Jeremias
JERÊ, O BOM
texto: Weverson Borges | edição de vídeo: Daniel Planel | foto: Marcos Tristão
Eu já passei dos 45 do segundo tempo, mas infelizmente não tive a oportunidade de ver o Jerê jogar. Sou de 70 e era muito criança na época. A primeira vez que eu ouvi falar desse craque foi numa resenha pós pelada, em que estávamos falando dos grandes jogadores da minha querida Niterói. E um dos participantes da resenha falou: Jeremias, o bom. Achei estranhamente presunçoso o apelido, mas no futebol tem de tudo. Fiquei na minha. E só depois fui saber que Jeremias, o bom, era um personagem do Ziraldo, e tinha toda uma história envolvida.
Rolaram outras resenhas em outras peladas, e o nome de Jeremias era mencionado sempre com muitos elogios em seguida. Até que um dia, eu fui em uma pelada em que estava o Marco Antônio, e claro que dei uma tímida tietada. Afinal de contas, ele tinha uma representatividade muito forte pra mim. Ele fez parte do time campeão de 74 do meu Vascão, que eu presenciei a final com meu saudoso pai pela primeira vez no Maracanã, acontecimento muito vivo na minha memória.
Conversando com Marco Antônio e outras feras, mais uma vez surgiu o nome de Jerê. Figuei muito intrigado, com o tanto de elogios que ele recebia. Principalmente através do Marco Antônio.
Bem, Jerê tinha uma escolinha de futebol, em um clube tradicional de Niterói, o 5 de Julho, onde eu jogava minha sagrada pelada logo após o fim do seu expediente. Sendo assim, comecei a observar aquele professor de sorriso fácil, que antes eu só cumprimentava respeitosamente, mas sem dar muita importância.
Então um dia me aproximei e começamos a bater um papo agradável. Sua humildade saltava aos olhos, apesar dele ter me contando que jogou com Edu, Gerson, Marco Antônio… e na Europa contra Euzébio, Di Stefani, Cruyff… Por sinal, Europa em que, na época, eram raros os brasileiros que atravessavam o Pacífico. E quanto mais ele contava suas histórias, mais eu o admirava.
Até que um belo dia, eu conheci no Facebook o “Museu da Pelada” através de um amigo. Era um esquema de resgate da memória de ídolos do passado, com resenhas descontraídas em forma de homenagens. Me amarrei já nas primeiras resenhas. Então logo pensei em Jerê. Não para satisfazer o ego dele, já que ele é bem resolvido quanto a isso, mas como uma forma de apresentar a sua importância para o futebol para pessoas como eu, seus alunos, e amigos mais novos, que não tiveram a oportunidade de vê-lo jogar.
Hoje em dia, vejo uma porção de gente que não chutou em lugar nenhum, cheio de soberba, se achando. E Jerê, com toda sua simpatia, humildade e educação, tem muito de exemplo para dar no futebol, principalmente o de hoje. Jerê, não foi só um craque nas quatro linhas. Ele é um craque também como ser humano.
Quem não teve a oportunidade de ver vai poder conhecer um pouco da história desse fenômeno e quem já conhece, poderá matar a saudade do craque, que bateu um papo bacana com a gente e lembrou sua brilhante trajetória no futebol.
OBRIGADO, CONY
vídeo: Guillermo Planel
Considerado um dos maiores escritores brasileiros vivos, o jornalista Carlos Heitor Cony morreu na noite de ontem aos 91 anos, vítima de falência múltipla de órgãos. Como éramos muito fãs dessa lenda, não poderíamos deixar de prestar nossa homenagem, relembrando o dia em que ele revelou toda a sua idolatria pelo craque Didi:
Sergio Pugliese, Cony e Guillermo Planel
– Didi foi o maior que eu vi jogar. Ele tinha uma noção de futebol que nenhum outro teve. Ele sabia quando o time devia subir e quando devia se defender.
Cony era membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000 e iniciou a carreira de jornalista em 1950. Entre os premiados contos, crônicas e romances publicados ao longo da carreira, destaca-se o “Quase Memória”, que vendeu mais de 400 mil exemplares e marcou o seu retorno à atividade de romancista.
UMA HISTÓRIA NEM TÃO BELA QUANTO PARECE
por Mateus Ribeiro
Fernando Diniz é um dos treinadores mais badalados do Brasil, e isso não é um fenômeno tão recente. Desde que o Audax-SP começou a chamar a atenção pelo estilo de jogo onde até o goleiro participava de forma ativa na saída de bola, o ex-jogador virou assunto em todos os debates esportivos Brasil afora.
Fato é que Diniz realizou bons trabalhos, com elencos de medianos para baixo, e conseguiu até ser vice no Campeonato Paulista. Comentaristas e palpiteiros não entendiam como nenhum time da primeira divisão nacional havia se interessado pelo trabalho do jovem treinador.
Até que ontem, surpreendendo o Brasil, o Atlético Paranaense anunciou a sua contratação. Pela primeira vez, um time da Série A decidiu apostar em Fernando Diniz. Seria o começo de uma renovação no pensamento dos clubes? Não exatamente, creio eu.
Para começo de conversa, o Furacão foi atrás de Fernando porque Seedorf demorou para chegar a um acordo com a diretoria. Segundo que Fernando Diniz estava trabalhando no Guarani. E dito isso, alguns aspectos devem ser analisados.
Primeiramente, é correto afirmar que a saída se deu de forma legal, com o clube paranaense pagando a multa do contrato. Sobre isso, uma vez que não tenho acesso ao contrato, acredito que não há o que se discutir.
O ponto x da questão é que dessa vez os valores se inverteram. Toda vez que um treinador é demitido, a conversa é a mesma: o clube não deu tempo, não deixou implementar a filosofia de jogo, não houve respeito ao profissional, e toda aquela ladainha que estamos acostumados a ver toda semana, seja na Série A ou na Série D de qualquer campeonato brasileiro.
Fernando Diniz assumiu o Guarani no início de dezembro
Acontece que Fernando Diniz montou o elenco da maneira que quis. Inclusive alguns jogadores só vieram para o Bugre pela perspectiva de trabalhar com o treinador da nova geração que mais recebe holofotes e confetes. E quando o tal do projeto caminhava para seu início, “Tchau, Carolina”.
Sem muito esforço ou pessimismo, todos nós sabemos o que vai acontecer: depois de uma série de quatro ou cinco resultados negativos, o clube vai demitir o técnico, que vai chiar, mesmo que internamente, e usar o mesmo papo de sempre. Nesse caso, tudo isso não vai passar de conversa para boi dormir. Ao Atlético, também não vai adiantar reclamar, como tantos outros clubes reclamam, se alguma diretoria procurar seu treinador durante a temporada.
Não se pode cobrar o que não praticamos. E apesar de fazer tudo dentro da lei, Fernando desrespeitou a torcida do Guarani e a história do clube. Ainda se Beto Zini fosse o presidente, até daria para passar um pano, mas no fim das contas, temos apenas uma história mal contada. Sem nenhuma parte errada, mas sem nenhum santo também.
Fora isso, resta apenas desejar boa sorte para todas as partes nesta história. E que essas situações não sejam mais tão frequentes no já judiado e estranho futebol brasileiro.
A SIMETRIA E O MOVIMENTO
por Eliezer Cunha
Nelinho, Roberto Carlos e a bola…
A simetria justifica, estabelece e preserva as condições básicas para a concordância dos movimentos. Os aviões plainam no ar e os navios deslizam sobre as águas respeitando a condição elementar da geometria simétrica, e aí o movimento acontece naturalmente.
Um voleio, uma bicicleta e um peixinho são os movimentos sagrados do futebol. A simetria contribui também para que o futebol seja justo para ambas as equipes. A bola é simétrica o gol e o campo são simétricos, o jogador é simétrico e, o apito que pode decidir uma partida também é simétrico.
“Tudo que move é sagrado”, disse Beto Guedes.
Numa partida, a bola respeita a funcionalidade da simetria em concordância com o poder da gravidade, as jogadas podem então serem previsíveis e seus resultados também. Alguns jogadores diferenciados em um certo fundamento, o chute, podem contrariar essa teoria, Roberto Carlos e Nelinho são bons exemplos.
A bola movimentada por eles descrevia um movimento discordante e indeciso e, a princípio parecia que a jogada não se concluiria conforme desejado, mas, de repente, eis que a pelota ultrapassa jogadores e balizas e vai se acomodar definitivamente no fundo da rede. É o chamado efeito.
Em minhas humildes recordações e nas paredes de minha memória estão guardados o gol de Nelinho contra a Itália na Copa de 78 e Roberto Carlos contra a França em 1997. Os demais artistas da bola me permitem concluir, neste quesito, são lógicos e previsíveis.
TIREM AQUELE HOMEM DE LÁ!
por Zé Roberto Padilha
Foi bom a Copinha começar vazia, silenciosa nas arquibancadas, só assim deu para perceber não apenas o apito do juiz, mas a quantidade de “caralhos” ecoados que superam os passes errados. Mas de onde vem a praga daninha que vem matando, na fonte, o nosso futebol arte?
Apenas nestas transmissões, de futebol mudo, está sendo possível perceber a origem das células cancerígenas que há muitos anos vêm destruindo a criatividade das nossas divisões de base. Elas crescem em uma área demarcada em que foi permitida a entrada de um intruso. E em meio ao talento natural que emerge com a bola nos pés, com matérias primas selecionadas em peneiras, colocadas em seu habitat natural, gramados do país do futebol, dispostos a pintar uma nova obra de arte, surge uma voz que a tudo inibe: “Pega!”, “Volta!”, “Marca!”.
Por favor, tirem aquele homem de lá!
Certa vez, meu filho me perguntou qual foi minha melhor jogada. Contei a ele que não foi um gol, nem um lençol, muito menos uma caneta. Toninho Baiano, nosso lateral-direito tricolor, levou uma pancada e saiu de maca em um Fla-Flu. Como ponta-esquerda e seu companheiro mais distante dalí, dei um pique atravessando o campo e fui lhe cobrir. Na passagem, pedi ao Rivellino:
“Cobre as subidas do Júnior (então lateral-direito do Flamengo) para mim!”.
Só me foi possível raciocinar o jogo, contribuir com a mente, não apenas com os pés, porque nosso treinador, Didi, estava sentado no banco. Só assim, com liberdade, sem o grito da opressão, somos capazes de crescer profissionalmente. Assim surgem líderes, os capitães dos times e futuros treinadores. Então, por favor, tirem aquele homem dalí!
Em uma das maiores obras primas já realizadas no templo do nosso futebol, Rivellino parou a bola em um sábado à tarde, no Maracanã, frente ao camisa 5 do Vasco, Alcir. O Maracanã se calou. Seu treinador, Paulo Emílio, estava sentado e calado também. Todos nós sabemos a pintura que foi.
É no momento da criação que todo artista precisa do silêncio, da confiança, não de gritos, da quantidade de copinhos ridículos posicionados para tirar dos seus pés o foco da magia. Zico, Pelé, Gérson, Tostão, craques como eles não aparecem mais porque demarcaram, na voz sem limites da opressão, o poder da criação.
Se desejamos que a arte volte ao futebol brasileiro, o improviso e a genialidade reapareçam, ainda dá tempo, afinal, a Copinha está apenas começando. Mas, por favor, tirem aquele homem que grita com as crianças dali!