AQUI NÃO PRECISA DE TÍTULO
por Julio Alencar
Muitos torcedores, quando querendo falar que tal time é grande, que tal time é pequeno, acabam por muitas vezes querer medir o futebol. Ora, eu te pergunto, quem pode medir o futebol? Quais são as medidas? Títulos, vice-campeonatos, número de derrotas, tempo sem fazer gol, bolas de ouro, etc e os escambau?
Para mim, a medida do futebol é tão limitada quanto a do campo de jogo, 64m x 100m. Não estou querendo dizer que todo time é igual, seria leviandade da minha parte, pois o meu time é maior que muitos tantos que não ouso nem falar os nomes.
Muitos dirão: fato é que a história é o registro dos campeões. Realmente, pode ser, mas acontece que a história não é feita só de vencedores, dentro dos números dos artilheiros existem a história dos defensores. Quando registra-se um drible, é sempre um ato entre um marcador e um atacante, e subitamente… o Garrincha transforma Telê em João.
As histórias existem e estamos aí para reverenciá-las. Se observarmos atento aos detalhes, verão que não existem hierarquias no futebol, além do goleiro que pode usar as mãos e juiz que apita, o jogo são onze contra onze.
E para aqueles que insistem em classificar o melhor no futebol em números, é melhor ficar de olho no placar, pois são os números que valem. Título é só um nome escrito num papel ao lado do ano, e o futebol é muito maior que isso.
Texto publicado originalmente no blog VIVA LA RESENHA.
JANEIRO INESQUECÍVEL
por Marcos Vinicius Cabral
Não existe rubro-negro que não tem o sonho de conhecer o Zico.
Estive perto deste sonho há 21 anos, quando formei o meio campo com Benjamin – cracaço do futebol de areia – nos testes para enfrentar o time do Rio de Janeiro Futebol Clube, que era comandado pelo ex-zagueiro Jaime e que anos mais tarde viria mudar seu nome para CFZ (Centro de Futebol Zico).
Naquela sexta-feira, 18 de outubro de 1996 – uma semana após o falecimento de Renato Russo – enquanto o país e os amantes do rock nacional ainda estavam anestesiados com o desaparecimento físico do poeta da Legião Urbana, eu tentava superar o trauma da perda no gramado do Estádio Antunes, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.
Apesar do enlutamento pessoal pela morte do cantor e compositor que foi o porta voz da minha geração – a tradicional Geração Coca-Cola -, fui a bordo no Fusca caramelo ano 1968 conduzido por Paulo Polaco que ia conversando com meu pai nos quase 60 km de distância que separavam São Gonçalo e Recreio dos Bandeirantes.
Antes do último treino que definiria os que ficariam e seriam federados após avaliação da comissão técnica, no caminho que dá acesso ao campo, ouvi um “boa sorte, garoto”, vindo do maior camisa 10 que tive o privilégio de ver em ação no futebol brasileiro: ele mesmo, o Zico!
Foi naquele simples gesto, que havia notado que aquele ídolo não era de barro e sim de carne e osso!
Se por um lado a vida não conspirou a favor para realizar um dos meus sonhos – mesmo com a bênção do “Galinho” -, Deus me reservou outros maiores como ser pai, marido, jornalista, cartunista, escritor e pintor de quadros.
O tempo passou e em 2010, nos (re)encontramos no lançamento do livro “Minha paixão pelo futebol”, escrito pelo maestro Júnior, na Livraria Travessa, em Botafogo.
Na verdade, não chegou a ser um (re)encontro, pois um mar de séquitos a sua volta impossibilitou um contato mais próximo.
De qualquer forma consegui driblar os marcadores implacáveis naquela noite, entreguei uma caricatura ao autor que fazia sua estreia no mundo literário e tirei uma foto com o maior goleador do Estádio do Maracanã, com 333 gols marcados.
Muita emoção para uma noite apenas!
Porém, nada disso seria possível se não tivesse as ajudas dos amigos Fladilson, responsável por marcar meu lugar na interminável fila, e Flávio, que fez o registro fotográfico, com a Gabrielle à tiracolo e com apenas três anos de idade à época.
Se realmente “O tempo não para”, como verbalizava o poeta rebelde Cazuza na canção homônima dos versos cortantes e lançada em 1988, para mim esse tempo não parou mesmo.
Em 2015, mesmo sendo autodidata, pude enfim, iniciar um curso que há muito era desejo: pintura a óleo!
Não demorei muito para conhecer a técnica que a pintura a óleo exige e em virtude de ser chargista profissional desde 1993, ficou fácil desenhar nas telas aquilo que desejasse.
A ideia era pintar de tudo e preencher nas telas tristes alguns nomes do futebol brasileiro que me fizeram feliz em algum momento na vida.
E foi assim que certa vez, numa conversa informal com o maestro Júnior, descobri sua paixão por cavalos.
Preparei as tintas em uma tela de 70 cm x 60 cm, pintei um puro-sangue inglês e fui em companhia da minha esposa Raquel, da minha filha Gabrielle e da minha cunhada Renata em Copacabana entregar ao recordista de partidas do Clube de Regatas do Flamengo, como um “muito obrigado” por tudo que fez com o manto rubro-negro.
Passados alguns meses, resolvi homenagear um dos maiores nomes da lateral-direita de todos os tempos: Leandro.
Segundo o Museu da Pelada em uma matéria, o “Papa” da lateral foi pintado em uma tela de 80 cm x 70 cm, esbanjando sua categoria nos gramados.
O “peixe-frito” não foi nem uma homenagem, convenhamos, foi uma obrigação, já que foi o cara que me incentivou a jogar futebol e eu tentava sempre imitá-lo nas peladas em Niterói e São Gonçalo.
Foi e continua sendo o meu ídolo, além é claro, de ter se transformado em um grande amigo em virtude da produção da sua biografia que eu e Gustavo Roman pretendemos lançar em breve.
Portanto, se os imortais camisas 2 e 5 do Flamengo mais vencedor da sua história haviam recebido de presente suas telas, faltava pintar o “Deus” da camisa 10.
E pensando nisso, em 2015 comecei a procurar uma foto que representasse bem o que o Zico foi para o futebol brasileiro.
Achei em uma revista antiga aqui em casa toda em preto e branco em que apenas o Galinho estava colorido e conduzia a bola com sua habitual elegância.
O jogo?
Um Flamengo e Atlético Mineiro, ocorrido em 29 de novembro, válido pelo Campeonato Brasileiro de 1987 no Maracanã e que seria o primeiro de dois jogos das semifinais, vencido por 1 a 0 com gol de Bebeto.
Eu poderia ter escolhido outra foto mas aquele campeonato organizado brilhantemente pelo Clube dos Treze, teve um adendo especial à obra de arte: na seara dos Campeonatos Brasileiros foi o título mais difícil que o Flamengo conquistou.
Os arquirrivais podem questionar tudo, menos que Zé Carlos, Jorginho, Leandro, Edinho e Leonardo; Andrade, Ailton e Zico; Renato, Bebeto e Zinho, sob o comando do saudoso Carlinhos, o “Violino”, venceram dentro das quatro linhas a competição.
Em busca de perfeição perdida nas pinceladas dadas nas aulas da professora Bette ou nas madrugadas, me vinha à mente as suas cobranças de faltas.
Isso, também era obra de arte!
Nas misturas das tintas para se encontrar o tom exato do resultado desejado, poucas não foram as vezes que lembrei-me de suas jogadas magistrais com um saudosismo escancaradamente exacerbado.
A obra em si levou alguns meses para ser finalizada mas nada que comprometesse o mês estipulado para ser entregue ao atleta que foi exemplo dentro e fora de campo: janeiro.
E foi naquele mês, no dia 16, que saí de casa com destino de encontrar com o maior jogador de futebol que tive o privilégio de ver: Arthur Antunes Coimbra ou simplesmente Zico!
Portanto, como havia marcado com o ele às 15h, três dias antes, através do WhatsApp, sair de casa às 13h me dava uma certa tranquilidade de não me atrasar.
Em companhia de Sílvio Júnior de Barros, meu amigo nas peladas gonçalenses a quem chamamos carinhosamente de “Imperador”, fomos conversando para tentar disfarçar nosso nervosismo com o iminente encontro.
Naquela segunda-feira o céu azul cobalto era preenchido por nuvens dispersas e embranquecidas que em sintonia com as águas da Baía de Guanabara, formavam uma paisagem sedutora.
A todo instante, nas vezes que fixávamos os olhos no horizonte que parecia não ter fim, lembrava do meu falecido avô materno, que nos deixou em 1983 quando eu ainda era um garoto que completaria 10 anos.
O saudoso seu José era apaixonado pelo Zico e em seus últimos anos de vida teve inúmeras alegrias proporcionadas por ele.
Pois bem, às 14h20 falei um “boa tarde” para o porteiro do Centro de Futebol Zico e chegava então para o grande dia.
Assim que adentramos as dependências do clube, fomos cumprimentados pelo cinegrafista Cleomir Tavares, do Museu da Pelada.
E logo em seguida, com passos milimetricamente dados, descia a escada caracol, o jogador que mais fez meu finado avô feliz na vida: Zico!
Nos cumprimentou e pude, enfim, lhe entregar o quadro.
Alguns minutos depois, o ex-jogador Ailton, camisa 8 e pulmão daquele Flamengo de 1987, chegou para ver a obra, já que ele também fora pintado.
Dei lhe um abraço apertado, tiramos algumas fotos e falei do amor que meu velho avô nutria por ele na região serrana de Nova Friburgo.
Ele sorriu e juntos penduramos o quadro em uma das paredes do clube do qual ele é dono.
Ficamos pouco tempo ali em virtude dos seus compromissos pessoais.
Deu tempo ainda de pedir para autografar algumas camisas rubro-negras e fazer uma matéria com o Aílton que em seguida foi embora.
Saí dali, nos despedimos, fui ao estacionamento pegar meu carro em passos modorrentos e pensando na alegria que meu avô estaria sentindo de tudo aquilo.
Ah… como eu queria que ele estivesse aqui!
Porém, naquela segunda-feira, 16 de janeiro de 2017, olhei para o céu e agradeci a Deus por ter me proporcionado viver aquela história.
Foi ali, inesperadamente, que aquele instante se transformou em um grande momento, quando senti uma leve brisa tocando meu rosto em forma de resposta:”Meu neto, estou aqui!”.
JOGOS HISTÓRICOS
por Otavio Leite
Brasil 2 x 0 União Soviética – 1958
Protagonistas: Pelé, Garrincha, Vavá, Didi, Lev Yashin e Igor Netto
Um adolescente infantilizado e um driblador irresponsável.
Dá para ganhar a Copa do Mundo apostando nessa dupla?
O técnico Vicente Feola é claro: a resposta é não.
Já os mais experientes do time, Didi, Nilton Santos e Bellini veem de maneira diferente.
É hora de ousar. De apostar no improvável, no inimaginável, naquilo que os europeus jamais conseguiriam prever e evitar.
É a hora de Pelé e Garrincha.
O adversário, a União Soviética, é a antítese de tudo isso.
Disciplinados, fisicamente preparados como superatletas e com uma abordagem científica do jogo que promete anular qualquer traço de improviso.
Um embate de estilos.
No gol, o grande Lev Yashin, o Aranha Negra, imponente e gelado, sempre de preto. A figura já intimida.
Às 19h, no estádio Ullevi, em Gotemburgo, os soviéticos dão a saída.
O capitão Igor Netto, com sua aparência de agente da KGB, recebe de Ivanov e rola para Kuznetzov. O lateral dá passe longo para Iliyn que tenta forçar a jogada pela esquerda.
É o último momento de paz para a União Soviética.
De Sordi, sem qualquer trabalho, toma a bola e serve Zito – outro que entra no time para nunca mais sair. A bola vai a Didi, que lança Garrincha.
Com uma balançada de corpo, Kuznetzov fica para trás e Mané já está na área. Prefere o chute sem ângulo em vez do cruzamento para Pelé e Vavá que fecham na área.
Mas, de Garrincha, nunca se espera o óbvio. A bola explode na trave e sai.
Os soviéticos se assustam.
No lance seguinte, Mané repete a jogada, mas serve Pelé. O Pequeno Príncipe solta a bomba. Trave outra vez.
Os soviéticos estão atônitos.
Ainda grogues pelos dois golpes, veem a bola chegar aos pés envenenados de Didi.
Cercado por Ivanov e Tsaryov e vigiado por Kesarev, o homem dos passes impossíveis faz com que a bola desfira uma trajetória embriagada que contraria qualquer lei física.
O passe com o lado de fora do pé direito, de curva, põe a bola por trás de seus marcadores e à frente de Vavá, que penetra pelo meio da área.
O artilheiro vascaíno controla de canhota e solta a bomba de pé direito na saída de Yashin. Golaço.
Com apenas três minutos de jogo!
Os soviéticos agora estão apavorados.
Não há resposta científica aos dribles de Garrincha, às arrancadas de Pelé ou aos passes de Didi.
Kuznetzov já não está mais sozinho diante de Mané. Tsaryov e Krijevski correm para ajudá-lo cada vez que a bola chega ao Anjo das Pernas Tortas.
Os soviéticos buscam o empate com Ivanov, que recebe de Voinov na entrada da área e bate seco para a defesa segura de Gylmar.
Com a vantagem, Didi, Zito e Zagallo “escondem a bola” com trocas de passes, esperando os espaços para buscar o trio ofensivo.
O segundo tempo começa com a bola nos pés de Pelé. Toque curto para Vavá e o recuo até Orlando. Novo lançamento para Garrincha. Mais desespero para a zaga soviética.
O domínio é total, mas o segundo gol não sai.
Aos 12 minutos, Didi dá meia-lua em Ivanov e levanta para Pelé, que tabela de cabeça com Vavá. Após quatro toques sem deixar a bola cair, o Leão da Copa domina na pequena área mas é abafado por Yashin.
Outra vez Garrincha desmonta a zaga soviética pela direita. O cruzamento chega até Zagallo, que bate mascado para nova defesa de Yashin.
Aos 32, De Sordi cobra falta para a área adversária. Pelé domina e busca a tabela com Vavá. A dupla envolve Tsaryov e Krijevski com toques rápidos e a bola fica dividida entre Vavá e Kesarev.
O brasileiro chega uma fração de segundo antes e desvia de Yashin para marcar o segundo gol.
Só não consegue se proteger da duríssima entrada de Kesarev, que crava as travas da chuteira na canela do atacante vascaíno.
Uma pancada tão forte que tira Vavá da partida seguinte, contra País de Gales.
O golaço não é apenas o ato final de jogo de Copa do Mundo. É o início de uma nova era no esporte.
A Era dos Supercraques.
Garrincha, Didi, Nilton Santos…
E do Rei do Futebol!
Antes de Pelé, ninguém no esporte jamais recebera um título de nobreza.
Aquela noite no dia 15 de junho de 1958 pôs o Brasil no mapa e mudou para sempre a história do futebol mundial.
Ficha do Jogo
Brasil 2 x 0 União Soviética
Estádio Ullevi – Gotemburgo – 15/6/1958
Público: 51.000
Árbitro: Guigue (FRA)
Gols: Vavá (3 e 77)
BRASIL: Gylmar, De Sordi, Bellini (c), Orlando e N.Santos, Zito, Didi e Pelé, Garrincha, Vává e Zagalo. TEC: Vicente Feola
URSS: Yashin, Kesarev, Krijevski, Tsaryov e Kuznetsov, Voinov, A.Ivanov e V.Ivanov, Simonian, Netto (c) e Ilyin. TEC: Gavril Kachalin
FELIZ ANO VELHO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
O tempo passa, o tempo voa e o futebol carioca continua numa boa!!!! Se os torcedores de Botafogo, Fluminense, Vasco e Flamengo acordaram otimistas no primeiro dia de janeiro bastaram poucas horas para confirmarem que vem mais um ano complicado pela frente.
O Botafogo perdeu Jair Ventura, sua maior estrela, para o Santos, o Flamengo perdeu Rueda, seu elegante líder internacional, para a seleção chilena, o Fluminense deve perder seu principal astro, Gustavo Scarpa, e ainda dispensou Torres, o filho do Capita, para trazer os executivos Marcus Vinicius Freire, ex-COB, e Paulo Autuori. Autuori não é mais técnico, agora é executivo!
Agora todos querem ser supervisores, diretores, gerentes, coordenadores, chefões, algum cargo que seja mais pomposo do que o de técnico. Qual é o resultado disso? A parte administrativa está ficando tão catastrófica quanto dentro de campo. Os clubes dispensam jogadores com a desculpa de reduzir a folha salarial, mas contratam dirigentes ganhando os tubos.
Claro que causa incômodo entre os atletas. Fora isso, muitas contratações são feitas sem o aval do treinador, o que causa mais irritação ainda. Os professores estão em baixa. Abram o olho ou serão reduzidos a pó pelos gerentes de futebol. O Vasco segue com a briga na justiça para saber se Eurico sai ou fica. O noticiário prefere esse tema.
“PC, mas não sobra nada no futebol carioca?”, costumam me perguntar nas ruas. Devolvo a pergunta “Sobra?”.
Qual foi a melhor notícia de 2018 para os cariocas? Falando sobre a qualidade de jogadores me lembro da dupla de zaga do Vasco, Anderson e Breno. Acho boa! No Flamengo, não aguento mais esses Traucos e Mancuellos da vida.
O Scarpa é muito bom de bola, mas deve sair do Rio. Ah, uma boa notícia! O Phillippe Coutinho trocou o Liverpool pelo Barcelona e o Vasco deve ganhar um bom troco pela transação.
Esse, sim, é craque, esse, sim, dá gosto de ver, esse, sim, joga futebol!!! Suárez deve estar comemorando! E o estilo de jogo do Coutinho tem tudo a ver com o Barça, uma cidade linda, ensolarada e com um povo acolhedor.
Me desculpem, mas enquanto ainda houver poetas em campo estarei sintonizado neles! E só neles!
OBRIGADO, ÍDOLO!
por Ricardo Dias
Não gostava de futebol quando era criança. Assisti mais ou menos à Copa de 70, onde foi inaugurada a repetição da jogada. Aparecia uma mensagem na tela: Repet-Replay, e ocorria o milagre tecnológico.
Meu pai me levou ao Maracanã, sentei na arquibancada e prestei o máximo de atenção possível ao vendedor de cachorro quente. Tanto que perdi um gol do Fluminense. Meu pai reclamou, e respondi, com a graça e a leveza de quem entendeu tudo:
– Não faz mal, eu vejo o réptirreplêi.
Mas, em 74, a Copa do Mundo me pegou, e fui à rua jogar pelada. Éramos seleções, times de 3, e a mim coube ser o Cruyff; Caolha era o Neskens e não lembro quem era o kickoff, uma mistura de um termo antigo com os gêmeos Willy e René van der Kerkhof. Éramos a Holanda, pois num acordo tácito, ninguém seria o Brasil.
Um primo de São Paulo estava aqui, e queria ser goleiro. Alemanha, Mayer, pronunciado Méier. Portanto, a Alemanha da Tijuca daqueles tempos virou Méier, Cascadura e Irajá. Bola Dente de Leite, perfeita para esse nobre esporte, pesada e macia.
No ano seguinte, voltei minhas antenas para o meu Fluminense. Francisco Horta revolucionava o futebol brasileiro e montava o time mais repleto de estrelas que jamais vi jogar, começando por Rivellino. Paulo César Caju, na ponta dos pés, era um bailarino, a maior elegância no campo; Mario Sergio, a bola colada nos pés, genial. Cafuringa, o maior driblador que vi jogar (e a pior mira, sejamos justos). Um time inesquecível. E aí sim, passei a frequentar o Maracanã com gosto e atenção (embora ainda gostasse do cachorro quente da Geneal vendido lá).
Isso tudo para dizer que ali tive minha primeira lição de tática. Meu pai, que não liga a mínima para essas coisas (se limita a xingar a defesa, qualquer que seja ela), um dia observou:
– É um timaço, mas quem carrega o time nas costas é o Zé Roberto.
Ali comecei a prestar atenção e concordei com ele: aquele cara suava pelo time todo. Talvez fosse um dos poucos da época que teria vaga direto num time de hoje, tamanha sua disposição e velocidade (claro que todos eles, craques, jogariam, mas teriam que correr mais. Ele, não! Já corria o suficiente). Não tivesse arrebentado o joelho poderia ter sido o polivalente que Coutinho procurava em 78.
Mas voltando ao Zé, ele conquistou a maior honra que um atleta poderia almejar naquela época: jogou no meu time de botão. Pois recebi hoje seu livro, “Memórias de um Ponta Esquerda” (que atrapalhou TODO o meu trabalho, mal recebi e já estou na metade!), e ainda estou no espanto de ver as voltas que o mundo dá.
Aquele garoto gordinho tarado por cachorro quente de 75 está lendo um livro escrito por aquele cara que primeiro o fez pensar que futebol era conjunto, não se resolvia na base do eu sozinho. E que escreve tão bem quanto jogava. Obrigado, Zé!
PS: A capa é que podia ser melhorzinha; a contracapa é muito melhor.
PS2: Na foto, Zé Roberto original e o botão homônimo.