UM PRÓLOGO PARA OS VERSOS DE SANGUE; 1982 EM MIM…
por Marcelo Mendez
O mundo mudava a partir do começo dos anos 80.
Tinha uma tal abertura política que meu pai gostou muito, teve as grandes greves do ABC, teve meu Pai engajado nisso tudo, começaram a chegar uns filmes e uns discos no Brasil que minhas primas gostavam, na escola comecei a sacar as coisas e o futebol passava a fazer parte da minha vida de vez.
Em 1980, aos 10 anos de idade, chego para jogar no mirim do Esporte Clube Nacional do Parque Novo Oratório, quando conheci meus primeiros amigos. Aprendi que quando se junta onze caras em campo com a mesma camisa, não tem diferença nenhuma, rola uma amizade, um grupo, uma irmandade.
Além disso, também descobri que o futebol é duro, afinal sou palmeirense…
Em 1980 isso não era muito fácil, nem muito prazeroso, mas outra hora falamos disso.
O que está em questão é a Copa do Mundo, ou o período que marca a preparação para ela.
Diferente de 1978, agora eu já podia acompanhar todo processo, ver como era a expectativa de quem curtia essa coisa toda e o principal, assistir de perto a formação do time que jogaria a próxima Copa, em 1982…
Seriam os quatro anos mais intensos da minha vida. Da minha imberbe, vida. Em se tratando de futebol, claro que pensei várias vezes que viveria muito mais do que vivi naqueles anos.
Todavia, as coisas de 1982 ainda ressonam fortemente em mim. Sempre ressonarão…
SKANK QUE SE CUIDE
por Sergio Pugliese
O que falar sobre Henrique Joriam (o de calça jeans na foto)? Ex-comissário de bordo, ele é inquieto, adrenalina pura!!! Passou a vida pelos ares, conheceu o mundo todo, poliglota, fotógrafo, bom centroavante, sócio do Brothers Hostel, albergue-bar bacana de Botafogo, escritor, guia turístico, empresário e agora vocalista da banda Farani, composta por ele, Mario Vitor e Philipe Joriam. O trabalho do grupo é bem legal e se levarem a sério podem fazer frente a bandas consagradas. Nos enviaram a letra de Pelada Terça-Feira, e como hoje é aniversário do Henrique, resolvemos dividir com vocês!
PELADA TERÇA-FEIRA
Henrique Joriam, Yuri Nasser e Philipe Joriam
Redonda no peito, no pé a chuteira.
Pelada sagrada na terça-feira.
Na beira do mar, no sol de rachar.
Onde rolar ela está satisfeita.
Dada a saída, bola pra frente.
É o jogo da vida, da vida d’agente.
Da linha de fundo
Para o zagueiro.
Cobrou lateral.
Até o artilheiro.
Carrinho na bola.
Ele entrou de sola.
Empurra pra lá e pra cá.
“Qual é!”, de cá e de lá.
3 passos para traz.
Por cobertura chutouuuuuuuu…………
É o gol (gol)
Atirou, entrou.
É o gol (gol)
Atirou, entrou.
É o gol (gol)
Atirou, entrou.
É o gol (gol)
Atirou, entrou.
Quadra de grama, asfalto ou poeira.
Seja o que for, tô de bobeira.
Par ou ímpar, campo ou bola?
É dez ou dois, tem time de fora.
Dada a saída, bola pra frente.
É o jogo da vida, da vida d’agente.
Do tiro de meta.
Pra cabeçada.
Matada no peito.
O drible da vaca.
Passe de letra.
Pro ala direita.
Respeito com o adversário.
Não existe peladeiro otário.
Dado um toque pro lado
De bate pronto chutouuuuuuu (gol…gol…gol…gol…)………..
É o gol (gol)
Atirou, entrou.
É o gol (gol)
Atirou, entrou.
É o gol (gol)
Atirou entrou.
É o gol (gol)
Atirou, entrou.
E o jogo, acabou
LENDAS ETERNAS
por Walter Duarte
Sempre tive grande admiração e curiosidade pela imagem, principalmente das fotos jornalísticas, em especial as revistas e cadernos de esporte. Ao saber da “passagem” do grande fotógrafo Raimundo Valentim, lembrei-me da infância, lá pela segunda metade dos anos 70, onde juntava os trocados para comprar os principais jornais da época e ver as fotos dos jogos.
Confesso que anos depois, na adolescência, é que comecei a me interessar pela a leitura ou a “substância” da crônica do jogo, porém a Imagem do lance capital, a emoção da jogada e a vibração do gol congelados no tempo é o que me encanta.
Não era comum para mim frequentar o Maracanã, palco dos principais jogos, devido a dificuldades e distância da nossa terra. Cabia, então, pedir insistentemente ao meu pai, Sr. Walter, para ser levado aos estádios em Campos e ver de perto os jogos ou, caso contrário, aguardar o “VIDEO-TAPE” e as resenhas da noite na TVE ou TUPY.
A oportunidades de assistir aos grandes craques representava um sonho para todos nós, pois aqueles caras eram mais do que “atletas da bola”, eram heróis ou entidades no meu mundo idealizado. Naquela época, o Jornal do Brasil, o Globo e o Jornal dos Sports eram muito concorridos nas bancas e eu não perdia tempo nas segundas-feiras de ir cedo assegurar quase que a “tapas” meu exemplar, principalmente quando meu time ganhava. Costumava também recortar as fotos e colar na parede do quarto, e fixar meu olhar infaltil no “acervo” e imaginar um dia jogar como eles, motivo de muitas broncas da minha mãe Dona Marlene que me cobrava os estudos e sinalizava as dificuldades da vida.
Não tenho conhecimento da matéria jornalística no sentido profissional, pois não sou do “ramo”, mas imagino o quanto de inspiração e técnicas devem ser adotadas para dar emoção e realismo àqueles instantes. Algo de muita inspiração e “feeling” devem existir para o resultado do trabalho, transcendendo as regras elaboradas no ofício dos fotógrafos ou cinegrafistas.
Sempre me instigou a situação real de não podermos reproduzir novamente o fato histórico na sua plenitude, servindo então a imagem fixa, ou não, o papel importante do testemunho daquilo que não voltará mais a acontecer, pelo menos na sua forma original. Um remake de um filme jamais terá a mesma atmosfera inicial, mesmo mantendo o elenco anterior.
O gol ou a jogada decisiva será o momento único fixado no tempo, sendo “tempo passado” um segundo depois, restando a imagem gravada a matéria que nos vai fazer saudosos na alegria da vitória ou na tristeza da derrota. Independente do vídeo, gostaria de ter todos esses lances marcantes em quadros com molduras de grande arte, no meu “Museu imaginário”.
Flashs recorrentes estão em minha memória tais como o elástico do Riva no saudoso Alcir, o golaço do Dinamite em 76 com aquele lençol no Osmar, aquela falta magistral do Zico contra o Santa Cruz em 87, o gol do Maurício do Botafogo no título de 89 que acabou com a angústia da fila, aquele chute improvável do Nelinho que traiu o Zoff em 78, o quase gol do Pelé no cabeceio defendido pelo Banks da Inglaterra em 70, o olhar desesperado dos marcadores do Garrincha na iminência do “baile”, o “drible de corpo” do PC e tantos outros lances fantásticos dos nossos craques.
Tudo isso faz parte do inconsciente coletivo dos amantes do futebol e não nos cansa recordar. Independente de todos recursos computacionais e de multimídia da atualidade, o meu museu teria todos instantâneos em preto e branco e entraria todo dia no túnel do tempo daquelas emoções. Viva assim a arte do futebol, viva a arte dos nossos magos da imagem. Viva a memória daqueles que deixaram um legado de poesia nas lentes eternas do esporte chamado futebol.
Valdiram
A VOLTA POR CIMA
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Perpétuo
Por mais que um jornalista exerça as tarefas da forma mais correta possível, sempre vai ter aquele para julgá-lo como “urubu”, que vai atrás da notícia, seja ela boa ou ruim, para estampá-la nas capas dos jornais ou tablets. O jovem Rafael Oliveira, do Jornal Extra, conseguiu provar o contrário após comover os leitores com o fato de que o atacante Valdiram, artilheiro da Copa do Brasil de 2006, estava morando nas ruas de Bonsucesso.
A notícia rapidamente tomou conta das resenhas, sobretudo nas peladas, e em poucos dias o jogador foi internado na Clínica de Reabilitação Jorge Jaber, em Vargem Grande, graças ao flamenguista Júnior Tomé e Iara Machado, assistente social do Vasco. Vale lembrar que o craque Mendonça também fez sua recuperação por lá.
Três semanas após a internação, Rafael reencontrou Valdiram em uma nova realidade e relembrou o dia que entrevistou o goleador.
– Estava carregando um papelão embaixo do braço. (…) Quando eu falei que era da imprensa ele resmungou, mas ele conversou numa boa e o resto todo mundo viu na notícia. – lembrou o jornalista.
Com piscina, academia, alimentação balanceada e um acompanhamento de 24 horas por dia na clínica, o jogador fez questão de agradecer Rafael por ter lhe dado visibilidade:
– Ele veio conduzido por Deus. Eu estava sentado na praça, alcoolizado, bebendo e encontrei meu amado irmão Rafael. Eu pedia a Deus toda noite para que enviasse uma pessoa para me tirar das ruas.
Para quem não lembra, Valdiram chegou ao Vasco em 2006 após se destacar no Esportivo-RS e foi tão bem que ganhou uma música personalizada da torcida cruzmaltina: “Aham, aham, hã! matador é o Valdiram”. Com uma pedalada que causava pesadelo nos marcadores e muita agilidade, o atacante foi peça fundamental da equipe na campanha do vice da Copa do Brasil de 2006. Foi dele, inclusive, o gol decisivo no Maracanã contra o Fluminense na semifinal do torneio.
– Esse gol eu não esqueço nunca! Fechei os olhos, bati forte e saí para o abraço! No momento difícil que eu passei nas ruas eu só conseguia me lembrar desse gol! – revelou.
Os atos de indisciplina, no entanto, sempre acompanharam sua carreira e foram decisivos na rescisão do contrato no ano seguinte.
Uma década depois, aos 35 anos, o goleador colhe os frutos dos exageros, mas se mostra focado e confiante na recuperação para realizar o sonho de voltar a jogar profissionalmente. De acordo com ele, a estrutura da clínica é similar a de clubes de grande porte do Brasil.
– Tenho feito trabalho físico, resistência, musculação e piscina. Não tenho do que reclamar aqui. (…) Creio que ainda consigo jogar por mais um ou dois anos.
Endossando as palavras de Valdiram, Eduardo Prosdocimi, preparador físico da clínica, revelou a sua expectativa:
– Ele está se empenhando da melhor forma e eu tenho certeza que muito em breve ele estará dando alegria para a gente para ele mesmo!
Nada disso seria possível se o jornalista Rafael Oliveira não desse o furo de reportagem que jamais esquecerá!
MALDITOS JOELHOS
por Marcos Vinicius Cabral
Nascido em 17 de março de 1959 em Cabo Frio, na Região dos Lagos, o menino de olhos esverdeados José Leandro de Souza Ferreira não imaginaria o que o futuro lhe reservava.
A paixão pelo clube da Gávea começou em 1969, na decisão do Carioca entre Flamengo e Fluminense.
No quarto, Leandro em companhia do pai, seu Eliziário, ouvia o jogo ao som do radinho de pilha.
– Vi meu pai muito triste, porque o Flamengo perdia para o Fluminense por 2 a 1. Depois do segundo gol tricolor, eu disse que iria ao banheiro, mas fui à sala ajoelhar e rezar pelo empate. Quando voltei, saiu o gol. Foi uma alegria imensa. Depois perdemos o titulo, mas me senti realizado por papai do céu atender ao meu pedido! – conta.
Depois disso a paixão foi crescendo, crescendo e crescendo.
E cresceu tanto a ponto de voltando da Praia do Leblon – no período de férias escolares – ir à contragosto com o primo Nonato à sede do clube marcar um teste.
Com um par de chuteiras maiores que seu número habitual, meiões enlarguecidos e desbotados pelo tempo e um short desproporcional ao seu corpo, se candidatou à vaga de lateral esquerdo.
Passou com sobras nos dois treinos que fez no campo da Base de Fuzileiros Navais da Ilha do Governador e ao lado de Vitor – cabeça de área que jogou nos quatro grandes clubes do Rio – foi selecionado por Américo Faria para treinar na Gávea.
– Ele costumava fazer as jogadas dentro de campo e olhar para o banco de reservas para ver se eu estava olhando. E como eu fingia que não via, sempre que terminava o jogo ele vinha me perguntar se eu havia gostado daquilo. Eu dizia que estava indo bem! – diz o ex-supervisor da seleção brasileira Américo Faria, de 73 anos.
E completa:
– Na minha longa carreira no futebol, foi, sem dúvida alguma, o jogador de maior talento com quem trabalhei.
Já como juvenil do Clube de Regatas do Flamengo, começou a despontar nas preliminares.
– Certa vez, finzinho da década de 70, fui ao estádio Caio Martins em Niterói, ver os dois jogos da decisão juvenil entre Flamengo e Botafogo. Mesmo tendo perdido as duas partidas e visto o alvinegro sagrar-se campeão, fiquei feliz com a atuação de um jogador. Seu nome? Um certo Leandro! – relembra o metalúrgico Luiz Antonio Lorosa de 52 anos.
E foi aos poucos que Leandro foi conquistando seu espaço na equipe rubro-negra.
Apesar de quase ter ido para o Internacional no começo da carreira – foi reprovado pelo Departamento Médico do clube gaúcho por causa dos joelhos – se firmou na posição no qual é até hoje lembrado.
(Foto: Marcelo Tabach)
Com uma trajetória marcada por glórias nos inúmeros títulos conquistados na carreira, como os Brasileiros, Libertadores e Mundial na prolifera década de 80, era frequentador assíduo do Departamento Médico e da sala de musculação do clube.
Se ganhou o apelido de “peixe-frito” no mundo da bola, poucas não foram as vezes que fez trabalhos específicos na piscina.
Era muito sacrifício que a lateral direita lhe exigia.
Quando Júnior foi vendido ao Torino, em 1984, o Flamengo tratou logo de contratar um substituto para disputar com Adalberto a posição.
– Fui para disputar a titularidade com Adalberto na lateral esquerda e acabou o Mozer se machucando e ele (Leandro) pediu para ir para a zaga. Agradeci muito por ele ter feito isso e tenho a certeza que não entraria tão cedo na equipe, pois na direita era quase que impossível de eu entrar! – diz Jorginho, tetracampeão mundial em 1994.
E completa:
– Pra mim foi o melhor lateral direito que eu vi jogar do mundo. Eu o considero fora de série, um craque em quem sempre me espelhei.
E foi dessa forma que Leandro passou da lateral à zaga e continuou mostrando todo seu repertório de grande jogador.
Onde fosse colocado, o “peixe” jogava.
Trocou a camisa 2 – que passou a ser vestida por Jorginho – pela 3 em homenagem ao zagueiro Figueiredo – falecido em um acidente aéreo em Nova Friburgo – que era seu companheiro no Flamengo.
Com o novo número às costas, fez partidas épicas pelo rubro-negro, como o Fla-Flu do Leandro, em 1985, quando marcou um golaço.
– O que me impressionava no Leandro era sua elegância em campo. A mim parecia que ele flutuava sobre o gramado, com a bola docilmente subjugada junto aos seus pés. Vendo-o jogar, parecia que tudo era fácil! O drible, a condução da bola, o lançamento. Leandro executava cada um dos fundamentos com uma maestria que encantava a todos. O overlapping e o ponto futuro, inovações de Cláudio Coutinho, pareciam ter sido criadas para ele. Era fantástico ver que, de repente, do nada, o lateral aparecia na linha de fundo e num lançamento preciso deixava Nunes ou Zico na cara do gol. Se Zico foi o rei, Leandro era o príncipe! Quando Leandro parou de jogar, um bocado da magia do futebol se foi com ele. Mas é reconfortante saber que a admiração pelo ídolo persiste em todo rubro-negro que um dia teve o privilégio de tê-lo visto jogar! – frisa o professor universitário Maurício Vasquez de 57 anos e fã do jogador.
Mas se não fossem os malditos joelhos, teria ido mais longe na carreira.
Teria, por exemplo, disputado a Copa do Mundo no México, em 1986, já que era nome certo para ocupar a lateral direita como Telê Santana queria.
Porém, se negou a ir por achar que não seria útil naquela posição, embora muitos achem que foi por solidariedade ao corte de Renato Gaúcho.
Não tinha o vigor e nem os joelhos da Copa passada, a de 1982, na Espanha – já que aquele Brasil de Zico, talvez tenha sido ao lado da Hungria de Puskas em 1954 e da Holanda de Cruyff em 1974, as seleções mais injustiçadas no mundo ingrato da bola – mesmo com sua qualidade inquestionável.
Ainda teve fôlego para conquistar o Campeonato Brasileiro de 1987 e numa carreira vitoriosa, abandonou o futebol.
Em pouco mais de 10 anos como jogador (1978-1990), foi expulso uma única vez contra o Bangu, exatamente na sua última partida como profissional.
Leandro deixou saudades.
Deixou um legado no futebol inestimável e foi um divisor de águas naquela lateral direita.
Até hoje, passados 28 anos que pendurou as chuteiras, resiste ao tempo a genialidade de quem é considerado por muitos como o maior lateral direito de todos os tempos.
Hoje, 17 de março, o “Cavalo Manco” – como Carpegiani o chamava – faz 59 anos.
Vida longa e feliz aniversário!