UM TIME CHAMADO CAMBURÃO
por Rubens Lemos
Sede de General Severiano com faixa anunciando um Baile Black com o Monsieur Lima.
Quando viu o ônibus do Botafogo chegar ao Maracanã naquela tarde de 1977 e as primeiras cabeças foram surgindo das janelas, o repórter Deny Menezes, sarcástico e rápido, não se conteve e mandou flash para a cabine da Rádio Nacional: “Atenção Zé Carlos (O narrador José Carlos Araújo), o Time do Camburão acaba de chegar…”.
Há nove anos sem títulos, na época, o presidente Charles Borer, ligado ao SNI, da linha dura de apoio ao Regime Militar, estava execrado pela torcida pela venda da lendária sede de General Severiano à Companhia Vale do Rio Doce. Toda a história do dirigente Carlito Rocha, o seu cachorrinho Biriba, Heleno de Freitas, Nilton Santos, Didi e Mané Garrincha havia sido jogada fora para ser recuperada nos anos 1990.
Charles Borer parecia tirano comandante de tropas alemães da SS na Segunda Guerra Mundial e era combatido pelo jornalismo de esquerda, liderado por João Saldanha, por defender pancada nos comunistas cuja perseguição era liderada pelo seu irmão Cecil Borer, diretor do temível DOI-CODI, ante-sala da morte nos anos de chumbo.
Borer quis ficar de bem com a torcida e demonstrar autoridade. Montou um time cheio de craques malandros acima da conta. Contratou Paulo César Caju, Mário Sérgio, Dé, o Aranha, Manfrini, Gil, Ubirajara Alcântara, Renê Pancada e Rodrigues Neto.
Já estavam no Botafogo, Bráulio, o ex-Menino de Ouro do Internacional(RS), Carbone e Ademir Vicente, que contava detalhes aos companheiros do seu namoro com a cantora Vanusa. Na teoria, um time, na prática, o camburão perfeitamente definido por Deny Menezes. Ninguém queria nada a não ser criar caso, fazer arruaça e desafiar a decantada valentia de Borer.
Paulo César Caju não costumava jogar às quintas-feiras pois às quartas havia noites especiais com garotas importadas na então famosa Boate Regine`s. PC Show, com vasta cabeleira Black Power, fazendo biquinho, recitava o francês que aprendeu à risca, no tempo em que brilhou no Olympique de Marselha. Divertiu-se e encantou. Tocar a bola para ele era um desfile.
Mário Sérgio e Renê gostavam de brincadeiras sadias quando o time viajava a Campos e Volta Redonda. Sacavam revólveres e atiravam em placas de trânsito. Quem acertasse menos, pagava a rodada de cerveja, que começava no próprio ônibus (camburão).
O Camburão de Futebol e Regatas passou a treinar em Marechal Hermes, onde foi construído um estádio com arquibancadas metálicas. Segunda-feira pela manhã, nem pensar. Tudo começava às duas da tarde porque do time titular, apenas o jovem e habilidoso meia Mendonça acordava antes do meio-dia.
Depois de empates contra Olaria e São Cristóvão, Charles Borer pensou que enquadraria de uma vez o Camburão. Contratou para técnico ninguém menos que o delegado de polícia Luiz Mariano, do antigo time dos 12 de Ouro, alcunha afável do Esquadrão da Morte. De preparador físico, a seda humana chamada Hélio Viggio, chefe da Divisão Anti-Sequestro.
Charles Borer apresentou a dupla, que guardava pistolas sob as calças de elástico e disse que a partir daquele momento, ai de quem continuasse desrespeitando a autoridade dirigente. Foi às duas da tarde.
No dia seguinte, pela manhã, não viu Mariano ou Viggio em Marechal Hermes. Telefonou ao técnico, que o atendeu, pelas 11, voz de ressaca monumental. “Borer, o Dé, o Ademir e o PC nos convidaram a um papo, pra selar a paz, mostrar boas intenções e terminamos às sete horas, todos bêbados. São bons meninos.”
Desmoralizado de uma vez pela malandragem, Borer resolveu desmontar o camburão, vendendo, com dificuldade, peça por peça, até 1979.
O QUINTO METATARSO
por Zé Roberto Padilha
Por causa da celebração cívica marcada no calendário para Junho, o povo brasileiro irá novamente pintar espontaneamente suas ruas de verde a amarelo. Orgulhosos do seu país, vão fixar bandeirinhas no retrovisor do seu carro e desfilar seu patriotismo até quando durar o sonho de vencer outra Copa do Mundo. Aos seus novos heróis, que vivem distante da sua realidade, mal falam português e ganham salários irreais, preencherão um álbum da Panini com cada figurinha que entrará em campo e mudará a sua vida.
Já por causa da celebração cívica seguinte, em Outubro, cada brasileiro estará se lixando para as ruas. Desgostosos com seus políticos, vão fixar adesivos nos carros com os nomes que os marqueteiros, e o poder econômico, decidirem apoiar nas convenções partidárias.
Céticos e passivos, serão incapazes de preencher um álbum com as figurinhas dos que lhes traíram na reforma trabalhista. E que pela conquista de uma emenda parlamentar fundamental à sua reeleição, venderam anseios da sua comunidade em troca de deixar imune ao julgamento seu mandatário maior e ilegítimo.
Carlos de Souza, 68 anos, caiu da escada de sua casa em Quintino, subúrbio do Rio de Janeiro, na sexta feira passada. Segundo o jornal O Dia, o SAMU só apareceu três horas depois e, quando chegou ao Hospital Getúlio Vargas, foi constatada uma fratura no fêmur. Sem plano de saúde, teve a sua radiografia marcada para a primeira sexta-feira de Abril. Caso precise operar, vai poder assistir a Copa do Mundo em casa, pois na agenda do hospital só tem vaga para a cirurgia daqui a 120 dias. Seu médico? Foi atendido pelo residente e será operado por quem estiver de plantão. Quanto à fisioterapia para sua recuperação, vai depender de sorte. E muita reza.
Enquanto isto, Neymar Jr., a figurinha carimbada das celebrações de Junho, sofreu uma fratura no quinto metatarso do pé direito há uma semana. Levou 30 segundos para ser atendido, duas horas para realizar uma ressonância magnética, e só operou uma semana depois por excesso de cuidados e médicos à sua disposição. E que não chegavam a um acordo: fratura ou fissura? Saiu de maca, foi operar de helicóptero, saiu da cirurgia amparado por um séquito de seguranças e embarcou em um jatinho particular onde iniciou, ali mesmo, suas sessões de fisioterapia.
Então, vamos que vamos outra vez naquela corrente Prá Frente Brasil, Salve a Seleção! E que se dane, para todo o sempre, a saúde, o trabalho, oportunidades iguais e a jamais alcançada educação.
LIBERTADORES 20 ANOS – A FESTA
entrevista: Alexandre Perdigão | texto: Matheus Rocha | vídeo: Herbert Cabral | edição: Daniel Planel
A AGC – Associação Grandes Cruzeirenses fez mais uma grande festa para relembrar seus ídolos, em dezembro de 2017. Desta vez, os homenageados foram os bicampeões da Libertadores de 1997. Como não poderia ser diferente, o Museu da Pelada fez marcação cerrada e esteve por lá.
Foi uma festa no Espaço Meet / Porcão, em Belo Horizonte. Estiveram presentes grandes jogadores daquele time. O evento teve a lembrança de jogo-a-jogo com um documentário feito pela Memória Celeste, com causos e tudo mais.
O Cruzeiro expôs as duas taças Libertadores (1976 e 1997) e ainda a recém-conquistada Copa do Brasil 2017.
O ponto alto da festa foi uma surpresa que não era esperada nem pela AGC. No meio da festa, sem confirmar, apareceu Dida. Não por menos, foi ovacionado no meio da festa. Por volta dos 30 minutos do segundo tempo da final, fez duas defesas incríveis, ainda quando não havia gol no placar. Como disse o Galvão Bueno na transmissão daquele jogo, no momento da defesa: “Se o título vier, metade dele já tem dono, é do goleiro Dida!”. E todo cruzeirense sabe disso.
Daquele time que jogou a final, além do goleiro Dida, também marcaram presença os laterais Vitor e Nonato e o zagueiro Gélson, além dos meio-campistas Fabinho e Elivélton e o atacante Marcelo Ramos. Ainda do elenco, também receberam homenagens os meio-campistas Reginaldo, Léo, Tico e Donizete Amorim e o atacante Da Silva.
O Cruzeiro venceu a Libertadores de 1997 em 13 de agosto daquele ano e o Museu da Pelada lembrou com a data com essa crônica (https://www.museudapelada.com/resenha/um-canhoto-decidindo-de-direita).
Confira o vídeo da festa!
UMA TARDE EM SESSENTA E POUCOS
por Ricardo Dias
Tenho um grande amigo, o Celso. Celso é faixa preta de caratê (mas diz que é branca, pois está com o joelho bichado, o que o faz um carateca inútil. Eu não gostaria de experimentar) e ex lateral direito do glorioso Pinheiros Futebol Clube, time de futebol amador do Rio. Mas antes de falar de futebol TENHO que contar uma história de caratê dele:
Sensei, o mestre japonês de 88 anos, um dos pais do esporte no Brasil, fez um retiro de fim de semana para caratecas graduados sobre defesa pessoal. Dois dias de muito treino e estudo. Tudo gente cascuda, o seminário rendeu. Último dia, Sensei reúne todos e pergunta:
– Dez homens querem te bater. O que você faz?
Resposta oral, cada um com sua solução. Sensei ouve todos; ao terminar, balança a cabeça e diz:
– Todos burros! Perdi meu tempo, ninguém aprendeu nada!
Ficam todos surpresos e desconcertados. Ele completa:
– Se dez homens querem te bater, VOCÊ CORRE!
Então, feita a pausa, o avô de Celso morava em Santos. Ele e seus irmãos foram passar férias e, fominhas de futebol, foram direto para a Vila Belmiro (um adendo: anos antes, em 62, meus pais estavam em Santos, justamente visitando a Vila Belmiro, quando dei o primeiro sinal de vida, minha mãe não sabia que estava grávida. Deve ter sido um chute, eu queria me juntar aos meus iguais em categoria). Outro adendo: foram levados pela mãe, dona Irene; uma mãe futebolística, também levou os meninos (dois deles, um estava ocupado) ao Maracanã para assistir ao gol 1000 do Pelé!
Chegaram, fizeram amizade com o porteiro, já graduado nessas visitas, e entraram, conheceram os jogadores, já fim de treino, pegaram autógrafos… Mas Pelé já tinha saído. Voltaram à portaria, e o funcionário disse que Pelé sairia pelo portão X ou Y, sei lá. Parece que a malandragem era dizer o portão errado para o rei poder sair em paz, mas como eles não conheciam nada, acabaram errando o caminho a acertando o portão: uma Mercedes azul com placa final 1000 (ou 0010, as memórias divergem) com alguém dentro, podia ser o chofer. O mais jovem chegou mais perto e gritou:
– PELÉ!!!!!
O cara da Mercedes podia simplesmente ir embora. Estava longe, nem tinham certeza se era ele. Mas ficou, desceu do carro e era o próprio, o rei em pessoa! Vinda não se sabe de onde, uma multidão se formou em volta de sua majestade, que atendeu a todos, totalmente consciente de quem era. Autógrafos, conversas rápidas, os meninos no céu.
Indo embora, passaram pela portaria novamente, para se despedirem do simpático funcionário. Ele perguntou se estavam satisfeitos, disseram que sim, e muito, mas lamentavam não ter conseguido falar com Edu, que estava machucado. Edu era a nova sensação do Santos, o novo rei. O porteiro pediu um tempo, foi lá dentro, e voltou com um pedaço de papel.
– Toma, é o endereço dele. Vão lá que ele está esperando vocês.
Eles se entreolharam, não acreditando, mas foram, era ali perto, poucas quadras.
Sobem no elevador (era um tempo sem porteiros), tocam a campainha, aparentemente Edu abre a porta.
– Edu!
Eu disse “aparentemente”. Era Gaspar, irmão gêmeo de Edu, que riu e abriu a porta para os meninos. No sofá, com uma bolsa de gelo, Jonas Eduardo Americo, um dos maiores jogadores da história, sorria para eles.
– E aí, pegaram o autógrafo do Pelé?
– Pegamos!
– Então pra que é que vocês querem o meu?????
E a história acaba aqui, com um sorriso congelado no tempo, como uma foto em preto e branco. Um tempo em que três meninos cariocas – um tricolor, um rubro-negro e um alvinegro – podiam reverenciar ídolos de outros clubes, e eram tratados como o que de fato eram, a verdadeira razão de ser do jogo. Um tempo longínquo, onde reis se comportavam como reis e faziam a alegria de seus súditos.
BANDIDOS COM CAMISA
por Idel Halfen
Quando algum jogo apresenta uma baixa presença de público as discussões sobre as causas giram em torno do preço dos ingressos, do calendário, do horário, da crise econômica, do mau momento do time, da concorrência de outras atividades, da transmissão pela TV, etc. Todas essas razões, sem dúvida, contribuem para o afastamento do público.
De forma proposital não adicionei a violência à relação de causas citadas, e não o fiz por entender ser essa uma variável que envolve muito mais do que ajustes mercadológicos, econômicos ou técnicos. Envolve uma forte política voltada à educação, elaboração de leis severas e um poder judiciário competente que puna com o máximo de rigor àqueles que covardemente se utilizam da violência para depredar patrimônios e saquear ambulantes que tentam subsistir vendendo produtos para os que ali estão para se divertir.
Os incidentes ocorridos no jogo final da Copa Sul-Americana de 2017 deixaram evidente o processo de degradação da sociedade e as índoles perversas dos marginais.
Isso mesmo, não passam de marginais, e para esses nem vou entrar no mérito de explicar que suas ações afastam público, patrocinadores e interesse da mídia. Idiotas que são não iriam entender, mas para os leitores vale desenvolver o assunto dentro dessas três linhas de receitas citadas acima.
Em relação à não ida ao estádio, a explicação é óbvia: ninguém quer estar numa zona de risco, porém há algo ainda pior, que é o fato de que ao se afastar as famílias se afasta as crianças, o que inibe a renovação da torcida e de fãs da modalidade.
Sobre patrocínio, a história nos mostra algumas situações de empresas que preferiram ficar fora do futebol após verem suas marcas serem expostas não apenas nos editorias esportivos, mas também nas páginas policiais com elementos sendo presos ou brigando de forma covarde. É importante lembrar que a decisão de um patrocínio, por mais evidências de retorno que possam existir, é discutida e questionada frequentemente pelos demais membros do board de uma corporação, sendo que qualquer incidente negativo fortalece a ala que é contra a iniciativa.
Quanto às receitas advindas da mídia é importante entender que essas se formam através do que as emissoras arrecadam com as vendas dos patrocínios das transmissões aos anunciantes, os quais, além de audiência querem ver suas marcas associadas a algo bom.
Pode até ser que a audiência não sofra muito impacto em um primeiro momento, ainda que a concorrência com outras formas de entretenimento esteja crescendo, porém, com o processo de formação de novos torcedores sendo prejudicado, conforme escrito anteriormente, é de se esperar que no futuro a queda na audiência ocorra. Além disso, a possibilidade de despertar o interesse e transmitir os jogos para o mercado externo, o que aumentaria a audiência, também se torna improvável.
Tal quadro pode levar naturalmente a um menor interesse dos anunciantes por esse tipo de entretenimento, o que afetaria sobremaneira os clubes de futebol.
Diante dessas reflexões, creio que o título do artigo se enquadre perfeitamente aos marginais que causam o mal ao esporte.