros de plantão ele não faça a diferença.

– Uma peladinha sempre faz bem, né! Não dá para ficar sem jogar. A diferença sempre tem que fazer. Eu acho que quem foi profissional tem que chegar na pelada e se destacar. Se o cara for igual aquele que nunca jogou futebol ele está errado, em alguma coisa ele tem que se destacar. Numa batida na bola, na colocação, num chute no gol, ele tem que estar sempre se destacando senão vai ser sempre visto como mais um. Eu sempre que entrei dentro de campo pensava na alegria do torcedor, que saía de casa para ver um bom espetáculo, ver lances bonitos – afirmou, sem falsa modéstia, um dos artistas do futebol brasileiro.

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A JOIA ESTÁ PRONTA

por Serginho 5Bocas


Entendo quando escuto gente do ramo, com seus ternos bem cortados, falando para muitos na televisão, que ele ainda é um menino, que podem queimar uma carreira promissora, que é  muita pressão sobre os seus ombros e que talvez nem seja essa coca-cola toda, é  compreensível. Ou estão sendo corporativistas e querem defender o prodígio colega de profissão de um insucesso futuro, mais certo de ocorrer do que o sucesso, ou são míopes e não enxergam a meio palmo de seus narizes. É uma savana de pensamentos!

Do treinador atual, coitado, tão acostumado aos Copetes e Berríos de sua vida futebolística, de seu país tradicional mediano no cenário internacional do futebol, dos esquemas altamente defensivos, baseado na retranca e contra ataques, que carrega colado nos imãs de sua surrada prancheta que leva para onde quer que vá, também entendo.

Também é razoável ouvir, dos torcedores dos clubes rivais, as críticas antecipadas, de quem torce para não dar certo, último suspiro de uma tragédia anunciada que deve ocorrer no próximo estadual, quando o enfrentarão, provavelmente já como titular e certamente vão  sofrer com suas arrancadas fulminantes.


O que não posso aceitar é ouvir dos próprios rubro negros, tão carentes de ídolos, se curvar aos laticínios transloucados e desesperados, derrotistas quanto ao futuro desse menino.

Já foi! Já é, mermão!

O menino Vinicius é diferente, pois então vejam só quando ele entra no decorrer dos jogos, como o clima muda.

Se dê conta de como você já torce para que a bola chegue logo aos seus pés.

Repare na velocidade já superior aos adultos, na verticalidade incomum nesse monte de Armandinho de toquinhos para o lado, na facilidade de antever jogadas e de construí-las mentalmente para servir aos companheiros e de se servir.

Reparem na ginga de corpo e na habilidade, olhem como mesmo sendo tão jovem, já é tão superior aos outros atacantes de seu time.


Quarta à noite, um cego ao meu lado, tomando uma cerveja e escutando o jogo pela voz alta do narrador, roía suas unhas rubro negras de tensão pelo placar adverso que ainda seria igualado, mas também de esperança, pela certeza mediúnica de que, com o menino que acabara de entrar, as coisas iriam melhorar e o melhor ainda estava por vir.

No Real Madrid não tem bobo, aqui temos, muitos!

Aqui acham que os 61 milhões de euros foram muito, então tá.

Tite! Leva ele ano que vem, o futebol agradece e Telê, seu ídolo, o abençoará.

Eu torço, pois o menino estará mais do que pronto, o tempo dirá.

Valeu, Vinícius!

GERD MÜLLER, O MAIOR ARTILHEIRO QUE A ALEMANHA PRODUZIU

por André Felipe de Lima


Hoje é aniversário de Gerhard “Gerd” Müller, indiscutivelmente o melhor centroavante da história do futebol alemão e certamente um dos maiores que o futebol mundial já conheceu. Ele nasceu em Nördlingen, no dia 3 de novembro de 1945. Com suas famosas pernas curtas, seus dribles curtos e agilidade incomuns, marcou muitos gols que levaram a antiga Alemanha Ocidental ao título da Copa do Mundo de 1974. Era tão rápido dentro da área, que passaram a chamá-lo de caubói, ou seja, rápido no gatilho e com tiro (ao gol) certeiro. Müller era infalível. Dizia que preferia chutar rasteiro para dificultar a vida dos goleiros. Dava certo. Tanto funcionava, que o craque tornou-se o maior artilheiro do campeonato alemão, do qual foi campeão quatro vezes, sempre com o Bayern de Munique. Em uma única edição da Bundesliga, a de 1971/72, ele assinalou 40 gols. Em sete campeonatos nacionais, Müller foi o artilheiro. Com a camisa do Bayern, marcou 567 gols em 607 jogos. Ao longo da carreira, defendendo além do Bayern, a seleção alemã, o TSV 1861 Nördlingen e o americano Strikers de Fort Lauderdale, marcou 658 gols em 716 partidas. Simplesmente extraordinário.

“Tudo que o Bayern se tornou se deve ao Gerd Müller e aos seus gols. Se não fosse por ele, ainda estaríamos em uma velha cabana de madeira”, declarou Franz Beckenbauer, maior jogador da história da Alemanha e companheiro no Bayern e na seleção. Na mesma linha, outro colega de Bayern e de seleção, Paul Breitner destaca a relevância histórica de Müller para o futebol germânico. “Gerd Müller é o mais importante e maior futebolista que a Alemanha revelou após 1954 [ano da primeira Copa do Mundo conquistada pelo país]. Gerd Müller é o Bayern, Gerd Müller é a seleção alemã. Ou o contrário: o Bayern e a seleção nacional se tornaram o que são hoje graças ao Gerd Müller, porque foi ele quem trouxe os troféus e os títulos. Ninguém mais.”


Breitner alega que com Müller as coisas sempre ficavam mais fáceis. O time já entrava em campo confiante porque não havia dúvida de que o gol decisivo viria dos pés do artilheiro. Se fossem necessários dois ou mais gols, sem problemas, bola no Müller que ele resolvia. “Com Gerd Müller no seu time, você não precisa de sistema tático. Tínhamos a nossa estrutura. Mas podíamos jogar com o nosso sistema perfeitamente, mas sem ele não ajudaria. Para ter sucesso, precisávamos do Gerd Müller. E nós o tínhamos”, afirmou Breitner.

Quando deixou o futebol em 1982, Gerd Müller decidiu inaugurar um bar na Flórida. Um infortúnio representava o negócio. Alcoólatra, o ex-artilheiro bebia mais que vendia. A doença fez com que perdesse tudo, sobretudo o dinheiro e a esposa. Em 1991, após realizar um teste Gamma GT, o fígado registrou temerárias 2400 unidades de medida, quando o recomendável é entre 10 e 70. Müller foi internado e teve o tratamento pago por Beckenbauer. Em troca pela ajuda e carinho do amigo, que também o indicara para treinar as divisões de base do Bayern, Müller abandonou definitivamente a bebida.


Embora livre do álcool, o grande ídolo do futebol alemão encararia outro drama: o Alzheimer, diagnosticado em 2015. “Gerd Müller é um dos gigantes do futebol. Sem os gols dele, o Bayern e o futebol alemão não poderiam estar onde estão hoje. Apesar de todo o sucesso, ele sempre foi um cara modesto, o que sempre me impressionou. Foi um ótimo jogador e amigo. Trouxe experiência como treinador e ajudou a criar campeões mundiais como Phillip Lahm, Schweinsteiger e Müller”, disse Karl-Heinz Rummenigge, outro gigante da história do Bayern e do futebol alemão.

Gerd Müller hoje sofre com a saúde debilitada, mas deixou muitos ensinamentos para os que um dia desejam ser goleador implacável como ele foi um dia: “Como artilheiro, você precisa saber onde está a meta. E eu sabia disso”. Gerd Müller foi genial.

ARTILHARIA PESADA

por Sergio Pugliese

O folclórico Perácio guardava ótimas lembranças de sua última viagem de navio. Afinal, após belas apresentações pelo Botafogo estava entre os selecionados pelo técnico Adhemar Pimenta para representar a seleção brasileira na Copa do Mundo de 1938, na França. Logo na estreia deixou o seu nos 6 x 5 contra a Polônia, mas assim como os parceiros de equipe preocupava-se com o prenúncio de uma nova guerra. Na competição, os italianos jogaram de uniforme negro, cor oficial do fascismo, e os alemães usaram a suástica como escudo. Que medo!!! No retorno, mesmo amargando o terceiro lugar, o craque sentiu um baita alívio ao pisar em solo brasileiro.

– O que ele nunca imaginou era que alguns anos depois fosse convocado pelo Exército e acabasse jogando pelada em plena Segunda Guerra Mundial, na Itália – contou Léo Christiano, responsável pela organização e edição fac-similar dos 34 números do Cruzeiro do Sul, jornal bissemanal rodado numa gráfica em Florença e publicado, entre janeiro e maio de 1945, pela tropa do quartel-general da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para manter nossos 25 mil pracinhas atualizados no “front” italiano.


Foto | Arquivo

Mas, reza a lenda, Perácio tentou fugir. No porto, a poucos metros da entrada do navio, bateu aquele desespero e ele agiu como se tivesse ouvido a tradicional ordem militar “meia volta, volver”, e sumiu do mapa. A tropa só estava acostumada a vê-lo correr assim nos gramados quando foi peça decisiva no tricampeonato do Mengão, na década de 1940. No segundo título, em 1943, marcou três na goleada sobre o Bangu e entrou definitivamente no coração dos rubro-negros junto com Jurandir, Quirino, Newton, Domingos da Guia, Jaime, Nandinho, Vevê, Zizinho, Biguá e Pirilo. Mas apesar de viver o auge da popularidade, o mineiro de Nova Lima não escapou da marcação cerrada do Exército, foi agarrado logo depois e partiu rumo à incerteza da guerra.

– Pelo menos estava bem acompanhado, num navio recheado de craques – brincou Léo Christiano.

E com tantas feras reunidas, lógico, rolou pelada! Eram vários profissionais, o meia Geninho e o zagueiro Walter Fazzoni, ambos do Botafogo, o goleiro Bráulio, do Atlético (MG), Bidon, centroavante do Madureira, Careca do Fluminense, e Alvanilo, da Ponte Preta, além dos amadores Dunga e Mato Grosso, do Botafogo, Labatut, do Olaria, Juvencio, do Cocotá, Walter, do Ideal, Timbira, do Bonsucesso, Pasquera, do Parque da Mooca, D´Avila e Soares. Juntos, formaram o imbatível time da Quinta Artilharia, sempre mesclado com um francês e quatro americanos, do exército aliado. Juntos, participaram de várias peladas e do Campeonato do Mediterrâneo.

– Esses jogos tinham grande destaque no jornal – disse Léo.


E a penúltima edição do Cruzeiro do Sul foi histórica! Além de noticiar as mortes de Adolf Hitler e Benito Mussolini, também destacou o jogo de Perácio & Cia contra o combinado inglês, RAF (Real Força Aérea) e Marinha. O primeiro tempo terminou 1 x 1, gol de Geninho, mas no segundo Perácio guardou dois e Bidon e Walter fecharam o placar em 5 x 3. Perácio não pode comemorar no Café Nice e na Assirio, como fazia após os títulos do Mengão. 

– Esse jogo foi praticamente uma comemoração pelo fim da guerra – comentou Léo.

Dias depois, a Força Expedicionária Brasileira, comandada pelo marechal Mascarenhas de Moraes, aprisionou dois generais, a 148ª Divisão de Infantaria alemã inteira e mais a italiana, totalizando 20 mil inimigos prestes a invadir fronteiras francesas. Gloriosa conquista! Alguns desses guerreiros desfilaram ontem no Dia da Independência. Nos navios que os trouxeram de volta, muita festa, lágrimas, fardas e bolas. O nazifascismo estava derrotado e alguns anos depois o feito seria simbolizado no belo Memorial aos Heróis da FEB, no Aterro do Flamengo. Na chegada, histeria! Perácio novamente disparou pelo porto, mas dessa vez não era medo, mas felicidade. Toda a tropa o acompanhou.

FRAGMENTOS

por Claudio Lovato


Você já ouviu a expressão “a vida inteira de repente passou como um filme…” Claro que já.

Só que com ele não foi bem assim. Não foi como um filme. Acho que nunca é.

Foram fragmentos.

O sorriso do pai cada vez que ele contava o que fez no jogo, e os conselhos do pai, e depois a morte do pai, para nunca mais, a devastadora e insolúvel morte do pai.

E a saída casa aos 16 anos, e o drama da mãe arrumando a mala dele, e a cama no quarto do alojamento sob a arquibancada do velho estádio. Quanta solidão e quanta expectativa e quanto desamparo e quanta saudade cabem numa cama de alojamento debaixo de uma arquibancada de estádio velho?

E a primeira vez em que ele e ela saíram juntos, e o primeiro filho, que viria exatos dois anos e três meses depois, e as mudanças, e as trocas de cidade, e o primeiro clube grande, e a interminável paciência dela com ele, a força dela, a presença dela, firme e forte, sempre.

E o telefonema do irmão mais velho, uma despedida que ele só foi entender que era uma despedida quando já era tarde demais para dizer a ele tudo o que queria dizer, e nunca conseguiu.

E a filha que veio num momento em que ele achava que a vida não valia mais grande coisa, quanto engano; quanta vida aquela criança lhe trouxe.

Fragmentos.

Em um segundo? Dois? Três? Não dá para dizer, não dá para contar, porque não é como um filme. Não é assim. Pelo menos não para ele, aqui, agora, com a bola colocada na marca do pênalti, com o goleiro batendo palmas diante dele, gritando que ele vai se foder, só vai, que essa bola é dele, do goleiro.

E os dedos amarelos do avô, e o sorriso amarelo do avô, e as palavras de encorajamento do avô, uma forma completa e irretocável que Deus arranjou para lhe explicar, cedo na vida, o que era amor, mas que ele só foi entender mais tarde, bem mais tarde.

E o filho, e a filha, e a mulher, sua família agora, a forma como Deus, ou que nome se queira dar, encontrou para lhe dizer que ele – pai, marido, jogador, ser humano – era importante do jeito mais completo e perfeito que alguém pode ser: dando felicidade a outros.  

E então o árbitro apita, e há um silêncio que só ele consegue ouvir no estádio lotado, e é a última chance que aquele time tem de conseguir ganhar o primeiro título nacional que disputa em sua longa existência, e então ele respira fundo e esvazia os pulmões e puxa o ar outra vez e corre para a bola sem soltar o ar e bate nela do jeito que tinha que fazer, exatamente como havia se proposto a fazer, e o resultado daquele chute é exatamente aquele que eu e você queríamos (queremos), porque não se pode admitir outra maneira de este novo fragmento chegar ao fim – e se eternizar.