GERALDO E ZICO
por Rubens Lemos
No trecho mais triste do filme sobre a história de Zico, ele está caminhando na praia com Geraldo Assoviador, seu companheiro de clube e um solista de meio-campo. Os dois, interpretados por figurantes de talento duvidoso, sentam na areia e refletem num exercício premonitório.
Geraldo deita, cruza as mãos sob a cabeleira Black Power, olha ao infinito numa tristeza destoante do seu estilo de jogar como pássaro, brincando, circulando por entre adversários aos dribles. Geraldo diz a Zico, mais ou menos assim:
– Zico, estou com uns pensamentos estranhos, rapaz. Não consigo me imaginar velho, aposentado, com filhos, netos. É esquisito.
O Zico, que não era Zico pela qualidade limitada do ator, respondeu na liguagem típica da época, 1976, o Galinho no esplendor dos 22 anos cronológicos:
– Poxa, Geraldo, que papo mais careta, rapá! Eu quero é viver, pensar no presente, vamos tomar um banho de mar!
A cena antecede à reconstituição da cirurgia de amígdalas de Geraldo, que o matou na mesa de operação por uma reação alérgica à anestesia.
O massagista Serginho, vivido por Romeu Evaristo, o Saci Pererê da primeira versão do Sítio do Picapau Amarelo, faz uma tentativa de ressuscitação esmurrando o peito de Geraldo.
O assoviador, o irmãozinho adotado pela Família Antunes, a Família de Zico, acertara no fatalismo prematuro como nos passes para o companheiro iniciar sua biografia escrita pelos pés, cabeça, peito e coxas.
Geraldo morreu no dia 26 de agosto do 1976. Zico beijou sua testa no velório. Geraldo não envelheceu. Fez o Flamengo usar seu uniforme de luto à época (calções pretos) uma semana depois contra o meu ABC de Natal.
Zico, chorando, correspondeu ao amigo como um irmão inconformado lutando por sua volta. Zico jogou por Zico e por Geraldo. Fez os dois gols da vitória de 2 a 0 no Maracanã silencioso e não comemorou, pela primeira vez na vida.
Geraldo na morte provou sua perpetuação. Zico é o craque e o cidadão de sempre, ungido à sagração das lendas e mitologias.
Zico foi o Pelé a que tivemos direito de amar, idolatrar, temer como adversário e gritar de peito lavado, que havia, entre nós, um gênio capaz de eternizar o fugaz, transformar o efêmero em filme clássico e interminável de tão delicioso.
Zico não envelheceu. Zico é o menino de 18 anos que classificou o Brasil para as Olimpíadas de 1972 fazendo o gol da vitória contra a Argentina e ficou fora dos Jogos por pirraça da Ditadura, que perseguia Nando, um dos seus irmãos, perseguido e torturado na escuridão da tirania.
Zico não envelheceu. Zico é o príncipe campeão carioca de 1974, seu primeiro título, espantando o Brasil com sua volúpia dribladora e artilheira. Zico, em 1974, provou a Zagallo que merecia, sim, ter ido à Copa do Mundo da Alemanha, privilégio de toscos do nível de Mirandinha do São Paulo.
Zico não envelheceu. Zico é o homem sofrido de 1978, quando, machucado, não brilhou e foi massacrado pela imprensa na Copa da Argentina. Zico é o visionário da decisão contra o Vasco, quando espantou Marco Antônio com sua presença lindamente assombrosa, fazendo o lateral ceder o escanteio infantil que ele bateria de curva, para a cabeçada de Rondinelli a vencer um Leão em voo.
Zico não envelheceu. É o craque fazendo linha de passe de cabeça em 1979, tabelinha aérea dentro da área do Vasco até o salto de atacante de vôlei e a testada para as redes de Leão, sua vítima predileta.
Zico não envelheceu. É a antevisão agindo em namoro de amante com o instinto e lançando Nunes para marcar o primeiro gol contra o Atlético Mineiro na decisão de 1980. E depois, ele próprio, num sem-pulo, fazer o segundo alegrando 153 mil pessoas.
Zico não envelheceu. É a maturidade felina e ferina destruindo em passes de arte plástica, os ingleses do Liverpool, na final da Taça Interclubes em 1981. Melhor em campo e ganhador de um carro Toyota, luxo. Ficou com o automóvel e dividiu o valor em dinheiro com os colegas.
Zico não envelheceu. É o semblante arrasado no desembarque no Rio de Janeiro em julho de 1982, após a derrota para a Itália no Estádio Sarriá, Copa que seria dele e da geração sem clonagem. Zico é o show contra a Argentina e o pênalti de Gentile sobre ele, rasgando a camisa 10 usada pela última vez com qualidade exigida.
Zico não envelheceu. É o Zico atormentado, joelhos esfolados, tomando morfina, para jogar a Copa do Mundo de 1986. É o Zico dos minutos arrasadores contra a Polônia, do passe perfeito e da tragédia do pênalti jogado nas mãos de Bats, contra a França.
Zico não envelheceu. É o Zico da maestria, marcando, de falta em Juiz de Fora, último gol de sua carreira profissional e pondo, em anticlímax, o goleiro do Fluminense Ricardo Pinto na história por chute enviesado.
Zico não envelheceu. Posso não chegar aos 60 anos, mas enquanto a vida me levar, como no samba de Zeca Pagodinho, viajo no devaneio de ver o Galinho (para sempre) com a camisa mais bonita, a do Vasco, ao lado de Geovani, o Geraldo renascido na Cruz das Maltas. Se acabar por aí, o tempo regulamentar estará completo para mim.
A QUEBRA DO RECORDE E O MUSTANG COR DE SANGUE
por Victor Kingma
No final dos anos 60, logo após a inauguração do Mineirão, ocorrida em 1965, o Cruzeiro montou um dos maiores times da história do futebol brasileiro. Durante alguns anos desfilaram pelos gramados com a camisa azul craques consagrados como Zé Carlos, Piazza, Natal, Dirceu Lopes e Tostão.
Os saudosistas do futebol não se esquecem das partidas memoráveis do time mineiro contra o poderoso Santos de Pelé, quando se encontravam pela antiga Taça Brasil. No âmbito regional, então, a superioridade era tanta que o time chegou a ficar 70 partidas sem perder, entre os campeonatos de 1967 e 1970.
Outro fato marcante protagonizado pelo Cruzeiro daquela época foi a incrível façanha do goleiro Raul, que em 1969 ficou mais de 1000 minutos sem levar gol, um recorde nunca alcançado, até então.
Nos jornais e programas esportivos das emissoras de rádio e TV da época, o fato era tratado com destaque e a cada novo jogo criava-se uma grande expectativa sobre qual jogador quebraria a invencibilidade do goleiro cruzeirense.
Um programa esportivo da TV Itacolomi de Belo Horizonte chegou a instituir um prêmio: o jogador que marcasse o gol histórico ganharia um Mustang “cor de sangue”, o carro da moda na época, que virou até sucesso musical na interpretação de Wilson Simonal para a composição de Marcos e Paulo Sérgio Valle.
Finalmente, em 18 de maio daquele ano, aos 42 minutos do segundo tempo, no jogo Cruzeiro 3 x 1 Democrata-SL, no Mineirão, a série foi interrompida.
Após 1011 minutos, o goleiro, que ficou famoso por atuar com a vistosa camisa amarela, foi vencido pelo atacante Ivany, destaque do time de Sete Lagoas.
Para comprovar a força da defesa do Cruzeiro, o último gol que Raul havia sofrido tinha sido um gol contra do zagueiro Fontana, aos 21 minutos do segundo tempo, numa partida contra o Uberaba, no primeiro turno do campeonato.
Ivany, o Ny, natural de Santos Dumont, Minas Gerais, foi um grande talento que teve a carreira abreviada por uma séria contusão no joelho.
Iniciou sua carreira no Social, de sua cidade, tendo atuado pela Seleção da Liga de Juiz de Fora, Atlético Mineiro, Democrata-SL e Vila Nova, de Goiás. Enfrentou, em diversas ocasiões, craques consagrados do futebol brasileiro.
O carro, o Mustang cor de sangue, evidentemente, nunca ganhou. Segundo dizem, na promoção, que era uma jogada de marketing, os organizadores esperavam que o gol fosse marcado por um famoso atacante do futebol brasileiro, de preferência Dario, ídolo do Atlético Mineiro, o grande rival do Cruzeiro.
Para sua decepção, Ny, o autor da façanha, recebeu como prêmio uma réplica do carro, um Mustang vermelho, de controle remoto. O fato é inclusive confirmado pelo próprio goleiro Raul.
Hoje, aposentado, nas conversas e bate papos na sua cidade, o ex-craque sempre tem que contar sobre seu gol histórico, motivo de orgulho, não só para ele, mas, também para todos seus amigos e conterrâneos.
Jeremias
JERÊ, O BOM
texto: Weverson Borges | edição de vídeo: Daniel Planel | foto: Marcos Tristão
Eu já passei dos 45 do segundo tempo, mas infelizmente não tive a oportunidade de ver o Jerê jogar. Sou de 70 e era muito criança na época. A primeira vez que eu ouvi falar desse craque foi numa resenha pós pelada, em que estávamos falando dos grandes jogadores da minha querida Niterói. E um dos participantes da resenha falou: Jeremias, o bom. Achei estranhamente presunçoso o apelido, mas no futebol tem de tudo. Fiquei na minha. E só depois fui saber que Jeremias, o bom, era um personagem do Ziraldo, e tinha toda uma história envolvida.
Rolaram outras resenhas em outras peladas, e o nome de Jeremias era mencionado sempre com muitos elogios em seguida. Até que um dia, eu fui em uma pelada em que estava o Marco Antônio, e claro que dei uma tímida tietada. Afinal de contas, ele tinha uma representatividade muito forte pra mim. Ele fez parte do time campeão de 74 do meu Vascão, que eu presenciei a final com meu saudoso pai pela primeira vez no Maracanã, acontecimento muito vivo na minha memória.
Conversando com Marco Antônio e outras feras, mais uma vez surgiu o nome de Jerê. Figuei muito intrigado, com o tanto de elogios que ele recebia. Principalmente através do Marco Antônio.
Bem, Jerê tinha uma escolinha de futebol, em um clube tradicional de Niterói, o 5 de Julho, onde eu jogava minha sagrada pelada logo após o fim do seu expediente. Sendo assim, comecei a observar aquele professor de sorriso fácil, que antes eu só cumprimentava respeitosamente, mas sem dar muita importância.
Então um dia me aproximei e começamos a bater um papo agradável. Sua humildade saltava aos olhos, apesar dele ter me contando que jogou com Edu, Gerson, Marco Antônio… e na Europa contra Euzébio, Di Stefani, Cruyff… Por sinal, Europa em que, na época, eram raros os brasileiros que atravessavam o Pacífico. E quanto mais ele contava suas histórias, mais eu o admirava.
Até que um belo dia, eu conheci no Facebook o “Museu da Pelada” através de um amigo. Era um esquema de resgate da memória de ídolos do passado, com resenhas descontraídas em forma de homenagens. Me amarrei já nas primeiras resenhas. Então logo pensei em Jerê. Não para satisfazer o ego dele, já que ele é bem resolvido quanto a isso, mas como uma forma de apresentar a sua importância para o futebol para pessoas como eu, seus alunos, e amigos mais novos, que não tiveram a oportunidade de vê-lo jogar.
Hoje em dia, vejo uma porção de gente que não chutou em lugar nenhum, cheio de soberba, se achando. E Jerê, com toda sua simpatia, humildade e educação, tem muito de exemplo para dar no futebol, principalmente o de hoje. Jerê, não foi só um craque nas quatro linhas. Ele é um craque também como ser humano.
Quem não teve a oportunidade de ver vai poder conhecer um pouco da história desse fenômeno e quem já conhece, poderá matar a saudade do craque, que bateu um papo bacana com a gente e lembrou sua brilhante trajetória no futebol.
OBRIGADO, CONY
vídeo: Guillermo Planel
Considerado um dos maiores escritores brasileiros vivos, o jornalista Carlos Heitor Cony morreu na noite de ontem aos 91 anos, vítima de falência múltipla de órgãos. Como éramos muito fãs dessa lenda, não poderíamos deixar de prestar nossa homenagem, relembrando o dia em que ele revelou toda a sua idolatria pelo craque Didi:
Sergio Pugliese, Cony e Guillermo Planel
– Didi foi o maior que eu vi jogar. Ele tinha uma noção de futebol que nenhum outro teve. Ele sabia quando o time devia subir e quando devia se defender.
Cony era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000 e iniciou a carreira de jornalista em 1950. Entre os premiados contos, crônicas e romances publicados ao longo da carreira, destaca-se o “Quase Memória”, que vendeu mais de 400 mil exemplares e marcou o seu retorno à atividade de romancista.
UMA HISTÓRIA NEM TÃO BELA QUANTO PARECE
por Mateus Ribeiro
Fernando Diniz é um dos treinadores mais badalados do Brasil, e isso não é um fenômeno tão recente. Desde que o Audax-SP começou a chamar a atenção pelo estilo de jogo onde até o goleiro participava de forma ativa na saída de bola, o ex-jogador virou assunto em todos os debates esportivos Brasil afora.
Fato é que Diniz realizou bons trabalhos, com elencos de medianos para baixo, e conseguiu até ser vice no Campeonato Paulista. Comentaristas e palpiteiros não entendiam como nenhum time da primeira divisão nacional havia se interessado pelo trabalho do jovem treinador.
Até que ontem, surpreendendo o Brasil, o Atlético Paranaense anunciou a sua contratação. Pela primeira vez, um time da Série A decidiu apostar em Fernando Diniz. Seria o começo de uma renovação no pensamento dos clubes? Não exatamente, creio eu.
Para começo de conversa, o Furacão foi atrás de Fernando porque Seedorf demorou para chegar a um acordo com a diretoria. Segundo que Fernando Diniz estava trabalhando no Guarani. E dito isso, alguns aspectos devem ser analisados.
Primeiramente, é correto afirmar que a saída se deu de forma legal, com o clube paranaense pagando a multa do contrato. Sobre isso, uma vez que não tenho acesso ao contrato, acredito que não há o que se discutir.
O ponto x da questão é que dessa vez os valores se inverteram. Toda vez que um treinador é demitido, a conversa é a mesma: o clube não deu tempo, não deixou implementar a filosofia de jogo, não houve respeito ao profissional, e toda aquela ladainha que estamos acostumados a ver toda semana, seja na Série A ou na Série D de qualquer campeonato brasileiro.
Fernando Diniz assumiu o Guarani no início de dezembro
Acontece que Fernando Diniz montou o elenco da maneira que quis. Inclusive alguns jogadores só vieram para o Bugre pela perspectiva de trabalhar com o treinador da nova geração que mais recebe holofotes e confetes. E quando o tal do projeto caminhava para seu início, “Tchau, Carolina”.
Sem muito esforço ou pessimismo, todos nós sabemos o que vai acontecer: depois de uma série de quatro ou cinco resultados negativos, o clube vai demitir o técnico, que vai chiar, mesmo que internamente, e usar o mesmo papo de sempre. Nesse caso, tudo isso não vai passar de conversa para boi dormir. Ao Atlético, também não vai adiantar reclamar, como tantos outros clubes reclamam, se alguma diretoria procurar seu treinador durante a temporada.
Não se pode cobrar o que não praticamos. E apesar de fazer tudo dentro da lei, Fernando desrespeitou a torcida do Guarani e a história do clube. Ainda se Beto Zini fosse o presidente, até daria para passar um pano, mas no fim das contas, temos apenas uma história mal contada. Sem nenhuma parte errada, mas sem nenhum santo também.
Fora isso, resta apenas desejar boa sorte para todas as partes nesta história. E que essas situações não sejam mais tão frequentes no já judiado e estranho futebol brasileiro.