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LOS LARIOS

por Zé Roberto Padilha


O nome que melhor traduz a triste Taça Guanabara, um fracasso de público e de bom futebol, chama-se Los Larios. Com tanta vergonha do que tem para mostrar a sua torcida, o Fluminense foi se esconder atrás de uma moita em Xerém, distrito de Duque de Caxias. Para jogar daquele jeito, seria melhor que o gandula e sua lanterna não devolvessem a bola. Ou mesmo ela, cansada de maus tratos, caneladas e chutões, tenha se escondido, mesmo correndo os riscos de pegar uma febre amarela. Ao final da competição, pouco adiantou se esconder: ele mesmo, seu time, tratou de desaparecer das semifinais.

Sou ponta esquerda do tempo em que o Fluminense disputava, e ganhava, a Taça Guanabara jogando no Maracanã e na Rua Bariri. Tinha clássico suburbano também em Ítalo Del Cima e na Rua Teixeira der Castro.


Identificados com a equipe que representava seu bairro, enchiam o seu alçapão, formavam a zaga com Renê, Moisés, Alfinete e Paulo Lumumba e tome gente xingando a gente colada no alambrado a cada escanteio. E aí ajeitávamos a bola, caprichávamos na cobrança, para mostrar o nosso valor. Havia desafios, embates, juízes acossados, torcedores saindo para o ladrão e quem ganhava sempre era o futebol e suas paixões coladas aos ouvidos da gente.

Já Los Larios, é terra de ninguém. Ninguém torce por ninguém em Xerém. Tigres? Só um foi visto naquela mata atrás do gol. Sábado passado, contra o Macaé, apenas 654 torcedores tricolores levaram uma renda de R$ 12.420,00 para os cofres do clube. Quantia que nem paga o salário do massagista, embora o Gerônimo merecesse mais. Mas e o Maracanã, por que não jogamos por lá?


(Foto: Hector Werlang)

A FIFA ofereceu ao futebol brasileiro um presente de grego. Ainda com sua maioria habitante abastecida pelo Bolsa Família, vivendo no Minha Casa, Minha Vida e se equilibrando com um salário mínimo, a entidade maior do futebol mundial reformou nossos barracos com piscina, salão de festas, lounge e ar condicionado central. Que poucos conseguem quitar sequer a primeira parcela do condomínio.

Melhor, então, deixar o barraco trancado, ligar o rádio porque o Canal Premiére é mais caro que o ingresso, e torcer para que na Taça Rio Los Larios seja, enfim, um pesadelo tão distante quanto sua distância das Laranjeiras. Distância do que jogavam Pedro e Washington, Sornoza e Rivelino, Ibanez e Edinho. Dos números de torcedores que acompanhavam nosso time, pagavam nossos salários e eram recompensados com um futebol à altura das tradições do Fluminense FC.

O EMPATE, O PIANISTA E UM PUNHADO DE EMPANADAS

por Marcelo Mendez

“Só sobraram restos
E eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha…

Eu que tinha tudo
Hoje estou mudo
Estou mudado
À meia-noite, à meia luz
Pensando!”


Seguia a minha vida em 1978. A tal Copa do Mundo, idem.

O empate na primeira partida contra a Suécia meio que desanimou os corações em samba dos meus iguais brasileiros. Minhas observações, acerca dos adultos que me cercavam, me davam a certeza disso.

No enorme quintal da Avenida das Nações, entre as quatro casas que ali estavam, eu vivia rodeado de primos e primas, além dos meus tios e da minha bisavó Benedita a quem chamávamos carinhosamente de “Mãe Dita”.

Meu primo Tine, o mais velho dos primos, trabalhava muito e não me parecia se afetar com as coisas do escrete canarinho. Estava mais preocupado com o seu Santos, assim como seu irmão, meu outro primo Zé Carlos, que já trabalhava em seu ateliê como alfaiate. Zé era craque de bola, gente boa e quem mais me suportava. Adorava ficar enchendo seu saco enquanto ele costurava aquele monte de ternos, calças e bainhas.

Aparentemente, a vida no quintal dos Mendez seguia uma normalidade, minhas primas estudando, trabalhando. Mas foi a prima mais nova, Marlene, quem mais me chamou atenção naqueles dias.

Com 16 anos em 1978, minha prima estudava e ficava no quintal ajudando Tia Leonir com as coisas da casa. Também ajudava minha mãe, cuidando de mim e de minha irmã e escutava um disco cuja musica que mais gostava, tinha esses versos, já citados.

Eu já sabia ler e ao ver na contracapa do bolachão, descobri que a canção se chamava “Meu Mundo e Nada Mais”, cantada por um cara de nome Guilherme Arantes, que aparecia na capa do disco em uma rua deserta, com uma roupa preta, olhando para um piano solitário.

Eu achava a música linda, mas a impressão que eu tinha do moço que cantava era de que ele estava muito triste e precisava de uns primos para ajudá-lo.

“Se eu vir ele um dia, vou dar um abraço nele…” – pensava.

Demorou para vê-lo, mas isso é outra história…

Fato é que, naquele momento, não foi possível eu ajudar o moço triste do piano solitário, colocado no meio da rua.

Uma outra coisa ia acontecer na segunda rodada daquela Copa, que me marcaria fortemente. Era o jogo Brasil x Espanha e o resultado final, não sei se importa muito.

Outras coisas, além de placares, interessam para a vida.

A Descoberta da Espanha

Em 1978 eu já tinha um amigo do peito. Era o Kleber.

Ele morava na casa ao lado da minha, junto com seus pais e seu irmão Marcos, três anos mais novo que ele. Nossas conversas se davam através de um muro, que vencíamos com o auxílio de uma cobertura para o registro da água, que ficava em nossos quintais. Subíamos ali e batíamos altas horas de papos.


Kleber não podia sair muito dali, seus pais trabalhavam e ele e o irmão ficavam aos cuidados da dona da casa que eles moravam de aluguel, uma senhora muito brava, de voz forte e enrolada, de nome, Ângela.

“Venga ticos, ta na hora”

Não sabia na época que aquilo era sotaque. Para mim, ela falava errado e comentei isso com meu pai, certo dia. Ele me corrigiu;

“Ela é espanhola, de um lugar que se chama Espanha.”

“Hummm… tá bom”

Levou uns dias para eu ir la na enciclopédia Barsa que a Tia Leonir havia comprado, para saber o que diabo era Espanha. Quando soube, deduzi que deveria ser um lugar de gente bem brava, visto que a Dona Ângela pouco sorria e o marido dela menos ainda. Me pareceu um lugar o qual eu não queria estar.

Eis que de repente, ao perguntar para o Zé Carlos sobre o próximo jogo do Brasil, vem a minha surpresa:

“Será contra a Espanha, Marcelo. E temos que vencer…”

Réquiem para a Emoção. “Vá chamar…”


Do dia do jogo, me lembro que o céu pouco sorriu para nós.

Uma bruma pesada de junho, em um dia de cor acinzentada, com uma garoa grossa e uma manhã fria, diferente de todo o sol lindo do primeiro jogo, apareceu para saudar o dia do jogo no Parque Novo Oratório.

Não havia tantos programas de esportes na TV, as comunicações eram bem precárias e os boletins todos se davam pelo rádio. Meu tio João ouvia a todos, meu Pai estava bastante apreensivo, mas não pelo jogo.

Outras coisas aconteciam na Argentina, coisas que não cabem nas recordações de um menino de 8 anos, que depois viriam a fazer parte da vida de um moço, de um homem de outro tanto punhado de anos, e que me fizeram ter toda a saudade de voltar a ser menino.

A hora do jogo se aproximava e o nosso quintal enchia de gente. Primos, tios, amigos, viriam para ver o jogo conosco. Nessa hora, minha mãe me chamou e recomendou:

“Vai lá no quintal do Kleber e chama ele e o Marco para ver o jogo aqui, Marcelo”

Feliz da vida, eu fui. Mas eles não estavam lá…

A Descoberta das Empanadas!


Chegando na frente da casa, não havia campainha, nada do tipo. Chamei como sempre fazia:

“Kléééééééberrrrrrrrrrrrrrr!!! Marquiiiiiiiiiiiiiinhuuuuuuuu!!!”

No término do meu berro, Dona Ângela saiu:

“Que queres?! Como grita!!”

Meio encabulado, respondi:

“Minha mãe mandou chamar o Kleber e o Marco pra ver o jogo la em casa…”

“No quero saber de juego! Tampouco me importa. Eles não estão em casa, não tem ninguém, só yo”

Nunca vou entender o que deu em mim naquele momento. Eu era uma criança de 8 anos, na frente da casa de um vizinho, chamando um outro amigo… Era muita coisa para pensar, passados 40 anos não sei se consigo chegar à conclusão alguma. Mas arriscarei-me:

Por puro coração de criança (creio eu…) eu olhei para o fundo dos olhos daquela senhora espanhola e perguntei:

“E a Senhora?”

Ela ficou parada, bastante surpresa:

“Yo o que, Tico?”

“A Senhora num vai ver o jogo? Pode ir la em casa comigo…”

A mulher ficou com a voz embargada, com olho meio que marejado, não conseguiu mais ficar brava, nem nada do tipo. Me disse que seu marido e sua filha estavam trabalhando, que Kleber e Marcos foram com os pais na casa de um outro parente, que não queria ir na casa de ninguém e então eu falei:

“Ah, então posso ver com a Senhora aqui”

Ela não conseguiu me falar não. Segurou o que me pareceu um choro, aceitou minha proposta desde que eu avisasse minha mãe que eu lá estaria. Deixei recado com meu Tio Marinho que estava indo lá para casa. Entrei, então, em sua cozinha.

Um cheiro forte e muito bom vinha dalí. Olhei para a mesa e tinha uma travessa de algumas coisas que eu achava que era um punhado de pastéis. Ela ligou sua Tv e quando me viu olhando para o prato, me ensinou:

“Son empanadas, queres?”

Quis…

O Jogo? Ah, claro… O Jogo:


Foi uma porcaria!

Um 0x0 enfadonho, com o zagueiro Amaral tirando um gol da Espanha de cima da linha, o que não a deixou muito feliz e para falar a verdade, pouco importa. O bom da Copa foi outra coisa.

Por 90 minutos, comendo a melhor empanada da minha vida, eu e aquela senhora espanhola rimos, brincamos, torcemos, nos divertimos, como se o mundo fosse de fato algo muito bom. Aquela tarde me marcou fortemente para tudo que vivi depois em minha vida e eu procurei guardar a lembrança com carinho, por saber que ela não se repetiria.

Acabado o jogo, voltei e minha mãe não entendeu muito, mas ficou tudo ótimo.

Pouco tempo depois, mudamos para nossa casa nova que havia ficado pronta e não falei mais com Dona Ângela. Ela não me chamou mais para comer empanadas, também não a convidei mais para ver jogo na minha casa. Como que por magia, a vida nos reuniu aquela tarde, porque aquilo era o que tínhamos para viver.

“Só sobraram restos
Que eu não esqueci
Toda aquela paz
Que eu tinha

Eu que tinha tudo
Hoje estou mudo
Estou mudado…

(Guilherme Arantes, “Meu Mundo e Nada Mais”)

Vivemos.

E ao escrever essa parte da minha vida com as Copas, concluo definitivamente, que esse troço de futebol é de fato, bom pra caralho…

 

 

EDU, O ÍDOLO QUE LAMARTINE BABO NÃO VIU JOGAR

por André Felipe de Lima


O destino faz das suas. O torcedor mais ilustre do América, ninguém menos que o compositor Lamartine Babo, jamais imaginou que aquele menino, filho do alfaiate português Antunes, seria o ídolo maior do seu clube do coração. Visitava a alfaiataria de Antunes, brincava com o garoto, passando-lhe o dedo molhado de bagaceira na boca da criança, mas nada o fazia suspeitar que aquele, em seu colo, tantas alegrias proporcionaria ao América. Dona Matilde, a mãe da criança, ficava furiosa com Babo por achar que era cachaça a bebida com a qual o compositor molhava os lábios do menino, como narrou o repórter Pedro Motta Gueiros. Cachaça seria mesmo o América na vida daquela criança. América e Edu, amor à primeira vista.

Os dois se conheceram quando seu Antunes assistiu a um jogo entre o Alvirrubro e o Flamengo. O primeiro aplicou uma goleada rotunda [4 a 0] no segundo. Dali em diante o português convenceu-se de que seria Flamengo. Um português rubro-negro? Algo inimaginável. Mas não quando a personagem era seu Antunes. “O primeiro marqueteiro que o Flamengo teve na praça foi o seu Antunes, porque o papo com ele era só Flamengo. Era estranho porque todos diziam como um português pode torcer pelo Flamengo. Ele respondia que não era português. Português era sabão e vascaíno. Ele era lusitano”, narrou Edu Coimbra ao jornalista José Rezende.


Wilson “Careca”, massagista do América e amigo do casal Antunes e Matilde, perdeu a esposa durante o parto do filho Sérgio, que foi amamentado pela mãe de Edu, este nascera na mesma época. Ambos se tornariam unha e carne, irmãos a toda prova. Edu cresceu jogando descalço peladas nas ruas do subúrbio carioca. Um dia, ele e o vizinho Paulo César Puruca embarcaram no bonde rumo ao Centro do Rio. Haveria peneira do América, no campo Mavílis, no Caju. Bola perseguida pela molecada, com cada um querendo mostrar mais habilidade que o outro. No fim do teste, Puruca passou. Edu, não. Destino tinhoso.

Mas foi Puruca quem abriu as portas para Edu no América. Chegou ao clube em 1962 e, no ano seguinte, vestiria a camisa do time juvenil pela primeira vez.

O habilidoso meia Eduardo Antunes Coimbra foi um dos maiores jogadores da história do América do Rio. Para muitos, o melhor de todos que já passaram pelo clube da rua Campos Salles. Quem o lançou no time titular foi o ex-jogador e campeão pelo América, em 1960, Wilson Santos, na época treinador do juvenil. O América excursionava pela América Central, em 1966, e o garoto convenceu Wilson de que deveria ser efetivado a jogador profissional.


Edu ficou no clube até 1974. Nesse período de permanência em Campos Salles, conquistou apenas uma Taça Guanabara, no dia 22 de setembro de 1974, dia do aniversário da filha Kátia, equivalente ao primeiro turno do campeonato carioca, e o Torneio Negrão de Lima, em 1967, após dar um passe para o gol de seu irmão Antunes, na final contra o fortíssimo Nacional de Montevidéu.

Apesar dos poucos títulos, Edu permanece na memória dos torcedores por seus dribles, passes perfeitos e chutes com grande precisão. Nascido no dia 5 de fevereiro de 1947, no Rio de Janeiro, marcou 212 gols em 402 jogos. É o maior artilheiro da história do Alvirrubro.

Convocado em 1967, atuou em duas partidas durante a campanha em que o Brasil venceu a Copa Rio Branco, em Montevidéu, no Uruguai. Na seleção, Edu atuou apenas duas vezes e não balançou as redes. Muitos asseveram que Edu seria presença certa na lista de craques para a Copa de 70 caso o treinador João Saldanha não deixasse o comando do escrete. Não era para menos a empolgação de João “Sem medo” com Edu. O meia do América foi o artilheiro do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, o “Robertão”, em 1969, com 14 gols. Na época, a principal competição interclubes do Brasil. De nada adiantou. Zagalo substituiu João e levou Dario, o “Dadá Maravilha”, acatando uma “sugestão” do então presidente do governo militar, o general Emílio Garrastazu Médici.


Em 1975, o meia se transferiu para o Vasco, mas não permaneceu por muito tempo em São Januário. No mesmo período trocou a capital carioca por Salvador, para defender o Bahia, onde já na primeira temporada conquistou o campeonato estadual.

Apesar do título, Edu logo retorna ao Rio. Em 1976, assinou contrato com o Flamengo [clube pelo qual seu irmão mais novo, Zico, brilharia na década seguinte], mas também não conseguiu se firmar na Gávea. Deixou o rubro-negro e passou por diversos clubes, entre eles: Colorado, do Paraná [1976-1978] — pelo qual foi abelheiro dos certames de 1977 [14 gols] e 1978 [8 gols] — , Joinville [1978] e Brasília [1979]. Em 1980, chegou ao Campo Grande, do Rio, clube pelo qual encerrou a carreira em 1981 e que também era admirado pelo pai, seu Antunes, que morou no bairro da zona oeste do Rio quando era solteiro. Entre 1966 e 1978, Edu anotou 250 gols na sua lista.

Após deixar os gramados passou a dedicar-se ao trabalho na antiga Funabem [Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor] e à carreira de treinador. Começou em 1982 com a equipe de juniores do América. Esteve à frente de várias equipes do México, Peru, Equador, Japão e do Brasil, entre elas o América, em 1982, e o Vasco da Gama, em 84.


Lamartine Babo

O América foi a sua primeira experiência como técnico em times de profissionais. Logo no primeiro ano, em 1982, conduziu o time ao título da primeira edição da Taça Rio, segundo turno do campeonato carioca. Com o time de São Januário, foi vice-campeão brasileiro em 1984, após perder o primeiro jogo [1 a 0] e empatar, sem gols, o segundo, para o Fluminense. O sucesso a frente do Vasco lhe rendeu um convite de Giulite Coutinho, então presidente da Confederação Brasileira de Futebol [CBF] e americano convicto, para dirigir a seleção brasileira em 84. A passagem foi, entretanto, curta. Também dirigiu a seleção iraquiana. Em 2006, foi auxiliar técnico de Zico na seleção japonesa que disputou a Copa do Mundo.

Lamartine, que morreu antes de ver brilhar o filho do alfaiate Antunes, ficaria muito orgulhoso por Edu.

DOMINGO COM DÉ

por Rubens Lemos


(Foto: Marcelo Tabach)

Está ficando docemente repetitivo elogiar as resenhas dominicais do Museu da Pelada, timaço onde me encaixo de operário carregador de piano.

O papo com Dé, que revejo em fragmentos com cabeleira vasta black power e camisa do Vasco e depois a do Botafogo, extrapolou os limites do brilho histórico saudosista.

Dé é uma instituição dos anos bicho-grilo, alter ego da malandragem autêntica, forjada nos caminhos de terra batida hoje ocupados pelos campinhos de luxo onde vivem os mimadinhos que praticam o futebol de joanete.

Dé sabia jogar. Técnica apreciável, a esperteza que o mestre Ariano Suassuna definiu como arma do pobre. Que o exaltava nos alçapões de subúrbio e no sítio arqueológico do Ex-Maracanã.

Seu mundo é o universo brasa, mora? Dos brotinhos e do talento em superlotação.

Saudades de Dé.

Artilheiro precioso contador de histórias.

Nos domingos pobres de agora, domados por androides e lutadores de MMA calçando chuteiras, a onda (bem Dé né?) é assistir, extasiado, aos clássicos que só no Museu da Pelada tem.

Dé Aranha + Edson Mauro

MALANDRO É MALANDRO

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | foto: Marcelo Tabach | edição de vídeo: Daniel Planel

 

Há muito tempo estávamos atrás de uma resenha com Dé Aranha e, na mesma proporção, a rapaziada vivia sugerindo uma matéria com um dos pontas mais endiabrados que o futebol brasileiro já produziu. O dia finalmente chegou e, para justificar a demora, promovemos um encontro do craque com Edson Mauro, o “Bom de Bola”, uma dupla afinadíssima que proporcionou boas risadas à equipe do Museu!

Muitos não sabem, mas foi Edson Mauro quem abriu as portas do mundo do rádio para Dé. A amizade entre os dois vem de longa data.


– Eu era narrador esportivo e o Dé jogador do Vasco quando nos conhecemos. Começamos a ter uma relação legal porque a Rádio Globo me colocava no mesmo voo e hotal da delegação durante as muitas viagens que fazíamos! – lembrou Edson Mauro.

Aproveitando o contexto, Dé não poupou críticas ao comportamento atual dos jogadores em relação às emissoras:

– Hoje há uma barreira e não se chega aos jogadores como se chegava antigamente. Eles estão cada vez mais marrentos. Na minha época, eu ficava doido para dar uma entrevista para a Globo e sempre procurava os microfones!  

Figura muito bem-humorada, Dé é a personificação daquele jogador que muitos sentem falta hoje em dia. Não só por sua personalidade, mas também por tudo que fazia dentro de campo, atormentando os marcadores nas pontas, função que está em extinção no “futebol moderno”. 

Durante o papo, o craque revelou seu nome de batismo e lamentou o fato de não ter nascido na Inglaterra ou nos Estados Unidos. O motivo é surreal:

– Meu nome é Domingos Pedra. Se eu fosse inglês ou americano meu nome seria muito bacana: Sunday Stone! – disse com pronúncia e tudo.

Engana-se, no entanto, quem pensa que o jeitão malandro se limita às resenhas fora das quatro linhas. Dentro de campo, o ponta vivia aprontando contra os rivais, usando todas as artimanhas possíveis e impossíveis para sair com a vitória.

Dentre elas, destacam-se a utilização de uma pedra de gelo arremessada para roubar a bola do zagueiro Reyes, do Flamengo, e um punhado de areia no rosto de Andrada, atrapalhando a visão do goleiro do Vasco na hora da cobrança de falta.

As malandragens, no entanto, tinham uma justificativa convincente:

– Eu vejo um campeonato como se fosse uma guerra. Cada jogo é uma batalha. Na nossa época a vitória era necessária para garantir o bicho, que era muito maior que o salário! Hoje em dia os jogadores não precisam se preocupar em vencer porque os salários são exorbitantes!

Se já não fosse o bastante, Dé ainda revelou que era o rei dos pênaltis arranjados. Segundo ele, se ralava todo durante os treinamentos ensaiando para se jogar na grande área.


Daniel Planel, Sergio Pugliese, Dé Aranha, Edson Mauro, André Mendonça e Marcelo Tabach

– Eu treinava meter o meu pé direito na frente do esquerdo e dava a impressão de que eu era calçado, pois eu era muito veloz!

No fim da resenha, a pedido de Sergio Pugliese, após muitas histórias divertidas, Edson Mauro simulou a narração de um gol marcado por Dé e o craque não poupou os elogios.

– Sendo narrado pelo Edson Mauro do meu lado me dá uma satisfação muito maior, porque minha admiração por ele é não é só como narrador esportivo, mas como ser humano. Mora no meu coração.