A SEGUNDA PELE
por Sergio Pugliese
A professora vascaína do Externato Coração Eucarístico, no Flamengo, curiosa em saber os times de coração de seus pimpolhos iniciou uma enquete: “Vascão!!!”, gritou o risonho, “Fred!!!”, animou-se o tricolor bochechudo, “Mengoooo!!!”, caprichou o comprido, “Loco Abreu!!!”, acenou o botafoguense, “Ajax!!!!”, bateu no peito Diego Parente, de 4 anos. A “tia” enrugou a testa e pediu mais detalhes.
– É o melhor time do mundo – resumiu.
A pueril marrinha era apenas reflexo da assumida marrona do paizão Victor Parente, de 41 anos, pioneiro do Ajax do Aterro, time fundado em 1988 por amigos do Colégio Santa Úrsula em homenagem ao esquadrão holandês. De cara, ganharam o Campeonato do Aterro, na fase pós Jornal dos Sports. Participaram de 106 torneios, ganharam 50, jogaram 1.500 vezes, venceram 1.085, empataram 179 e “foram prejudicados” em 236. Marcaram 7.815 gols e sofreram 4.204.
– Quase todos irregulares – afirmou o goleiraço Fábio Guimarães, o Mamão, há 20 anos defendendo as cores do azul e vermelho.
Acir retoca a tatuagem de Mamão. No fundo, os irmãos Alex e Victor ao lado de Simão exibindo o seu escudo tatuado no braço.
O arquivo ambulante do grupo é Alex Parente, de 33 anos, irmão de Victor. Ele também tem sido o responsável pela renovação do time, mas quem continua fazendo comida boa é a rapaziada da panela velha. O vascaíno Victor é o artilheiro e marcou 1.428 gols nesses 24 anos de estrada, “quase todos merecedores de estátua”. Não, eles não são marrentos! A frase “O melhor time do mundo”, estampada no verso da camisa, é apenas uma lição de humildade. Eles não têm qualquer culpa por não encontrarem adversários a altura e não perderem há 18 meses!! Só após muita insistência revelaram cinco grandes rivais: Ellite, do talentoso PH, Ark, dos geniais irmãos Duda e Lelê, Geração 2000, de Dudu, Leo, Aureliano Bigode e Reyes de Sá Viana do Castelo, hoje camisa 13 da equipe A Pelada Como Ela É, Bussanha, do Roberto, e Juventude do Aterro, do craque Fábio. Sobre esse último, a lembrança da memorável final, em junho de 2011, às 22h, no campo 4, pela final do Campeonato da Liga do Aterro: 4×4 e vitória de 3×1 nos pênaltis.
– Foi um dia especial em nossa história – comentou Luiz Sabino, o Simão, autor de um dos gols e outro panela velha do grupo, há 21 anos no Ajax.
Os outros foram marcados por Rafael, Luís Perna e Antônio Jr. Nos pênaltis, Perna, mais um, Batista e Rodrigo He Man liquidaram a fatura. A comemoração na barraca do Gaúcho, no próprio campo, varou a madrugada, mas para Simão partida marcante mesmo foi contra o Dínamo. O primeiro tempo terminou 4×0 para os rivais. No início do segundo fizeram outro, mas o jogo terminou 6×5 para o Ajax, com cinco gols de quem? Claro, do próprio! Como costuma dizer Seu Walter, craque dos saudosos Vasquinho de Olaria e Cruzeiro do Sul, de Petrópolis, “quem não tem dinheiro, conta história”. Ricardo Gaspar, Marcelinho, Vitinho, Claytinho, Batista Lambreta, Eduardo Parada, Diego Camargo, Luís Augusto, Miguel, Breno e Marcos Marreco se divertem! E tem mais, hein!
– Disputamos um campeonato em que a fase final foi no Maracanã e ganhamos quatro jogos lá – contou, orgulhoso, Alex, observado pela mulher Michelle, grávida.
Melhor pular a parte em que o craque aproveitou uma soneca da amada e foi jogar bola em plena lua de mel. Bem, o que importa é que ela está grávida! Ah, também teve o jogão contra a banda Iron Maiden, em 2001. O baixista Steve Harris marcou três, mas levou uma sacola cheia para a Inglaterra: 13 gols. Certamente pagou por excesso de bagagem. Volta e meia o Ajax também joga contra peladeiros argentinos, numa espécie de intercâmbio. Doze a zero foi o menor cartão de boas vindas. Uma história rica dessas, claro, foi gravada em DVD e exibida em sessão prive, no Artplex, de Botafogo.
– Um espaço cult porque somos cults – explicou Victor, que gaba-se por ter convencido o radialista José Carlos de Araújo a gravar num estúdio um de seus gols.
Na site do time o número de acessos já atingiu a marca de meio milhão, mas eles não têm limites e querem muito mais. Na verdade, essa marra é amor. Um amor avassalador! Na semana passada, marcamos com eles num salão de beleza, no Flamengo. Iam retocar as tatuagens com o escudo do Ajax desenhadas por Acir. Estavam no estúdio, Alex, Victor, Mamão e Simão, mas Marco Aurélio, Daniel, Otair e Neto também rasgaram a pele com a marca dessa incontrolável paixão, que passam adiante na escolinha da Tavares Bastos, um belo trabalho social. O líder do grupo, Victor Parente, já enfrentou seis cirurgias no joelho, mas continua correndo atrás da bola, provocando os rivais com divertidos desafios. Agora, finaliza um livro, sonho antigo que pode até não superar Paulo Coelho na lista dos mais vendidos, mas contará a fantástica história de amigos de infância que cresceram obcecados por vitórias, ganharam fama no Aterro do Flamengo e hoje formam o maior time do mundo.
DOIS CHICOS E UMA BATALHA EM ROSÁRIO
por Marcelo Mendez
“A gente faz hora, faz fila na vila do meio dia
Pra ver Maria
A gente almoça e só se coça e se roça e só se vicia
A porta dela não tem tramela
A janela é sem gelosia
Nem desconfia
Ai, a primeira festa, a primeira fresta,
o primeiro amor”
O primeiro Chico
Era comum nas manhãs de domingo, a gente acordar cedo na casa da Tia Leonir com a prima ouvindo música. Embora já morando na Rua Tanger, eu vivia no quintal da Avenida das Nações e costumava ficar por lá de sábado para domingo. Levaria mais tempo para eu desgarrar dos primos, das primas e que barato era acordar com o rádio ligado, minha prima Miriam cantarolando as canções que tocavam.
Eu não sabia que esses versos eram da música Flor da Idade, mas já sabia que era de um cara de olho azul que tanto minhas primas, quanto minha mãe e também meu pai, adoravam. E o nome dele era Chico, Chico alguma coisa…
“Chico Buarque, Marcelo, já vai aprendendo…” – dizia a Miriam, quando eu perguntava, ao chegar na mesa de café da manhã. A música era linda, tinha um arranjo de cordas lindão, uma melodia bonita e no final tinha uma tal quadrilha que todo mundo amava. Achava muito delicado. Mas acordar ouvindo essa música foi a única coisa delicada daquele domingo. Meu primo mais velho, o Tine, tratou de avisar logo cedo, na hora do café.
– Caramba, hoje vai ser duro, gente. Vamos enfrentar os Argentinos lá na casa deles!
Foi dessa forma, em 1978, que eu descobri o que significava um Brasil x Argentina. Da melhor forma…
O segundo Chico:
Eu já estava me acostumando com essa tal coisa de Copa do Mundo tomar pra si todas as atenções. Mesmo aos 8 anos já dava para sacar que se tratava de algo muito importante para maioria dos brasileiros e em 1978 mais ainda.
Mas naquele domingo tava diferente.
Na hora do almoço nosso, a mesa cheia de gente, os garfos tilintando e só se falava do jogo, que diferente dos outros, seria à noite, atrapalhando o Fantástico e o programa do Silvio Santos, para protestos de minha mãe. A grita entre os tios era grande:
– Mas de que jeito vamos vencer esse jogo? Não tem Rivelino, não tem Zico, não tem Cerezo, não tem Reinaldo e esse maldito desse técnico não levou o Falcão! – reclamava Tio João, enquanto mordia uma coxa de frango.
– Calma, vai jogar o Chicão. Não vai passar nada! – tentava acalmar, Tio Marinho
– Ah, mas você ta louco, Marinho? Comparar o Falcão com esse tal Chicão! Faça-me um favor! – respondia meu Pai.
E a briga por conta dessa escalação fez parte de todo o dia de domingo. Enquanto as Tias faziam o rango da noite, as cervejas eram compradas os guaranás caçulinhas chegavam, eu ouvia todo mundo esculhambando a escalação do Chicão. Mas a hora do jogo finalmente chegou.
E só meu Tio Marinho, tinha razão…
Dentre os Chicos daquele domingo de 1978, o mais importante…
Eram oito da noite em ponto quando o jogo começou.
O clima em Rosário era bélico. Estádio pequeno, abarrotado, o jogo que era pra ser em Buenos Aires foi levado para lá e ao longo do dia, vi meus tios falando sobre isso, alegando que havia uma armação para tentar intimidar o time brasileiro.
Via televisão, eu pude ver toda a festa bonita do povo argentino. Achei lindo aquele monte de papel picado no campo e ao contrário da grande maioria, não sentia raiva deles. Alguma coisa de lá me aproximava daquele povo cabeludo, que eu ainda não sabia. Descobri depois…
A partida era dura.
Ouvi dizer que deveríamos tomar cuidado com um tal de Kempes, que o primo Zé Carlos me disse que era o camisa 10. Tio Zézinho me falou que tinha um outro muito maldoso, de nome Luque, que jogava com a 14. Fiquei atento, mas rapidamente vi que eles não seriam o problema.
Tínhamos o Chicão!
Na primeira bola do jogo, disputada entre o tal Kempes e o nosso Chicão, o camisa 21 do Brasil, jogou pro alto o cabeludo camisa 10, esparramando chuteira pra um lado, cabelo pro outro, tudo!
Na reclamação, o tal Luque, o outro, veio e o Chicão deu nele uma bifa e o encarou forte mesmo. O moço que Tio Zézinho disse ser bravo, não me pareceu tanto não.
A partir dalí, começava a se escrever uma das melhores histórias do super clássico das Américas. Chicão, o camisa 21 que ninguém queria, fez um risco imaginário na cabeça da área do time brasileiro e por ele não passou nada. O jogo, muito aquém do que todos esperavam, acabou 0x0 com poucas chances pra ambos os lados. Mas o destaque daquele dia foi o Chicão:
– Eu falei pra vocês que com o Chicão argentino nenhum ia se crescer, não falei? – Reivindicava Tio Marinho:
– Grandes coisas, Marinho. Agora com esse 0x0 vamos ter que depender de outros resultados! – retrucava meu pai.
– Ta bom, Mauro. Mas que o Chicão jogou demais, ah jogou!
Eu não sabia dizer naquela altura da minha vida de menino se o Chicão havia jogado muito, ou pouco. Mas daquele domingo, saí com uma certeza:
Entre o Chico que começou o dia e o Chico que terminou, o segundo que veio com tardar da noite foi muito mais importante…
CORAÇÃO PELADEIRO
por Rubens Lemos
Esguio, elegante, evitava as divididas. Driblava com desprezo e suavidade. Abominava os trancos, os choques com zagueiros e volantes. Crueldade e despeito, parte dos adversários, torcedores do Corinthians e a imprensa tascaram-lhe um apelido cruel: “Pipoqueiro”, o covarde do futebol.
Virou bordão no programa de Jô Soares. Quando havia piada de casamento, o padre fazia as recomendações matrimoniais e perguntava, olhos esbugalhados, aos noivos: “Prometam jamais pipocar Jorgemendonçalmente!”. Jorge Mendonça deva o troco marcando de trivela ou de falta no Corinthians dos abomináveis goleiros Jairo e Tobias.
Jorge Mendonça vestia a camisa 8 do Palmeiras na segunda metade dos anos 70. Veio do Náutico, de Recife, para a ponta-de-lança palestrina. Juca Show, Vasconcelos e Jorge Mendonça foi um meio-campo dançado em ritmo de frevo de Capiba. A bola entregou-se ao triângulo amoroso na volúpia da paixão cega.
O Náutico impediu o hexa (seu luxo e sua exclusividade), acabando o reinado do Santa Cruz, mantido pelos dólares do inglês James Torp. Torp e a mulher, Carmen, até hoje são reverenciados pela Velha Guarda do Santinha de Givanildo, Luciano Coalhada e Betinho.
Chegava ao crepúsculo a Academia do Palmeiras que decidiu comprar Vasconcelos para o lugar de Ademir da Guia, o Divino Mestre. Jorge Mendonça foi como contrapeso. Deixou Recife trocado por Toninho Vanuza, esquecido nos arquivos.
Vasconcelos sentiu a responabilidade da camisa 10 e da força de Ademir da Guia, o melhor jogador do Palmeiras em todos os tempos, o falso lento em ritmo de samba de Adoniran Barbosa. Hábil e veloz, era a contradição de um estilo que havia virado mantra nos corações seduzidos pelo antecessor. Vasconcelos terminou ídolo chileno, dando shows pelo Palestino.
Jorge Mendonça assumiu o trono sem caprichos e uma gana de goleador implacável. Sua colocação desnorteava zagueiros, suas arrancadas em toques curtos e fintas desconcertantes sentavam marcadores. Parecia cabecear com mira telescópica.
Tornou-se o astro e o artilheiro do time campeão em 1976 e que passaria 17 anos em jejum. Jorge Mendonça resistia a todas as tempestades e à turba de corneteiros italianos que sempre rondou o Parque Antártica.
Sua ideologia era o futebol-arte e imponente da própria letra do hino do Verdão. Barrou Zico na Copa da Argentina.
Em seu último ano pelo clube, em 1979, formou com Pires e Mococa um meio-campo que humilhou o Flamengo do Galinho em pleno Maracanã numa goleada de 4×1.
Jorge Mendonça fez o primeiro e armou os outros três. Parou no Internacional de Paulo Roberto Falcão, tricampeão invicto.
O técnico do Palmeiras era Telê Santana. O óbvio ululante da magia e da graça no futebol brasileiro.
O homem sem medo de atacar, de buscar o gol , de ousar acima do medo nunca deixou de ser, na contramão dos seus conceitos ofensivos e
ilusionistas, um turrão, um teimoso e um centralizador. Telê Santana foi o melhor técnico brasileiro e discípulo de Zezé Moreira, seu mestre, na intolerância.
Jorge Mendonça era o malandro criado em Bangu, na escola do bicheiro Castor de Andrade. Vedete e rebelde. Artilheiro sensual, de cortes precisos e tabelas área adentro. Não gostava de treinar. Reclamou de Telê. Foi posto à venda.
Veio o Vasco da Gama e o comprou, para fazer dobradinha com Roberto Dinamite, repatriado do Barcelona e outro perseguido por Telê. A dupla não deu certo.
Lá se foi Jorge Mendonça ao Guarani, trocar versos com Careca, que entendia o seu idioma.
Foi artilheiro do Brasil em 1982. Telê, técnico da seleção, vingou-se na paciência e frieza dos mineiros. Não o levou à Copa da Espanha. Seguiu viagem Renato “Pé-Murcho”, meia-atacante que não sabia chutar.
Renato fez três gols em 22 jogos oficiais de camisa amarela. Média de lateral-direito para o reserva imediato da máquina de estufar redes, Zico.
Jorge Mendonça sentiu o baque. Foi derrubado em pleno voo-solo. Definhou. Vagou por times sem tanta expressão. Emagreceu, passou a beber demais, perdeu o que tinha, o destino lhe tirou o amor da família.
Morreu na primeira quinzena de fevereiro de 2006. Pouca gente lembra dele. Tinha que cair na grande área da morte por ataque cardíaco. Nas suas veias corria sangue puro, de coração peladeiro
SAPATEIRO, ELE QUERIA SER AVIADOR, MAS SE TORNOU DJALMA SANTOS, O MAIOR
Em junho de 2012, tive o prazer de entrevistar Djalma e promover um emocionante reencontro dele com Masopust, o maior craque tcheco da história. Ambos não se viam desde a final da Copa de 62. Abaixo, a biografia de Djalma Santos, que publicaríamos no extinto projeto da enciclopédia Ídolos-Dicionário dos Craques
por André Felipe de Lima
O menino pobre tinha um sonho. Todo menino sonha. Uns querem ser médico, outros advogado, alguns escolhem, contudo, as profissões mais improváveis. E aquele menino tinha um anseio pouco comum. Queria ser aviador. O pai Sebastião dos Santos, chefe de uma família modesta, com parcos recursos financeiros, sugeria outra carreira para o garoto, alertando-o para a vida difícil que ronda a porta de quem é negro e assalariado no Brasil. “Militar é melhor, filho”. O menino fazia ouvidos moucos. Toda a vez que olhava para o céu imaginava-se no comando de um jato. Mas se o devaneio insistia, ele acordava. Ecoava a voz do pai. Ademais, tinha mais um sapato para consertar e nada de perder tempo.
O menino sobre o qual escrevemos foi sapateiro. Quando não mexia com sapatos, vendia pipoca em portas de circo. Trabalhava de forma incansável, apesar da bronquite crônica decorrente de uma pneumonia, para juntar um dinheirinho e pagar, quem sabe, o tão acalentado curso de aviação.
Em meio a uma montoeira de sapatos, o menino feriu a mão direita. Não podia ser mais sapateiro e tampouco piloto. O sonho, já muito longínquo, tornou-se impossível. Acabou. E foi regozijar-se jogando bola no time de várzea chamado Internacional, o da Parada Inglesa, bairro da zona norte paulistana. Gostava de jogar bola, mas não tinha nenhuma pretensão quanto a isso. Nunca se imaginou no gramado de um estádio de futebol. Seu sonho era o céu. Mas não deu.
Foi numa daquelas peladas do Inter da Parada Inglesa que o garoto que sonhava ser aviador, então com 11 anos, conheceu Bruno. O amigo, esse, queria mesmo é ser jogador de futebol. Estava inclusive na Portuguesa de Desportos. E sugeriu que fossem juntos à sede da Lusa. Talvez houvesse uma oportunidade para o colega, que vinha jogando bem na várzea, esquecer de vez aquela história de avião. O garoto pensou: “Na Portuguesa poderei permanecer na sapataria e continuar a juntar dinheiro para o curso de aviador…”. O sonho persistia. Já havia feito testes no C.A. Ypiranga e até no Corinthians, mas acabou mesmo fincando pé na Lusa, em 1948.
Eis o preâmbulo daquele que se tornaria o maior lateral-direito de todos os tempos no mundo: Djalma Santos. Ídolo da Portuguesa de Desportos, do Palmeiras e do Atlético Paranaense. Ídolo imortalizado pelas jogadas geniais; pelos quase 100 jogos com a camisa da seleção brasileira e pelas duas Copas do Mundo conquistadas.
Filho de Sebastião com Norma Nogueira dos Santos, Djalma Santos, cujo nome que consta na certidão de nascimento é Dejalma dos Santos, nasceu a 27 de fevereiro de 1929 na rua Prates, no Bom Retiro, bairro da pauliceia. Para o bem do futebol desistiu da sapataria e da carreira na aviação e estreou na Portuguesa no dia 9 de agosto de 1948, em uma partida do time de aspirantes contra o Corinthians. A escalação na ponta da língua [ou da caneta, como preferirem]: Ivo, Ferreirinha e Aníbal; Laudelino, Djalma Santos e Piloto; Constantino, Duílio, Alves, Farid e Oscar.
No time profissional, a estreia aconteceu dias depois em 16 de agosto, contra o Santos, que venceu de 3 a 2. A Lusa entrou em campo com Ivo, Lorico e Pedro; Silveira, Djalma Santos e Hélio; Renato, Pinga II, Nininho, Pinga I e Simão, os dois últimos autores dos gols da Portuguesa.
Reparem as duas escalações citadas acima. Vejam que Djalma Santos está como centromédio. Ou seja, a lateral-direita só entrou em sua vida quando a Portuguesa, no ano seguinte, contratou Brandãozinho, volante notório, também ídolo da história do clube Rubro-verde.
Djalma Santos já se insinuava acima da média dos outros jogadores. Tinha um fôlego incomum, embora fumasse como um sem número de jogadores famosos de sua época. Beber? Nem pensar. Era alérgico ao álcool.
Algo improvável nos idos de 1950 seria um lateral avançar até a intermediária adversária e centrar a bola para os atacantes. Ainda mais improvável, quando esse jogador cobrava laterais jogando a bola como se estivesse efetuando um cruzamento certeiro para o atacante cabecear contra a meta oposta. Isso tudo Djalma Santos fazia.
Com a Lusa conquistou os primeiros títulos na carreira. Foi campeão do torneio Rio-São Paulo, em 1952 e 55, e do Fita Azul, em 1951 e 1953. Disputou 453 jogos entre agosto de 1948 e maio de 1959 quando o Palmeiras pagou 2,7 milhões de cruzeiros, quantia extraordinária para a época. O pé-de-meia estava garantido. Já poderia casar. E o fez com Mercedes Campos dos Santos. Da união dos dois nasceu a única filha do casal, Laura Andreia.
Foi Djalma Santos o primeiro jogador a completar 100 jogos pela Portuguesa de Desportos. “Durante 11 anos joguei na Portuguesa e não fui campeão paulista. Sempre torço para a Portuguesinha um dia chegar lá. Ela merece”. O último jogo do craque pela Lusa ocorreu na vitória de 6 a 3 sobre o Palmeiras, em partida válida pelo torneio Rio-São Paulo e realizada no dia 29 de abril de 1959. Em campo estiveram: Carlos Alberto, Djalma Santos, Hermínio, Valter e Pedro; Odorico [Vilela] e Ocimar: Didi, Alfeu, Ditinho e Melão [Babá].
O locutor esportivo Fiori Gigliotti rebatizou Djalma Santos. Para ele, o craque representava “O Pedacinho Preto de Deus”. Levando ao pé da letra, a frase não é tão ortodoxa assim, ou será que o pedaço maior de Deus é branco? Mas o locutor o fez de boa fé impressionado com as jogadas do craque, como aquela em que Djalma levantava a bola com o pé esquerdo e cruzava com o direito para a área adversária. Gigliotti quis apenas reverenciar um dos baluartes da Primeira Academia do Verdão ao lado de Ademir da Guia, Dudu, Servílio de Jesus Filho, Tupãzinho, Geraldo Scotto… que time!
O début aconteceu diante do Comercial de Ribeirão Preto, pelo Paulistão, no dia 30 de maio de 1959. Ou seja, dias após assinar o contrato. Deu Palestra. 6 a 1.
Ao vestir Alviverde, o lateral conquistou tudo. Ou quase tudo. Levantou três vezes o troféu de campeão paulista [1959, 63 e 66]; uma do Rio-São Paulo [65] e outra do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, a Taça Brasil, em 1967. Faltaram apenas a Taça Libertadores e o caneco do Mundial Interclubes.
A Libertadores esteve bem perto, mas Djalma atrasou mal uma bola para Valdir de Moraes. O atacante Spencer aproveitou a bobeada do lateral e marcou o gol que deu a vitória de 1 a 0 ao Peñarol, no estádio Centenário, no dia 4 de junho de 1961. No jogo seguinte, realizado sete dias depois, no Pacaembu, os uruguaios empataram em 1 a 1 e levaram a taça.
Foram quase dez anos no Parque Antarctica, de 1959 até o jogo de despedida, um amistoso contra o modesto Cianorte, no dia 28 de julho de 1968. Vitória apertada do Palmeiras de 4 a 3, na casa do adversário. Ao todo, Djalma disputou 498 jogos, venceu 295 e empatou 105, marcando apenas 10 gols pelo Alviverde. “Fiquei dez anos e dois meses na Lusa. Quando saí, foi a transferência mais cara da época, para o Palmeiras, depois da Copa de 1958. Fui vendido porque a Lusa comprou o Canindé. Eles tinham que reformar o estádio, mas não tinham grana. Além do Palmeiras, o Corinthians e o Fluminense queriam meu passe. Mas aí o Oswaldo Brandão, treinador, e o Julinho Botelho, ponta-direita que tinha jogado comigo, foram em casa. Eles estavam no Palmeiras e me convenceram. Me lembro que recebi muitos telefonemas e cartas na época dizendo: ‘O Palmeiras não aceita crioulo’. Acho que fui o primeiro crioulo que jogou lá. Fiquei dez anos e quatro meses”.
Reportagem do jornalista Armando de Castro, em 1961, reforça a versão de Djalma Santos. Castro comparava o Palmeiras daquele ano com o Palestra Itália do começo dos anos de 1940, que contrariou parte da elite paulistana por inserir dois jogadores negros em suas fileiras: Caieira e Og Moreira. “Tanto é que os dois mulatos conseguiram ótimo ambiente entre os ‘italianos’ que, no entanto, forçados pelo subconsciente, apelidaram um deles de Toscanini […] Vejam, no entanto, o esquadrão principal do Palmeiras de hoje. Estão ali dois mulatos [Zequinha e Chinesinho], fato que, como já frisamos, nada tem de inédito. Mas está ali também um negro retinto [Djalma Santos]. Os dois ‘rosadinhos’, vistos de longe, confundem-se com os demais. A impressão do público que lota as nossas praças de esporte é que o zagueiro-direito é o ‘astro-negro’ do Parque Antártica. E o público está certo”.
A Castro, Djalma reconheceu temer o ingresso no Palmeiras, mas que encontrou forças na criação que recebera dos pais para enfrentar qualquer discriminação de que fosse vítima. “Posso dizer que, graças aos meus pais, nunca me senti inibido na vida. Meus tempos de criança não foram sopa, não. Os ‘velhos’ davam duro e agente tinha que ajudar em alguma coisa. Mas não me lembro nem um dia em que eu me sentisse diminuído entre os meninos brancos ou mais ricos, tanto na escola como nos brinquedos de rua. Esse meu gênio folgazão vem desse tempo. Nas piadas, ninguém tirava farinha comigo. E nunca ouvi, nas conversas dos meus pais, nada que dissesse respeito a discriminação racial. Por isso, cresci assim e acho que brancos e negros, é tudo a mesma coisa.”. Na mesma entrevista, ao se referir sobre seu gosto por cinema, disse o seguinte sobre o filme “Carmen Jones”, de 1954, uma adaptação do teatro realizada pelo diretor Otto Preminger e que teve como atores principais, todos negros, a bela atriz Dorothy Dandridge e Harry Belafonte: “”E nunca um filme me impressionou tanto como aquele ‘Carmen Jones’. Um colosso. Só negros, todos eles dando um ‘show’ de arte. Fiquei orgulhoso dos meus ‘patrícios'”. Castro, então, indagou: “Você chama aos artistas de ‘patrícios’ só por terem a sua cor?”. O craque emendou a resposta: “Por isso mesmo. E principalmente para mostrar aos racistas ianques que os negros valem tanto como eles, talvez até mais do que eles”.
O tema “racismo” era recorrente na carreira de Djalma Santos. Ele aprendeu a lidar com o assunto, mas sem conformar-se: “Infelizmente, até aqui no Brasil, de vez em quando aparecem casos desses. Não me esqueço o que fizeram ao pugilista Luiz Inácio. E quem pode garantir que tal afronta não contribuiu para o declínio desse ex-campeão? Eu, por exemplo, sou um negro que gosta da raça mas que tem, graças a Deus, um bom ambiente entre os brancos. Por isso é que perdoei o que fizeram ao meu ‘patrício’ mas, confesso que sofri tanto quanto ele. Mas um dia, os negros hão de se unir e terão representantes seus nas Câmaras, nas Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional. Aí então veremos […] Os diretores [do Palmeiras] me tratam carinhosamente. Os companheiros não passam sem as minhas ‘gozações’ e me chamam de ‘Negrão’. Mas esse ‘Negrão’ me soa tão bem que parece que eles estão me chamando de irmão”.
ENTRE OS MAIORES
A grande vitrine para Djalma Santos foi a seleção brasileira, com a qual encantou o planeta sendo quase uma unanimidade, ao lado de Garrincha, Pelé e Nilton Santos. Os três craques não estiveram, porém, no jogo que a Fifa organizou em 1963 para comemorar os 100 anos da criação do futebol e da Liga Inglesa. Mas Djalma Santos esteve. Foi o único jogar brasileiro convidado para vestir a camisa da seleção do “resto do mundo”, com Puskas, Yashin, Masopoust, Di Stefano, Eusébio e outras feras, que enfrentou o English team, que não teve como derrotar um elenco como aquele e acabou perdendo o jogo pelo placar de 2 a 1, diante de um estádio Wembley lotado.
Durante muitos anos acreditou-se que Djalma Santos havia superado a marca das 100 partidas com a seleção brasileira, mas, em 16 de setembro de 1997, a Fifa corrigiu a estatística do craque na seleção, concluindo que foram 98 e não 100 jogos vestindo a amarelinha. O equívoco estava na coleta de dados sobre o jogo Brasil e Paraguai realizado em 13 de novembro de 1955. O Brasil venceu de 3 a 0 e havia um Santos em campo, mas sim o Nilton, o enciclopédia, e não o Djalma. O jogo contra um combinado Berlim, Ulm e Frankfurt também perdeu o caráter oficial após a Federação alemã de futebol constatar que a seleção no gramado não era a da então Alemanha Ocidental. Djalma, dessa vez, estava em campo. De qualquer forma, o lateral marcou três gols com a camisa brasileira. Isso é insofismável.
A estreia de Djalma Santos no escrete canarinho aconteceu durante o empate sem gols com a seleção peruana, em 10 de abril de 1952, em Santiago. Jogo que valeu pelo campeonato pan-americano. Por causa daquele 0 a 0, o técnico Zezé Moreira, de quem Djalma sempre gostou e admirou, sofreu horrores. Torcida e imprensa não perdoaram o resultado pífio. Como a partida foi marcada na mesma época da Semana Santa, Zezé foi o “Judas” da vez. O “malharam” sem dó. Na verdade, faltou paciência e sobrou indelicadeza. Zezé e o seu escrete, que contava com o jovem talento Djalma Santos, venceram todos que viam pela frente. O primeiro a tombar foi o Panamá, com uma goleada de 5 a 0. A primeira vitória de Djalma com a amarelinha.
Em 1954, enfim, a primeira Copa do Mundo da vida do craque. A Suíça o aguardava. A seleção tinha um elenco poderoso, mas esbarrou no futebol mais consistente da Hungria, de Puskas, Kosics e Czibor. Djalma até marcou um gol, de pênalti, mas não impediu a avalanche dos húngaros, que venceram de 4 a 2. Se sobraram gols, sobrou também sopapo. O campo de futebol transformou-se em front e a pancadaria rolou solta. Zezé Moreira, com todos já no vestiário, nus e sob o chuveiro, foi flagrado pela câmara do então repórter fotográfico Armando Nogueira, que empunhou a máquina diante de um basculante e, mesmo sem saber o que a lente captava, obteve a foto de Zezé desferindo uma sapatada em um dirigente húngaro. A imagem é uma das mais emblemáticas do fotojornalismo esportivo.
Naquele mundial, Djalma Santos foi titular absoluto nas três partidas da seleção. Não podiam ignorá-lo, era o melhor lateral-direito em atividade no Brasil, embora não dispensasse, quando necessário, um jogo mais duro contra adversários desleais. Foi o caso de um camarada do Vasas, da Hungria, e que deu um pontapé em Zequinha em jogo contra o Palmeiras. Djalma alertou ao gringo que fora feia a jogada e que não precisava recorrer a tamanha brutalidade. Se o húngaro entendeu ou não o recado do brasileiro, é outra história. Ele riu do apelo de Djalma, que apenas fez um gesto de alerta. Haveria revide. Na primeira oportunidade, Djalma Santos o pegaria de jeito. E foi o que aconteceu. A bola chegou ao jogador do Vasas, que conseguiu escapar do bico da chuteira do brasileiro e, ainda por cima, cuspiu contra o lateral, mas Djalma correu atrás dele feito um doido e socou-lhe o estômago. A bola já estava longe dos dois e, ao que parece, os olhos do juiz também. O húngaro sentiu na pele que com Djalma não se devia brincar.
Mais quatro anos e outra Copa do Mundo. A da Suécia. Durante toda a campanha vitoriosa, De Sordi, lateral do São Paulo, foi o titular. Na véspera da final contra os suecos, o são-paulino sentiu uma contusão e em seu lugar Vicente Ítalo Feola escalou Djalma Santos, que simplesmente, jogando apenas uma partida, consagrou-se como o melhor da posição no Mundial. “Foi o maior momento da minha carreira aquela vitória sobre a Suécia. Na casa do adversário e com a presença do Rei na arquibancada”.
Mas porque Djalma Santos, tecnicamente superior ao então titular, foi preterido por Feola? Alberto Helena Jr. recupera uma história e tenta elucidar o caso. Teria sido racismo?
“Murmurava-se que, nas sombras da barração inexplicável, moviam-se velhos fantasmas que povoavam um relatório elaborado logo após o desastre da excursão brasileira à Europa em 56, segundo o qual jogador negro não era muito confiável nos momentos decisivos, quando se exigia raça e senso de responsabilidade. Quem acompanhara a carreira de Djalma, fosse na Portuguesa, fosse na seleção, não podia vê-lo enquadrado nessa preconceituosa categoria. Afinal, ainda estava viva na lembrança de todos a imagem heroica de Djalma, metendo a cabeça enfaixada por uma banda branca tingida de sangue, fruto de uma das tradicionais guerras entre brasileiros e uruguaios em sul-americano recente, entre a bola e o pé assassino de um avante adversário, sobre a risca, salvando gol certo.”
O episódio a que Helena Jr. se refere aconteceu em Londres e com o ponta-direita vascaíno Sabará, que desceu ao salão de chá do sofisticado Lane Park Hotel, onde a seleção estava concentrada, vestindo um macacão, calçando chinelos e com uma toalha enrolada no pescoço. Sabará, que queria apenas um despretensioso lanche no restaurante do hotel, indignou os preconceituosos ingleses que davam plantão no local. Uma prova cabal de racismo. A Confederação Brasileira de Desportos [CBD] abaixou a guarda diante de situação tão espúria na qual envolveram Sabará.
A nefanda tese dos ingleses e a subserviência dos cartolas da CBD foram desmanteladas quando o Brasil terminou aquele mundial de 58 com Didi, Garrincha, Djalma e Pelé, todos negros, considerados os melhores do escrete. Djalma Santos também viria a ser o melhor lateral-direito da Copa de 1962, no Chile, e Garrincha, o craque do torneio, pondo um ponto final naquele capítulo lamentável de preconceito de cor na história da seleção brasileira.
Sabará, Djalma, Garrincha, Didi… todos não mereciam aquilo. Djalma, por exemplo, dava o sangue pela seleção. No campeonato sul-americano de 1956, atirou-se com o rosto no pé do uruguaio Borges para impedir o gol adversário. O jogo foi 0 a 0, com o Uruguai praticamente campeão e o Brasil, lutando para sair do quarto lugar.
Djalma era fibra, impetuosidade, profissionalismo, lealdade. Dignidade. Jogou mais uma Copa, a da Inglaterra, em 1966, mas a CDB promoveu uma grande lambança política e o Brasil, com um time que não devia nada aos ingleses — que acabaram campeões —, voltou mais cedo para casa.
A despedida de Djalma Santos da seleção aconteceu no dia 9 de junho de 1968. Fizeram uma grande festa para ele. Merecida. Convidaram o Uruguai para o evento. Brasil 2 a 0, com Djalma sendo substituído por Carlos Alberto Torres, herdeiro da lateral-direita e o capita de 1970, no México.
O craque sempre foi muito sondado por cartolas de vários clubes. Mas um convite, feito em 1968, quando ainda defendia o Palmeiras, o agradou, só não pôde aceitá-lo imediatamente.
CAMPEÃO E ÍDOLO AOS 40 ANOS
O folclórico presidente do Atlético Paranaense, Jofre Cabral e Silva, viajou a São Paulo para buscar jogadores que pudessem ajudar o Furacão e recuperar o brilho. Havia 10 anos que o clube não conquistava sequer um título. Cabral baixou no Parque Antarctica e abordou Djalma Santos. Perguntou ao lateral se ele indicaria alguém do Verdão que estivesse dentro das condições orçamentárias do clube. Condições aquelas que não eram nada salutares. Djalma quis saber qual o salário. Cabral explicou os detalhes e o lateral se ofereceu para ajudar o Rubro-negro na trajetória rumo a um título. Mas com uma condição: só poderia ir no ano seguinte. Antes teria de cumprir contrato com o Palmeiras.
O cartola atleticano aceitou as condições e aguardou Djalma Santos, que, em 1969, com 40 anos de idade, chegava à Baixada. Apesar da idade, sobrava-lhe fôlego incomum. Quem o viu jogar pelo Atlético se espantava. Como poderia, um jogador com aquela idade, dar show em campo? Antes dele, é bom salientar, o craque Zizinho, ao defender o São Paulo em 1957, na casa dos 40, liderou o time ao título estadual. Que dizer de Romário? O baixinho de 40 anos artilheiro do competitivo campeonato brasileiro de 2006.
Djalma Santos tinha consciência de suas limitações físicas. Sábio, quando se deparava com um ponta arisco, veloz à beça, trocava de posição com o lateral-esquerdo Julio, bem mais jovem que ele e outro ídolo da torcida.
O tão sonhado título não veio em 1969, mas de 1970 não passava.
Com Bellini, também fechando o seu ciclo nos gramados, Sicupira, Julio, Alfredo Gottardi Júnior e Liminha, o maior lateral-direito de todos os tempos, enfim, ajudava ao Atlético quebrar o jejum de 12 anos sem títulos. Furacão, campeão estadual de 1970. Durante a inesquecível campanha, o Atlético ficou invicto em 12 partidas seguidas. O último título da majestosa carreira de Djalma Santos, ainda genial com a bola aos 41 anos de idade. E não é que o lateral marcou um gol em Atletiba… foi no jogo em que o Coritiba venceu de 2 a 1, gols de Krüger e Passarinho. O jogo foi realizado no estádio Belfort Duarte no dia 21 de janeiro de 1970.
Missão cumprida. Título na Baixada e Djalma Santos precisava abandonar os gramados. Não dava mais. As pernas já não o obedeciam como antes e nem as mãos. Não conseguia mais os cruzamentos certeiros e tampouco arremessar bolas na área adversária em cobranças de laterais.
Tornara-se um excelente cronista do jornal O Estado do Paraná, onde mantinha uma coluna e pela qual fez uma grave denúncia de havia doping no futebol paranaense. Exigia que tudo fosse investigado, como destacou em depoimento à revista Placar, de agosto de 1970. O alvo da denúncia foi o Grêmio Oeste, de Guarapuava, que, segundo Djalma, tinha até um bom time, mas com jogadores usuários de café com Dexamil e Pervetin, medicamentos na lista negra anti-doping. O alerta já havia sido feita à imprensa local por Pinducão, ex-massagista do time. Djalma, do alto de sua representatividade esportiva, apenas reforçou a necessidade de uma investigação mais rigorosa. A reação da torcida local, quando o Atlético enfrentou o Grêmio, em Guarapuava, foi a mais hostil possível. Dirigiam-se a Djalma e gritavam: “Macaco! Macaco!”.
Era realmente a hora de parar por ali. Ouvir ofensas como aquela não combina com o histórico exemplar e vitorioso de Djalma Santos.
O jogo derradeiro foi contra outro Grêmio, o de Porto Alegre e bem mais conhecido que o de Guarapuava, no dia 21 de janeiro de 1971, com Djalma prestes a completar 42 anos. Dizem que Djalma jogou como nunca, impedindo qualquer graça do ponta-esquerda gremista Loivo.
Foi a despedida oficial, mas no dia 30 de janeiro de 1972, Djalma Santos retornou ao gramado para defender a sua querida Portuguesa na vitória de 2 a 0 sobre o Zaire durante uma partida que marcou a inauguração do estádio do Canindé.
Djalma Santos nunca foi expulso de um jogo de futebol. Sempre afirmou que teve dois mestres que o orientaram na senda do profissionalismo: “Trabalhei com Osvaldo Brandão, que me cobrava em todos os aspectos. Ele queria eficiência no trabalho técnico e tático, quer fosse individual ou coletivamente. Mas é de Zezé Moreira que me recordo com mais alegria. Ele sabia como tratar um jogador”.
Zezé e Brandão deixaram ensinamentos que Djalma quis aplicar com os mais jovens. No Atlético Paranaense assumiu o comando do time profissional, mas por pouco tempo. Sentia mais prazer em orientar a garotada das divisões de base. Treinou equipes juvenis na Arábia Saudita, por quatro meses, e na Itália, onde morou por mais de um ano.
O grande ídolo vivia em Uberaba, no interior de Minas Gerais, ao lado da atual esposa, Esmeralda. Após a aposentadoria, escolheu a cidade mineira como retiro porque a primeira esposa, já falecida, tinha primas que moravam em Uberaba. Sempre que podia, Djalma passava férias por lá.
Coordenou por 11 anos o projeto “Bem de Rua, Bom de Bola”, em que participavam mais de 4 mil crianças da região. Tudo funcionava bem até o ex-ministro dos Transportes, Anderson Adauto, assumir a Prefeitura local. “O projeto foi desfeito por causa desse negócio de política. Não gosto de me meter, não sou de lado nenhum, sou de Uberaba. Mas acabou por quê? Para não deixar lembrança do antecessor”. Apesar do fim do projeto social, Djalma continua trabalhando com crianças, como monitor de esporte de núcleos de treinamento mantidos pelo Governo do Estado de Minas Gerais. Ser treinador sequer passou pela sua mente. “Meu caráter não dá para isso. O treinador precisa ser cara-de-pau”.
No dia 1 de julho de 2013, Djalma Santos foi internado no Hospital Hélio Anglotti, em Uberaba. O quadro de saúde agravou-se devido a uma grave pneumonia e a uma instabilidade hemodinâmica, levando-o ao óbito às 19h30 de 23 de julho.
Os ingleses o chamavam de Lord. Não era para menos. Djalma Santos foi o melhor lateral- direito da história do futebol mundial. Ídolo estelar do nosso olimpo futebolístico, Djalma completaria 88 anos nesta terça-feira, 27. Saudade deste grande ídolo, bicampeão mundial em 1958 e 62, com a seleção brasileira. Saudade do querido “Nariz”, como era carinhosamente chamado, porém com tom brincalhão, por Garrincha, Pelé e Nilton Santos nos bons tempos em que juntos vestiram a poderosa “amarelinha”…
Na foto abaixo, estou em pé, atrás do Djalma Santos e dos craques da antiga Tchecoslováquia, que disputaram a final da Copa do Mundo de 62. Djalma está entre Jelínek e Masopust, este o maior jogador tcheco da história.
Naquela tarde do dia 24 de junho de 2012, em São Paulo, bati um longo papo com todos para edição do documentário “Simplesmente passarinho”, sobre a vida de Garrincha. Entrevistas muito bacanas que, se um dia Deus quiser, poderemos conferir com o lançamento do filme. Foi um encontro emocionante. Eu conversava com Masopust e o seu tradutor no hall do hotel em que gravávamos as entrevistas. De forma inesperada, entra ali o Djalma Santos. Pedi licença ao Masopust e disse a ele que faria uma grande surpresa. Fui ao Djalma, apresentei-me e disse o mesmo. Levei-o ao Masopust. Os dois imediatamente se reconheceram e se abraçaram demoradamente. Masopust chorou comedidamente. Djalma também. Não se viam desde a final da Copa de 1962, no Chile. Foi um dos registros mais bonitos e emocionantes que o futebol proporcionou para mim.
Djalma Santos é um marco na história do futebol mundial. Todo domingo ele levantava às sete da manhã, calçava chuteiras e dirigia o carro por um percurso de cinco quilômetros, de sua casa, na rua Martim Eminato, no bairro de Tassio Rezende, até o Uberaba Country Club. Ele e mais outros veteranos participavam de uma pelada dominical sagrada. “A gente fica só chutando. Depois do jogo, a gente assa um peixe, toma cerveja e joga um baralhinho”. E o Djalma Santos? Como sempre, estava inteirinho da Silva.
CORDAS VOCAIS, PERNAS MORTAIS
por Zé Roberto Padilha
Há três décadas, Zico era a principal atração do Maracanã. E Phil Collins, a grande atração do Rock in Rio. No último fim de semana, o Fla-Flu foi jogado no Pantanal para 15 mil pessoas, sem o Zico, e Phill Collins ocupou o Maracanã, cantou ao vivo para 40 mil pessoas. Melhor para a música, pior para o futebol.
Quem foi ao maior estádio do mundo pode ouvir, outra vez, a melhor música do mundo. Um dos gigantes do pop mundial relembrou suas canções do Genesis, acompanhados do naipe de sopros à lá Earth, Wind & Fire, enfileirou hits e levantou o público com sua inesquecível “Easy Lover”. Prova que o tempo, se passou, poupou aquelas cordas vocais para que jamais nos deixassem esquecer do talento de Phil Collins.
Já quem foi ao Pantanal sentiu a falta de quem compôs, com a camisa rubro negra, as melhores jogadas do mundo. Clássico das tabelas com Adílio, ultrapassagens com Leandro, sinfonias que acabavam nas redes em parceria com o Nunes. E com o Cláudio Adão. Fora os solos precisos cobrando, como, ninguém uma falta. O som da bola se alinhando nas redes do Santa Cruz, ao contrapé do seu goleiro, ainda ecoam nos ouvidos dos amantes do futebol-arte.
Mas o tempo, a violência do futebol e o Márcio, do Bangu, machucaram suas pernas mortais, provocaram artroses em suas articulações, e de lá, do Pantanal de Cuiabá, torcedores, goleados e humilhados, só sentiram saudades. O que mais sentiriam, senão pena, do que entoam vestindo suas vestes Rômulo, Ronaldo e Marlos Moreno?
Daí você me lembra, e o Jogo das Estrelas? Já fui a um, é um programa parecido com praia em dias de mormaço. Você sai de casa contando com um resquício do sol, e quando ele aparece em uma caneta, um lançamento, ah! você volta imaginando o bronzeado que teria caso seus ídolos tivessem forças para afastar aquelas nuvens dali.
Os músicos pelo mundo tentam, sem sucesso, a inspiração de Phil Collins. E os limitados reservas do Flamengo tentam, sem inspirações, alcançar a genialidade do Zico. Claro, podemos pegar um DVD destes dois gênios e rever suas obras de arte a qualquer tempo. Mas ao vivo, há uma troca de energia, uma cumplicidade, que nem jogadores, músicos, fãs e torcedores sabem explicar. E por tal, a boa musica continuou a reinar neste final de semana, a soar por sobre a histórica grama, coberta e complacente do maior estádio do mundo. E a bola, coitada, ficou a tropeçar por pântanos distantes, conduzidas por notas dissonantes, por atores confusos, que o futebol brasileiro, e a nação rubro-negra, não merecem mais ouvir e assistir.