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A FINAL DA COPA E UMA FESTA JUNINA EM BRAGANÇA

por Marcelo Mendez

Não sabia exatamente o que faríamos em Bragança Paulista naquele domingo.


As pessoas do mundo adulto não se preocupam muito em explicar as coisas da logística para os meninos de 8 anos de idade. Fato é que naquele domingo de 1978, me vi dentro de uma das duas kombis que levariam minha família para um lugar de nome “Água Cumprida” para fazer alguma coisa no interior de São Paulo.

No caminho, prestando atenção nas conversas dos meus tios, descobri que iríamos até lá por conta dos parentes do meu bisavô, a parte espanhola da família, que ao invés de vir para o ABC, ficou pelo interior do estado. E por lá, todos os anos eles faziam uma festa junina ou coisa do tipo. Fiquei mais feliz.

Chegando no lugar, um cenário típico de cidade do interior.

Água Cumprida é, ou era (Não sei se ainda existe como tal…) um bairro de Bragança. Por lá havia uma igreja no alto de um morro, um largo grande rodeando uma praça com um coreto, a casa dos tios e um campo envolto num enorme bambuzal. Por conta da festa, dos bailes e cantorias, não havia atividades no campo de futebol e as atenções do dia ficaram todas centradas nos tais festejos.

Daquela maneira, passamos o nosso domingo sem saber de muita coisa do que havia, até que Tio Zezinho, lá pelas 16h anunciou:

– Pessoal, encontrei um bar ali com uma TV. Vai dar para ver a final da Copa!

– Ah, Zé… Não quero mais saber de nada desse torneio roubado, não! – falou meu tio João, ainda sentindo as dores do que havia acontecido no episódio do 6×0 da Argentina no Peru, que nos tirou do certame:

– Oras, deixa de besteira, João. É uma final…

– Zé, não quero saber. E outra, você vê la que a gente vai sair daqui umas 18h, hein!!”

Meio que contrariado meu tio saiu rumo ao bar. No meio do caminho ele me viu:

– Marcelo, vem comigo ver o jogo. Te pago uma coxinha e um guaraná caçulinha!


Muito mais persuadido pela barganha da coxinha com o guaraná, do que pelo espírito de corpo e solidariedade com o tio, fui com ele. Chegamos na hora da entrada dos times em campo e achei bonita toda aquela festa do povo Argentino. O jogo foi emocionante.

No tempo normal, 1×1 e uma bola na trave da Argentina, chutada por Rensenbrink aos 45 do segundo tempo. Por muito pouco a Argentina não perde ali as suas chances de sonhar. Mas a partida foi para prorrogação e então, o cabeludo que não gostávamos, de nome Kempes, acabou com o jogo que acabou em 3×1 e a Argentina conseguiu seu caneco.

Depois do jogo, me lembro muito mais das broncas todas que Tio Zezinho levou, do que de alguma resenha sobre o ocorrido. Por conta de a gente ver o jogo, a volta da família para Santo André demorou mais ainda.

No caminho, eu pensava nisso que havia terminado. Foi a primeira Copa que eu vi, o Brasil que não perdeu para ninguém, ficou em terceiro lugar, um dia antes havia vencido a Itália e não houve festa como de costume. Entendi que para os meus iguais Brasileiros não havia meio termo em se tratando de Copa:

Ou ganha, ou não vale nada. Mas isso era apenas uma impressão de menino.

A próxima Copa me mostraria que nem sempre é assim…

Duílio

LÍDER DENTRO E FORA DE CAMPO

texto e fotos: Matheus Gevaerd | vídeo e edição: Elis Brasil 

Duílio Dias Junior ensina ao menino de cabelos negros, filho de amigos, o posicionamento defensivo de um zagueiro, cacoete que não perdeu mesmo de chinelo de dedo, bermuda e camiseta. O aluno observa atento o gestual e os conselhos de quem viveu mais de duas décadas na posição, chegando inclusive à seleção:

– Você não pode dar espaço para o atacante. Se ele tiver uma brecha, ele vai girar em cima de você. Aí já era! – apontando a distância correta enquanto é observado pelo aprendiz.

Duílio sempre gostou do papel de professor. Quando ainda era jogador, tinha como características a liderança e seriedade em campo, algo que fez com que se tornasse uma referência para os mais jovens que jogavam ao seu lado. Não à toa era capitão no Fluminense e foi justamente no time carioca que teve um dos alunos que mais se destacaram na posição durante a década de 80: Ricardo Gomes.

Na época, Ricardo ainda era um jovem jogador que havia acabado de sair dos juniores e, para ele, era uma honra subir e formar uma parceria com Duílio, jogador que tinha admiração. Quando finalmente teve oportunidade no time principal, acabou se firmando na zaga do Fluminense em 83 e ao lado de Duílio, conquistou o bicampeonato carioca de 1983-84 e o Campeonato Brasileiro de 1984. Ricardo destaca que o companheiro tinha características bem marcantes:

– Quem observava via um jogador muito concentrado e determinado em campo, mas por trás ele também tinha muita técnica.

A parceria dos zagueiros não era apenas dentro de campo, eles também eram companheiros de quarto e se tornaram grandes amigos, mesmo após a saída de Duílio do Fluminense em 1985. Para estreitar os laços, Ricardo foi escolhido para ser padrinho do primeiro filho de Duílio, fato que mantem o contato dos dois até hoje. Por acaso, atualmente os antigos companheiros se tornaram adversários na carreira de treinador, caminho que ambos optaram após a aposentadoria dos gramados.


A carreira de Duílio como técnico começou justamente no Fluminense, ainda como interino. Depois aventurou-se por países distantes, como Kuwait, Cazaquistão e Emirados Árabes Unidos. A distância da família era sentida e, em alguns casos, a esposa e os filhos se mudavam para os locais que iria trabalhar, mas nem sempre os clubes aceitavam esse pedido de imediato. Como no Cazaquistão, onde somente após uma reunião com o presidente do time a família pode ir em definitivo para o país em que Duílio já era treinador há aproximadamente seis meses. A reunião ainda foi determinante para o futuro da equipe no futebol nacional:

– Falei que precisávamos colocar o time na primeira divisão para verem o trabalho que estávamos realizando. Ele fez um telefonema e colocou o time na primeira divisão. Foi muito rápido, fiquei meio sem reação. Depois fiz um último pedido, que era para minha mulher e meus filhos virem para o Cazaquistão.

No entanto, a estadia da família durou pouco pois o presidente do time deixou o treinador em uma situação complicada. Duílio teve que escolher entre a permanência de um dos dois filhos na categoria de base do clube. Fato determinante para que decidisse mandar a esposa e os meninos de volta para o Brasil, após um ano e meio no país asiático. 

Graças à vida de andarilho da bola, sua volta em definitivo ao país de origem só ocorreu em 2011, ano em que dirigiu os times do Serrano e Nova Iguaçu, do Rio de Janeiro, e o Rio Branco, do Espirito Santo. O último lhe renderia o momento de maior gloria em território nacional, anos depois, no estádio Kléber de Andrade, em Cariacica/ES.

No gramado daquela tarde, Duílio via um trabalho de mais de 15 anos gerar um inédito título estadual no Brasil: Campeão Capixaba de 2015. Apesar de possuir muitos momentos de glória como jogador, na carreira de técnico essas conquistas não são frequentes. Muitas vezes, o acaso precisa ajudar o treinador, algo que aconteceu nesse episódio. O Rio Branco nem iria disputar a Série A, ficou em terceiro na Série B do ano anterior, mas acabou herdando a vaga do Colatina que de última hora desistiu do campeonato. As chances de título eram mínimas, graças ao elenco reformulado e o baixo investimento. Para surpresa de todos, porém, o Rio Branco fez uma ótima campanha que levou o time à final estadual.

Dessa vez, no entanto, Duílio não estava sozinho. O filho Bruno, o mesmo que Ricardo Gomes é padrinho, prometeu ao pai que se o time fosse para a final, ele deixaria a esposa grávida em casa e iria até o Espírito Santo assistir à decisão ao seu lado. E assim foi, como um aluno determinado a seguir seu professor. Porém, tudo parecia conspirar contra essa escolha:

– Eu ia chegar lá no dia do jogo e voltaria no dia seguinte. Cheguei no avião e não subia de jeito nenhum! Ficava dando voltas na pista até subir. Quando vem chegando no Espirito Santo, olho na janela vejo o tempo feio, parecia filme de terror no avião! – Bruno comenta às gargalhadas o episódio.

Engana–se quem pensa que terminaram por aí as dificuldades. O ônibus do Rio Branco ia sair em cinco minutos em direção ao estádio e Bruno tinha acabado de deixar o aeroporto. O filho e o técnico foram se falando por telefone enquanto o motorista corria para chegar a tempo do jogo. Curiosamente, também era torcedor do time e ia assistir à partida no estádio.

No fim, Bruno conseguiu pegar o ônibus da delegação e foi junto com a equipe para o estádio Kleber de Andrade em Cariacica, local da decisão estadual. No entanto, não conseguiu ficar no campo com Duílio, seu principal desejo, e acompanhou boa parte do jogo na arquibancada com o presidente do clube:


– Colei no presidente! Ele tinha três fitas douradas na mão que davam acesso ao campo, todo mundo querendo entrar. Eu precisava da fita. Quando ele abriu os braços, eu fui lá e peguei uma. Ficou gente sem. Queria nem saber, essa fita era minha!

Com o fim da partida, após o empate em 1 a 1 que dava a taça ao Rio Branco, em meio ao clima de festa, Bruno saiu determinado a cumprir sua principal missão e encontrar o pai. Atravessou toda a arquibancada, enfrentou o segurança da escadaria principal, mostrou a pulseira dourada que tomou do presidente e desesperado abraçou Duílio. A correria foi tanta que chegou inclusive antes dos repórteres que estavam na beira do gramado e registraram o momento de emoção entre os dois, que agradeciam emocionados ao título inédito conquistado pelo técnico.

Esse foi o último titulo de Duílio como treinador, que hoje, comanda o América-RJ. Essa é sua terceira passagem pelo clube, onde já atuou como jogador na conquista da Taça dos Campeões em 1982. O Mecão disputa o Grupo X do Campeonato Carioca, que classifica os dois primeiros colocados para a Seletiva Estadual em 2019:

– Eu já escutei um treinador falar o seguinte: ‘Se derem um pedaço de grama e duas bolas para um treinador brasileiro, ele monta uma seleção’. O treinador brasileiro é muito bom, seja qualquer área que ele fizer! – finaliza com um sorriso, marca do zagueiro que levantou taças por onde passou.

OBRIGADO, VALENTIM!


Conhecido carinhosamente pelos colegas de profissão como “professor”, o repórter fotográfico Raimundo Valentim morreu na madrugada desta segunda-feira.

Formado na Faculdade de Comunicação Hélio Alonso (FACHA), Valentim iniciou sua carreira em 1979 e, com belos trabalhos nos jornais O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, Estadão e O Globo, deixou saudades por onde passou. Em Manaus, trabalhou nos jornais A Crítica, Estado do Amazonas, Diário do Amazonas e Em Tempo.

Uma das fotos mais famosas de Valentim registra o exato momento de um lance polêmico que rende resenha até hoje, 19 anos depois. Trata-se do gol de Maurício, após empurrão em Leonardo, que deu o título carioca do Botafogo em 1989.


Assim como os grandes gênios do futebol, o fotógrafo tinha um olhar apurado e parecia antever as jogadas para fazer os mais belos cliques.

VERSÁTIL RAMÓN TOCAVA TROMBONE E FAZIA GOLS

por André Felipe de Lima


Nesta segunda-feira, 12, é aniversário do centroavante Ramón, que brilhou no Santa Cruz e no Vasco ao longo da década de 1970. Um ídolo de duas grandes torcidas que merecerá, sempre, o nosso aplauso!

Foi ele, embora notório centroavante, o meu “ponta-esquerda” titular no time de botão, disputando ferrenhamente a posição com Zé Sérgio. O bom e velho Ramon, que nos tempos de meninice, bem curtidas na Usina do Trapiche, em Sirinhaém, na Zona da Mata, a cerca de 60 quilômetros de Recife, (vejam só!) tocava pistão e trombone na bandinha local. Mas foi com a bola de futebol que ele melhor “tocou”. Fez futebol por música… e, claro, gols. Foram cerca de 150 pelo Santa Cruz. Marca que o deixa entre os maiores goleadores da história do clube, junto com o célebre e mítico Tará (dos anos de 1930 e 40) e o Luciano “Coalhada” Veloso, que também brilhou no Corinthians na década de 1970.


Mas Ramon, por pouco, deixaria de ingressar na carreira de jogador de futebol. Amaro Evilásio, pai dele, um farmacêutico e ex-presidente da Câmara dos Vereadores de Sirinhaém – e que também apitava algumas “peladas” de vez em quando -, não o queria como jogador. Para o “velho”, o rapaz tinha de permanecer estudando na Usina e mantendo o emprego de ajudante de torneiro mecânico. Para Amaro, o garoto era melhor tocando na bandinha durante procissões da igreja ou em bailinhos que rolando uma bola na terra batida do campo da cidade. Foi, contudo, Dario, que jogou pelo América de Recife e Sport, que convenceu o pai casca-grossa de que Ramon era bom de bola e que tinha espaço garantido no Santinha. Bastaria subir num ônibus para Recife baixar no Arruda. O pai (graças a Deus…) topou.

Pelo Vasco, Ramon, que foi o primeiro jogador de clube pernambucano a ser artilheiro do Campeonato Brasileiro (marcou 21 gols em 1973), foi campeão carioca (1977) e goleador, junto com Roberto Dinamite e o “cobra” Paulinho, que não tinha muita pinta de jogador, mas fazia gol pra burro.


(Foto: Adriana Soares)

Naquele longínquo fim da década de 1970, nos cartõezinhos da coleção “FutebolCards” tinha entre os vascaínos o do Ramon. Lá, ele comentara que seu sonho seria um dia ver seu filho formado. E aí, o garoto se formou, Ramon?

Como faz falta um centroavante como Ramon hoje em dia… foi ele um ‘cabra’ marcado para fazer gols!

ALGUNS VÍDEOS SOBRE O GOLEADOR RAMÓN

 

 

LENDAS DE UM VESTIÁRIO

por Zé Roberto Padilha


Delei foi um daqueles raros gênios a habitar nosso meio de campo que não precisava correr com a bola. Tinha como marca registrada uma cavadinha que a levava com precisão, como naquela configuração gráfica do Messenger, dos seus pés até o espaço em que o Aldo de um lado, e o Branco do outro, ocupariam nas costas dos laterais para colocar a bola à feição das cabeçadas do Washington. E do Assis. Mas após o tricampeonato de 1985, dizem pelos vestiários, que ficam impregnados de histórias e estórias, nosso craque deu uma relaxada. E a noite, implacável, superou o treinamento do dia e aí as pernas não aguentavam mais enviar precisos Messenger para ninguém.

E o supervisor do Fluminense, Roberto Alvarenga, sempre muito correto e profissional, passou a cobrar dele uma dedicação maior. Primeiro com o atleta, depois com o grupo e mais tarde junto à imprensa. E Delei acabou barrado e saiu do time contrariado. E prometeu vingança. Passou a se cuidar e ele, hoje, Deputado Federal, quando aliava condição física ao seu natural talento, não tinha para nenhum Leomir, Renê, ou quem mais rondasse aquela faixa intermediária de campo disputando uma vaga. Em duas semanas, recuperou a camisa 5 e, contra o Botafogo, foi o melhor em campo. Antes, armara na concentração uma pegadinha, tudo combinado com seus colegas de trabalho..


Após a partida, atrasou um pouco seu banho e circulou de toalha pelo vestiário, com seu Motoradio em punho, a amealhar afagos e elogios em meio a festa pela vitória. De soslaio, mantinha o Roberto sob controle, e calculando seu inevitável assédio se posicionou no centro do vestiário. E quando o Roberto lhe alcançou e lhe abraçou, soltou um grito: “Socorro! Me acudam, fui esfaqueado!”. E simulou um gesto a tentar retirar um suposto punhal encravado às suas costas. E se jogou ao chão. Os jogadores, já sabendo da trama, correram a ajudá-lo com toalhas e até o massagista foi em sua direção com sua maleta de primeiros socorros.

Diz a lenda, implacável grudada aos azulejos, sem direito à defesa dos que precocemente nos deixaram cheios de saudades, estejam no céu ou em seu gabinete em Brasília, que Roberto Alvarenga deixou o Maracanã todo sem graça. E nunca mais se meteu com “esta raça” que um dia fiz parte. Que tanta vezes levantava um brinde à mais, chegava em casa um pouco mais tarde, e ao treino da manhã também, como a prever, ao estender seus momentos de glória, a quantidade de dias que passariam esquecidos. A tal facada, do ostracismo, da falta de reconhecimento dos clubes e dos torcedores quando paramos de jogar, esta vai continuar doendo pro resto da vida.