DEZESSEIS NO CINEFOOT
Temos muito orgulho da parceria que formamos com o CINEfoot. Nesses dois anos de Museu, tivemos, por duas vezes, a honra de participar ativamente do festival de cinema de futebol liderado pela fera Antonio Leal.
Se no ano passado recebemos a “Honraria Futebol Arte” como a mais brilhante iniciativa no campo cultural em defesa da identidade e promoção dos valores mais preciosos do futebol genuinamente praticados nos campos e fora das quatro linhas, em 2017, na oitava edição do CINEfoot, tivemos a oportunidade de apresentar o “Dezesseis”, um vídeo sobre Adílio e Mendonça.
Vale destacar que é o número da edição do festival que determina os homenageados e, por isso, a oitava edição relembrou os grandes camisas 8 do futebol brasileiro. Presente no evento, o craque Adílio subiu ao palco para agradecer a homenagem e, logo em seguida, assistiu ao vídeo emocionante.
Além de travarem grandes duelos por Flamengo e Botafogo, respectivamente, Adílio e Mendonça honraram a camisa 8 e comandavam o meio-campo, sempre de cabeça erguida, como manda o figurino.
Todo e qualquer tipo de homenagem a essas feras continua sendo pouco por todas as alegrias que eles nos proporcionaram!
Viva o CINEfoot e viva os donos do meio-campo!
O TEMPO, O ÍDOLO E O ESCUDO
por Claudio Lovato
Em 1983 eu estava no Olímpico com o meu velho e um dos meus irmãos mais novos. Um baita frio. Julho em Porto Alegre, quinta-feira à noite. Um a um com o Peñarol, jogo encardido, peleado, até que o nosso louco genial, o cara da camisa 7, deu o balão mais improvável de todos os tempos para dentro da área dos uruguaios, César voou, meteu a cabeça na bola e então estava decretado o nosso primeiro título da Libertadores. Em 1983 eu tinha 18 anos.
Neste 29 de novembro de 2017, dia em que conquistamos a nossa terceira Libertadores, lá estava ele de novo, o louco genial, o rebelde nascido em Guaporé. Em Lanús, na Argentina. Agora na beira do campo, como técnico.
O primeiro brasileiro a conquistar a Libertadores como jogador e como treinador – e pelo mesmo clube.
Marcelo Bielsa disse que o futebol pode prescindir de tudo, menos do escudo. Porque o escudo é o que emociona.
O escudo é o que nos identifica entre os nossos. O escudo é aquilo que somos.
Caras como Renato ajudam a tornar o escudo indestrutível.
Na quarta-feira, assisti à final com amigos e com os Borrachos de Brasília, no CTG Estância Gaúcha do Planalto, que virou uma extensão da nossa Arena aqui no Distrito Federal.
Crianças, jovens, gente de meia-idade, idosos. Todos por um escudo. Nossa identidade.
O tempo passou para Renato, passou para mim, passou para todos nós. Ou talvez seja mesmo como alguém já escreveu: “Não é o tempo que passa, somos nós que passamos por ele”.O jeito que passamos é o que conta.
Valeu, Portaluppi.
Obrigado pelo que fizeste pelo nosso escudo. Obrigado pelo que fizeste por todos nós, portanto. Tu e essa gurizada que está sob o teu comando – do garoto Arthur, craque pronto aos 21 anos, ao garoto-vovô Léo Moura, quase quarentão.
Mas vamos em frente, que a vida segue. Na semana que vem já tem Emirados Árabes e lá enfrentarás aquele que provavelmente será o desafio mais extraordinário da tua vitoriosa carreira. E tu sabes bem o que significará para nós a superação dele.
LEILÃO SOLIDÁRIO
Localizado em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o projeto Faixa Preta de Jesus assiste 400 jovens e mostra, através da luta, a capacidade da criança em se opor ao adversário, combatendo as adversidade com determinação e fazendo florescer uma força interior.
Comovido com a causa, o craque Neymar doou duas camisas e um par de chuteiras autografados para serem leiloados. Vale destacar que o valor arrecadado será revertido para o projeto que, no total, já atendeu cerca de 25 mil jovens nesses dez anos de existência.
O “Leilão Solidário” em prol da instituição vai até o dia 15 de dezembro e, para participar, os interessados deverão se cadastrar no site (https://leiloar.net/cadast), se habilitar para o leilão e inserir seus lances. Visto pelos colecionadores e amantes do futebol como verdadeiras relíquias, as camisas e a chuteira são do tempo que o atleta jogava no Barcelona. Toda a ação será realizada com apoio da Piraquê, do Museu da Pelada e da Leiloar.net.
Além do leilão, você pode ajudar de diversas maneiras, basta entrar em contato e começar a fazer a diferença.
Nova Iguaçu
Instituto Brasil
Avenida Roberto Silveira 1050
Centro – Nova Iguaçu
Rio de Janeiro
Telefone: (021) 3488-5928
LUAN E A ARTE DE UMA MUSA
por Rubens Lemos
A sensualidade do toque de Luan ao fazer o gol do Grêmio na final da Libertadores lembrou-me a beleza mediterrânea e sem exageros da atriz Dina Sfat, diva dos meus tempos de menino. Luan entrou sem pedir permissão aos argentinos do Lanus com a classe de Dina Sfat efeitiçando Francisco Cuoco em alguma novela dos anos 1970. O Museu da Pelada é nostalgia requintada e a beleza dos pés encantadores de Luan e o sorriso de esfinge-mulher de uma musa sem silicones ou botox.
Luan e Dina, um belo par de exuberância simples. Dina Sfat jamais exagerou em erotismos grosseiros nas tramas de Janete Clair, a mulher que prendia o país sem truculência nos idos da Ditadura. Suas novelas mantinham famílias inteiras sentadas e imóveis à espera do desfecho do mistério, da consumação do romance impossível, da maldade desmascarada do canalha-mor vivido por José Lewgoy.
O futebol é arte em roteiros imprevisíveis. Luan fez dos seus toques, a expectativa de milhões pelo florescer afirmativo de um craque. Autêntico e puramente brasileiro, sem obediências teóricas ou esquemáticas. Luan fez renascer dos velhos corações ávidos e mendicantes da arte, o brilho que surge de uma interpretação de verdade.
Dina Sfat, a musa discreta e edificada de charme, partiu em 1989, aos 50 anos, de câncer, 14 anos antes de Luan brotar, de uma manjedoura certamente tricolor, para repetir em campo a técnica primorosa de uma artista no palco. Luan, menino que tem Jesus no sobrenome, elevou as nuvens o futebol bonito, livre e cenográfico. Especial tanto quanto Dina Sfat, na capacidade única de construir finais felizes em cada último capítulo da vida.
O SALVADOR DA PÁTRIA
por Sergio Pugliese
O temporal desabou sem aviso prévio e encurralou Roberto Carlos no terreno onde plantava árvores frutíferas. Em minutos, poças se formaram, barreiras caíram e o lamaçal cobriu os principais acessos à área. A única saída para alcançar a estradinha principal era arriscar-se numa pirambeira, escalar um muro, abrir trilhas com a enxada, proteger-se dos raios, ultrapassar duas cercas de arame farpado e uma muralha de bananeiras. Homem do campo experiente, superou os obstáculos. Na pista, avistou um, dois, três, quatro carros entrando num sítio vizinho. Porto seguro, imaginou! Sem preocupar-se com possíveis cães de guarda, invadiu o local. Trôpego e guiado pelos gritos “é feito de açúcar?”, “futebol é para macho!” e “quantos faltam?”, Roberto Carlos acreditou ser miragem aqueles vultos tocando bola num campo totalmente encharcado e ainda sob chuva intensa.
— Estava fraco, podia ser fruto de minha imaginação — recordou, na divertida resenha, pré-pelada, da rapaziada do Águias FIR (Fraternidade, Igualdade e Respeito), no Sítio do Rogério, em Vargem Grande.
João do Muquiço não foi, mas chegaram o parceirão Preguiça; Caê, da Banda Brasil; Guerreiro, segundo-tenente do Corpo de Bombeiros; Seu Acácio, de 71 anos; Dudu; Jacaré; Ronaldo Fernandes, presidente da Unido das Vargens; Baiano; César; Valdir; Roni; Mazinho; Tchola; Claudio; Elias; Badu; Lobo e Junior. O ortopedista Paulo Amaral aproximou-se da rodinha e não acreditou que a história de Roberto Carlos estava sendo contada novamente. São anos e anos ouvindo a mesma ladainha. Mas é bom demais! O ouvidor de nossa equipe, Reyes de Sá Viana do Castelo, explicou que precisava de mais detalhes.
— Continua, Roberto Carlos! — incentivou Mirunga, artilheiro das multidões.
— Pega uma enxada ali, Serginho, vamos deixar a história mais real — sugeriu Rogério Appelt, o dono do sítio, da bola e da pelada, ao lado de Paulista, o fiel escudeiro.
— Reconstituição fica mais caro — avisou Roberto Carlos.
Mas ele foi em frente e, segurando uma enxada e um ancinho, relembrou seus primeiros momentos no sítio invadido, na verdade o Sítio do Waldyr, em Vargem Grande. Saudoso Waldyr! Após esfregar os olhos e constatar que o grupo de marmanjos ensopados não era miragem, caminhou em busca de uma marquise. Numa varanda coberta, apoiou a enxada e a foice, e viu alguns atletas tirarem par ou impar e outros pagarem a mensalidade. Os raios maltratavam as árvores e assustariam qualquer ser humano normal. Mas peladeiro não é normal.
— Na divisão dos times, notaram que faltava um — contou Roberto Carlos.
E, automaticamente, todos os pescoços voltaram-se para ele, um desconhecido! Mesmo totalmente enlameado e abatido, ninguém perguntou se precisava de ajuda, mas em qual posição jogava.
— Lateral direito — respondi.
E jogou! Até hoje, 15 anos depois, Roberto Carlos faz parte da rapaziada. A pelada começou há 30 anos, no Iate Clube Guanabara, na Ilha; de lá, foi para o Sítio do Waldyr; depois, para o Tio Patinhas; e, agora, está no Sítio do Rogério, quarta, à tarde. Os amigos pulam de galho em galho, mas não se desgrudam e arrastam as histórias com eles. Os causos, lendas ou não, ajudam a temperar o churrasco do Bira, a adoçar o refresco de goiaba do Serginho, a afinar o cavaco do Márcio e a manter viva e jovem a memória do Águias FIR.
Texto publicado originalmente na coluna A Pelada Como Ela É, do Jornal O Globo, em 26 de fevereiro de 2014.