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GESTÃO DE CONFLITOS

por Idel Halfen


O mercado esportivo, principalmente nos países mais maduros, tem apresentado um crescimento extremamente relevante, fato que leva à busca incessante por oportunidades de negócios, entre as quais se incluem as possibilidades para a exposição da marca.

Apesar de não considerar a exposição como o único, tampouco o maior, benefício para uma marca que investe no esporte, não podemos ignorar que a grande maioria das empresas ainda busca esse tipo de contrapartida como indicador de retorno, fato que tem levado a uma busca incessante pela criação de novas propriedades.

É certo que muitas dessas “novas plataformas” fogem totalmente do contexto, mas isso, no meu modo de ver, nem é o mais grave, até porque a frequência de aparições faz com que as pessoas acabem se acostumando. O que considero mais preocupante são as situações que implicam em desagradáveis conflitos de interesses, sem que tenha havido previamente um estudo que ajudasse a regulamentares esses crescentes casos.


No futebol é absolutamente normal ver o Cristiano Ronaldo –  patrocinado pela Nike – usar sem maiores consequências os uniformes do Real Madrid que tem o patrocínio da Adidas, ainda que calce a chuteira da marca norte-americana, visto o item ser de livre escolha por interferir na performance. O inverso acontece com o Messi, patrocinado pela Adidas, mas que utiliza os uniformes do Barcelona que é suprido pela Nike.

Na contramão desse mar relativamente sereno no futebol, vemos na NBA um cenário mais beligerante, onde alguns jogadores tentam ocultar a logo da atual patrocinadora da liga – a Nike – que aparece nas peças e outros como o ala-armador Klay Thompson do Golden State Warriors que em todas as coletivas de imprensa retira da mesa a garrafa de Gatorade que “adorna” o móvel. As inúmeras retiradas do produto renderam uma alta popularidade ao ato. 

Essa atitude tem sua motivação o fato de o jogador possuir o patrocínio de um concorrente da Gatorade, o Body Armor, que já foi tema do blog – http://halfen-mktsport.blogspot.com.br/2014/09/bodyarmor-de-frente-com-os-gigantes.html.

Analisando especificamente esse caso, somos tentados a concluir que a obrigação de se ostentar uma garrafa de isotônico sobre uma mesa de entrevista pós-jogo foge do contexto do evento, mesmo porque o atleta nem aparece consumindo o produto.

Tal iniciativa me parece ser mais um daqueles casos que para se forçar a exibição do patrocinador são “criadas” propriedades que pouco agregam à marca, visto a dificuldade de serem ativadas, e criam constrangimentos aos atletas que com elas não possuem vínculos.


Nesse caso, no entanto, a frequência com que vem se repetindo pode estar sendo interessante para todos, exceto a NBA que fica exposta a uma situação desagradável. A BodyArmor tem seu nome divulgado, mesmo sem ter o produto exibido, a Gatorade, por sua vez, passou a ser percebida por muitos que nem reparavam a existência da garrafa na mesa de entrevistas, enquanto que o jogador chama a atenção da indústria para a necessidade da imposição de limites e respeito à imagem dos atletas nos contratos de patrocínios.

Por mais que possa parecer simples, a elaboração de um contrato dessa natureza requer o conhecimento de todas as propriedades envolvidas e possíveis de serem negociadas entre as partes, sob o risco dos conflitos chegarem num patamar que inviabilize o crescimento do setor.

OS IRMÃOS DA BOLA

Por Marcos Vinicius Cabral

A música “Assim Sem Você”, composta por Abdullah e Cacá Moraes, se tornou um dos grandes hits da dupla gonçalense Claudinho e Buchecha, que por força do destino, chegou ao fim em virtude do acidente automobilístico que vitimou Buchecha, na noite de 13 de julho de 2002, na Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo.

A dupla de músicos que conhecia como poucos as riquezas nascidas do outro lado da poça, certamente teria incluído na letra da bela canção os nomes de Flávio e William, a dupla de boleiros que mais esteve em evidência e fez história em Niterói, nos anos 80
.
Nascido no Barreto, em Niterói, Flávio Henrique Cordeiro de Oliveira iniciou a paixão pelo futebol ainda pequeno, e quando chegava o Natal, colocava na janela de seu quarto uma meia com seu pedido em um pedaço de papel mal escrito:


Flávio exibe seu troféu

“Papai Noel, fui um garoto obediente, passei de ano e, por causa disso, te peço uma bola de futebol de presente”, dizia o bilhete que era repetido todos os finais de ano.

A adoração ao bom velhinho se estendeu nas idas ao Maracanã e despertou no garoto, então com 10 anos, um sentimento que nutre até hoje pelo clube das Laranjeiras:

– A paixão pelo Fluminense foi crescendo com meus pais levando eu e minha irmã para assistirmos a chegada do Papai Noel de helicóptero e mais tarde aos jogos do Fluzão – diz hoje o tricolor com 46 anos.

E como torcedor do clube das três cores que traduzem tradição, escolheu Rivelino – um dos maiores jogadores do futebol brasileiro – para ídolo:

– O cara era tão bom que arrumaram um lugar para ele jogar na seleção de 70 – confidencia sempre aos amigos mais chegados nas resenhas de futebol regadas a muita cerveja e tira-gosto.

Se o criador do elástico – drible até hoje imortalizado pelo bigodudo camisa 10 tricolor – seria outra paixão avassaladora na vida do garoto ruivo de olhos esverdeados, seus pais, seu Joseir e dona Alcely, jamais ousariam imaginar que o filho se transformaria em um habilidoso meia niteroiense.


O artilheiro William

Não muito distante dali, William Neves, nascido no Cubango, também em Niterói, dava seus primeiros chutes em uma bola na rua Visconde do Uruguai, centro da cidade onde morava: 

– Lembro que aos domingos fechávamos a rua para jogar futebol. Nossos pais, sentados com suas cadeiras de praia nas calçadas eram para nós a torcida! – diz lembrando que recebia abraços de seu Evani e dona Tânia nas invasões ao “campo asfáltico” para comemorar cada gol marcado.

Com apenas 7 anos de idade, ia com a família toda ao Maracanã não para ver o bom velhinho, mas para ver os jogos do Vasco, clube de coração.

– A paixão pela instituição Vasco da Gama começou desde cedo quando convivíamos com Roberto Dinamite e outros grandes ídolos, já que meu pai era sócio benemérito do clube – diz o apaixonado cruzmaltino hoje com 47 anos.

Mas o início de ambos seria em lugares completamente diferentes.

Enquanto William com 10 anos disputava o campeonato mirim de futsal em Niterói, defendendo as cores tricolores do Fluminensinho da Fuscaldeza, Flávio treinava com Jair Marinho – considerado o maior garimpador de talentos da região – no Combinado Cinco de Julho, no Barreto.


Mas se a bola os tornaria amigos inseparáveis, não foi através dela, e sim dos livros, que iniciariam a amizade em 1982, no Colégio Estadual Henrique Lage, na 5ª série, na sala 501.

Com o passar dos anos, começaram a escrever seus nomes com letras maiúsculas por onde jogariam, solidificando com isso a relação amigável, quando viraram vizinhos no Barreto.

Dali por diante, seus nomes começariam a ser notados pelos moradores, amigos, parentes e os que passaram a acreditar que aquela dupla poderia “vingar” no futebol.

Em 1985, com 14 anos, Flávio era destaque do Fluminense nos treinos nas Laranjeiras, mas em virtude do horário das aulas do colégio, teve que parar e voltar meses depois.


Como prova de que voltaria, recebeu uma carteirinha (foto) que lhe permitia livre acesso as dependências do clube.

Voltou mas teve que ser reavaliado em Xerém, numa peneira com mais de mil garotos.

Desse número exorbitante de meninos que sonhavam em ser jogador de futebol, passou com sobras com mais quatro, sendo um deles um certo Edmundo, que acabou indo para o Botafogo e anos mais tarde se tornaria um dos maiores jogadores da história do Vasco.

Já William, viveria de 1984 a 1987 em São Januário, marcando gols e conquistando respeito até o dia em que foi mandado embora por Isaías Tinoco, que era o supervisor das categorias de base.

– Tudo não passou de uma brincadeira de mau gosto dos outros jogadores, que me trancaram no banheiro e como o treino estava prestes a começar, tive que arrombar a porta! – lembra, ciente do erro.

Como toda ação gera uma reação, o supervisor vascaíno ameaçou dispensar todos os jogadores caso não aparecesse quem havia feito aquilo.

– Acho que assumi meu erro, mas não podia ficar sem treinar. Além do mais, não poderia deixar que inocentes fossem desligados do clube por minha causa! – ressalta o ex-camisa 9 dos juvenis.

Se Fluminense e Vasco não souberam valorizar duas jóias raras como Flávio e William, eles seguiram na estrada da vida sem olhar no retrovisor a mágoa que ficou no passado, nos clubes de seus corações.

A vida passava celeremente e nos campos do bucólico bairro do Barreto, de 1986 a 1987, ganharam todos os festivais assim como torneios que disputaram.

Tornaram-se a sensação do 1º campeonato do Ceclat (já extinto), jogando pelo Pouca Rola Futebol Clube, onde imortalizaram as camisas 9 e 10.

Não seria, de forma alguma, a primeira e tampouco a última vez que jogariam juntos, enfrentando arquirrivais como Viradouro, Flor do Campo, Unidos do Barreto, Grêmio, Pirata e todas, sem exceção, consideradas grandes equipes.

Um terceiro lugar para uma equipe estreante, modesta e recheada de garotos, valeu mais que um título, naquela competição em 1988.

O sucesso da “Dupla Infernal” dentro das quatro linhas, acabou rendendo para cada uma moção de aplausos concedido pela Câmara Municipal de Niterói, datada em 11 de setembro de 1988 e assinada por Roulien Pinto Camillo, então Secretário Municipal de Esporte e Lazer.   

No ano seguinte, enquanto Flávio continuava encantando a todos com seu futebol vistoso no terreno de terra batida dos campos niteroienses e buscando um lugar ao sol em algum clube do Rio, William se aventurava destemidamente pela região serrana do Estado.

Para o centroavante da camisa 9, O difícil não foi ficar longe da família e dos amigos para obter a aprovação nos testes em 1990, foi ouvir de um dos Diretores que mesmo aprovado no Friburguense Atlético Clube, o clube dispensaria toda categoria juniores por estar encerrando suas atividades.

– Lembro-me até hoje daquele menino alto, magro e com uma qualidade técnica impressionante. Eu estava começando minha carreira no Friburguense, onde o indiquei para treinar. Uma pena não ter sido profissional! – lamenta o amigo e ex-jogador Pires, que fez muito sucesso no Fluminense no início da década de 90.

Apesar do golpe desferido pelo destino, regressou ao Barreto para vestir a camisa 9 que sempre foi sua e ajudou o Pouca Rola na conquista do título, que seria inédito na sua curta mas marcante história.

Na disputa do 5º campeonato do Ceclat,  com uma equipe mais técnica e com contratações que proporcionavam aos torcedores a certeza da conquista daquele caneco, sucumbiram para um Grêmio desacreditado em pleno Combinado Cinco de Julho.

Como todo grande time tem suas vulnerabilidades, o Pouca Rola não seria exceção.

Resultado: em um contra-ataque fulminante, o habilidoso e endiabrado Guina fez o gol que classificou a equipe para a final.

– Aquele time foi um dos melhores que joguei. Mesmo sem ter vencido nenhum campeonato e ter durado apenas 5 anos, até hoje é lembrado por todos no bairro! – relembra o camisa 8 Lito.


E completa:

– Flavinho e William foram, sem sombra de dúvidas, os maiores com quem tive o privilégio de jogar. Os caras eram foras de série. Só lhes faltou um título pelo Pouca Rola”.

Se os deuses do futebol castigam grandes jogadores com algumas derrotas, Flávio e William souberam absorver como uma ostra as toxinas dos insucessos do mundo da bola.

E foi na Ilha da Conçeição, em Niterói, que depuraram essa falta de títulos no Barreto em vitórias no campo do Azul e Branco.

Não baixaram a cabeça e vestiram a camisa do Embalo Futebol Clube e foram tricampeões nas temporadas 91/92/93.

Ainda nesse período, Flávio já era jogador profissional, depois de passagens por Mesquita, São Cristóvão, Bangu e acabou sendo federado pelo Canto do Rio Foot-Ball Club, onde o canhotinha Gérson deu seus primeiros lançamentos no futebol.

Como o clube niteroiense era patrocinado pela Prefeitura da cidade, chegou uma época que a parceria foi desfeita e seus jogadores receberam passe livre.

Em virtude desse acontecimento, um empresário levaria Flávio para jogar em Portugal mas o craque da camisa 10, que driblava os adversários com extrema facilidade, foi marcado em cima por um adversário inimaginável: uma hepatite! 

Se recuperou mas teve logo depois uma grave contusão no ligamento do tornozelo esquerdo ocasionada pelos carniceiros implacáveis.

Abandonou o futebol, mas o futebol não o abandonou.

E seu companheiro William, amuado com as artimanhas do destino, trocava os pés pelas mãos e iniciava sua carreira como compositor de samba-enredo.


Equipe do Tá Mole Mas é Meu

A química entre os dois era tanta que ainda deu tempo de, anos mais tarde e já com alguns fios de cabelo branco à mostra, conquistarem o título do primeiro campeonato de veteranos jogando pelo Tá Mole Mas é Meu.

Hoje, a bola com que tanto conviveram e os transformaram em lendas em Niterói é coisa do passado.

Mas não para nós que adoramos contar história de quem realmente tem algumas para nos contar.

 O Museu da Pelada promoveu o encontro desses dois monstros das peladas daqui, do outro lado da poça como os cariocas chamam.

E foi na quadra da escola de samba Tá Mole Mas é Meu, no bairro do Fonseca, onde William – presidente e  funcionário municipal -, ao lado de Flávio – supervisor de manutenção de uma empresa marítima -, me recebeu para reviver causos que só esse esporte maravilhoso chamado futebol pode proporcionar.

E, sobretudo, foi uma viagem insólita em uma tarde inesquecível onde resgatei histórias desses dois grandes jogadores e amigos que a bola me deu.

FUTEBOL ARTE

por Sergio Pugliese


Mesmo com uma perna bem menor do que a outra, o menino Candido se aventurava nos campos de várzea de sua cidade, no interior de São Paulo. Era impossível não tentar. Colado à sua casa havia um campinho e bastava abrir a porta da cozinha para ele quase bater a cabeça numa das balizas. Apesar disso, seus pés descalços nunca criaram jogadas brilhantes. Então, resolveu investir nas mãos. Não virou goleiro como alguns podem imaginar. Fora das quatro linhas, sentado num banquinho, deu seus dribles mais desconcertantes e, tal qual um reserva resignado, criou parte de sua obra prima. Como observador, coloriu os campos a seu modo, vestiu o time preferido com as cores mais vivas da aquarela e, de pincelada em pincelada, conquistou o mundo. O menino ruim de bola cresceu e virou Candido Portinari, maior expoente da pintura modernista brasileira. Em sua monumental história, contabilizou 5 mil obras e nunca esqueceu de retratar os campos de várzea, uma espécie de amor não correspondido.

– Era como se pintasse meninas que nunca deram bola para ele – comparou o filho, esse sim, bom de bola, João Candido Portinari, fundador e diretor do Projeto Portinari, responsável pela catalogação da obra do pai. 


Tímido, o pintor expressava suas paixões com cores e palavras, como no trecho editado de uma de suas poesias publicadas no livro “O menino e o povoado”: “Aos 8 anos tive uma namorada branca branca. Nunca lhe disse uma palavra. Depois nunca mais a vi e não ouvi seu nome. Namorei tantas meninas e ninguém soube”. Foi exatamente assim com os campinhos. Numa rápida navegada no site do projeto, a equipe do A Pelada Como Ela É encontrou 18 pinturas de campos de várzea, quase todos em Brodowsky, terra natal. Numa delas, um autoretrato, “Futebol”, aparece cercado de meninos e o que o diferencia do grupo é a perna menor do que a outra. Só especialistas para atentarem ao detalhe. O filho teve melhor sorte com a bola. Fundador, em 1954, do poderoso time de praia Copaleme, batizado inicialmente de Arizona, na década de 50 travou duelos espetaculares com os rivais Radar, de Copacabana, e Lá Vai Bola, do Leblon.

– A Avenida Atlântica, ainda com uma pista só, ficava apinhada de gente para assistir – recordou o filho.


João Portinari veio jovem para o Rio e, aos 18 anos, era figura conhecida na noite carioca. Saía do Leme com sua turma e três violões – iam parando de bar em bar até Ipanema. Na volta para a casa, às 5h da madrugada, esticavam até a Siqueira Campos, em Copacabana, na Sinuca Balalaika e, depois, na Leiteria Bol, na Lapa, para tomar coalhada e roubar as garrafas de um litro de leite deixadas nas portas das casas. Ele e os amigos eram os reis do Rio. Saiu de Brodowsky sem prestar atenção no talento do pai. Deixou para trás a casa de tijolo, com poço, moinho, fogão de lenha e cadeira de balanço, e caiu na gandaia carioca com seu carraço Buick Dynaflow. Os amigos e companheiros de Copaleme, alguns do Morro da Babilônia, adoravam a farra. O goleiro Maurício, Pedro Paulo, Lelé, Zezinho, Amaury, Pará, Henrique Cabeludo e Flávio, filho de Ary Barroso, comemoravam os títulos em noitadas nas boates Arpege, do pianista Waldir Calmon, Drinks, Little Club, no Beco das Garrafas, e Maloca, em São Conrado.

– Não tinha noção de quem era meu pai e seus amigos – confessou.

As reuniões na casa de Candido Portinari eram frequentes e animadas, entre outros, por Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Jorge Amado e Adalgisa Nery. Certa vez João Portinari chegou em casa e irritou-se quando viu, numa rodinha musical, um homem tocando seu violão. “Vai desafiná-lo”, pensou. Saiu irritado, batendo porta e só anos depois soube tratar-se do maestro Villa-Lobos. No Rio, João sentia-se verdadeiramente feliz e divertia-se com as loucuras do amigão Alcyr, que se enchia de caipirinha nas boates e após o derradeiro gole subia na mesa e gritava “Tequila!!” antes de cair desmaiado. Bons tempos! Mas um dia a ficha caiu e João resolveu olhar para trás. Foi quando aprofundou-se e encantou-se com a história do pai.

Reuniu documentos, fotos, livros, cartas, toda uma vida. A nosso pedido procurou algum registro que ligasse o pai ao futebol e achou uma foto rara, do início dos anos 20, de Portinari no time de pelada da Escola de Belas Artes. Emocionou-se. Na poeira dos arquivos, também achou uma reportagem de O GLOBO, muito antiga, intitulada “Como trabalham e sonham nosso pintores” e leu um trecho em voz alta: “Tenho, também, uma delícia grata e profunda. É quando componho, por exemplo, “Jogo de futebol em Brodowski”, a cidade em que me fiz e onde a minha infância, sob a inspiração do modesto dinamismo do meio, embebeu-se de miragens, impregnou-se de melancolias ou sonhos. As imagens que ali se afirmam, a bola de meia, os pés descalços, os trancos, as caneladas, a cerca de pau, tudo isso são imagens impressas na minha memória, que se reúnem e gritam a um esforço evocador, que cruzam os caminhos do meu mundo secreto”.

No fim do texto, o filho coruja sorriu orgulhoso. Balançou a cabeça como um menino levado assumindo o reconhecimento tardio ao talento do pai e ao mesmo tempo transparecendo uma felicidade gigante por ter despertado a tempo de abraçar todo o seu passado e hoje viajar o mundo de mãos dadas com o seu melhor amigo.

 

Texto publicado originalmente no dia 5 fevereiro de 2011, na coluna “A Pelada Como Ela É”.

A CARTA DA BOLA PARA RONALDINHO

por Rafytuz Santos


Caro Gaúcho,

Aqui vai uma confissão de quem vive o futebol como ninguém…

Por tempos eu fui tratada de qualquer forma, anos e anos sendo chutada por jogadores pernas de pau ou até mesmo acima da média em Copas do Mundo, Libertadores, Brasileirões, Liga dos Campeões… anos se passavam e eu sempre era tratada sem o mínimo respeito, com o único objetivo de marcar o gol.

Mas em 1997 isso mudou! Um menino franzino, rápido e sorridente me fez feliz, como eu não era desde as épocas “Pelésticas”! Me dominava com maestria, me passava pelos vão das pernas mais envergonhadas, me fatiava por cima dos mais inúmeros penteados, me jogava por baixo das mais amontoadas formações de barreiras, me balançava nos seus encantadores elásticos…

Como esquecer os momentos com você? Quando sambou comigo na Inglaterra (e eu nunca tinha feito isso hahaha). Quando me fez viajar pelos céus na cobrança de falta na Copa do Mundo de 2002. Quando te vi sendo aplaudido pelo rival… E até quando ia me chutar, você olhava para o outro lado, para não me ver sofrer! Com você eu me sentia uma varinha mágica nas mãos de um bruxo!

Ronaldinho Gaúcho, meu filho! Ninguém me tratou como você, e sentirei saudades das suas bruxarias.

Hoje por você eu paro de rolar… E jamais rolarei como você fazia.

DA GRATIDÃO, GUSTAVO, NINGUÉM SCARPA

por Zé Roberto Padilha


Uma pena, Gustavo Scarpa, você ter trilhado o nosso mesmo caminho, porém, ter sido levado por mãos e conceitos tão desprovidos de reconhecimento. E de gratidão. Eu, Gilson Gênio, Mário Marques, Zezé, Paulinho, Wallace, Joaquinzinho e Escurinho, só para falar dos canhotinhos revelados como você pela base, crescemos aprendendo a cultuar a instituição Fluminense FC.

Antigamente, pelas mãos de Roberto e Paulo Alvarenga, Pindaro, Pinheiro e Sebastião Araújo, entre tantos, ela formava atletas e cidadãos. Poderíamos até defender outras camisas, como o fizemos posteriormente, mas jamais deixamos de levar com a gente o respeito e a admiração pelo tricolor das Laranjeiras.


Quando soube que fui trocado pelo Doval, sem consulta naquele troca-troca do Presidente Horta, declarei ao Jornal do Brasil que não queria ir para o Flamengo. Não era verdade, me expressei mal. Eu não sabia era como deixar o Fluminense após o tanto que ele fez por mim. E agora, depois que vários profissionais do clube transformaram uma promessa como a sua em realidade, o colocaram na vitrine, na seleção brasileira sub-20, em 2015, e na principal ano passado, por causa de quatro míseros meses de salários atrasados você vira às costas para quatro anos de ajuda de custos, luvas, prêmios, salários em dia que lhes possibilitaram crescer.

E, sem se despedir da gente, como uma mercadoria que ganha um novo rótulo, sem conteúdo ou coração, desembarca no Parque Antárctica como se as cores tricolores, que o formaram, fossem uma mancha. Não um certificado ISO de qualidade e tradição. Como torcedor, fiquei desapontado. Nem apareceu por lá para se despedir da Young Flu, agradecer as massagens do Gerônimo, os sucos que tomou no Bar do Fidélis após cada treinamento.


Mas não se iluda. Independente dos novos rumos que tomastes, um dia a ficha vai cair, o tempo, senhor da razão, vai lhe mostrar cenas de um retrovisor com uma bela história. E você irá retornar às Laranjeiras para agradecer. Dar um abraço no Abel, um aceno para a gente nas arquibancadas ou na TV.  Porque da gratidão, Gustavo, ninguém Scarpa