RUBÉN PAZ, O 10 DO RIO DA PRATA E FINAL DO MUNDIALITO
por Marcelo Mendez
O dia 10 de janeiro de 1981 era quente na Rua Tanger.
Todas as luzes do mundo clarearam a manhã do Parque Novo Oratório e a periferia de Santo André estava em festa.
Em meio aos “bons dias” trocados, o vai e vem dos carrinhos de feira que subiam rumo à Rua Fenícia onde ficava a feira livre de domingo, lá íamos minha mãe e eu puxando nosso carrinho. Enquanto a mãe ia falando com as pessoas que também iam para o mesmo lugar, na frente eu fazia peripécias com o carrinho. Assim como o Luciano, que também fazia o mesmo. O encontrei na ladeira da Rua Germânia:
– É hoje a final, hein, Marcelo??
– Sim! Contra o Uruguai lá na casa deles. Mas acho que dá pra ganhar…
– Dá, sim. Mas eles têm mó timão…
– Bons jogadores…
– Krasoswski, Venancio Ramos, Morales, De Leon, Rodolfo Rodriguez no gol, o tal de Vitorino que até dormindo mete gol. Fora aquele 10 lá, Marcelo, como chama?
…
O nome da classe é Rubén Paz
Naquele dia, ao invés de ter apenas nós, os moleques da Rua Tanger, na casa do Tocão, havia também os nossos pais, vizinhos, os parentes do Tocão.
Seu Renato, pai dele, fez um churrasco, chamou todo mundo e a festa era grande.
Ao longo do dia, comentários dos adultos, das rádios que estavam em Montevidéu, flashes da TV, iam nos dando a exata dimensão da grandeza que estava envolvida numa decisão entre Brasil x Uruguai no Estádio Centenário.
Fazia 30 anos que eles haviam nos vencido no Maracanã no fatídico Mundial de 1950 e no banco deles, como técnico, uma lenda: Roque Maspoli, o goleiro. Mas quando o jogo começou não era para o banco que olhávamos, assim como o pensamento também estava longe de 1950.
– Porra, mas como joga esse tal de Rubén Paz! – exclamou seu Renato.
Sim…
Rubén Paz era o camisa 10 do Uruguai. Vendo-o jogar, descobri que era mais um de quem jamais torceria contra.
Pela cancha do Centenário, Paz não andava, nem corria; Desfilava. Craque de bola, não pisava o mesmo chão que os outros tantos mortais que ali estavam. Seu olhar tinha uma altivez imperial, seus passes tinham a imponência de quem distribui sonetos ao invés de bolas. Nosso time que não era ruim, não conseguia jamais pará-lo. E aos 11 anos, comecei a entender que o futebol cria seus semi deuses, suas lendas e que elas são inatingíveis, por charme, sonho e necessidade de se perpetuar como poesia.
E a lenda criou a jogada para o primeiro gol de Barrios, para o Uruguai. Porém o placar não ficou assim por muito tempo. De pênalti, Sócrates empatou. Depois disso, vem o outro ensinamento do futebol…
Camisa 9 não faz bolinha; Mete gol
O bom time do Uruguai tinha como base o Nacional, campeão da Libertadores de 1980.
Foi via a tela da TV Record, que vimos a final do campeonato, em que os uruguaios venceram o forte Internacional do Falcão e do Batista nas duas partidas da decisão. Nela apareceu um centroavante baixinho, rápido feito uma flecha, que como o Luciano falou, até dormindo fazia gol…
– Tem que tomar cuidado com esse Vitorino! – recomendou meu Pai.
– Não tá jogando nada, Mauro! – respondeu seu Renato.
– Ele é centroavante. Centroavante não precisa jogar bem, precisa fazer gol!
E como tal, aos 35 do segundo tempo, Waldemar Vitorino, pequeno, rápido e esperto, apareceu no meio da pequena área do Brasil para abaixar e cabecear a bola para o fundo do gol. Era o 2×1 que acabaria por ser o resultado final.
Na festa, meu Pai e seu Renato não ficaram tristes, pelo contrário; Vibravam, porque segundo eles, o povo uruguaio fez um coro lá gritando que “Se vai acabar, a ditadura militar”
Aos 11 anos, eu já sabia do que falavam, mas o que me chamou atenção foi ver o Brasil perder uma decisão, a primeira da minha geração. Ainda assim, seguíamos firmes na torcida.
O caminho de 1982 ia se pavimentando…
LEMBRANÇAS DE UM TEMPO ESQUECIDO
por Émerson Gáspari
Minhas lembranças remontam ao ano de 1895, quando nasci em São Paulo. Tenho, portanto, 123 anos. Nessa data tão especial para mim, pouca gente se recorda e ninguém me cumprimenta ou mesmo me agradece pelo fato de eu ainda estar vivo.
Essa legião de egoístas parece ocupada demais, com o nariz enterrado num celular durante o dia e a barriga encostada numa mesa de bar, tomando cerveja entre amigos, à noite. E são milhões deles. Mas não parece haver uma viva alma neste país tão bonito, que se interesse pela minha história, meu passado, minhas lembranças.
Desse modo, não me resta alternativa – a não ser eu mesmo – de recordar tantos momentos inesquecíveis que proporcionei a todos esses egoístas e a milhões de outros, que já se foram sem terem tido a consideração de me agradecerem por tantas emoções desfrutadas.
Poucos prestigiaram meu nascimento, sob a batuta de Charles Miller, no confronto Gas Works Team x SP Railway Team. Mas aos poucos, fui me tornando popular e os momentos incríveis, se sucedendo, aos montes. Como em 1919, no campo da Rua Paissandu , onde o goleiro Marcos de Mendonça defendeu um penal e três rebotes em seguida, dando o tricampeonato ao Flu, diante do Mengo. Naquele mesmo ano e defendida pelo mesmo Marcos, a Seleção Brasileira derrotou – jána segunda prorrogação da final (de 150 minutos!) de um jogo extra – aos uruguaios, com um gol de Friedenreich, dentro do estádio das Laranjeiras abarrotado.
Saibam que sequer rádio havia para informar aos torcedores que não estavam presentes e o boca-a-boca era o meio utilizado para espalhar a notícia. Ou os jornais. Mas a paixão que eu despertava em vocês já era única, incomparável, nesta época tão longínqua.
Momentos sublimes como o primeiro gol de bicicleta de Leônidas pelo São Paulo, em cima do Palestra Itália, em 1942. Ou polêmicos, como o gol de cabeça de Valido, diante do Vasco, que resultou no primeiro tricampeonato do Flamengo. Também polêmicos foram muitos personagens, nesses anos todos: Heleno, Almir, Edmundo… todos craques! Aliás, craque é o que mais produzi no país: que nação teve um driblador como Garrincha? Na final do Cariocão de 62, ele destruiu o Mengo de Gérson, que preferiu jogar ao lado dele, no Botafogo. Mesma providência tomada antes, pelo “Enciclopédia” Nilton Santos. E olhem que Nilton era um monstro capaz marcar um atacante de costas, pela sombra projetada no gramado ou tirar uma bola da poça d’agua na maior categoria, pisando nela e aproveitando o “empuxo”. Igualzinho Didi, que tirava o “ponto de gravidade” da pelota, ao cobrar uma falta com sua “folha-seca”.
Está difícil para os mais novos? Não entendem direito o que lhes conto? Perguntem aos velhos torcedores: eles decerto se lembrarão desses monstros sagrados e de outros como Zizinho, o “Mestre Ziza”. Meu Deus! Só numa terra abençoada para eu criar craques desse naipe. Pena que seu povo despreze tanto a memória, a história e desconheça fatos e pessoas.
O que dizer do Santos de Pelé & Cia, então? Jesus! Beirava o inacreditável: até hoje muitos não creem que o clube parou guerras, dominou o mundo e revelou o maior jogador de todos os tempos; Pelé. Não! Muitos brasileiros, ao contrário, preferem eleger um craque “modinha” do exterior, desfilando toda sua ignorância futebolística.
Tem jovenzinho que não acredita que aquele Santos, em 58, venceu o Palmeiras no Rio-SP, por 7×6. Ou que Pelé certa feita, em Bauru, marcou três vezes um gol de cabeça, em escanteios cobrados em sequência por Pepe, até que o juiz desistisse de anulá-los. Simples assim!
Desdenham dos mil gols do Rei! Duvidam que Mané jogasse o que jogou, tendo uma bacia deslocada seis centímetros, um joelho virado para dentro e outro para fora. Que Djalma Santos cobrasse laterais, jogando bolas que cruzavam toda a grande área. Que Domingos da Guia, o “Divino Mestre”, tenha sido o único jogador campeão consecutivamente no Brasil, Uruguai e Argentina. E era um zagueiro… “o” zagueiro.
Que Jair Rosa Pinto disparasse bombas que faziam curvas em “S” (como as que o Arsenal levou na sacola em 49, quando voltou pra Inglaterra, após desembarcar invicto no Rio). Que para Dino Sani, não houvesse “bola quadrada”: do jeito que viesse o passe, a bola seria dominada e posta no chão, tranquilamente; daí saindo viradas de jogo ou lançamentos diagonais perfeitos. Pobres incultos! Quando é que os torcedores de hoje irão se interessar em saber quem foi Carlito Rocha no Botafogo? Belfort Duarte no América? Lara no Grêmio? Julinho Botelho na Portuguesa? Rivellino no Corinthians? Dirceu Lopes no Cruzeiro? Ou que Castilho amputou parte de um dedo para participar de uma decisão pelo Flu? Ou ainda o que foi aquele Bahia de 59? E o Atlético de Reinaldo? Será que lhes passa pela cabeça que o Bangu já foi vice Brasileiro, que o Amériquinha já foi grande; que Ponte, Guarani, Portuguesa, América-MG viveram épocas áureas? Que clubes “pequenos” como Ferroviária, Bragantino, Paulista, Santo André, São Caetano, Americano e muitos outros já tiveram lindas conquistas no passado? Imaginam o que possa ter sido o Paulistano, bem como sua excursão por gramados franceses?
Como podem acreditar que o Botafogo, com mais três jogadores “enxertados” por Zagallo, vestiu a camisa da Seleção e deu uma surra na Argentina em 68, com o quarto gol de Jairzinho sendo marcado após 52 passes consecutivos, tendo a participação de todos os brasileiros no lance, sem que os gringos sequer conseguissem tocar na bola?
Ao invés de lerem e aprenderem que conquistamos o penta em 32 partidas invictas, preferem dedicar seu tão precioso tempo colecionando figurinhas da Copa, repleta de…estrangeiros?!
Hoje temos em vídeo, gols maravilhosos registrados nos últimos 40 anos. Como o de Dinamite, no último minuto, pra cima do Fogão em 76, naquele chapéu cinematográfico. Ou os de Romário, despachando o Uruguai e classificando a Seleção para a Copa de 94. E os de Zico pelo Flamengo, à frente de um esquadrão que conquistou o Mundial sem dar chances ao Liverpool.
Às vezes, o “imponderável” (como escreveriam Nelson Rodrigues ou João Saldanha) se dava numa simples aposta, como quando Nelinho chutou uma bola por sobre o Mineirão. Ou mesmo num treino do Verdão, quando Leão defendeu de bicicleta (e com a canhota!), um toque de Toninho, que o estava encobrindo (pena que sem registro).
Mas dá pra assistir como foi maravilhoso aquele esquadrão do Guarani de 78, o Inter de Falcão, o Timão do Dr. Sócrates, a Seleção de Telê de 82. A inigualável conquista do tri, em 70.
Mas não! Os torcedores de hoje preferem relembrar que o Brasil tomou de 7×1 da Alemanha em casa e que isso foi um vexame “maior” que o da Copa de 50, no “Maracanazzo”. Pergunte a eles se ao invés disso, procuraram assistir em taipe, aos três minutos iniciais da estreia de Pelé e Garrincha diante da URSS, em 58. Ou se sabem que essa dupla jamais foi derrotada, em 40 jogos pelo escrete canarinho. A preferência deles é outra: usar camisas de clubes europeus!
Sabem tudo de Messi e CR7, mas não imaginam que Nilton Santos, Garrincha e Pelé tem escalação garantida em qualquer seleção mundial de todos os tempos que se forme no exterior. Um gol de bicicleta de Cristiano Ronaldo é celebrado com “perfeição humana”, mas desconhecem que Leônidas da Silva e Pelé cansaram de fazer gols assim.
Capaz de não acreditarem também, que no Corinthians do IV Centenário, havia um artilheiro chamado Baltazar, que fez mais gols de cabeça do que qualquer um desses “deuses”, que a mídia repercute e amplifica. Certamente desacreditarão que no Pacaembu, aliás, havia uma charmosa concha acústica, que o ingresso era barato, e a torcida, mais presente e pacífica.
Hoje é “arena multiuso”, “chuteira dourada”, “bola científica”, graminha sintética, torcedores com camisetas caríssimas, games de última geração. Ah!… Quanta saudade dos tempos românticos, no qual torcedores pintavam bandeiras e camisetas, para irem ao estádio!
Bolas costuradas à mão, nada de “frescuras” nos uniformes. Todo garoto que se prezava, jogava bem uma pelada em chão de terra batida. Ou pelo menos, deixava a imaginação fluir com seus jogos de botão, cujas escalações pouco mudavam, de uma temporada para outra.
É por essas e outras que ando convalescendo por aí: esvaziado de craques, mal administrado, sem a mesma credibilidade de antes, desde os tais 7×1. É por isso que eu, pobre futebol brasileiro, vou vivendo praticamente das lembranças que um dia meu glorioso passado produziu, na cabeça de uma meia dúzia de saudosistas abnegados.
Jantar da Fla Nação
ENCONTRO COM ÍDOLOS
entrevista: Alf e Rafinha | texto: André Mendonça | vídeo e edição: Daniel Perpetuo
Nos 122 anos de existência do Flamengo, milhares de jogadores passaram pelo clube, mas só alguns honraram a camisa de forma suficiente para ganhar o status de ídolo de uma das maiores e mais exigentes torcidas do mundo.
Os felizardos, no entanto, estarão para sempre no coração dos rubro-negros e é por isso que volta e meia a torcida Fla Nação se desdobra para manter em evidência quem merece, com homenagens de todos os tipos.
A última iniciativa do grupo foi um jantar no Hotel Windsor, na Barra da Tijuca, com distribuição de camisas personalizadas e exibição de grandes lances de cada jogador no telão, reunindo uma lista de respeito: Zagallo, Júnior, Rondinelli, Fillol, Gamarra, Evaristo de Macedo, Silva Batuta, Fernandinho, Alcindo, Nélio, Sávio, Zinho, Andrade e Renato Abreu.
A convite do parceirão Sandro Rilho, um dos integrantes da Fla Nação, marcamos presença e ainda levamos os colaboradores Alf e Rafinha, flamenguistas de carteirinha, que não esconderam a felicidade:
– São gerações e gerações vencedoras do Flamengo. Acho que a homenagem é mais do que justa e todos os clubes deveriam reverenciar os ídolos dessa forma! – disse Alf.
Ao ser perguntado quantas vezes foi ao Maracanã aplaudir os ídolos presentes no evento, Rafinha disparou:
– Desde criança! É um orgulho grande estar aqui vendo essas feras.
Além das tradicionais selfies e autógrafos, os flamenguistas foram nossos repórteres por um dia e trocaram aquela resenha com os craques, perguntando tudo que sempre sonharam.
Vale ressaltar que os ex-jogadores também estavam lisonjeados com a homenagem da Fla Nação e se mostraram orgulhosos por estarem na história do clube.
O ponto alto do evento foi a chegada de Zagallo, que foi recepcionado com uma salva de palmas por todos os presentes. Mesmo com a saúde debilitada, após um tombo na semana que antecedeu o jantar, o ex-ponta fez questão de marcar presença e foi reverenciado no palco pelo lendário repórter Deni Menezes.
– Os aplausos que você recebeu, com todas as pessoas se levantando desde que você entrou no salão, dizem tudo. Você é o nome, você é a história. Você é como os diamantes, porque os diamantes são eternos! – disparou um Deni emocionado.
A festa estava tão bonita que a equipe do Museu da Pelada não teve outra opção a não ser se atrasar para o próximo compromisso.
SEUS PÉS E A BOLA: UMA COMBINAÇÃO MORTAL
por Marcos Vinicius Cabral
Naquele olhar frágil e na ausência do sorriso, haviam motivos para qualquer coisa, menos desistir do sonho.
Ser jogador de futebol é o que todo garoto de subúrbio espera ser.
E com o pequeno Calu (como era chamado no bairro de São Bento) não seria diferente.
Mas com um grave tumor na perna no qual ficou entrevado numa cama por três meses, o menino sofria pela distância da sua grande paixão: a bola!
As dores só eram amenizadas com a presença de sua mãe, dona Neusa, que ao lado de sua cama permanecia por todo tempo enxugando suas lágrimas.
— Não chore meu filho, tudo vai acabar bem — dizia a matriarca dos Oliveiras enquanto alisava os cabelos encaracolados do filho caçula.
Se o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902/1987) dizia no poema “Definitivo” que “a dor é inevitável mas o sofrimento opcional”, por amor à bola o menino Calu não teve opção: era necessário passar por aquilo!
Se naquele ano de 1962, o menino então com 8 anos enfrentava um adversário implacável, a vida lhe reservaria bons motivos para ir adiante.
– Foi um milagre. Milagre porque eu, com sete para oito anos, fiquei praticamente três meses de cama, tive que fazer uma cirurgia de um tumor na coxa e coloquei gesso na perna esquerda toda, na cintura e na outra perna, e aquele tradicional cabo de vassoura no meio. Fiquei três meses na cama sendo assistido pela minha mãe e era muito magrinho. Uma criança que até os sete teve muitos problemas, aos sete tive um problema sério na perna esquerda, com 12 anos um problema também na perna esquerda. Acredito que a gente vem nesse mundo com uma missão, nós podemos melhorar ou não, e acho que fui um privilegiado – contou Roberto Dinamite, em entrevista ao SporTV em 12 de abril de 2014.
Depois de ter ficado engessado por alguns meses, foi proibido por sua mãe de jogar futebol e via pela janela de sua casa, situada à rua José Pinto, a tristeza contrastar com a alegria dos seus colegas de infância que jogavam.
O tempo passou e as feridas do passado ficaram para trás.
O menino triste deu lugar a um habilidoso e notável jogador do São Bento, clube tradicional de Duque de Caxias, onde seu pai, seu José Maia, havia sido goleiro.
Já a mãe, dona Neusa, era torcedora do Parque Lafayette, seu arquirrival.
Muito querido no bairro – nascer em Duque de Caxias tem lá suas vantagens – Carlos Roberto de Oliveira foi o terceiro e último a nascer.
Porém, dentro das quatro linhas ia fazendo seus gols e inspirado por Jairzinho, Furacão da Copa de 1970, aos poucos mostrava que bola na rede era o seu forte.
Se o destino havia lhe tirado o sorriso quando ficou de cama por alguns meses, dessa vez o destino lhe compensou e colocou no seu caminho Francisco de Souza Ferreira, seu Gradim, olheiro do Vasco da Gama, que se encantou com o moleque.
Com 16 anos, aprovado na peneira no campo do São Bento em 1969, o apelido Calu era esquecido e em São Januário passou a ser chamado apenas por Roberto.
Se desenvolveu, ganhou cerca de 15kg de massa muscular e fama com seus 46 gols marcados logo em seu primeiro ano de juvenil.
Sendo destaque nos treinos, era questão de tempo que uma oportunidade aparecesse.
E foi no Campeonato Brasileiro de 1971, que o técnico Admildo Chirol colocou a jovem promessa em campo, contra o Bahia.
Não fez gol e passou em branco.
Depois disso, contra o Atlético-MG foi titular pela primeira vez e diante de tanta expectativa criada em torno dele, o menino de sorriso marcante não foi bem na derrota por 2 a 1, fora de casa.
Com isso, acabou substituído.
Mas o destinou tratou de entrar em ação mais uma vez e aquele começo difícil seria brevemente esquecido.
Contudo, se o sueco Alfred Nobel – falecido em dezembro de 1896 – por algum milagre, pudesse voltar à vida e, na sua qualidade de químico e inventor da dinamite, fosse indicado para receber o prêmio que leva o seu nome, ficaria, na certa, profundamente lisonjeado.
Motivos não lhe faltariam para colher os resultados de sua invenção.
Pois ela atravessou séculos, irrompeu mares, explodiu como bolas de fogo nos céus existentes do universo e foi, anos mais tarde, visto como grande feito naquele 25 de novembro de 1971, na estreia do “garoto dinamite” contra o Internacional, em pleno Maracanã.
Surgia enfim, um artefato à base de nitroglicerina dos pés daquele jovem de apenas 17 anos, que destruía defesas e fazia com que seus marcadores entrassem em conflito numa guerra declarada por cada gol explodido, como o seu primeiro na carreira contra a equipe Colorada.
A palavra dinamite nunca havia sido tão bem aplicada para descrever a ação de um ser humano de carne e osso, que aplicava força nos chutes.
E foi graça aos repórteres Aparício Pires e Eliomário Valente do Jornal dos Sports – que cobriam os treinos dos juvenis do Vasco na época – que o apelido pegou.
Enquanto vestiu a camisa do Club de Regatas Vasco da Gama – foi sem demérito algum para os outros ídolos de São Januário – o maior explosivo utilizado pelo clube.
Assim era esse simples Roberto.
Não, não um Roberto tão simples assim.
Era Roberto Dinamite!
Esse mesmo Roberto que devemos incluir o “Dinamite” sempre e torná-lo um nome composto.
Esse sobrenatural centroavante que conquistou as Bolas de Prata da revista Placar, em 1979, 1981 e 1984.
Esse desbravador de marcadores que foi artilheiro dos Campeonatos Brasileiros de 1974 e de 1984, ambos com 16 gols.
Esse extraordinário atacante que foi artilheiro do Campeonato Carioca de 1978 com 19 gols, de 1981 com 31 gols e de 1985 com 12 gols.
Esse destruidor de esquemas táticos que foi artilheiro da Copa América de 1983 com 3 gols.
Esse jogador diferenciado que foi artilheiro do Vasco em todas as temporadas de 1973 até 1985.
Esse exuberante profissional que continua sendo o maior artilheiro da história do Campeonato Brasileiro nos 328 jogos disputados e nas 190 explosões de gols.
Esse Deus vascaíno que é o maior artilheiro da história do Campeonato Carioca com 284 gols.
Esse magnânimo atleta que é o maior artilheiro da história do Vasco da Gama com 702 gols.
Esse jogador de talento esporádico que é considerado o maior artilheiro da história do estádio de São Januário com 184 gols.
Esse gênio da bola que é o atleta que mais vestiu a camisa do Vasco da Gama em sua rica história com 1110 jogos.
Esse artilheiro dos artilheiros que é ao lado de Pelé e Rogério Ceni, os três jogadores brasileiros com mais de 1000 jogos por um único clube.
Esse exímio cobrador de faltas que foi eleito para o time dos sonhos do Vasco da Gama pela revista Placar em 2006.
Enfim, o camisa 10 de São Januário era um explosivo diferente, que não causava dano material algum mas fazia vítimas por onde passava.
Para o clube da Cruz de Malta essa explosão suscitava em seus torcedores uma enorme alegria e a certeza que com ele em campo, não havia placar em branco.
Já para os adversários nem tanto, pois causava uma tristeza nem sempre efêmera que machucava o peito, causava um mal-estar e afetava o coração.
Mas o gênio Roberto Dinamite era assim… ele explodia gols!
De todos os jeitos, de diversas formas e de diferentes tipos.
Muitos, centenas, milhares… e por mais de duas décadas, ecoou em estádios de vários cantos do Brasil e até do mundo, o barulho retumbante de gols, muitos gols.
De tanto ter seus gols amplificados pelos estádios de futebol mundo afora acabou chegando na Espanha e aos ouvidos do técnico espanhol Joaquim Rifé que pediu sua contratação.
Com 26 anos, nove temporadas no cruzmaltino e sendo assediado por clubes europeus o Vasco não pôde evitar a transferência de seu melhor atleta para o Barcelona, que desembolsou 56 milhões de pesetas – moeda utilizada na Espanha entre 1869 a 2002 – e o tirou da Cidade Maravilhosa.
— Eu voltarei — diria sem imaginar que 5 anos depois a frase se tornaria famosa mundialmente no cinema na voz do então desconhecido ator austríaco Arnold Schwarzenegger, no filme “O Exterminador do Futuro.
Em sua estreia no clube catalão, marcou logo dois gols e alçou voos maiores.
Entretanto, o técnico que havia pedido sua contratação foi demitido três rodadas depois, sendo substituído pelo argentino Helenio Herrera, que cortou suas asas ao não utilizá -lo.
Nos três meses em que esteve vestindo as cores do Barça, o desejo de voltar a jogar era grande.
Com o pensamento em voltar ao Brasil, recebeu Márcio Braga – então presidente do Flamengo – e Eurico Miranda – a mando do presidente Alberto Pires – que queriam a qualquer custo trazê-lo de volta ao Rio de Janeiro.
Nessa queda de braço a paixão falou mais alto e sobretudo quando se ama o clube: Roberto Dinamite estava de volta a São Januário!
Em 5 de maio de 1980, a reestreia era contra o Corinthians, no Maracanã.
O resultado foi uma goleada acachapante de 5 a 2, no qual o camisa 10 fez todos os gols da equipe vascaína.
Foi a volta triunfal do maior ídolo do clube, acompanhada inclusive por um repórter de Barcelona, que relataria o jogo para um jornal local com os dizeres: “Esto, sí, es lo verdadero Dinamita”, (os espanhóis nunca souberam pronunciar Di-na-mi-te)!
Mas ele havia voltado!
E como o ex-governador da Califórnia, a missão de Roberto Dinamite era exterminar seja quem fosse.
E nessa sua volta, havia o desejo de resgatar a ovação de uma torcida infinita em êxtase.
Ou ainda, quem sabe, torcedores regozijavam como dois jovens apaixonados que descobrem no sexo a forma plural do prazer.
Carlos Roberto de Oliveira foi “Dinamite” em estado puro na magia de um futebol aprazível.
Foi titular na Copa do Mundo de 1978, na Argentina e faltou pouco para ser campeão com a camisa 20 amarelinha.
Atravessou a década de 80 sendo mortal como sempre, foi injustiçado na Copa da Espanha em 1982 (foi reserva de Serginho Chulapa), jogou na Associação Portuguesa de Desportos e disputou grandes jogos contra o Flamengo.
— Enfrentei o Roberto em muitos e muitos jogos, um cracaço, um exemplo de profissional, muita dedicação, era ele no Vasco e o Zico no Flamengo, símbolos de seus clubes. Nós tínhamos muito respeito por ele e quando nos enfrentrávamos, eu falava para o Mozer: Não bate no velhinho não, pô! Na verdade ele não estava velho mas a gente inventava essas coisas para irritá-lo (risos). Mas o Roberto era um perigo e se a gente não ficasse de olho… ainda mais quando depois que ele recuou e com a entrada do Romário foi uma confusão danada para a gente — conta o ex-lateral rubro-negro Leandro, que jogando na zaga teve que marcar o camisa 10 vascaíno.
E completa: — O Roberto era um centroavante perigossíssimo, artilheiro nato, bom de cabeceio, pênalti, falta, cortava bem tanto para dentro quanto para fora e batia com qualquer perna, era um perigo constante. Mas era bom enfrentá-lo, porque se eu fui um grande zagueiro foi exatamente por ter enfrentado um jogador como ele.
Entretanto, Roberto é assim no meio futebolístico onde poucos merecem tamanha deferência, e sem sombra de dúvidas, o “Dinamite” é um deles.
Ainda deu tempo de jogar no Campo Grande Atlético Clube em 1993, um pouco antes de se aposentar.
Enveredou na política em 1992 elegendo-se vereador da cidade do Rio de Janeiro pelo PSDB e dois anos depois, elegeu-se deputado estadual, cargo este onde se reelegeria em 1998, 2002, 2006 e 2010.
Foi presidente do clube que tanto ama mas não teve o sucesso que teve nos gramados.
Logo em seu primeiro ano de mandato, levou o clube ao seu primeiro rebaixamento na história, subindo com o título da segunda divisão no ano seguinte.
Em 2010, o Vasco seria apenas décimo primeiro na tabela do Brasileirão, enquanto 2011 foi um ano sublime de “Dinamite” à frente do clube, onde foi Campeão da Copa do Brasil e vice brasileiro, com vaga garantida para a Libertadores de 2012.
Na competição, foi eliminado nas quartas de final para o Corinthians (quem não se lembra do gol perdido por Diego Souza?), e, no mesmo ano, foi quinto colocado na tabela do Campeonato Brasileiro.
Era o ensaio de uma volta do clube aos seus bons tempos, porém, em 2013, uma tragédia: o Vasco fez um ano terrível e caiu novamente para a Série B, acabando de vez com a possibilidade de reeleição para um terceiro mandato, nas eleições do ano seguinte – que foram vencidas por Eurico Miranda, que voltaria ao clube.
No ano de 2013, a VascoTV produziu um documentário de 30 minutos, chamado “Dinamite 40 anos – A História de um Ídolo”, sobre a carreira do maior jogador do clube.
Saiu de cena do cenário político e dos bastidores do futebol e hoje participa do programa esportivo Os Donos da Bola na TV Bandeirantes.
Portanto, hoje, 13 de abril o Rei de São Januário completa mais um ano de vida com o sentimento de dever cumprido.
E muitos de seus séquitos, como Bismarck, William, Bebeto, Geovani, Sorato, Mauricinho, Edmundo, Felipe, Juninho e Romário, foram rasos (com todo respeito às suas histórias) diante da profundidade que o eterno camisa 10 do Vasco representa nesses quase 120 anos.
Viva “Dinamite” e muitas explosões de coisas boas para você.
DE ‘CALU’ A DINAMITE, CONSTRUIU-SE A VOCAÇÃO DO GOL
No dia 13 de abril, Roberto Dinamite faz anos. O menino tímido superou duas complicadas cirurgias na infância e fez, na década de 1970, muitos meninos (como este pequenino jornalista) a se apaixonarem pelo Clube de Regatas Vasco da Gama… para sempre.
por André Felipe de Lima
“Apresenta uma morfologia ideal para ser o que é: ponta-de-lança nato. Forte e resistente, chega a parecer tão leve por causa da altura. DE qualquer maneira, é um jogador que se equilibra muito bem sobre as duas pernas e para derrubá-lo é preciso que o marcador ganhe impulso ou dificulte seu pé de apoio. Se desvantagem às vezes leva, é quando perde a noção do lugar favorito (direito). A sua força assenta na soma da massa física com velocidade (grandes passadas para atingir o gol), mas o melhor proveito vem do trabalho constante, do permanente castigo que representa para os zagueiros adversários, com aquele empenho infatigável e constante, nas boas e nas más, nas limpas e nas divididas. Golpeando sempre o mesmo ponto, Roberto é capaz de minar a resistência de qualquer um”. Jamais li, vi ou ouvi definição tão perfeita como essa escrita pelo incomparável repórter Geraldo Romualdo da Silva para o que representou nos gramados o cidadão Carlos Roberto de Oliveira, o inesquecível Roberto Dinamite, o maior artilheiro da história do Clube de Regatas Vasco da Gama.
“Vim do infantil de Caxias, gosto de música pop, soltar pipa, ler e garanto que o que aprendi não foi nada na escola, mas na luta pela sobrevivência, sofrendo e esperando: a pelada é que ensina o melhor e o pior”, disse o então garoto “Dinamite” ao repórter Geraldo Romualdo, em 1975, um ano após da primeira grande conquista nacional do Vasco.
Roberto era ainda menino. A infância e adolescência vividas no humilde bairro de São Bento, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde nasceu na madrugada de 13 de abril de 1954, não foi fácil. De família pobre, com mais um irmão (José Antônio) e uma irmã (Ana Lúcia), o caçula Dinamite foi galgando degrau por degrau até chegar ao topo. E esse topo tem marca: Vasco.
O menino Calu, apelido que guarda desde a meninice, foi a alegria do batalhador Maia, seu pai, que tanto duro dava em uma repartição pública para sustentar a casa, mas que realizou no filho pródigo o sonho de um dia ser jogador de futebol. Sonho deste cronista e de muitos leitores dessas despretensiosas linhas biográficas. Maia disputava peladas como goleiro nas peladas empoeiradas e lamacentas de Caxias. Foi num daqueles campinhos de trave sem rede que Roberto começou a nascer.
Maia distraía-se sempre que uma moça bonita pintasse na linha lateral. Foi uma delas que o fez daquela pelada do Maia a mais memorável de todas. Foi, talvez, o pior desempenho dele em um jogo de futebol, mas certamente o mais sensacional gol que marcou com o seu coração. Do olhar maroto para a beira do campo, veio a carinhosa conversa fiada com moça Neuza. O romance começou, e como escreveu Paulo César Pinto, biógrafo de Dinamite, “tinha Calu outro caminho que não o futebol?”.
O garoto logo na infância começou a compreender o que uma bola de futebol poderia fazer na vida de um menino humilde. Sonhava acordado com arquibancadas, bandeiras e o grito eloquente da torcida entoando seu nome: “Calu! Calu! Calu!”. O pequeno Roberto mal sabia que uma explosão de felicidade e amor o aguardaria anos depois, num campo mágico, histórico e mítico de São Cristóvão.
Nem mesmo as preocupantes cirurgias que fez aos oito (tumor na coxa esquerda) e aos 12 anos (princípio de osteomielite decorrente de uma pelada na rua) impediram que o jovem Calu consumasse o seu destino: o futebol transformaria o rapaz tímido e de poucas palavras no maior goleador que os cruz-maltinos conheceram.
Quem foi buscá-lo no modesto São Bento, time de peladas do bairro em que morava, foi o célebre treinador Gradim, olheiro da melhor estirpe e sabedor como poucos das coisas da bola. Gradim perambulava de pelada em pelada para pescar futuros craques. Pescou um graúdo. Em novembro de 1969, o magrelo Calu, com 15 anos, chegou à São Januário. Foi aprovado no teste e em um mês deixou a escolinha do clube para integrar o time juvenil sob o comando do velho Célio de Souza. Dali em diante só mesmo a definição do saudoso locutor Waldir Amaral para resumir o que representaria Roberto para a história do futebol: “A vocação do gol”.
Assim, nós, vascaínos, fomos aprendendo a gostar de futebol. A amar o Vasco. Graças às centenas de vezes que gritamos gol. Gol do nosso Calu. Gol do nosso menino explosão, amado e tão bem protegido pela querida Jurema. Gol de um gigante chamado Roberto Dinamite.