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LENDAS ETERNAS

por Walter Duarte


Sempre tive grande admiração e curiosidade pela imagem, principalmente das fotos jornalísticas, em especial as revistas e cadernos de esporte. Ao saber da “passagem” do grande fotógrafo Raimundo Valentim, lembrei-me da infância, lá pela segunda metade dos anos 70, onde juntava os trocados para comprar os principais jornais da época e ver as fotos dos jogos.

Confesso que anos depois, na adolescência, é que comecei a me interessar pela a leitura ou a “substância” da crônica do jogo, porém a Imagem do lance capital, a emoção da jogada e a vibração do gol congelados no tempo é o que me encanta.

Não era comum para mim frequentar o Maracanã, palco dos principais jogos, devido a dificuldades e distância da nossa terra. Cabia, então, pedir insistentemente ao meu pai, Sr. Walter, para ser levado aos estádios em Campos e ver de perto os jogos ou, caso contrário, aguardar o “VIDEO-TAPE” e as resenhas da noite na TVE ou TUPY.

A oportunidades de assistir aos grandes craques representava um sonho para todos nós, pois aqueles caras eram mais do que “atletas da bola”, eram heróis ou entidades no meu mundo idealizado. Naquela época, o Jornal do Brasil, o Globo e o Jornal dos Sports eram muito concorridos nas bancas e eu não perdia tempo nas segundas-feiras de ir cedo assegurar quase que a “tapas” meu exemplar, principalmente quando meu time ganhava. Costumava também recortar as fotos e colar na parede do quarto, e fixar meu olhar infaltil no “acervo” e imaginar um dia jogar como eles, motivo de muitas broncas da minha mãe Dona Marlene que me cobrava os estudos e sinalizava as dificuldades da vida.


Não tenho conhecimento da matéria jornalística no sentido profissional, pois não sou do “ramo”, mas imagino o quanto de inspiração e técnicas devem ser adotadas para dar emoção e realismo àqueles instantes. Algo de muita inspiração e “feeling” devem existir para o resultado do trabalho, transcendendo as regras elaboradas no ofício dos fotógrafos ou cinegrafistas.

Sempre me instigou a situação real de não podermos reproduzir novamente o fato histórico na sua plenitude, servindo então a imagem fixa, ou não, o papel importante do testemunho daquilo que não voltará mais a acontecer, pelo menos na sua forma original. Um remake de um filme jamais terá a mesma atmosfera inicial, mesmo mantendo o elenco anterior.

O gol ou a jogada decisiva será o momento único fixado no tempo, sendo “tempo passado” um segundo depois, restando a imagem gravada a matéria que nos vai fazer saudosos na alegria da vitória ou na tristeza da derrota. Independente do vídeo, gostaria de ter todos esses lances marcantes em quadros com molduras de grande arte, no meu “Museu imaginário”. 

Flashs recorrentes estão em minha memória tais como o elástico do Riva no saudoso Alcir, o golaço do Dinamite em 76 com aquele lençol no Osmar, aquela falta magistral do Zico contra o Santa Cruz em 87, o gol do Maurício do Botafogo no título de 89 que acabou com a angústia da fila, aquele chute improvável do Nelinho que traiu o Zoff em 78, o quase gol do Pelé no cabeceio defendido pelo Banks da Inglaterra em 70, o olhar desesperado dos marcadores do Garrincha na iminência do “baile”, o “drible de corpo” do PC e tantos outros lances  fantásticos dos nossos craques.

Tudo isso faz parte do inconsciente coletivo dos amantes do futebol e não nos cansa recordar. Independente de todos recursos computacionais e de multimídia da atualidade, o meu museu teria todos instantâneos em preto e branco e entraria todo dia no túnel do tempo daquelas emoções. Viva assim a arte do futebol, viva a arte dos nossos magos da imagem. Viva a memória daqueles que deixaram um legado de poesia nas lentes eternas do esporte chamado futebol.

Valdiram

A VOLTA POR CIMA

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Perpétuo

 

Por mais que um jornalista exerça as tarefas da forma mais correta possível, sempre vai ter aquele para julgá-lo como “urubu”, que vai atrás da notícia, seja ela boa ou ruim, para estampá-la nas capas dos jornais ou tablets. O jovem Rafael Oliveira, do Jornal Extra, conseguiu provar o contrário após comover os leitores com o fato de que o atacante Valdiram, artilheiro da Copa do Brasil de 2006, estava morando nas ruas de Bonsucesso.

A notícia rapidamente tomou conta das resenhas, sobretudo nas peladas, e em poucos dias o jogador foi internado na Clínica de Reabilitação Jorge Jaber, em Vargem Grande, graças ao flamenguista Júnior Tomé e Iara Machado, assistente social do Vasco. Vale lembrar que o craque Mendonça também fez sua recuperação por lá.


Três semanas após a internação, Rafael reencontrou Valdiram em uma nova realidade e relembrou o dia que entrevistou o goleador.

– Estava carregando um papelão embaixo do braço. (…) Quando eu falei que era da imprensa ele resmungou, mas ele conversou numa boa e o resto todo mundo viu na notícia. – lembrou o jornalista.

Com piscina, academia, alimentação balanceada e um acompanhamento de 24 horas por dia na clínica, o jogador fez questão de agradecer Rafael por ter lhe dado visibilidade:

– Ele veio conduzido por Deus. Eu estava sentado na praça, alcoolizado, bebendo e encontrei meu amado irmão Rafael. Eu pedia a Deus toda noite para que enviasse uma pessoa para me tirar das ruas.


Para quem não lembra, Valdiram chegou ao Vasco em 2006 após se destacar no Esportivo-RS e foi tão bem que ganhou uma música personalizada da torcida cruzmaltina: “Aham, aham, hã! matador é o Valdiram”. Com uma pedalada que causava pesadelo nos marcadores e muita agilidade, o atacante foi peça fundamental da equipe na campanha do vice da Copa do Brasil de 2006. Foi dele, inclusive, o gol decisivo no Maracanã contra o Fluminense na semifinal do torneio.

– Esse gol eu não esqueço nunca! Fechei os olhos, bati forte e saí para o abraço! No momento difícil que eu passei nas ruas eu só conseguia me lembrar desse gol! – revelou.

Os atos de indisciplina, no entanto, sempre acompanharam sua carreira e foram decisivos na rescisão do contrato no ano seguinte.

Uma década depois, aos 35 anos, o goleador colhe os frutos dos exageros, mas se mostra focado e confiante na recuperação para realizar o sonho de voltar a jogar profissionalmente. De acordo com ele, a estrutura da clínica é similar a de clubes de grande porte do Brasil.


– Tenho feito trabalho físico, resistência, musculação e piscina. Não tenho do que reclamar aqui. (…) Creio que ainda consigo jogar por mais um ou dois anos.

Endossando as palavras de Valdiram, Eduardo Prosdocimi, preparador físico da clínica, revelou a sua expectativa:

– Ele está se empenhando da melhor forma e eu tenho certeza que muito em breve ele estará dando alegria para a gente para ele mesmo!

Nada disso seria possível se o jornalista Rafael Oliveira não desse o furo de reportagem que jamais esquecerá!

 

MALDITOS JOELHOS

por Marcos Vinicius Cabral


Nascido em 17 de março de 1959 em Cabo Frio, na Região dos Lagos, o menino de olhos esverdeados José Leandro de Souza Ferreira não imaginaria o que o futuro lhe reservava.

A paixão pelo clube da Gávea começou em 1969, na decisão do Carioca entre Flamengo e Fluminense.

No quarto, Leandro em companhia do pai, seu Eliziário, ouvia o jogo ao som do radinho de pilha.

– Vi meu pai muito triste, porque o Flamengo perdia para o Fluminense por 2 a 1. Depois do segundo gol tricolor, eu disse que iria ao banheiro, mas fui à sala ajoelhar e rezar pelo empate. Quando voltei, saiu o gol. Foi uma alegria imensa. Depois perdemos o titulo, mas me senti realizado por papai do céu atender ao meu pedido! – conta.

Depois disso a paixão foi crescendo, crescendo e crescendo.

E cresceu tanto a ponto de voltando da Praia do Leblon – no período de férias escolares – ir à contragosto com o primo Nonato à sede do clube marcar um teste.

Com um par de chuteiras maiores que seu número habitual, meiões enlarguecidos e desbotados pelo tempo e um short desproporcional ao seu corpo, se candidatou à vaga de lateral esquerdo.

Passou com sobras nos dois treinos que fez no campo da Base de Fuzileiros Navais da Ilha do Governador e ao lado de Vitor – cabeça de área que jogou nos quatro grandes clubes do Rio – foi selecionado por Américo Faria para treinar na Gávea.


– Ele costumava fazer as jogadas dentro de campo e olhar para o banco de reservas para ver se eu estava olhando. E como eu fingia que não via, sempre que terminava o jogo ele vinha me perguntar se eu havia gostado daquilo. Eu dizia que estava indo bem! – diz o ex-supervisor da seleção brasileira Américo Faria, de 73 anos.

E completa:

– Na minha longa carreira no futebol, foi, sem dúvida alguma, o jogador de maior talento com quem trabalhei.

Já como juvenil do Clube de Regatas do Flamengo, começou a despontar nas preliminares.

– Certa vez, finzinho da década de 70, fui ao estádio Caio Martins em Niterói, ver os dois jogos da decisão juvenil entre Flamengo e Botafogo. Mesmo tendo perdido as duas partidas e visto o alvinegro sagrar-se campeão, fiquei feliz com a atuação de um jogador. Seu nome? Um certo Leandro! –  relembra o metalúrgico Luiz Antonio Lorosa de 52 anos.

E foi aos poucos que Leandro foi conquistando seu espaço na equipe rubro-negra.

Apesar de quase ter ido para o Internacional no começo da carreira – foi reprovado pelo Departamento Médico do clube gaúcho por causa dos joelhos – se firmou na posição no qual é até hoje lembrado.


(Foto: Marcelo Tabach)

Com uma trajetória marcada por glórias nos inúmeros títulos conquistados na carreira, como os Brasileiros, Libertadores e Mundial na prolifera década de 80, era frequentador assíduo do Departamento Médico e da sala de musculação do clube.

Se ganhou o apelido de “peixe-frito” no mundo da bola, poucas não foram as vezes que fez trabalhos específicos na piscina.

Era muito sacrifício que a lateral direita lhe exigia.

Quando Júnior foi vendido ao Torino, em 1984, o Flamengo tratou logo de contratar um substituto para disputar com Adalberto a posição.

– Fui para disputar a titularidade com Adalberto na lateral esquerda e acabou o Mozer se machucando e ele (Leandro) pediu para ir para a zaga. Agradeci muito por ele ter feito isso e tenho a certeza que não entraria tão cedo na equipe, pois na direita era quase que impossível de eu entrar! – diz Jorginho, tetracampeão mundial em 1994.

E completa:

– Pra mim foi o melhor lateral direito que eu vi jogar do mundo. Eu o considero fora de série, um craque em quem sempre me espelhei.

E foi dessa forma que Leandro passou da lateral à zaga e continuou mostrando todo seu repertório de grande jogador.

Onde fosse colocado, o “peixe” jogava.

Trocou a camisa 2 – que passou a ser vestida por Jorginho – pela 3 em homenagem ao zagueiro Figueiredo – falecido em um acidente aéreo em Nova Friburgo – que era seu companheiro no Flamengo.

Com o novo número às costas, fez partidas épicas pelo rubro-negro, como o Fla-Flu do Leandro, em 1985, quando marcou um golaço.


– O que me impressionava no Leandro era sua elegância em campo. A mim parecia que ele flutuava sobre o gramado, com a bola docilmente subjugada junto aos seus pés. Vendo-o jogar, parecia que tudo era fácil! O drible, a condução da bola, o lançamento. Leandro executava cada um dos fundamentos com uma maestria que encantava a todos. O overlapping e o ponto futuro, inovações de Cláudio Coutinho, pareciam ter sido criadas para ele. Era fantástico ver que, de repente, do nada, o lateral aparecia na linha de fundo e num lançamento preciso deixava Nunes ou Zico na cara do gol. Se Zico foi o rei, Leandro era o príncipe! Quando Leandro parou de jogar, um bocado da magia do futebol se foi com ele. Mas é reconfortante saber que a admiração pelo ídolo persiste em todo rubro-negro que um dia teve o privilégio de tê-lo visto jogar! – frisa o professor universitário Maurício Vasquez de 57 anos e fã do jogador.

Mas se não fossem os malditos joelhos, teria ido mais longe na carreira.

Teria, por exemplo, disputado a Copa do Mundo no México, em 1986, já que era nome certo para ocupar a lateral direita como Telê Santana queria.

Porém, se negou a ir por achar que não seria útil naquela posição, embora muitos achem que foi por solidariedade ao corte de Renato Gaúcho.

Não tinha o vigor e nem os joelhos da Copa passada, a de 1982, na Espanha – já que aquele Brasil de Zico, talvez tenha sido ao lado da Hungria de Puskas em 1954 e da Holanda de Cruyff em 1974, as seleções mais injustiçadas no mundo ingrato da bola – mesmo com sua qualidade inquestionável.

Ainda teve fôlego para conquistar o Campeonato Brasileiro de 1987 e numa carreira vitoriosa, abandonou o futebol.

Em pouco mais de 10 anos como jogador (1978-1990), foi expulso uma única vez contra o Bangu, exatamente na sua última partida como profissional.

Leandro deixou saudades.

Deixou um legado no futebol inestimável e foi um divisor de águas naquela lateral direita.

Até hoje, passados 28 anos que pendurou as chuteiras, resiste ao tempo a genialidade de quem é considerado por muitos como o maior lateral direito de todos os tempos.

Hoje, 17 de março, o “Cavalo Manco” – como Carpegiani o chamava – faz 59 anos.

Vida longa e feliz aniversário!

LEANDRO, O ESTETA DA BOLA

É bem provável que jamais apareça um lateral-direito como Leandro no Flamengo. Foi estupendo, um ídolo. Neste sábado, 17, o craque faz anos. Nas linhas abaixo, uma crônica sobre a trajetória do Leandro.

por André Felipe de Lima


— Olhe, primo, acho que você não vem treinar no Flamengo porque tem medo.

— Medo?! — indagou, contrariado, o outro primo, que completou a resposta com uma altivez comum aos que nasceram para brilhar:

— Se você for lá comigo perguntar a hora e o local do treino, venho hoje mesmo.

O garoto não se intimidou. Entrou no clube, com o primo a tiracolo, e realizou o primeiro treino com a camisa que jamais deixaria de vestir ao longo da carreira. O menino, hoje um ídolo inquestionável, chama-se José Leandro de Souza Ferreira e se tornaria uma espécie de Nilton Santos rubro-negro. Tanto ele quanto o “Enciclopédia” do Botafogo jamais vestiram outra camisa que não fosse a do clube do coração. No peito de Leandro bate o escudo do Flamengo, no de Nilton Santos, o do Botafogo. Nenhum outro brasão rouba-lhes o amor.

Foi assim, em 1977, com essa compreensível empáfia juvenil, que Leandro ingressou no clube da Gávea para tornar-se o melhor lateral-direito da história do Flamengo, superando na mesma posição outro “imortal” rubro-negro, o grande Biguá, mítico craque dos anos de 1940 e de 50.

Neste sábado, dia 17, Leandro, um dos mais extraordinários jogadores que o futebol brasileiro já produziu, comemora mais um ano de vida.

Escrevo sobre Leandro porque o que vi jogar e posso afirmar sem pestanejar, meus amigos: era um assombro com a bola nos pés. Polivalente, jogava na lateral, na zaga, no meio-campo e até mesmo no ataque, lá na ponta-esquerda, se assim preciso fosse. Era um jogador completo. Verdadeiramente incomparável. Fez parte da maior geração de craques que o Flamengo já teve, com Zico, Adílio, Júnior, Andrade, Tita, Mozer, Marinho, Lico, Raul, Nunes. Um timaço campeão mundial em 1981. Um time que mais se parecia com uma galeria de arte. Cada craque, uma genuína obra-prima. Naquele mesmo ano, o das maiores glórias do Flamengo em todos os tempos, Leandro declarou: “Até hoje ainda sou um torcedor. Não me importo com o número, com a posição. Minha alegria é entrar e sentir a força dessa torcida”.


O que faziam aquelas pernas arqueadas, meus amigos, era algo fora do comum. Leandro driblava com estilo, técnica, maestria. Sim, Leandro foi um esteta da bola. Uma espécie rara de se ver nos gramados de hoje em dia. Sejam os daqui como os lá de fora. Na arquibancada, em jogos do Flamengo contra seus principais rivais, era comum ouvir o seguinte quando Leandro tocava na bola: “Vai jogar bem assim lá no cacete!”. Eu mesmo ouvi isso várias vezes no Maracanã ou em um bar debatendo sobre a rodada do fim de semana.

Leandro parecia deslizar sobre a grama tal a capacidade que ostentava para dominar a bola com os dois pés. Um ambidestro que Zico (sim, o Zico, um dos seus mais ardorosos fãs) definia como fora de série. Olhá-lo com a pelota de pé em pé nos iludia. Vê-lo jogar bola fazia com que acreditássemos ser o futebol a coisa mais fácil de fazer no mundo. Bola e Leandro eram, definitivamente, irmãos siameses, simplesmente indissociáveis.

Quando Leandro estreou pelos profissionais do Flamengo, em fevereiro de 1979, não imaginava que chegaria ao topo tão rapidamente e de forma fulgurante a ponto de muitos (este jornalista, inclusive) achá-lo o “melhor lateral-direito” da história do futebol brasileiro. Superior, sobretudo, a dois monstros sagrados da posição: Djalma Santos e Carlos Alberto Torres, que conquistaram, contudo, o que ele jamais conquistou: Copa do Mundo. Será que os dois “cobras” eram tão (ou mais) completos que Leandro? A polêmica é a alma da paixão futebolística. Solte-se, portanto, no ar o saudável debate.

O caminho de Leandro a partir de 1979 não foi moleza. Além de disputar a posição com Toninho, sofrera com várias contusões em 1980, ano do primeiro título nacional do Flamengo. No seguinte, durante o carnaval, seu Puma capotou, e por muito pouco não o matou. Mas as suas inconfundíveis pernas arqueadas, que tantas alegrias proporcionaram, pareciam ser as algozes do craque.


Pernas que representavam um manancial de felicidade pareciam escravizá-lo. Por causa delas (ou das dores que elas provocavam), Leandro por pouco não teve o passe negociado ao Internacional de Porto Alegre, em 1980. O negócio só não foi concretizado porque os médicos do clube gaúcho alegaram que Leandro sofria de uma calcificação incurável no joelho, uma sequela de uma operação de meniscos. Vaticinaram os “doutores” do Beira-Rio: “Esse aí vai ter vida curta no futebol”. Erraram, e feio, para a sorte do Flamengo.

Embora com muito futebol para dar e vender, Leandro sofria dores homéricas. Sempre as sentiu. Desde que começara no Flamengo. Disputou a Copa do Mundo de 1982, jogando naquela que está entre as quatro maiores Seleções Brasileiras da história, ao lado das de 1950, de 58 e de 70. Como nós todos, sofreu com a derrota para os italianos, mas também sofreu com as dores nos joelhos, das quais jamais se livrou. Não me recordo de um jogador de futebol sofrer longos e tortuosos anos com dor. O pior dos convívios, diria. Reinaldo, do Atlético Mineiro, talvez sejam um exemplo igual ao do Leandro. Mas, mesmo assim, não é comum.

Na Copa seguinte, em 1986, Leandro pediu ao treinador Telê Santana para jogar na zaga. Os joelhos já não mais aguentavam. O tal “Mal de Cowboy” estava liquidando-o. O futebol de Leandro estava lamentavelmente acabando. “Cada partida que Leandro disputa é uma obra de arte do departamento médico do Flamengo”, dizia Giuseppe Taranto, médico do clube em 1987. Segundo Taranto, só havia, segundo os conceitos da Ortopedia da época, duas maneiras para corrigir pernas arqueadas como as de Leandro: a primeira opção seria entre dois e cinco anos, ou seja, usar gesso ou dormir com aparelho ortopédico nesta faixa etária; o segundo recurso, bem mais penoso, consistiria em, até os dez anos, submeter-se a uma cirurgia que quebraria as pernas e as engessaria para corrigi-las. Leandro perdera as duas possibilidades. Talvez, não tenha se arrependido de perdê-las.

Em 1983, o craque dava sinais de que o esgotamento físico também o atingira mentalmente. Leandro dizia em entrevistas que desejava abandonar a carreira em 1986, logo o ano da Copa. Nem chegaria, portanto, aos 30 anos.

A vida pessoal vinha sendo inadvertidamente invadida por parte da imprensa. Prato cheio para torcedores de clubes rivais, que o perseguiam insistentemente, com gritos e até faixas ofensivas contra a honra de Leandro. Isso o deixava muito triste.


Após um jogo contra o Bangu, vencido pelo Flamengo, no final de 1983, torcedores do alvirrubro suburbano xingaram Leandro, que, no vestiário, apenas chorou. Afinal, era um ídolo do futebol nacional e não apenas do Flamengo. O mínimo que exigia dos torcedores era respeito.

Famoso, bom de bola e boa pinta, Leandro despertava a inveja alheia com muita facilidade e o suspiro de muitas moças de boas (e famosas) famílias. Neuzinha Brizola, por exemplo, filha do político Leonel Brizola, foi mais famosa pelo estilo, digamos, extrovertido que propriamente por ser filha do ex-governador do Rio. Foi ela também uma “fã” do Leandro a ponto de falar publicamente que esperava um filho dele. As filhas de políticos pareciam se alvoroçar por ele. Andréa Neves, irmã de Aécio Neves e, portanto, neta do ex-presidente Tancredo, foi outra figura pública que teve, em 1985, o nome proximamente associado ao do ídolo rubro-negro. Tornou-se corriqueiro falarem bem ou mal do Leandro, que era uma figura para lá de popular. Especulação com o seu nome era um dos esportes preferidos nos tempos em que brilhou com a camisa do Flamengo. Da arquibancada ou das páginas dos jornais, forjou-se o impoluto ídolo, mas poucos quiseram compreender ou mesmo conhecer o homem Leandro e, sobretudo, os ditames que o guiava em meio ao turbilhão do sucesso.

Semanas antes de a Copa do Mundo de 1986 começar no México, Leandro e Renato Gaúcho tomaram um chá de sumiço e voltaram de madrugada para a concentração da Seleção. Estavam em uma discoteca. O técnico Telê Santana, por mais que gostasse dos dois, não teve escolha e os cortou do escrete. Cortaria (é verdade…) apenas Renato, mas Leandro, demonstrando um senso de solidariedade e justiça, pediu a Telê que o cortasse também. Telê resistiu, afinal era fã incondicional de Leandro, como jogador e, sobretudo, como um homem com caráter irrepreensível.


Telê admirava o espírito amigo que Leandro sempre externou aos companheiros. Fosse no Flamengo ou na Seleção, o craque, embora muito tímido, era bacana com todos. Tele se preocupava com ele como se fosse seu próprio filho, mas não abria mão de tê-lo, como na Copa de 82, na lateral-direita. Mas Leandro não queria mais jogar ali por conta das intensas dores no joelho, especialmente o da perna direita. Preferia manter-se na zaga, na qual o jogo era mais lento e menos penoso para suas combalidas pernas. Introvertido, Leandro raramente (ou nunca, segundo a imprensa) tocava no assunto com Telê. Sem o diálogo, preferiu deixar a Seleção. “Não estávamos de porre, embora houvéssemos bebido. Se o corte era necessário, os dois deveriam ter sido cortados”, ponderara Leandro em uma das diversas entrevistas que concedeu após o episódio com Renato.

Bem antes de Telê saber, o desejo de Leandro em não mais ser lateral foi dito, em primeira mão, ao repórter Ronaldo Castro, que trabalhava na Rádio Tupi: “Não estou resistindo jogar na lateral. Já não tenho pique suficiente para ir e vir, meu joelho dói muito e não aguenta o esforço dos treinos físicos. Não posso ser lateral. Acho que vou embora porque Telê não me aceitará como zagueiro-central.”

Na noite do dia 8 de maio de 1986, Leandro estava devidamente vestido com o uniforme formal da CBF e com as malas prontas para viajar com a delegação da Seleção rumo à Toluca, no México. Na porta do apartamento em que morava com o primo Raimundo Nonato, que era contabilista da Varig, e o amigo José Marcos, o “Babau”, que era dono de uma loja de fotocópias, virou-se para Nonato e o amigo Vaguinho, presente no local, e exclamou: “Não vou mais!”. Vaguinho, sem entender patavina do que dissera o jogador, questionou: “Não vai para onde, Leandro?”. O craque foi pontual: “Para o México”.

Zico e Júnior, que já estavam no aeroporto, foram ao encontro de Leandro levados por um atônito Nonato. Zico argumentara com Leandro que ele próprio também representava uma inquietante incerteza na Copa. Estava mal fisicamente, mas que mesmo assim desejava estar no México. Leandro não coadunou com a tese do Zico. Os dois teriam se emocionado durante a conversa, mas Leandro mostrava-se inflexível. “Respeitem a minha decisão. Não posso ser lateral, não suportei o que foi feito com Renato e não me sinto em condições de falar com Telê”. Júnior esboçou uma última tentativa para que Leandro mudasse de opinião: “E seus companheiros de 1982? Temos tudo para conquistar a Copa, mas sem você fica bem mais difícil”. Não houve discurso que fizesse Leandro mudar de ideia. Naquela noite, o vôo 1046 da Varig decolaria com uma poltrona vazia.

Que pena Leandro não ter conversado abertamente com Telê sobre a possibilidade de jogar como beque na Copa de 86. Pena, sim, porque, caso ambos, ele e Renato, estivessem no México, o Brasil dificilmente deixaria de ir, pelo menos, à final.

Ao saudoso Tim Lopes e a José Antônio Gerheim, ambos, na ocasião, repórteres da revista Placar, Leandro desabafou: “Olha, sou muito fechado. Sofro, guardo tudo para mim, mas tem uma hora que não dá para segurar. Fui o culpado pelo que aconteceu naquele dia em que chegamos de madrugada à Toca da Raposa. Havíamos saído e, num determinado momento, Renato queria ir embora. Eu insisti para que ficássemos. Quando chegamos na Toca, havia três guardinha na porta e entramos. Ninguém pulou o muro, nem nada, ao contrário do que disseram. E evidentemente senti muito o corte de Renato. Senti e fiquei magoado com Telê.”

O episódio com Telê seria superado anos depois, com os dois, inclusive, trabalhando juntos novamente, no Flamengo. “Criado na Gávea, Leandro desenvolveu uma técnica refinada e, mesmo mudando de posição por questões físicas, marcou sua passagem pelo Flamengo como um dos grandes craques que passaram pelo clube”, assim declarou Flávio Costa, outro grande treinador da história do futebol brasileiro, em junho de 1989, quando Leandro se preparava para retornar ao time após mais uma penosa recuperação cirúrgica em um dos joelhos.


(Foto: Marcelo Tabach)

Leandro, o herdeiro de Biguá e muito superior a Jadir, Toninho ou Léo Moura, outros que trilharam (com maestria) a lateral-direita rubro-negra, foi excepcional. Sequer recordo de alguma pixotada em campo protagonizada por ele. Talvez a única falha gritante de Leandro foi, como o próprio confessou em entrevistas, um gol contra, na final do Campeonato Carioca de juvenis, em 1978. Mas o que representa um gol contra diante de tudo o que Leandro fez em campo e o representa para a memória do futebol nacional?

Leandro sempre soube o que fazer com uma bola de futebol. Por isso, raramente errava: “Fui um moleque fissurado em bola. Joguei até de pé gessado em peladas. Quando não tinha com quem brincar, ficava treinando na parede, aprendendo a matar no peito, dominar. E joguei oito anos de futebol de salão, em Cabo Frio (no litoral do Estado do Rio, para onde foi morar com apenas um mês de idade). Isso tinha de funcionar”. Ora, e como funcionou!

Devemos agradecer, porém, ao modesto clube Tamoio, de Cabo Frio, por revelar o gênio Leandro, o querido “Peixe-frito”, como o chamava o locutor Waldyr Amaral. Agradecer por apresentar ao futebol o Leandrinho da dona Cleuza e do rubro-negro Elisário. O Leandro, ídolo eterno da torcida do Mengão. Leandro… o esteta da bola.

Zico e as Mulheres

ZICO E AS MULHERES

entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Planel 

Maior ídolo da torcida rubro-negra, Zico carrega uma multidão por onde passa e no último fim de semana mostrou que a idolatria se deve não só ao desempenho dentro de campo, mas também por tudo que faz fora dele. 

Com a ajuda de Sandro Rilho, produtor de eventos do Flamengo, o eterno camisa 10 da Gávea fez uma pelada festiva no CFZ só com meninas em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres e atendeu a todos os pedidos de selfies e autógrafos. Se já não fosse o bastante, ainda reverenciou a cantora Sandra de Sá, flamenguista de carteirinha, que não segurou as lágrimas.

– Todo mundo sabe quem é o Zico! É craque no futebol, no social, no emocional, é o cara! Não é papo de fã. Qualquer um que ame futebol respeita o Zico! – disse Sandra sob aplausos.


Vale destacar que, além do Galinho, os craques Adílio, Andrade e Júlio César Uri Geller também marcaram presença e abrilhantaram ainda mais a festa da mulherada da Clínica de Futebol Feminino Fla Master.

– Toda sexta-feira elas treinam comigo e com o Julinho (Uri Geller) na Gávea e a evolução é visível! – elogiou Adílio.

Em campo, como uma espécie de coringa para não deixar nenhuma delas insatisfeita, Zico jogou nas duas equipes, alternando de acordo com a posse de bola, e proporcionou um dia inesquecível para cada uma delas.