DAS DORES DO 6×0 ALHEIO E DO SILÊNCIO DAS CHUTEIRAS BRONZEADAS
por Marcelo Mendez
A tarde em Festa
Foi uma alegria só!
Na tarde daquela quarta-feira, 21 de junho, além dos oito anos de aniversário da conquista do Tri em 70, o Brasil fez 3×1 na Polônia com uma exibição de gala do meia Dirceu e no quintal da Avenida das Nações, começou uma profusão de abraços, beijos e cânticos. Eu mesmo ganhei vários desses abraços.
– Marcelo, vamos para a final! – disse minha prima Marlene me beijando o rosto, enquanto o céu do Parque Novo Oratório era forrado de balões e fogos de artifício.
Na rua, os carros buzinavam, as pessoas corriam com bandeiras do Brasil e tudo era alegria. Eu, com meus imberbes 8 anos, entrava na gandaia. O que se dizia era que a Copa de 1978 já estava no papo e só meu Tio Moreno que teve a prudência de questionar aquele forfé todo:
– Olhaaaaa… A Argentina já mudou lugar de jogo, o horário, está estranho isso aí…”
– Moreno, nem com todo roubo do mundo, eles fazem quatro gols no Peru. Eles não têm time pra isso! – respondeu, meu outro Tio, o João.
– Melhor esperar o jogo à noite…
– Ahhhhh, Moreno… Deixa de ser chato!
– Eu quero só ver…
Noite em desalinho
A boca da noite daquela quarta-feira estava estranha.
Toda a euforia da tarde, da festa antecipada, parecia ter acabado mais que repentinamente. No lugar dos beijos, abraços, rojões, goles de cerveja Antárctica e cantorias, o que passou a imperar era um sentimento de apreensão.
Uma dose forte e cruel de realidade se aproximava da nação bronzeada com o começo do jogo Argentina x Peru.
Na nossa sala, todo mundo de olhos na TV, ninguém falava muito. A impressão que tinha é que à tarde rolou um transe xamanico/ludopédico, mas que acabou e no lugar veio uma partida de 90 minutos para ir “curando” todo torpor de alegria que inundava os corações canarinho. E nem demorou muito.
Em poucos minutos do primeiro tempo, o jogo já estava 2×0 para a Argentina, com dois gols esquisitíssimos; No primeiro, o zagueiro peruano simplesmente saiu da jogada, dando uma pernada em lugar nenhum. Kemps, na saída do goleiro Quiroga, só empurrou para o fundo das redes.
No segundo, não é que Tarantini estava sozinho na área; Ele, além de sozinho, abaixou para cabecear uma bola totalmente defensável para ampliar a coisa para 2×0. E assim terminou o primeiro tempo. E na segunda etapa foi ainda pior…
O bom time peruano, que tanto trabalho deu ao Brasil, parecia um time de várzea dos piores. O ataque argentino entrou como quis e fez não só 4, mas 6×0. Uma tunda, uma paulada. Fiquei triste…
Com meus parcos 8 anos, entendi que toda aquela festa de horas antes, todos aqueles beijos e abraços, havia chegado ao fim, por conta daquele 6×0 da Argentina no Peru. Vi todo mundo protestando, falando em marmelada, em falta de vergonha na cara, mas o que mais me impressionou naquele dia foi outra coisa:
O silêncio.
Descobri naquele dia 21 de junho de 1978, que o futebol é uma montanha russa, que ele pode gerar desde a irritante alegria, até a mais pungente tristeza, em questão de quase nada de tempo. E que uma dor de futebol tem retumbância atroz.
A dor do futebol cala muito mais que instrumentos de samba. Ela silencia os sonhos…
UM TIME CHAMADO CAMBURÃO
por Rubens Lemos
Sede de General Severiano com faixa anunciando um Baile Black com o Monsieur Lima.
Quando viu o ônibus do Botafogo chegar ao Maracanã naquela tarde de 1977 e as primeiras cabeças foram surgindo das janelas, o repórter Deny Menezes, sarcástico e rápido, não se conteve e mandou flash para a cabine da Rádio Nacional: “Atenção Zé Carlos (O narrador José Carlos Araújo), o Time do Camburão acaba de chegar…”.
Há nove anos sem títulos, na época, o presidente Charles Borer, ligado ao SNI, da linha dura de apoio ao Regime Militar, estava execrado pela torcida pela venda da lendária sede de General Severiano à Companhia Vale do Rio Doce. Toda a história do dirigente Carlito Rocha, o seu cachorrinho Biriba, Heleno de Freitas, Nilton Santos, Didi e Mané Garrincha havia sido jogada fora para ser recuperada nos anos 1990.
Charles Borer parecia tirano comandante de tropas alemães da SS na Segunda Guerra Mundial e era combatido pelo jornalismo de esquerda, liderado por João Saldanha, por defender pancada nos comunistas cuja perseguição era liderada pelo seu irmão Cecil Borer, diretor do temível DOI-CODI, ante-sala da morte nos anos de chumbo.
Borer quis ficar de bem com a torcida e demonstrar autoridade. Montou um time cheio de craques malandros acima da conta. Contratou Paulo César Caju, Mário Sérgio, Dé, o Aranha, Manfrini, Gil, Ubirajara Alcântara, Renê Pancada e Rodrigues Neto.
Já estavam no Botafogo, Bráulio, o ex-Menino de Ouro do Internacional(RS), Carbone e Ademir Vicente, que contava detalhes aos companheiros do seu namoro com a cantora Vanusa. Na teoria, um time, na prática, o camburão perfeitamente definido por Deny Menezes. Ninguém queria nada a não ser criar caso, fazer arruaça e desafiar a decantada valentia de Borer.
Paulo César Caju não costumava jogar às quintas-feiras pois às quartas havia noites especiais com garotas importadas na então famosa Boate Regine`s. PC Show, com vasta cabeleira Black Power, fazendo biquinho, recitava o francês que aprendeu à risca, no tempo em que brilhou no Olympique de Marselha. Divertiu-se e encantou. Tocar a bola para ele era um desfile.
Mário Sérgio e Renê gostavam de brincadeiras sadias quando o time viajava a Campos e Volta Redonda. Sacavam revólveres e atiravam em placas de trânsito. Quem acertasse menos, pagava a rodada de cerveja, que começava no próprio ônibus (camburão).
O Camburão de Futebol e Regatas passou a treinar em Marechal Hermes, onde foi construído um estádio com arquibancadas metálicas. Segunda-feira pela manhã, nem pensar. Tudo começava às duas da tarde porque do time titular, apenas o jovem e habilidoso meia Mendonça acordava antes do meio-dia.
Depois de empates contra Olaria e São Cristóvão, Charles Borer pensou que enquadraria de uma vez o Camburão. Contratou para técnico ninguém menos que o delegado de polícia Luiz Mariano, do antigo time dos 12 de Ouro, alcunha afável do Esquadrão da Morte. De preparador físico, a seda humana chamada Hélio Viggio, chefe da Divisão Anti-Sequestro.
Charles Borer apresentou a dupla, que guardava pistolas sob as calças de elástico e disse que a partir daquele momento, ai de quem continuasse desrespeitando a autoridade dirigente. Foi às duas da tarde.
No dia seguinte, pela manhã, não viu Mariano ou Viggio em Marechal Hermes. Telefonou ao técnico, que o atendeu, pelas 11, voz de ressaca monumental. “Borer, o Dé, o Ademir e o PC nos convidaram a um papo, pra selar a paz, mostrar boas intenções e terminamos às sete horas, todos bêbados. São bons meninos.”
Desmoralizado de uma vez pela malandragem, Borer resolveu desmontar o camburão, vendendo, com dificuldade, peça por peça, até 1979.
O QUINTO METATARSO
por Zé Roberto Padilha
Por causa da celebração cívica marcada no calendário para Junho, o povo brasileiro irá novamente pintar espontaneamente suas ruas de verde a amarelo. Orgulhosos do seu país, vão fixar bandeirinhas no retrovisor do seu carro e desfilar seu patriotismo até quando durar o sonho de vencer outra Copa do Mundo. Aos seus novos heróis, que vivem distante da sua realidade, mal falam português e ganham salários irreais, preencherão um álbum da Panini com cada figurinha que entrará em campo e mudará a sua vida.
Já por causa da celebração cívica seguinte, em Outubro, cada brasileiro estará se lixando para as ruas. Desgostosos com seus políticos, vão fixar adesivos nos carros com os nomes que os marqueteiros, e o poder econômico, decidirem apoiar nas convenções partidárias.
Céticos e passivos, serão incapazes de preencher um álbum com as figurinhas dos que lhes traíram na reforma trabalhista. E que pela conquista de uma emenda parlamentar fundamental à sua reeleição, venderam anseios da sua comunidade em troca de deixar imune ao julgamento seu mandatário maior e ilegítimo.
Carlos de Souza, 68 anos, caiu da escada de sua casa em Quintino, subúrbio do Rio de Janeiro, na sexta feira passada. Segundo o jornal O Dia, o SAMU só apareceu três horas depois e, quando chegou ao Hospital Getúlio Vargas, foi constatada uma fratura no fêmur. Sem plano de saúde, teve a sua radiografia marcada para a primeira sexta-feira de Abril. Caso precise operar, vai poder assistir a Copa do Mundo em casa, pois na agenda do hospital só tem vaga para a cirurgia daqui a 120 dias. Seu médico? Foi atendido pelo residente e será operado por quem estiver de plantão. Quanto à fisioterapia para sua recuperação, vai depender de sorte. E muita reza.
Enquanto isto, Neymar Jr., a figurinha carimbada das celebrações de Junho, sofreu uma fratura no quinto metatarso do pé direito há uma semana. Levou 30 segundos para ser atendido, duas horas para realizar uma ressonância magnética, e só operou uma semana depois por excesso de cuidados e médicos à sua disposição. E que não chegavam a um acordo: fratura ou fissura? Saiu de maca, foi operar de helicóptero, saiu da cirurgia amparado por um séquito de seguranças e embarcou em um jatinho particular onde iniciou, ali mesmo, suas sessões de fisioterapia.
Então, vamos que vamos outra vez naquela corrente Prá Frente Brasil, Salve a Seleção! E que se dane, para todo o sempre, a saúde, o trabalho, oportunidades iguais e a jamais alcançada educação.
LIBERTADORES 20 ANOS – A FESTA
entrevista: Alexandre Perdigão | texto: Matheus Rocha | vídeo: Herbert Cabral | edição: Daniel Planel
A AGC – Associação Grandes Cruzeirenses fez mais uma grande festa para relembrar seus ídolos, em dezembro de 2017. Desta vez, os homenageados foram os bicampeões da Libertadores de 1997. Como não poderia ser diferente, o Museu da Pelada fez marcação cerrada e esteve por lá.
Foi uma festa no Espaço Meet / Porcão, em Belo Horizonte. Estiveram presentes grandes jogadores daquele time. O evento teve a lembrança de jogo-a-jogo com um documentário feito pela Memória Celeste, com causos e tudo mais.
O Cruzeiro expôs as duas taças Libertadores (1976 e 1997) e ainda a recém-conquistada Copa do Brasil 2017.
O ponto alto da festa foi uma surpresa que não era esperada nem pela AGC. No meio da festa, sem confirmar, apareceu Dida. Não por menos, foi ovacionado no meio da festa. Por volta dos 30 minutos do segundo tempo da final, fez duas defesas incríveis, ainda quando não havia gol no placar. Como disse o Galvão Bueno na transmissão daquele jogo, no momento da defesa: “Se o título vier, metade dele já tem dono, é do goleiro Dida!”. E todo cruzeirense sabe disso.
Daquele time que jogou a final, além do goleiro Dida, também marcaram presença os laterais Vitor e Nonato e o zagueiro Gélson, além dos meio-campistas Fabinho e Elivélton e o atacante Marcelo Ramos. Ainda do elenco, também receberam homenagens os meio-campistas Reginaldo, Léo, Tico e Donizete Amorim e o atacante Da Silva.
O Cruzeiro venceu a Libertadores de 1997 em 13 de agosto daquele ano e o Museu da Pelada lembrou com a data com essa crônica (https://www.museudapelada.com/resenha/um-canhoto-decidindo-de-direita).
Confira o vídeo da festa!
UMA TARDE EM SESSENTA E POUCOS
por Ricardo Dias
Tenho um grande amigo, o Celso. Celso é faixa preta de caratê (mas diz que é branca, pois está com o joelho bichado, o que o faz um carateca inútil. Eu não gostaria de experimentar) e ex lateral direito do glorioso Pinheiros Futebol Clube, time de futebol amador do Rio. Mas antes de falar de futebol TENHO que contar uma história de caratê dele:
Sensei, o mestre japonês de 88 anos, um dos pais do esporte no Brasil, fez um retiro de fim de semana para caratecas graduados sobre defesa pessoal. Dois dias de muito treino e estudo. Tudo gente cascuda, o seminário rendeu. Último dia, Sensei reúne todos e pergunta:
– Dez homens querem te bater. O que você faz?
Resposta oral, cada um com sua solução. Sensei ouve todos; ao terminar, balança a cabeça e diz:
– Todos burros! Perdi meu tempo, ninguém aprendeu nada!
Ficam todos surpresos e desconcertados. Ele completa:
– Se dez homens querem te bater, VOCÊ CORRE!
Então, feita a pausa, o avô de Celso morava em Santos. Ele e seus irmãos foram passar férias e, fominhas de futebol, foram direto para a Vila Belmiro (um adendo: anos antes, em 62, meus pais estavam em Santos, justamente visitando a Vila Belmiro, quando dei o primeiro sinal de vida, minha mãe não sabia que estava grávida. Deve ter sido um chute, eu queria me juntar aos meus iguais em categoria). Outro adendo: foram levados pela mãe, dona Irene; uma mãe futebolística, também levou os meninos (dois deles, um estava ocupado) ao Maracanã para assistir ao gol 1000 do Pelé!
Chegaram, fizeram amizade com o porteiro, já graduado nessas visitas, e entraram, conheceram os jogadores, já fim de treino, pegaram autógrafos… Mas Pelé já tinha saído. Voltaram à portaria, e o funcionário disse que Pelé sairia pelo portão X ou Y, sei lá. Parece que a malandragem era dizer o portão errado para o rei poder sair em paz, mas como eles não conheciam nada, acabaram errando o caminho a acertando o portão: uma Mercedes azul com placa final 1000 (ou 0010, as memórias divergem) com alguém dentro, podia ser o chofer. O mais jovem chegou mais perto e gritou:
– PELÉ!!!!!
O cara da Mercedes podia simplesmente ir embora. Estava longe, nem tinham certeza se era ele. Mas ficou, desceu do carro e era o próprio, o rei em pessoa! Vinda não se sabe de onde, uma multidão se formou em volta de sua majestade, que atendeu a todos, totalmente consciente de quem era. Autógrafos, conversas rápidas, os meninos no céu.
Indo embora, passaram pela portaria novamente, para se despedirem do simpático funcionário. Ele perguntou se estavam satisfeitos, disseram que sim, e muito, mas lamentavam não ter conseguido falar com Edu, que estava machucado. Edu era a nova sensação do Santos, o novo rei. O porteiro pediu um tempo, foi lá dentro, e voltou com um pedaço de papel.
– Toma, é o endereço dele. Vão lá que ele está esperando vocês.
Eles se entreolharam, não acreditando, mas foram, era ali perto, poucas quadras.
Sobem no elevador (era um tempo sem porteiros), tocam a campainha, aparentemente Edu abre a porta.
– Edu!
Eu disse “aparentemente”. Era Gaspar, irmão gêmeo de Edu, que riu e abriu a porta para os meninos. No sofá, com uma bolsa de gelo, Jonas Eduardo Americo, um dos maiores jogadores da história, sorria para eles.
– E aí, pegaram o autógrafo do Pelé?
– Pegamos!
– Então pra que é que vocês querem o meu?????
E a história acaba aqui, com um sorriso congelado no tempo, como uma foto em preto e branco. Um tempo em que três meninos cariocas – um tricolor, um rubro-negro e um alvinegro – podiam reverenciar ídolos de outros clubes, e eram tratados como o que de fato eram, a verdadeira razão de ser do jogo. Um tempo longínquo, onde reis se comportavam como reis e faziam a alegria de seus súditos.