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BEBETO, O ETERNO MENINO PRODÍGIO

‘O Flamengo fez o maior negócio da década. Acabou de comprar o Dida ou o Zico do futuro’. Foi assim que Aymoré Moreira, técnico da seleção bicampeã mundial, em 1962, referiu-se a Bebeto, que hoje faz anos. A seguir, a íntegra da biografia do craque do “Tetra”, que publicaríamos no extinto projeto da enciclopédia “Ídolos-Dicionário dos craques”

por André Felipe de Lima


O primeiro campeonato mundial de futebol de juniores conquistado pelo Brasil, em 1983, revelou uma geração extraordinária de jogadores, que tinha como destaques o volante Dunga (ex-Internacional e Vasco da Gama e capitão do tetra mundial, em 1984), o meia Geovani (ex-Vasco da Gama), o ponta-direita Mauricinho (ex-Comercial-SP e Vasco da Gama), o lateral-direito Jorginho (ex-América e Flamengo) e o meia-atacante José Roberto Gama de Oliveira, o Bebeto, que, nas divisões de base do Vitória, mostrava um futebol incomparável. A saída de Salvador seria uma questão de tempo.

O curioso é que um ano antes do título mundial, o Vasco da Gama, que já contratara Geovani, foi o primeiro clube a almejar o passe de Bebeto. O Vitória botou preço: 20 milhões de cruzeiros; mas o destino do craque magrinho, porém, seria outro.

Com o título mundial de 1983, o passe do jovem atleta era disputado por alguns dos principais clubes do País. O Palmeiras, que ofereceu 80 milhões de cruzeiros, e o Flamengo, que ofereceu quantia menor (56,8 milhões), deixaram o Vasco da Gama para trás.


Pai de Bebeto, o corretor de imóveis Wilson de Oliveira, não pensou na maior cifra e optou pelo clube da Gávea. Afinal, naquela época, o rubro-negro era insuperável: campeão mundial em 1981 e tricampeão brasileiro (1980 e 1982–1983), com Zico, Junior, Leandro, Tita, Nunes…

“O garoto tem de ir para lá mesmo”, concluíra o pai, torcedor do Flamengo, como toda a família Gama, exceto o menino Bebeto, que desde pequeno gostava do Vasco da Gama por conta do avô materno, que se chamava Vasco da Gama Nogueira da Gama. Mas o cruz-maltino perdeu espaço no coração de Bebeto, logo que o jogador pisou na sede da Gávea. E, no dia 23 de março de 1983, sob o comando do treinador Paulo César Carpegiani, Bebeto estreava no poderoso Flamengo durante a vitória por 2 a 0 contra o Tiradentes-PI.

Famoso pelo olhar aguçado para gênios da bola, o treinador Aymoré Moreira, técnico da seleção bicampeã mundial, em 1962, foi categórico: “O Flamengo fez o maior negócio da década. Acabou de comprar o Dida ou o Zico do futuro”. Humilde, o garoto respondia às comparações, afirmando que jamais outro craque teria o mesmo nível de Pelé ou Zico.

Foi nas peladas do Colégio Estadual da Bahia, em Salvador, que descobriam o futebol incomum de Bebeto. Não tardou para que olheiros o levassem para um grande time da cidade. O Bahia largou na frente. E lá estava Bebeto no infanto-juvenil do tricolor baiano. A cada jogo preliminar dos profissionais do Bahia, os jogadores mais velhos chegavam cedo ao estádio para vê-lo jogar. O garoto era indiscutivelmente um espetáculo que, por incompetência dos cartolas do Bahia, acabou migrando para o rival. Tudo porque a política do clube não permitia ajuda de custo a jogadores de divisões inferiores. Bebeto arrumou as malas e partiu para o Vitória, levado pelo amigo Edi, um ex-meia direita. O treinador Pinguela olhou o adolescente muito magrinho e quase o dispensou, mas Edi insistiu para que desse uma oportunidade para Bebeto mostrar o que sabia. E, em dez minutos, Pinguela decidiu que o garoto já era do Vitória, e mais: titular absoluto do time de juniores. “Fiz um gol e já saí de campo com um papel cor-de-rosa para meu pai assinar”.


Mas algo precisava ser feito para que o menino ganhasse mais corpo. Magrinho, daquele jeito, não daria pé. Sendo assim, os cartolas levaram-no, em 1981, a Belo Horizonte, para uma consulta com o doutor Neylor Lasmar, médico do Atlético Mineiro e da Seleção Brasileira. Lasmar foi enfático: talvez não precisasse submeter Bebeto a rigoroso tratamento idêntico ao de Zico. Bastaria muito exercício físico para que o garoto explodisse em vigor. O médico estava certo. Quando já se era jogador do Flamengo,, entre 1981 e 83, Bebeto crescera cerca de sete centímetros e aumentara o peso em mais 13 quilos.

O menino que nascera em Salvador, no dia 16 de fevereiro de 1964, não tivera uma infância abastada. Viera de uma família com nove irmãos. Jamais teve bicicleta, nem bola, como ele mesmo chegou a declarar à imprensa quando chegou ao Flamengo. Presente de Natal? Segundo ele, ganhou um bonequinho do Topo Gigio, quando tinha sete anos. Era o que lembrava. “Meu pai passava um cortado para nos sustentar”.

Embora franzino – quando aportou na Gávea, em 1983, pesava apenas 55 quilos –, Bebeto encantava pelo futebol de dribles precisos e passes rápidos. Os cartolas rubro-negros, a torcida e a imprensa viam-no como substituto de Zico. Afinal, ambos foram submetidos a um intenso trabalho de preparação física e se tornaram ídolos. Logo após o Galinho de Quintino passar o cetro a Bebeto, uma tragédia abalou o jovem ídolo, cujo passe saltou, em um ano, de 56 milhões de cruzeiros para 400 milhões. No dia 20 de dezembro de 1984, Nilton, seu irmão e com quem morava no Rio de Janeiro, e Figueiredo, zagueiro do Flamengo, morreram em um acidente aéreo, em Nova Friburgo.

REBELDE

Após o Flamengo ficar à sombra do Fluminense, entre 1983 e 85, Bebeto superou o drama pessoal e o estilo rebelde sem causa, que tanto incomodava José Roberto Francalacci, preparador físico do clube e responsável direto pela evolução física dele e, no passado, de Zico.


Certa vez, em 1984, Bebeto foi afastado do time pelo técnico Cláudio Garcia. Deveria ficar no Rio de Janeiro treinando, enquanto o time viajava para Campo Grande (MS). Mas Bebeto não obedeceu às ordens do treinador. Seguiu para Salvador e, quando retornou à Gávea, alegou ter ido ver a mãe, que estaria doente. Foi Francalacci que livrou a barra de Bebeto com a diretoria do Flamengo. “Sei que ele fez aquilo em represália por não estar jogando, mas nós precisamos ganhar sua confiança e não é com castigo que se consegue isso”.

Amenizar o perfil rebelde – e até indolente nos exercícios físicos – de Bebeto não foi fácil. Em meados de 1984, o Flamengo enfrentava o Botafogo, quando Zagallo decidiu tirá-lo de campo para que desse lugar a Nunes. Bebeto deixou o gramado correndo e desviando dos microfones dos repórteres. Fosse pouco o gesto, tratou de piorá-lo ao empurrar o supervisor Américo Faria e chutar a porta do vestiário. “É uma injustiça. Zagallo está querendo me queimar com a torcida” – esbravejou. No dia seguinte, o pai o acordou com uma sonora bronca pelo telefone, cobrando-lhe que lesse novamente a carta que lhe dera quando trocou Salvador pelo Rio de Janeiro. Na missiva, constava: “Quando estiver com 30 anos, quero que você seja o maior do mundo, embora pense que eu não chegarei até lá. Quero que você siga o exemplo do Pelé e do Zico, que nunca entram nessa de amigos falsos, de noites perdidas e, hoje, sem problemas financeiros, podem ir para onde quiser, pois não precisam de mais ninguém”.

Zagallo, apesar de tudo, foi paciente com o garoto. Chamou-o para um papo e aconselhou: “Menino, fui campeão do mundo em 1958 e, no mesmo ano, fui escalado num time de aspirantes do Botafogo. Não reclamei e acabei campeão da categoria, antes de recuperar a posição de titular. Voltei a ganhar a Copa do Mundo em 1962. Seja paciente e espere a sua hora”.

Mas o que Bebeto não tinha era paciência. Até que o irmão Nilton viesse morar com ele no Rio de Janeiro, o jovem craque alojara-se na concentração dos amadores, que ficava em Jacarepaguá. De lá até a Gávea, demorava uma hora e meia, invariavelmente de pé em um ônibus. Com dificuldades de engrenar no time, por ser sacado na maioria dos jogos, passou a temer pelo futuro da carreira. Foi nesse período que o zeloso Nilton chegou para orientá-lo e encorajá-lo. Bebeto transformara-se. O menino recordou a carta do pai e passou a agir como homem. Mas quando começou efetivamente a crescer, perdeu o irmão, morto num acidente aéreo, como dito anteriormente. Deprimido, Bebeto perdeu cerca de seis quilos; e uma instabilidade emocional afetou seu desempenho nos gramados. “Bebeto ficou desesperado, inconsolável”, testemunhou Vilma Gomes Pedro de Andrade, mãe de Denise, com quem Bebeto namorava, na época da tragédia.


Quando conseguia marcar um gol, a comemoração era contida. Ajoelhava-se, olhava para o alto e abria os braços. Fez isso algumas vezes, como em um gol que marcou contra o Santa Cruz, em jogo que terminou 4 a 1 para o Flamengo.

Com a família numerosa amparando-o em sua casa na Barra da Tijuca, e distraindo-se com o pequeno zoológico que mantinha no quintal, bem mais maduro e resignado com a perda de Nilton, Bebeto finalmente cresceu e pôde sentir o gosto de ser campeão com a camisa do Flamengo. E logo contra o Vasco da Gama, que àquela altura já havia pescado Mauricinho, tinha Roberto Dinamite em forma estupenda e lançava um promissor garoto: Romário, com quem Bebeto formaria anos mais tarde uma das maiores duplas de ataque da Seleção Brasileira em todos os tempos.

Para cima do Vasco da Gama, o baianinho levantou o seu primeiro troféu. Era campeão carioca de 1986, com jogadas e gols inesquecíveis. Firmara-se o ídolo no panteão de heróis rubro-negros. “Assistir a uma partida de Bebeto vale qualquer esforço”, revelou o ator Francisco Cuoco que, de chapéu e óculos escuros, disfarçava-se para ir ao Maracanã em dias de jogos do Mengão.

O final daquele ano lhe reservou, contudo, uma surpresa desagradável. Em jogo contra o Atlético Goianiense, Bebeto chocou-se com o lateral Dick. O craque rubro-negro levou a pior, quebrando o braço.

No ano seguinte, a glória maior com a camisa vermelha e preta: o tetracampeonato brasileiro, com um time que já passava por profundas transformações. Nas semifinais e na final da competição, o baiano deixou sua marca de goleador: marcou contra o Atlético MG, na semifinal, e contra o Internacional, na finalíssima.

Aliás, um dos gols mais importantes de sua carreira. Um gol que garantiu o placar de 1 a 0, o gol do título do Flamengo. Do Flamengo novamente o melhor do Brasil. Após o apito do árbitro, o jovem ídolo chorou. Chorou muito. Enfim, podiam chamá-lo de “chorão” que ele nem ligava. O ano era seu. Enfim, o desfecho de 1987 foi de muita festa para Bebeto, que, além de campeão brasileiro, casou-se com Denise, no dia 13 de novembro de 1987. E à amada dedicou a grande conquista nacional e o gol do título.

Em 1989, quase foi para a Europa. O Bayern de Munique desembolsaria impressionantes US$ 2 milhões para tê-lo. Roma, Juventus de Turim e Olympique de Marselha também correram por fora no páreo por Bebeto, que àquela altura já era o melhor jogador brasileiro, ao lado de Romário.

A trajetória na Gávea se aproximava do fim. O saldo foi, porém, extraordinário. Participou de 310 jogos, venceu 170 e empatou 78. Tornou-se o sexto maior artilheiro do Flamengo em todos os tempos, com 151 gols. Foi artilheiro do Campeonato Carioca em duas ocasiões: 1988 e 1989, marcando 17 e 18 gols, respectivamente.

HOMENAGEM AO VOVÔ VASCAÍNO?

Diante de um futebol tão loquaz como o de Bebeto, seria difícil mantê-lo no Brasil. Naturalmente que o futebol europeu seria o destino mais provável naquela situação. Mas, por incrível que pareça, os cartolas do Flamengo brigaram com ele e se recusaram a renovar seu contrato, nas bases que Bebeto desejava. Em julho de 1989, o passe do atacante foi parar na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Quem depositasse mais, levaria o craque. E não foi nenhum clube europeu o autor da milionária proeza. Foi o Vasco da Gama, por meio de um grupo de empresários e de uma vultosa quantia oriunda das vendas dos passes de Romário, ao PSV Eindhoven, e de Geovani, ao Bolonha. Bebeto trocou a Gávea por São Januário. Uma ousadia que implicou, no passado, em alguns transtornos a jogadores como Jair Rosa Pinto. Situações muito parecidas a dos dois ex-craques.


A torcida rubro-negra, obviamente, definiu Bebeto como um “traidor”. O que nunca foi esquecido por torcedores, digamos, mais passionais. Bebeto entristeceu-se. A situação era constrangedora. E ficou ainda mais quando ele revelou que durante a infância era um apaixonado torcedor do Vasco da Gama e que o seu avô se chamava Vasco da Gama. Polêmica, portanto, instaurada.

O craque alegava à imprensa que jamais desejou abandonar o Flamengo e que o clube não lhe dera o valor necessário, já que o definiam como o sucessor de Zico: “Todo mundo falava nisso, mas nunca me deram valor. Na hora de renovação de contrato era uma briga pra renovar. Passei seis anos no Flamengo e nunca fiz um contrato à minha altura”, declarou o craque, na época, para quem o único culpado por deixar o Flamengo foi o presidente do clube, Gilberto Cardoso Filho.

A operação que o levou do Flamengo para o Vasco da Gama só foi possível porque, em primeiro lugar, o Rubro-Negro dificultava a renovação do contrato do craque, em segundo lugar, Antonio Soares Calçada, então presidente do Vasco da Gama, sabendo da situação, começou, no dia 1º. de julho, a assediar José Moraes, procurador de Bebeto. No dia 4, Gilberto Cardoso, George Helal (vice de futebol do Flamengo) e Josef Berensztein (vice de finanças) oferecem US$ 150 mil para a renovação de contrato. E, enfaticamente, nenhum centavo a mais.

No dia 9, José Moraes procura Antonio Soares Calçada, que pede para ele entrar em contato com Eurico Miranda. “Agora é com ele que você negociará”.

Três dias depois, em Lisboa, Gilberto e Calçada almoçam juntos. O cartola vascaíno nega qualquer interesse por Bebeto. Mas, no Hotel Intercontinental, no Rio de Janeiro, onde a Seleção Brasileira estava concentrada, Eurico e Bebeto acertam os detalhes do contrato. 
No dia 14, Moraes afirma a Helal que há um grupo de empresários querendo levar o passe de Bebeto e que, depois do negócio fechado, emprestaria o craque para um grande clube brasileiro. A intransigência dos cartolas do Flamengo chegou ao ápice, com o passe de Bebeto fixado na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro em 7,5 milhões de cruzados novos, moeda da época. Enquanto isso, Calçada continuava negando interesse por Bebeto e Gilberto, insistindo nos US$ 115 mil anuais para Bebeto. No dia 19, Bebeto e o Vasco da Gama já haviam acertado as bases do milionário contrato. A única condição é que a contratação só fosse anunciada no dia 27, após o depósito do dinheiro na conta da Federação. 
Os desesperados cartolas do Flamengo trataram de arrumar um “judas” para o imbróglio: José Moraes. Até boneco com o nome do procurador foi queimado na Gávea, por indignados torcedores, durante um jogo do Flamengo contra Paysandu, pela Copa do Brasil.
Só no dia 24 é que a turma da Gávea se deu conta de que quem estava por trás de toda a operação era o Vasco da Gama. Diante de muita pressão da torcida do Flamengo, a cúpula do clube jantou com Moraes e igualou a proposta do rival. No dia seguinte, Michel Assef (advogado do Flamengo), Josef e Márcio Braga (no papel de conselheiro do clube), encontraram Moraes e Bebeto em Teresópolis, na concentração da Seleção.

Bebeto diz a eles que já firmou acordo com o Vasco da Gama e que nada mais poderia fazer pelo Flamengo. No dia 26, os dirigentes do Flamengo tentam falar novamente com Bebeto, em Teresópolis, mas nada conseguem. O contrato com o Vasco da Gama já estava assinado. À noite, o Flamengo consegue uma liminar na 27ª. Vara Cível para impedir o depósito do dinheiro na Federação. No dia 27, os desesperados cartolas rubro-negros conseguem falar com Bebeto. Ouviram dele o que não queriam: “Não quer mais ficar na Gávea. Ele (Gilberto Cardoso) disse que eu não estava com essa bola toda”.


No dia 28, enfim, o Vasco da Gama derruba a liminar do Flamengo e deposita do dinheiro na Federação. Bebeto vestiria, dali em diante, a camisa cruz-maltina.

Bebeto foi, lógico, bem recebido no Vasco da Gama. E logo no primeiro ano, em 1989, ao lado de craques como Mazinho, Bismark, William e Luís Carlos Winck, conquistou o segundo título brasileiro para o clube da cruz-de-malta. Saiu-se tão bem no Vasco da Gama que recebeu da crônica esportiva sul-americana o título de melhor jogador do continente.

Embora tivesse uma trajetória feliz nos gramados, vestindo a camisa do Vasco da Gama – 60 gols em 116 jogos –, chegara a hora de respirar ares europeus. Mais uma vez, Bebeto surpreenderia ao se transferir para um clube espanhol sem nenhuma tradição. Em 1992, vestia a blusa azul e branca do Deportivo de La Coruña, da Espanha. O craque se tornou o maior nome do futebol espanhol, junto com Romário, que estava no Barcelona. O Deportivo, de Bebeto, disputou os títulos de 1993 e 1994. Por muito pouco, não levantou o caneco espanhol. Bebeto se tornou recordista de gols do Deportivo em uma temporada (29 gols) e foi decisivo para a conquista da Copa da Espanha de 1995.

Bebeto é, sem dúvida, um dos maiores ídolos da história do La Coruña. Sua grande frustração na Espanha foi não conseguir o título espanhol para o clube, na temporada de 1993/94. O La Coruña liderara a competição até a última rodada, mas, no fatídico dia 14 de maio de 1994, quando se realizara a última rodada, o clube precisava de uma simples vitória sobre o Valência para levantar a taça. Aos 44 da segunda etapa, quando o placar estava 0 a 0, o árbitro marcou penalty para o La Coruña. Bebeto, que era o cobrador oficial junto com outro brasileiro, o Donato – que já havia sido substituído, não quis cobrar e deixou o “abacaxi” para o zagueiro Djukic, que bateu mal à beça. Bebeto esquivou-se do penalty porque alegara estar sentindo dores na coxa. O jogo terminou sem gols e o Barça, que foi alcançando o time do Bebeto rodada a rodada, acabou campeão por ter vencido sua peleja derradeira na tabela.

Bebeto estava em ótima fase. Do Japão, veio uma proposta milionária (US$ 7,5 milhões) do Yomiuri Verdy (Tokyo Verdy desde 2001). Recusou; queria retornar ao Brasil. O jogo de despedida do “Deus-Bebeto” – como estampavam faixas na arquibancada de La Coruña – foi emocionante. Aclamado como o maior herói do clube galego em todos os tempos.

A epopeia de Bebeto na Seleção Brasileira não foi menos gloriosa. Um dos ícones de uma das gerações mais vitoriosas do futebol brasileiro, que já erguia taças internacionais ainda nos juniores, como o Mundial de 1983, teve sua primeira oportunidade com a “Amarelinha” pelas mãos de Evaristo de Macedo, que o colocou lado a lado de Sócrates e Zico.


Mas a grande fase começou em 1989, na Copa América de 1989, no Maracanã. Ele e Romário, em uma das mais brilhantes atuações de uma dupla de ataque da Seleção Brasileira durante uma decisão, destruíram o Uruguai e conquistaram o Campeonato Sul-Americano, de cujo troféu o futebol brasileiro não via há muitos anos. Inesquecível!

De Bebeto e Romário, se esperava tudo. Foram novamente convocados por Sebastião Lazaroni (que dirigira Bebeto no título carioca de 1986, pelo Flamengo) para a Copa do Mundo na Itália.
Infelizmente, um fiasco! O time que tinha Branco (Fluminense), Ricardo Rocha (São Paulo), Ricardo Gomes (Fluminense), Muller (São Paulo) e Alemão (Botafogo) fez feio e foi eliminado pela Argentina de Maradona e Caniggia. Indispôs-se publicamente com Lazaroni. Não seria diferente a relação com Falcão, que entrara no lugar de Lazaroni, no comando da Seleção.

Teve todas as chances para se firmar, no lugar de Careca, no escrete dirigido por Paulo Roberto Falcão. Mas reclamava do técnico, embora tenha se curado de um desequilíbrio muscular na coxa direita graças à comissão técnica liderada pelo gaúcho. Insatisfeito, apesar de curado, pediu para deixar a Seleção três dias antes do embarque da delegação ao Chile para a Copa América, em 1991. 
Mas o tempo moldaria Bebeto, um craque indiscutível.


Nos Estados Unidos, em 1994, aquela geração liderada por ele e Romário redimiria o futebol brasileiro. Enfim, após mais de 20 anos no estaleiro, o tetra veio em cima da Itália, em uma das finais mais dramáticas da história do futebol, marcada por uma longa cobrança de pênaltis.

“Depois do tetra, talvez eu pare. A certeza é que não vou ser pentacampeão”, disse Bebeto, com um ar profético.

Teve uma chance para derrubar a profecia: fez parte do grupo de 1998, agora sem Romário, cortado por Zagallo e Zico. Sem o parceiro de 1994, formou dupla com o garoto Ronaldinho (Fenômeno).

Tudo foi complicado naquela Copa francesa. Teve uma áspera discussão com o capitão Dunga durante o jogo contra a Dinamarca e viu o penta ir pelos ares após a acachapante vitória da França por 3 a 0 na final. Balançou, contudo, a rede três vezes: contra Marrocos (3×0), Noruega (1×2) e Dinamarca (3×2).

Mas o saldo foi positivo: no Escrete, três Copas, um título, um vice e uma medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, nos Estados Unidos. Na Seleção Olímpica, a medalha de ouro não veio. Contentou-se com a prata em Seul (1988), participando de um time formado por um misto das seleções campeãs mundiais de juniores em 1983 e 1985, com Taffarell, Muller, Dunga e Geovani. Deu União Soviética.

Aquela promissora Seleção teve o comando do técnico Carlos Alberto Silva, com quem Bebeto havia se desentendido durante o torneio pré-olímpico, em 1987, após perder um pênalti contra a Colômbia. Bebeto teria sido empurrado pelo treinador – há quem diga que até um tapa foi desferido –após reclamar de sua substituição e começar a chorar. Veio deste episódio a incômoda fama de “chorão”, que serviu de chacota para as torcidas adversárias e de muita aporrinhação para Bebeto, dentro e fora dos gramados.

A violência era mais moral que física. Evitava ler jornais e revistas para não se aborrecer. Mesmo assim, ao espiar algumas folhas, rasgava-as irritadíssimo. A torcida do Flamengo tratou de apoiá-lo: se recebia 200 cartas por mês, esse número subiu para 300. Bebeto elevou o moral. “Choro, e daí? A torcida entende que sou um homem de verdade, mesmo chorando quando tenho vontade”.

Menino prodígio, desde cedo Bebeto foi cercado de extremos cuidados pelo Flamengo. Especulava-se que o jovem ídolo rubro-negro dormia mal e sofria com diarreias em véspera de jogo decisivo. Incomodava-o também uma impertinente gastrite. Tanto esmero do pessoal da Gávea e insistentes especulações sobre o perfil do craque renderam comentários da imprensa de que o craque era “mimado” a ponto de não aceitar realizar um tratamento de hidromassagem no Flamengo por conta de um, no mínimo, curioso motivo: ficara traumatizado na infância após levar um choque elétrico durante um banho.

O ESPÍRITO É FORTE, MAS O CORPO…

Já campeão mundial em 1994, um amadurecido Bebeto voltaria aos Jogos Olímpicos, em 1996, na cidade norte-americana de Atlanta, tentando novamente o ouro. Mas a Seleção tombou nas semifinais diante dos velozes nigerianos. Bebeto fez seis gols na competição, terminou com a medalha de bronze e retornou ao Flamengo para formar o “ataque dos sonhos” ao lado de Sávio e Romário. Não deu certo.

O então presidente do Flamengo, Kleber Leite, vendeu o passe de Bebeto ao Sevilla, o que o deixou muito desapontado. Ficou pouco tempo na Espanha e regressou em 1997 a Salvador para defender o Vitória. Foi campeão baiano e da Copa Nordeste no mesmo ano em que chegou ao clube. Transferiu-se para o Botafogo, em 1998, e conquistou o Torneio Rio–São Paulo. Deixou o alvinegro carioca em 1999 para fazer dólares no exterior. Jogou pelo Toros Neza FC (1999), uma tentativa frustrada de repetir o feito do La Coruña mas, sem receber salários, ameaçou o clube com uma greve particular. Virou ídolo dos companheiros, que entraram em campo com a seguinte frase na camisa: “Bebeto, estamos com você”. O craque jogou apenas oito partidas e marcou um gol. Do México saiu sem receber cerca de dois milhões dólares.

Da aventura mexicana para aventura britânica. Bebeto submeteu-se a um estranho teste no Sunderland Association FC, mas o que ofereceram era muito pouco para seu perfil de craque campeão mundial.

Sem negócio na Inglaterra, partiu, após ouvir atentamente o conselho do ídolo Zico, para o japonês Kashima Antlers, em março de 2000, antes de retornar novamente ao Vitória, em agosto do mesmo ano, onde repetiu o pífio desempenho do Toros, disputando somente oito jogos oficiais pelo Kashima e marcando apenas um gol.

Bebeto não estava bem. Custou a se recuperar de um estresse no joelho direito, que motivou o fim do contrato com os japoneses e a perda de parte do salário anual de um milhão de dólares. Era nítido o declínio da carreira. Com o Vitória, onde esperava dar a volta por cima, entrou em campo apenas três vezes. Bateu no Flamengo, pedindo uma oportunidade. Fecharam-lhe a porta.

Mesmo assim, sob a influência do eterno parceiro de ataque, Romário, Bebeto ressurgiu no Vasco da Gama, em agosto de 2001, para a disputa do Campeonato Brasileiro. Estava há oito meses sem participar de um jogo oficial, mas o cartola Eurico Miranda, que não o queria mais vestindo a camisa cruz-maltina, cedeu ao apelo de Romário e aceitou Bebeto de volta a São Januário. “Digo uma coisa hoje e amanhã falo outra, sem problemas”, assinalou Eurico.

O “Baixinho” convencera o cartola de desistir da promessa de nunca mais deixar Bebeto jogar no Vasco da Gama, desde que ele deixara o Deportivo para atuar pelo Flamengo, em 1986.

De nada adiantou. Bebeto estava fora de forma e passou a maior parte do tempo no banco de reservas. Deixou o clube, mas tentou uma nova investida, em 2002. Em vão. Se, no Brasil, não havia mais espaço para Bebeto, tentar o exterior novamente era o único recurso. Sendo assim, arriscou-se no futebol árabe. Deu-se mal. Jogou apenas cinco vezes, com um gol marcado, e teve o contrato rescindido por deficiência técnica, como alegaram os árabes. Para piorar a situação, tal como os mexicanos do Toros, o Al-Ittihad ficou devendo ao craque uma parruda grana.


Cansado da rinha com os matreiros cartolas estrangeiros, com a idade pesando e lhe impedindo as memoráveis arrancadas e dribles de outrora, Bebeto decidira colocar um ponto final na carreira, a vitoriosa trajetória de um dos maiores atacantes da história do futebol brasileiro.

Com Jorginho, companheiro do mundial de juniores de 83 e do tetra de 94, Bebeto tornou-se empresário de jogadores e oferece assistência social a crianças carentes.

Divide a paixão entre as cidades do Rio de Janeiro e de Salvador, onde tem residências. Com Denise, a companheira de sempre, tem três filhos, um deles, Mattheus, uma grande revelação das divisões de base do Flamengo. Não abandonou, porém, o futebol.

Em dezembro de 2009, Romário, então gestor do América RJ, convidou o antigo parceiro do ataque canarinho para assumir o cargo de técnico do Alvirrubro carioca para o retorno do clube à primeira divisão do campeonato do Rio de Janeiro. Bebeto iniciaria, ali, sua carreira de treinador. Mas em 2010 decidiu aventurar-se na política. Elegeu-se deputado estadual pelo Rio de Janeiro. Bebeto sempre foi surpreendente.

HERDEIROS

por Claudio Lovato


Airton e Ênio Rodrigues, nos anos 50 e 60, parceria longa e vitoriosa, fundamental para que uma coleção de taças tivesse como destino o Olímpico.

Ancheta e Oberdan, juntos naquele inesquecível 1977 em que o Tricolor, sob o comando de Telê Santana, abria caminhos para conquistas além-fronteiras.

Baidek e De León, a dupla que ajudou o Grêmio a conquistar a América e o Mundo, em 1983.

Rivarola e Adilson, nos anos 90, os beques sem medo de nada naquele Grêmio que ganhou tudo.

As grandes duplas de zaga são uma parte especialmente marcante da História do Grêmio. Sempre tivemos muito orgulho dos nossos guerreiros da defesa e das duplas que eles formaram.


Em sua maioria, não por acaso, capitães. Líderes. Ídolos. Lendas.     

E então chegou a hora e a vez de Pedro Geromel e Walter Kannemann. E todos nós, gremistas, agradecemos aos deuses do futebol por esse presente.

Geromel e Kannemann, o centurião paulistano, magro como espeto, vindo da Alemanha, e o viking argentino nascido em Concepción del Uruguay que estava no México no aguardo de um chamado do destino emitido de Porto Alegre.

Pedro Geromel é um só? Parece que não, a julgar pelo fato de que está em vários lugares do campo o tempo todo, sempre no lugar certo. É invariavelmente dele o pé salvador. E, volta e meia, vai pra cima, brincar (a sério) de ponta-direita. Zagueiro craque. Bola no pé.

Walter Kanemman tem noção do que seja o perigo? Parece que não, porque jamais coloca menos que 100% de vontade em qualquer disputa de bola, por baixo ou por cima, em partidas eliminatórias ou (sic) jogos amistosos. Futebol simples, essencial, sem temores, às vezes quase suicida. Bola no pé; sim, senhor, ele sabe tratá-la muito bem – à sua maneira.   


São donos da área, têm completa sintonia entre si, exercem e compartilham liderança, são referência para os companheiros e paradigma para a torcida.

Pedro e Walter, o manto Tricolor lhes cai bem. E como vocês sabem honrá-lo!

Vocês estão dando continuidade a uma lendária linhagem de heróis.

Vocês, que se imbuíram do espírito do Grêmio, são dignos herdeiros de uma nobre estirpe.

E isso é para sempre.  

 

O APAGÃO DE RONALDO

por Zico


Vocês podem me cobrar isso daqui a 30 anos: eu não estava presente quando aconteceu o problema com Ronaldo. Assim que acabou o almoço, fiquei conversando com Gilmar e Evandro. Mais ou menos por volta de 14h30, Ronaldo teve uma convulsão e saíram gritando que ele estava morrendo.

Por volta das 16h, estava indo para o meu quarto, pra me trocar, porque às 17h tinha lanche e, depois, a preleção. Wendell me chamou:

– Acho que aconteceu alguma coisa com o Ronaldo. Melhor você ir lá em cima ver.

Quando cheguei no quarto do Ronaldo, estava o Joaquim da Mata em pé, Ronaldo sentado na cama e Roberto Carlos na outra cama.

– Dr. Joaquim, o que houve?

– Ah, ele teve uma convulsão. Dr. Lídio já sabe, ele esteve aqui, passe no quarto dele pra saber o que ele acha.

– Zagallo já sabe?

– Acho que não.

Perguntei ao Ronaldo se estava tudo bem. Ele parou, me olhou e se deitou.

Dr. Joaquim sugeriu que o deixássemos descansar pelo menos uma hora. Roberto Carlos estava com os olhos arregalados de susto. Fui ao quarto do Lídio:

– Você conhece Zagallo melhor do que eu. Vamos falar pra ele agora, quando está descansando.

– Não se preocupe, vou lá no quarto dele e falo. Sei como vou dizer.

Aí fui para o meu quarto, Às 17h, fui para o refeitório com o Ronaldo andando na minha frente. Ele parou na porta e tentou fazer uns exercícios. Falei:

– Ô, Ronaldo, o jogo é às 21h e você já se aquecendo às 17h.

– Olha, acho que aconteceu alguma coisa comigo. Estou todo doído, parece que levei alguma surra! – ele disse.

Calculei que ele não sabia o que tinha acontecido. Deu 17h30, os jogadores no lanche, apreensivos, Joaquim da Mata foi caminhar com o Ronaldo, Lídio reuniu a gente:

– Aconteceu isso e isso, Ronaldo não tem a menor condição de jogar, está fora.

Às 18h, veio a preleção. Joaquim da Mata tinha conversado com Ronaldo:

 – Olha, aconteceu isso com você, vai ter que pro hospital fazer exames! – ele foi numa boa.

Zagallo fez uma ótima preleção:

– Brasil foi campeão do mundo sem o Pelé, ele se machucou, não pôde jogar, mas o time superou. Seria bom se o Ronaldo estivesse aqui, mas Edmundo está escalado.

No ônibus, todo mundo preocupado, principalmente o Leonardo, que a cada dez minutos perguntava:

– Ele corre risco de vida? Esse problema tem alguma consequência?

Nós, da Comissão Técnica, não sabíamos que César Sampaio tinha ido ao quarto do Ronaldo, que tinha puxado a língua dele, que Edmundo saíra gritando “Ronaldo está morrendo”. Só soube disso pelas entrevistas dos jogadores. O grande erro foi esse. Eu, pessoalmente, acho que às 14h todo mundo deveria ter sido chamado, inclusive Ricardo Teixeira, e tudo esclarecido.

Às 20h, eu estava no campo, vendo o desfile e os jogadores trocando de roupa, quando me avisaram de uma reunião. Agora, 20h?

Lá estavam Ricardo Teixeira, Zagallo, Ronaldo de frente para o médico, de short, meia, com a camisa de aquecimento:

– Olha, estou bom, meus exames não deram nada, quero jogar.

O Lídio insistia:

– Você está bom mesmo? Não sente nada?

– Estou bom, estou legal!

Aí, Zagallo falou:

– Então, vai aquecer e jogar.

Assim foi decidido.


Quando Ronaldo levou aquela trombada em campo, e caiu, eu fiquei preocupado. E todos os jogadores que sabiam do que tinha acontecido também se assustaram, principalmente o Cafu.

Conclusão: O Ronaldo deveria ter ficado internado no hospital. Todo mundo foi testemunha do que aconteceu com ele, e todos os médicos declararam que quando você tem uma convulsão, grave do jeito que nos foi passado, você tem que ficar 24 horas em observação. Mas imagina o que aconteceria se o Zagallo tirasse um jogador do quilate de Ronaldo da decisão, e o Brasil perdesse de 3 x 0. Só a autoridade médica evitaria que as coisas chegassem ao ponto que chegou.

O Lídio teve lá suas razões para liberar.

 

Texto publicado originalmente no livro Paixão e Ficção: contos e causos de futebol.

DE SORDI FOI TITULAR DA LATERAL-DIREITA EM 58. RECONHEÇAM OU NÃO

por André Felipe de Lima


A entrevista foi realizada em 1959, há exatamente um pouco mais de um ano após o Brasil conquistar a Copa do Mundo de 1958, na Suécia. O repórter, mal intencionado, pergunta: “De Sordi, qual a sua maior emoção no futebol fora a conquista da Copa do Mundo de 1958?”. De Sordi responde: “Foi no jogo contra a França. após o hino nacional brasileiro. A orquestra executou a Marselhesa e o povo cantou, acompanhando-a. Quando findou, eu estava com os olhos cheios d’água”.

“Alguma decepção?”, destila o venenoso repórter. De Sordi desvia a conversa. A memória não lhe faz bem. Não pela conquista da Copa. Isso, sempre deixou claro ter sido sua maior alegria, mas os comentários injustos de parte da imprensa, não. Sua resposta às indagações de que era um covarde ou de que se recusara a entrar em campo na final era o silêncio.

Naquele dia da emocionante Marselhesa ecoando em todo o estádio, o Brasil derrotaria a França pelo placar de 5 a 2 e iria à final da Copa. Já De Sordi, lateral-direito titular absoluto, ficaria na reserva, cedendo a vaga para Djalma Santos, que apenas com o jogo contra os suecos sairia consagrado do mundial como o melhor lateral-direito da competição. Quanto ao De Sordi, restou a inexplicável perseguição de parte da imprensa com a estapafúrdia tese de que se acovardara após uma crise nervosa que, supostamente, teria sido diagnosticada pelo médico da delegação Hilton Gosling . Uma balela que durante décadas a imprensa acolheu como “verdade”. De Sordi sempre se sentiu incomodado com a acusação, mas preferiu uma — recorrendo ao estilo nelsonrodrigueano — eloquente indignação silenciosa.


Bellini, companheiro de De Sordi no escrete de 58, saiu — duas décadas após o título da Copa — em defesa do lateral: “De Sordi, machucado, chegou a ser deslocado para ponta, mas terminou a partida como lateral-direito porque a França também teve o zagueiro Jonquet machucado, que acabou na ponta-esquerda. Daí De Sordi ter voltado à lateral”.

Sacrificado pelo esquema de Feola contra os franceses, De Sordi agravou a contusão, logo não teve a menor chance de entrar em campo na final. Quando perguntavam se o laudo do médico Gosling era verdadeiro, sabiamente se calava.

O ídolo estava acima de qualquer dúvida sobre sua moral como jogador e craque, que foi com sobras. A ponto de cronistas esportivos, torcedores ilustres e ex-jogadores do São Paulo o escalarem como lateral-direito do “time dos sonhos” da história do Tricolor Paulista, após uma enquete realizada pela revista Placar em 1982.

Nilton De Sordi é um dos mais importantes jogadores da história do São Paulo FC. É o terceiro jogador que mais vezes vestiu a camisa tricolor, ficando atrás apenas dos goleiros Rogério Ceni e Waldir Peres.

Hoje, dia 14, o grande ídolo faria anos.

A FÁBULA DOS HOMENS LARANJA, AS PAIXÕES DO TIO ZEZINHO E A VIDA, SEGUNDO A RODA GIGANTE

por Marcelo Mendez

Seguia o ano de 1978…

Por entre umas discotecas, uns sambas do Agepê, umas musicas do Wando e mais o Roberto Carlos cantando “Para ser só Minha Mulher”, corria a minha vida de menino de 8 anos em uma Santo André ainda bucólica, num Parque Novo Oratório que ainda parecia um daqueles lugares saídos dos livros do Mark Twain.

Eu chegava da escola cedo, a mãe fazia comer ali por volta de meio dia, eu comia e na seqüência, pegava minha bola e ia brincar em frente nossa casa. A Avenida das Nações, que na época era de terra, não tinha carros passando, não era via para nada além da pista de meus sonhos de craque.

Em um dia desses, com a bola debaixo do braço, olhei para frente e vi que no terreno baldio do outro lado da Rua Oratório recebia uma movimentação.

Caminhões cheios de bugigangas, homens carregando coisas e muito falatório, me chamaram atenção. Decidi então fazer uso das minhas primeiras transgressões e desobedecer a mãe, que sempre dizia para eu não ir muito longe. Fui uns 500 metros além da regra e então vi:

Um parque de diversões estava sendo ali montado. E meus olhos receberam um de seus primeiros brilhos…

A necessidade de negociar…

Perguntei para um dos caras quando ia funcionar o parquinho, ele respondeu:

– Daqui a três dias, no próximo sábado!

Uau!

Fiquei elétrico com a novidade. Corri em casa e contei a boa nova a todos do quintal nosso. Fiz eles virem até a frente do quintal para ver a roda gigante, o chapéu mexicano, a máquina de algodão doce, o tiro ao alvo e o carrossel. Os primos iam, sem muita empolgação e eu ficava indignado! Quando comentei com o primo Serginho, de minha mesma idade, ele me explicou:

– Também, você não sabe que agora tem a Copa do Mundo? Eles querem ver a Copa!

Copa do Mundo…

De novo essa coisa no meu caminho! Em 1978, no afã de meus 8 anos, comecei a ver que essa coisa de Copa não era lá muito minha amiga. Era um tal de jogo todo dia, em uns campos meio estranhos, cujas placas de grama saíam toda hora, com uns caras de cabelos mullets e com as primas suspirando pelo goleiro Leão e por uns outros cabeludos de nome Kemps e Tarantini.

Mas o que pega era que para ir no Parquinho, eu teria que negociar com essa tal de Copa no interesse dos adultos. Alguém ia ter que me levar!

E daí, entra na história meu tio Zezinho e uns outros homens de laranja…

Meu tio e Copa do Mundo

Meu Tio Zezinho era um dos alucinados por Copa, que iriam me ajudar nesse caso.

Mais novo que meu pai, Santista de coração, apaixonado pelas coisas da bola, meu Tio Zezinho era quem comprava os jornais para ler, quem acompanhava os noticiários esportivos, quem mais sabia do dia a dia da seleção nossa na tal de Copa. E também sabia de todas as outras coisas, de todas as outras seleções!

Assistia todos os jogos com o jornal e as escalações no colo, falava o nome daquela estrangeirada toda e explicava toda aquela tática maluca do tal Claudio Coutinho, nome que eu ouvia sempre em meio a xingamentos e protestos dos tios e primos.

No sábado, dia da estréia do parquinho, não pude ir, meu pai trabalhou no turno da noite e não pode me levar. Minha mãe, que já vendia salgadinhos para a vizinhança sob encomenda, tinha um pedido grande e também não pode sair. No domingo que eu achava ser possível, diacho de jogo de Copa! Não tinha jeito e então rolou uma negociação:

– Marcelo, seu Tio Zezinho tá de férias na firma. Falamos com ele e quarta-feira ele vai levar você e sua irmã lá no Parquinho” – avisou a Mãe. 

Segunda negociação; Caçulinha e algodão doce em troca de carrossel de mentira

Eu até fiquei feliz, lógico, com a noticia.

Todavia, alguns detalhes precisam ser explicados.

Tio Zezinho tava de férias, sim. Fez de tudo para negociar na firma, para pegar as férias em junho para ver a Copa. Queria ver todos os jogos e isso vinha sendo cumprido até que eu trouxe para a família resolver, o caso do Parquinho.

Gentilmente, me levou. Minha irmã não pode ir porque era muito pequena e os brinquedos, bom, vocês imaginem que na periferia de Santo André em 1978, não tinha lá umas bênçãos em se tratando de segurança. Minha mãe achou por bem, ficar desesperada apenas comigo indo lá…

Foi então que meu Tio negociou comigo:

– Filho, a gente vai, você anda em uns dois brinquedos, depois te pago um algodão doce, um guaraná caçulinha e a gente vai embora, para ver o jogo da Holanda. Depois no domingo, prometo que te trago de volta, ta bom?”

– Tá bom, Tio – respondi meio contrariado, mas fazer o que?

– O que é Holanda, Tio?”

– Ah… É outro tipo de carrossel, como esse que você andou aqui. Vamos comigo ver o jogo, você vai gostar dele.

E então, com a tal de Copa do Mundo, descobri que havia mais um lugar no mundo além do Parque Novo Oratório e de São Matheus, onde morava Tia Dete. Holanda…

Os homens laranja na minha vida


No campo, de cara, já gostei de saber que a Holanda era aqueles caras com umas camisas laranjas, muito loucas. Eles enfrentariam uns sisudos de preto e branco chamados Áustria. Em campo, meu tio explicou que eu veria o que eles descobriram quatro anos antes que era o “Carrossel Holandês, que o melhor jogador do time não veio, por causa de uns outros problemas que meu Pai já havia comentado.

– Essa parte depois seu Pai conta!

– Tá bom…

E voltamos para ver o jogo.


De cara, já saíram abrindo o placar. O time amassava a Áustria em seu campo, pouco susto tomava, diferente das partidas chatas do Brasil, eles eram alegres, faziam um monte de gols. Ouvi uns nomes estranhos, Obenmayer, Brandts, Rep, Krool…

“Que diacho de nomes!” – pensava!

E o dono do time, também tinha nome estranho; Rensenbrink.

Era ele o cara que mais pegava na bola, quem mais corria, quem mais marcava gols. Naquele 5×1, marcou um monte, para alegria do meu tio Zezinho.

– Gostou do Carrossel holandês, Marcelo?

Na hora, para não chatear meu tio, disse que gostei. Mas não gostei coisa nenhuma. Naquele jogo, vi um time pragmático, incisivo, sedento por marcar gols aos montes e lutando para ter pontos. Eu não queria pontos, queria brincar. Mas também não queria contrariar meu bom Tio Zezinho.

Saí de perto dos adultos, fui da frente de casa e olhei para onde estava a roda gigante e suas luzes. Fui tomado naquele momento por um tanto de melancolia que óbvio, não entendi no momento. Entenderia depois…

São Paulo, Junho de 2014

Já jornalista, cobrindo a Copa do Mundo do Brasil, me chegou a noticia que Tio Zezinho havia partido. Cansou desse mundo triste do futebol, que para sua tristeza, havia ficado chato e ruim de se ver e de tudo do mundo. Fez a passagem num dia de Copa, que ele tanto gostava.

Naquele dia, não fiz muito. Fiquei triste como ficam os que perdem um grande amor, mas tive que me virar com essa dor, eu teria um jogo do Brasil a fazer. Holanda 3×0 Brasil, fim de jogo, eu voltando para casa e chegando em São Paulo, da janela do ônibus, vi um raro parquinho na beira da estrada. Fiz um escarcéu e o motorista parou fora do ponto. Desci e fui até o Parquinho.

Em 2014 ele era mais ajeitadinho que aquele de 78.

Tinha mais brinquedos e o chão, ora veja, o chão era de um tapete verde imitando grama, cobrindo o piso do estacionamento onde estava montado. Caminhei por entre aquelas gentes, vi os sorrisos, os novos pais, as recentes mães e os seus meninos.


Como que por magia, andei até onde estava a roda gigante e a encontrei. As luzes eram de um neon chique, as gôndolas bonitas, seguras. Na fila, não tinha ninguém. O rapaz que trabalhava lá me explicou que a meninada não gosta muito do brinquedo, que ela não tem os atrativos necessários para agradar os novos meninos.

Lamentei. Ele então virou para mim e falou:

– O Senhor quer dar uma volta?

Me surpreendi duplamente; Pelo convite feito e por ser chamado de senhor aos 44 anos. “Cara, eu já sou Senhor!” – Mas não pude recusar. Entrei, sentei e subi. De cima da roda, vi o São Paulo, vi o mundo, pensei no Brasil, na Holanda, e em algum canto daquele céu, daquele horizonte cinza, senti que meu Tio Zézinho me via.

Ele ficaria triste pela seleção nossa, mas contente com a Holanda. Porque assim é a vida.

E como tal é a vida, pensando nele, olhei para um canto do céu onde imaginei que ele estava, acreditando piamente que ele me via.

Nesse momento, uma lágrima grossa me escorreu a barba. Mas não fiquei triste.

Tio Zezinho estava comigo…