O GÊNIO MUSICAL
por Serginho 5Bocas
Duvido alguém me apontar um jogador de futebol ou se preferir um esportista no planeta terra, que tenha sido homenageado com tantas músicas quanto Zico, o “Galinho de Quintino”.
Além de craque com a bola nos pés, ele possuía um enorme talento e uma luz que arrastava multidões aos estádios e inspirava cantores e compositores a criarem músicas que homenageavam a fera.
Zico ainda jovem conheceu Jouber, ex-zagueiro do clube e treinador da base. Ele foi o cara que revelou Zico para o futebol e o maior incentivador do galinho a treinar cobranças de faltas, que acabou se tornando a especialidade da casa.
♫♫ é falta na entrada da área, advinha quem vai bater, ê, ê, ê….é o camisa 10 da Gávea, é o camisa 10 da Gávea….♫♫
Jorge Ben Jor deu a primeira cartada. Ele que já havia composto o hino “Fio Maravilha”, não deixou passar em branco o sucesso do galinho e fez um “Hit” que entrou para a história, uma linda homenagem para o craque que estreou tarde na seleção brasileira. Em 1976, há poucos dias de completar 23 anos, em jogo da seleção contra o Uruguai em Montevidéu, Zico fez o gol da vitória de 2×1 no Estádio Centenário, de falta, é claro, a especialidade da casa.
Alguns anos depois, veio o tricampeonato carioca de 1979, com o último título invicto, e João Nogueira não teve dúvidas em regravar o grande sucesso de Wilson Batista, “samba rubro-negro”, com uma pequena mudança na escalação. Saem Rubens, Dequinha e Pavão e entram os craques do tri daquele ano:
♫♫O mais querido, tem Zico, Adílio e Adão, eu já rezei pra São Jorge, pro Mengo ser tricampeão….♫♫
Época prospera na Gávea, tempos de recorde de invencibilidade de jogos no Brasil, 52 partidas, que desde 1979, divide até hoje com o Botafogo. Época do assédio incansável dos times europeus para levar o Galinho sem sucesso. Deu no JS (Jornal dos Sports) que Zico assinara um contrato de CR$ 100.000.000,00, um absurdo para a época. Tudo por conta de uma engenharia financeira, um “pool” de empresas, coisa moderna para aqueles dias. Coca-Cola, Caixa Econômica Federal, entre outros se uniram para manter o patrimônio nacional jogando nos gramados brasileiros, uma coisa impensável e impossível para os dias de hoje.
Como nem tudo foram flores na vida do Galinho: corte da seleção pré-olímpica, demora em se tornar titular do Flamengo, morte do amigo Geraldo, derrota na final do Carioca de 1977, banco na Copa de 1978, até mesmo a sua excelente relação com a torcida do Mengão, deu uma forte estremecida, quando no dia seguinte a final do tri Brasileiro de 1983, frente ao Santos em pleno Maracanã, foi anunciado que Zico estava vendido para o pequeno Udinese da Itália. Aquilo desceu “quadrado”, mas Moraes Moreira fez uma música que resumiu precisamente aquele momento indigesto, prevendo o vazio que nós rubro-negros vivenciaríamos a partir dali:
♫♫E agora como é que eu fico, nas tardes de domingo, sem Zico no Maracanã….♫♫
Lembro bem que a partir daquele marco, passei a torcer pelo Udinese sem o menor pudor. Lia tudo que podia sobre o campeonato italiano e me deliciava com os jogos ao vivo do “Cálcio” que passava pela Rede Bandeirantes do visionário Luciano do Valle. Para se ter uma ideia do que foi Zico na Itália, os torcedores da Udinese diziam que Zico era um motor de Ferrari num fusquinha, tamanha musculatura que ele dera ao pequeno time naquela temporada. Hoje posso confessar que a vida não ficou nada fácil naquele “hiato” proporcionado pela ausência de Zico no Flamengo.
Depois da volta do Galo, da volta dos títulos e da despedida do Galinho em Udine pela seleção e do Flamengo no Maracanã, veio centenário do Flamengo em 1995 e a Escola de Samba Estácio de Sá, homenageou o clube da Gávea e por tabela o Galinho Quintino:
♫♫Será que você lembra, como eu lembro o mundial, que o Zico foi buscar….♫♫
O tempo passou e seu nome ficou gravado nos corações e imortalizado na retina dos torcedores rubro-negros e de tantas outras torcidas que sempre o admiraram, independente das cores dos seus clubes. Zico fez 60 anos e aí choveram homenagens. Arlindo Cruz, o sambista carioca e compositor genial, escreveu algumas linhas magistrais sobre o Rei do Maracanã:
♫♫Vi o gênio jogar, e ao balançar as redes, correr pra geral, ai o Zico….♫♫
Um misto de humildade e de reverência a sua própria torcida. Zico fez história porque não corria para provocar o adversário no lado contrário, fazia exatamente o oposto, corria para comemorar junto a sua torcida, demonstrando respeito e uma postura singular.
♫♫Zico é o rei dos humildes, glória do manto sagrado, Deus do povo rubro-negro, luz que brilhou nos gramados….♫♫
A escola de samba carioca, Imperatriz Leopoldinense também reverenciou Zico, comparando-o ao mítico Rei Artur da távola redonda medieval, com seus cavalheiros Adílio, Tita, Raul, Junior, Leandro, já que na companhia desses fiéis escudeiros iniciava as grandes conquistas aos domingos, no grande templo do Maracanã:
♫♫Com seus cavalheiros. Artur se tornava, o rei do templo sagrado….♫♫
♫♫Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe , ô, o show começou. Dá-lhe, dá-lhe, dá-lhe, ô, Um canto de amor
Imperatriz, ô, me faz reviver, Zico faz mais um pra gente ver….♫♫
Alexandre Pires, o mineirinho, ex vocalista do grupo “Só Pra Contrariar”, também fez uma emocionante homenagem, cantando sua relação com o ídolo rubro-negro para o seu filho, que carrega o mesmo nome do gênio:
♫♫Fazia mágica com os seus pés, num tempo em que os jogadores por seus clubes eram fieis…
…A galera explode de emoção Garotinho narra mais um gol, Partiu Galinho de Quintino, atirou , entrou….♫♫
Nesta música, ele conta a relação de fidelidade que havia naquela época entre os ídolos e suas equipes e a emoção de escutar no rádio, um gol do ídolo, narrado pelo trepidante José Carlos Araújo, o garotinho. Alexandre fez Zico disfarçar o choro quando ouviu a música, mas quem viu o vídeo não conseguiu.
Por último, a homenagem séria do humorista Marcelo Marrom, no programa “Altas Horas”, que deixou Zico sem palavras, ao descrever o gênio, que por mais incrível que pareça, mantém a humildade dos sábios, mesmo diante de toda a fama e popularidade:
♫♫Para nós galinho de Quintino, para os japoneses, deus menino. No campo uma lenda e fora dele, um cara normal….♫♫
Não sei se existem mais músicas para homenageá-lo ou tentar descreve-lo, mas sei que para mim, ele nunca precisou de homenagens, Zico foi um divisor de águas rubro-negras em minha vida:
“Nunca fui tão feliz antes, nem depois de Zico jogar”
Parabéns ao Messias Rubro-negro!
E quanto a vocês? Conhecem algum craque que tenha sido tão musical quanto o Galinho? Conta pra nós!
IMAGEM É QUASE TUDO
por Serginho 5Bocas
Se existisse uma máquina do tempo que nos transportasse de volta ao passado, só para ver in loco aqueles jogadores que tanto ouvimos falar pelos nosso pais e amigos mais velhos, e que não podemos nos deliciar com suas jogadas de almanaque através das imagens captadas pela nossa retina, ali bem de pertinho. Eu queria experimentar essa viagem.
Quem nunca ouviu histórias deliciosas de craques do passado que nos fez imaginar do nosso modo, como numa folha de papel sendo desenhada aos poucos, cada passo da jogada espetacular em curso?
Fico aqui pensando, como seria uma bicicleta de Leônidas ou imaginando quanto inédito era o posicionamento de Tim, que por ter a fama de comandar o time em todo o campo, ficou conhecido como o “peão”? Quem sabe assistir de pertinho aos três minutos assombrosos de Garrincha contra a poderosa U.R.S.S. na Copa de 1958 ou o massacre que a Holanda propôs aos uruguaios na Copa de 1974?
A falta quase completa de imagens não nos permite avaliar com mais clareza a grandeza dos craques daquela primeira metade do século e boa parte dos que jogaram na segunda, mas ainda assim, é comum ver discussões acaloradas sobre quem foi o melhor de todos os tempos, como se fosse possível definir algum critério objetivo e justo para uma comparação deste porte. No final, a força da resenha é que prevalece, afinal de contas, bom senso cada um tem o seu e olhe lá.
Talvez, por não haver a TV com mais imagens daquela época, ouço muita gente boa dizer que no futebol de hoje não haveria vez para os dribles de Garrincha, só que esqueceram de combinar com Messi e Neymar que dão dribles a torta e a direita, jogando por terra essa argumentação tão pobre e sem imaginação. Lamentável o pessimismo de certas pessoas.
Outros dizem que Pelé só fez mais de mil gols porque jogava numa época em que se amarrava cachorro com linguiça, outro argumento pra lá de preguiçoso, pois senão, alguém me responda por que só ele fez essa enxurrada de gols naqueles anos de glória? Não havia mais ninguém para aproveitar aquele “mamão com açúcar”?
Romário veio comprovar que muitos estavam errados sobre Pelé alguns anos depois, fazendo mil ou quase isso, tanto faz, mesmo tendo enfrentado esquemas muito mais defensivos do que na época do Rei e com muito mais gente disposta a não deixar jogar. Então me digam, como defender a tese? Se novamente o Baixinho foi o único em sua geração a conseguir?
Não é saudável comparar jogadores de épocas diferentes, mesmo tentando utilizar os critérios mais objetivos possíveis, sempre haverá uma ponta de injustiça ou subjetividade. Um exemplo disso é a eterna pergunta sobre quem foi melhor: Maradona x Pelé? Que muitos teimam em comparar. Jogaram em épocas distintas, enfrentaram adversários diferentes, jogavam em posições diferentes e com certeza em clubes que ajudaram ou atrapalharam uma comparação mais legitima. E ai, como é que fica uma comparação entre os 2 monstros, juro que tenho a minha, mas não conto. A TV não ajudou mais uma vez.
De bate pronto, responda se for capaz:
Quem corria mais? Zé Sergio ponta esquerda do São Paulo, Euller o filho do vento do Vasco ou Bale do Real Madrid?
Quem chutava mais forte? Pepe o canhão da vila, Rivelino a patada atômica, Nelinho do cruzeiro, Eder do Atlético ou Branco do Fluminense?
Quem foi mais habilidoso? Ipojucan, PC Caju, Leandro, Mario Sergio, Djalminha, Felipe ou Ronaldinho Gaúcho?
Que tal ficar com todos?
A TV nos trouxe o irreversível conforto de ver o jogo em casa, ajudou decisivamente na globalização do futebol, ou seja, foi definitivo na melhora do jogo dos mais fracos, dos sem “know-how” e, com isso, reduziu as diferenças de qualidade entre as equipes. Mas tem grandes imperfeições, como a questão do vídeo-tape de 35 câmeras no estádio. Árbitros ficaram mais burros ou desonestos por conta desta parafernália tecnologia que povoa os campos e hoje tem muita gente ganhando uma grana preta, comentando o que você já sabe porque viu ou, pior, o que você e nem ninguém viu, mas ele diz que viu com a maior cara-de-pau.
Já o DVD, que é largamente utilizado por empresários para vender os seus “produtos”, apesar de toda a tecnologia envolvida que teoricamente poderia melhorar a transparência, teve efeito contrário, pois abriu brechas para as edições mal intencionadas, para o ilusionismo dos donos do jogo e tirou boa parcela da graça do jogo, que quando visto fora de época, pode ter um efeito colateral, como descreve muito bem o craque das letras, que também foi dos campos, Tostão, em seu livro “A perfeição não existe”.
Segundo ele, o Brasil de 70 não foi perfeito, mas espetacular e irresistível para aquela época. A perfeição só existe na imaginação:
“A seleção de 70 teve um grande defeito: seus jogos são constantemente reprisados pela TV. A imagem destrói a fantasia, que é sempre melhor que a realidade. Proponho que todos as fitas sejam queimadas para que no futuro permaneça a lenda: “Existia no futebol um time perfeito. O do Brasil campeão mundial de 70”
Mesmo com todos os prós e contras é indiscutível a importância dessa telinha em nossas vidas, goste ou não, ela veio pra ficar e é uma pena que não exista há mais tempo.
Ah se eu tivesse uma máquina do tempo… nem sei que jogo veria primeiro.
A SEGUNDA PELE
por Sergio Pugliese
A professora vascaína do Externato Coração Eucarístico, no Flamengo, curiosa em saber os times de coração de seus pimpolhos iniciou uma enquete: “Vascão!!!”, gritou o risonho, “Fred!!!”, animou-se o tricolor bochechudo, “Mengoooo!!!”, caprichou o comprido, “Loco Abreu!!!”, acenou o botafoguense, “Ajax!!!!”, bateu no peito Diego Parente, de 4 anos. A “tia” enrugou a testa e pediu mais detalhes.
– É o melhor time do mundo – resumiu.
A pueril marrinha era apenas reflexo da assumida marrona do paizão Victor Parente, de 41 anos, pioneiro do Ajax do Aterro, time fundado em 1988 por amigos do Colégio Santa Úrsula em homenagem ao esquadrão holandês. De cara, ganharam o Campeonato do Aterro, na fase pós Jornal dos Sports. Participaram de 106 torneios, ganharam 50, jogaram 1.500 vezes, venceram 1.085, empataram 179 e “foram prejudicados” em 236. Marcaram 7.815 gols e sofreram 4.204.
– Quase todos irregulares – afirmou o goleiraço Fábio Guimarães, o Mamão, há 20 anos defendendo as cores do azul e vermelho.
Acir retoca a tatuagem de Mamão. No fundo, os irmãos Alex e Victor ao lado de Simão exibindo o seu escudo tatuado no braço.
O arquivo ambulante do grupo é Alex Parente, de 33 anos, irmão de Victor. Ele também tem sido o responsável pela renovação do time, mas quem continua fazendo comida boa é a rapaziada da panela velha. O vascaíno Victor é o artilheiro e marcou 1.428 gols nesses 24 anos de estrada, “quase todos merecedores de estátua”. Não, eles não são marrentos! A frase “O melhor time do mundo”, estampada no verso da camisa, é apenas uma lição de humildade. Eles não têm qualquer culpa por não encontrarem adversários a altura e não perderem há 18 meses!! Só após muita insistência revelaram cinco grandes rivais: Ellite, do talentoso PH, Ark, dos geniais irmãos Duda e Lelê, Geração 2000, de Dudu, Leo, Aureliano Bigode e Reyes de Sá Viana do Castelo, hoje camisa 13 da equipe A Pelada Como Ela É, Bussanha, do Roberto, e Juventude do Aterro, do craque Fábio. Sobre esse último, a lembrança da memorável final, em junho de 2011, às 22h, no campo 4, pela final do Campeonato da Liga do Aterro: 4×4 e vitória de 3×1 nos pênaltis.
– Foi um dia especial em nossa história – comentou Luiz Sabino, o Simão, autor de um dos gols e outro panela velha do grupo, há 21 anos no Ajax.
Os outros foram marcados por Rafael, Luís Perna e Antônio Jr. Nos pênaltis, Perna, mais um, Batista e Rodrigo He Man liquidaram a fatura. A comemoração na barraca do Gaúcho, no próprio campo, varou a madrugada, mas para Simão partida marcante mesmo foi contra o Dínamo. O primeiro tempo terminou 4×0 para os rivais. No início do segundo fizeram outro, mas o jogo terminou 6×5 para o Ajax, com cinco gols de quem? Claro, do próprio! Como costuma dizer Seu Walter, craque dos saudosos Vasquinho de Olaria e Cruzeiro do Sul, de Petrópolis, “quem não tem dinheiro, conta história”. Ricardo Gaspar, Marcelinho, Vitinho, Claytinho, Batista Lambreta, Eduardo Parada, Diego Camargo, Luís Augusto, Miguel, Breno e Marcos Marreco se divertem! E tem mais, hein!
– Disputamos um campeonato em que a fase final foi no Maracanã e ganhamos quatro jogos lá – contou, orgulhoso, Alex, observado pela mulher Michelle, grávida.
Melhor pular a parte em que o craque aproveitou uma soneca da amada e foi jogar bola em plena lua de mel. Bem, o que importa é que ela está grávida! Ah, também teve o jogão contra a banda Iron Maiden, em 2001. O baixista Steve Harris marcou três, mas levou uma sacola cheia para a Inglaterra: 13 gols. Certamente pagou por excesso de bagagem. Volta e meia o Ajax também joga contra peladeiros argentinos, numa espécie de intercâmbio. Doze a zero foi o menor cartão de boas vindas. Uma história rica dessas, claro, foi gravada em DVD e exibida em sessão prive, no Artplex, de Botafogo.
– Um espaço cult porque somos cults – explicou Victor, que gaba-se por ter convencido o radialista José Carlos de Araújo a gravar num estúdio um de seus gols.
Na site do time o número de acessos já atingiu a marca de meio milhão, mas eles não têm limites e querem muito mais. Na verdade, essa marra é amor. Um amor avassalador! Na semana passada, marcamos com eles num salão de beleza, no Flamengo. Iam retocar as tatuagens com o escudo do Ajax desenhadas por Acir. Estavam no estúdio, Alex, Victor, Mamão e Simão, mas Marco Aurélio, Daniel, Otair e Neto também rasgaram a pele com a marca dessa incontrolável paixão, que passam adiante na escolinha da Tavares Bastos, um belo trabalho social. O líder do grupo, Victor Parente, já enfrentou seis cirurgias no joelho, mas continua correndo atrás da bola, provocando os rivais com divertidos desafios. Agora, finaliza um livro, sonho antigo que pode até não superar Paulo Coelho na lista dos mais vendidos, mas contará a fantástica história de amigos de infância que cresceram obcecados por vitórias, ganharam fama no Aterro do Flamengo e hoje formam o maior time do mundo.
DOIS CHICOS E UMA BATALHA EM ROSÁRIO
por Marcelo Mendez
“A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta,
o primeiro amor”
O primeiro Chico
Era comum nas manhãs de domingo, a gente acordar cedo na casa da Tia Leonir com a prima ouvindo música. Embora já morando na Rua Tanger, eu vivia no quintal da Avenida das Nações e costumava ficar por lá de sábado para domingo. Levaria mais tempo para eu desgarrar dos primos, das primas e que barato era acordar com o rádio ligado, minha prima Miriam cantarolando as canções que tocavam.
Eu não sabia que esses versos eram da música Flor da Idade, mas já sabia que era de um cara de olho azul que tanto minhas primas, quanto minha mãe e também meu pai, adoravam. E o nome dele era Chico, Chico alguma coisa…
“Chico Buarque, Marcelo, já vai aprendendo…” – dizia a Miriam, quando eu perguntava, ao chegar na mesa de café da manhã. A música era linda, tinha um arranjo de cordas lindão, uma melodia bonita e no final tinha uma tal quadrilha que todo mundo amava. Achava muito delicado. Mas acordar ouvindo essa música foi a única coisa delicada daquele domingo. Meu primo mais velho, o Tine, tratou de avisar logo cedo, na hora do café.
– Caramba, hoje vai ser duro, gente. Vamos enfrentar os Argentinos lá na casa deles!
Foi dessa forma, em 1978, que eu descobri o que significava um Brasil x Argentina. Da melhor forma…
O segundo Chico:
Eu já estava me acostumando com essa tal coisa de Copa do Mundo tomar pra si todas as atenções. Mesmo aos 8 anos já dava para sacar que se tratava de algo muito importante para maioria dos brasileiros e em 1978 mais ainda.
Mas naquele domingo tava diferente.
Na hora do almoço nosso, a mesa cheia de gente, os garfos tilintando e só se falava do jogo, que diferente dos outros, seria à noite, atrapalhando o Fantástico e o programa do Silvio Santos, para protestos de minha mãe. A grita entre os tios era grande:
– Mas de que jeito vamos vencer esse jogo? Não tem Rivelino, não tem Zico, não tem Cerezo, não tem Reinaldo e esse maldito desse técnico não levou o Falcão! – reclamava Tio João, enquanto mordia uma coxa de frango.
– Calma, vai jogar o Chicão. Não vai passar nada! – tentava acalmar, Tio Marinho
– Ah, mas você ta louco, Marinho? Comparar o Falcão com esse tal Chicão! Faça-me um favor! – respondia meu Pai.
E a briga por conta dessa escalação fez parte de todo o dia de domingo. Enquanto as Tias faziam o rango da noite, as cervejas eram compradas os guaranás caçulinhas chegavam, eu ouvia todo mundo esculhambando a escalação do Chicão. Mas a hora do jogo finalmente chegou.
E só meu Tio Marinho, tinha razão…
Dentre os Chicos daquele domingo de 1978, o mais importante…
Eram oito da noite em ponto quando o jogo começou.
O clima em Rosário era bélico. Estádio pequeno, abarrotado, o jogo que era pra ser em Buenos Aires foi levado para lá e ao longo do dia, vi meus tios falando sobre isso, alegando que havia uma armação para tentar intimidar o time brasileiro.
Via televisão, eu pude ver toda a festa bonita do povo argentino. Achei lindo aquele monte de papel picado no campo e ao contrário da grande maioria, não sentia raiva deles. Alguma coisa de lá me aproximava daquele povo cabeludo, que eu ainda não sabia. Descobri depois…
A partida era dura.
Ouvi dizer que deveríamos tomar cuidado com um tal de Kempes, que o primo Zé Carlos me disse que era o camisa 10. Tio Zézinho me falou que tinha um outro muito maldoso, de nome Luque, que jogava com a 14. Fiquei atento, mas rapidamente vi que eles não seriam o problema.
Tínhamos o Chicão!
Na primeira bola do jogo, disputada entre o tal Kempes e o nosso Chicão, o camisa 21 do Brasil, jogou pro alto o cabeludo camisa 10, esparramando chuteira pra um lado, cabelo pro outro, tudo!
Na reclamação, o tal Luque, o outro, veio e o Chicão deu nele uma bifa e o encarou forte mesmo. O moço que Tio Zézinho disse ser bravo, não me pareceu tanto não.
A partir dalí, começava a se escrever uma das melhores histórias do super clássico das Américas. Chicão, o camisa 21 que ninguém queria, fez um risco imaginário na cabeça da área do time brasileiro e por ele não passou nada. O jogo, muito aquém do que todos esperavam, acabou 0x0 com poucas chances pra ambos os lados. Mas o destaque daquele dia foi o Chicão:
– Eu falei pra vocês que com o Chicão argentino nenhum ia se crescer, não falei? – Reivindicava Tio Marinho:
– Grandes coisas, Marinho. Agora com esse 0x0 vamos ter que depender de outros resultados! – retrucava meu pai.
– Ta bom, Mauro. Mas que o Chicão jogou demais, ah jogou!
Eu não sabia dizer naquela altura da minha vida de menino se o Chicão havia jogado muito, ou pouco. Mas daquele domingo, saí com uma certeza:
Entre o Chico que começou o dia e o Chico que terminou, o segundo que veio com tardar da noite foi muito mais importante…
CORAÇÃO PELADEIRO
por Rubens Lemos
Esguio, elegante, evitava as divididas. Driblava com desprezo e suavidade. Abominava os trancos, os choques com zagueiros e volantes. Crueldade e despeito, parte dos adversários, torcedores do Corinthians e a imprensa tascaram-lhe um apelido cruel: “Pipoqueiro”, o covarde do futebol.
Virou bordão no programa de Jô Soares. Quando havia piada de casamento, o padre fazia as recomendações matrimoniais e perguntava, olhos esbugalhados, aos noivos: “Prometam jamais pipocar Jorgemendonçalmente!”. Jorge Mendonça deva o troco marcando de trivela ou de falta no Corinthians dos abomináveis goleiros Jairo e Tobias.
Jorge Mendonça vestia a camisa 8 do Palmeiras na segunda metade dos anos 70. Veio do Náutico, de Recife, para a ponta-de-lança palestrina. Juca Show, Vasconcelos e Jorge Mendonça foi um meio-campo dançado em ritmo de frevo de Capiba. A bola entregou-se ao triângulo amoroso na volúpia da paixão cega.
O Náutico impediu o hexa (seu luxo e sua exclusividade), acabando o reinado do Santa Cruz, mantido pelos dólares do inglês James Torp. Torp e a mulher, Carmen, até hoje são reverenciados pela Velha Guarda do Santinha de Givanildo, Luciano Coalhada e Betinho.
Chegava ao crepúsculo a Academia do Palmeiras que decidiu comprar Vasconcelos para o lugar de Ademir da Guia, o Divino Mestre. Jorge Mendonça foi como contrapeso. Deixou Recife trocado por Toninho Vanuza, esquecido nos arquivos.
Vasconcelos sentiu a responabilidade da camisa 10 e da força de Ademir da Guia, o melhor jogador do Palmeiras em todos os tempos, o falso lento em ritmo de samba de Adoniran Barbosa. Hábil e veloz, era a contradição de um estilo que havia virado mantra nos corações seduzidos pelo antecessor. Vasconcelos terminou ídolo chileno, dando shows pelo Palestino.
Jorge Mendonça assumiu o trono sem caprichos e uma gana de goleador implacável. Sua colocação desnorteava zagueiros, suas arrancadas em toques curtos e fintas desconcertantes sentavam marcadores. Parecia cabecear com mira telescópica.
Tornou-se o astro e o artilheiro do time campeão em 1976 e que passaria 17 anos em jejum. Jorge Mendonça resistia a todas as tempestades e à turba de corneteiros italianos que sempre rondou o Parque Antártica.
Sua ideologia era o futebol-arte e imponente da própria letra do hino do Verdão. Barrou Zico na Copa da Argentina.
Em seu último ano pelo clube, em 1979, formou com Pires e Mococa um meio-campo que humilhou o Flamengo do Galinho em pleno Maracanã numa goleada de 4×1.
Jorge Mendonça fez o primeiro e armou os outros três. Parou no Internacional de Paulo Roberto Falcão, tricampeão invicto.
O técnico do Palmeiras era Telê Santana. O óbvio ululante da magia e da graça no futebol brasileiro.
O homem sem medo de atacar, de buscar o gol , de ousar acima do medo nunca deixou de ser, na contramão dos seus conceitos ofensivos e
ilusionistas, um turrão, um teimoso e um centralizador. Telê Santana foi o melhor técnico brasileiro e discípulo de Zezé Moreira, seu mestre, na intolerância.
Jorge Mendonça era o malandro criado em Bangu, na escola do bicheiro Castor de Andrade. Vedete e rebelde. Artilheiro sensual, de cortes precisos e tabelas área adentro. Não gostava de treinar. Reclamou de Telê. Foi posto à venda.
Veio o Vasco da Gama e o comprou, para fazer dobradinha com Roberto Dinamite, repatriado do Barcelona e outro perseguido por Telê. A dupla não deu certo.
Lá se foi Jorge Mendonça ao Guarani, trocar versos com Careca, que entendia o seu idioma.
Foi artilheiro do Brasil em 1982. Telê, técnico da seleção, vingou-se na paciência e frieza dos mineiros. Não o levou à Copa da Espanha. Seguiu viagem Renato “Pé-Murcho”, meia-atacante que não sabia chutar.
Renato fez três gols em 22 jogos oficiais de camisa amarela. Média de lateral-direito para o reserva imediato da máquina de estufar redes, Zico.
Jorge Mendonça sentiu o baque. Foi derrubado em pleno voo-solo. Definhou. Vagou por times sem tanta expressão. Emagreceu, passou a beber demais, perdeu o que tinha, o destino lhe tirou o amor da família.
Morreu na primeira quinzena de fevereiro de 2006. Pouca gente lembra dele. Tinha que cair na grande área da morte por ataque cardíaco. Nas suas veias corria sangue puro, de coração peladeiro