Geovani
O PEQUENO PRÍNCIPE
entrevista: Sergio Pugliese | texto: Rodrigo Quintanilha | fotos e vídeo: Daniel Perpetuo
É sempre um prazer participar dos eventos da PetroVasco no Clube dos Empregados da Petrobras, liderado por Sérgio Pereira. Dessa vez, no entanto, decidimos levar também o vascaíno Rodrigo Quintanilha, um colaborador do Museu que sempre participa com comentários pertinentes e tirou onda na resenha com um dos seus maiores ídolos.
por Rodrigo Quintanilha
Estava indo para mais um plantão, quando reparei que havia uma mensagem no celular. Era um convite do Museu da Pelada para me juntar a eles na cobertura do aniversário da PetroVasco. “- Inclusive Geovani!”. O convite já era bom demais, mas essa última frase já seria suficiente!
Desde que me lembro, sou Vasco! Meu pai não me criou, tive pouco contato com ele antes de falecer. Não sei qual era o time dele e, sinceramente, nunca me importou! Mas ele tinha muitos irmãos e em uma família dividida entre vascaínos e flamenguistas. Sendo assim, meus tios disputaram minha preferência clubística!
Alguns pequenos detalhes me fizeram ter mais interesse pelo Vasco! Um deles era o “R” de replay a cada gol na TV. Não sei por que mas associava aquela inicial a Roberto Dinamite. Então não importava quais times estavam jogando, quando aquele R aparecia na Tv, na minha cabeça infantil significava que Roberto acabava de marcar mais um gol!
Outro pequeno detalhe era o Pequeno Príncipe. Já tinha muita admiração por ele no fim dos 80, mas foi no início dos anos 90, quando minha família mudou para o Espírito Santo, que a idolatria aumentou.
O Vasco foi bicampeão estadual com ele e, apesar da rivalidade, os torcedores dos outros clubes tinham muito orgulho do sucesso da carreira do conterrâneo. Um sentimento similar ao que aconteceria com Sávio poucos anos depois.
Lembro ainda de uma última passagem dele pelo Vasco em 95, quando chegou para compor o elenco, já que o Vasco tinha acabado de contratar Juninho. Geovani já não era mais o dono da camisa 8, costumava entrar no segundo tempo e distribuir alguns lampejos de sua antiga categoria.
Geovani seguiu sua carreira após o Vasco. Voltou ao Espírito Santos e conseguiu ser tricampeão estadual por três clubes diferentes. Entre 98 e 2000, enquanto o Vasco ganhava Carioca, Libertadores, Torneio Rio-São Paulo, Brasileiro e Mercosul, Geovani levantou a Taça do Capixaba por Linhares, Serra e Desportiva. A única coisa que é o lamento foi o fato dele nunca ter jogado pelo clube de minha cidade. O Estrela do Norte, de Cachoeiro de Itapemirim.
Voltando a festa, foram muitos encontros interessantes com heróis de diversas conquistas. Sorato, Leandro Ávila um dos pilares do primeiro tricampeonato do clube: Mauro Galvão e Odvan.
Outro momento nostálgico foi encontrar o goleiro Acácio! Quantas crianças brincando no gol não gritavam “Acácio!!” a cada defesa realizada?
Passadas algumas horas do começo da festa começa a pelada e o timaço está em campo! Algumas constatações: Gaúcho joga com muita categoria e a cabeça sempre erguida, Sorato mantém uma boa movimentação. Mauro Galvão manteve a promessa é virou atacante. Não me lembro de ver ele proteger a própria meta em nenhum momento. Mas o que mais chamou atenção foi ver Acácio desafiando os atacantes a chutar no gol. Ali ele abriu um leque de lindas defesas. Não sei se ele fazia assim quando profissional, mas pareceu um efeito muito intimidador.
Parecia que ele não viria. Na verdade nós já estávamos de saída quando o Pequeno Príncipe foi avistado. Quanta atenção disputada! Todos querem um momento com ele. Correria de nossa parte também para remontar a aparelhagem que já estava guardada. No fim valeu muito a pena. Uma boa conversa com ele e um momento eternizado para mim. É uma pena que não haja muito material sobre Geovani na Internet, mas seu futebol está pra sempre guardado nos corações e mentes daqueles que o viram jogar. Podem ter certeza que 90% dos vídeos em que Romário aparece, com a camisa do Vasco, cara a cara com um goleiro ou disparando para receber um lançamento foi assistência de Geovani Silva, o Pequeno Príncipe.
Guinga + Paulinho
O MAESTRO
entrevista: Sergio Pugliese | texto: André Mendonça | fotos e vídeo: Daniel Planel
Dificilmente não saímos de alma lavada após uma resenha pelo Museu. Essa, especificamente, já era pedra cantada, porque não é todo dia que temos a oportunidade de bater um papo com um dos maiores violonistas e compositores do Brasil em um quiosque na Praia do Leblon.
No seu “habitat natural”, Guinga nos recebeu ao lado da amiga Anne e revelou que sua habilidade dentro de campo vai muito além do que se possa imaginar.
O talento com o violão é algo que dispensa comentários. Por isso, nem mesmo o fato da produção ter levado um instrumento com uma corda a menos foi capaz de prejudicar o desempenho do músico:
– Comecei a tocar com 11 anos de idade em Vila Valqueire. Morava na casa da minha avó e ficava irritado com meu tio Marco Aurélio que tocava enquanto eu tentava dormir. Mal sabia eu que eu estava aprendendo daquela maneira. Foi a minha primeira escola!
O primeiro presente na infância, no entanto, foi uma bola de futebol: uma paixão inigualável.
– Foi a grande diversão da minha vida toda. Para você ter uma noção, hoje, com 67 anos, sou o mais velho da minha pelada e vou disputar um torneio que rola todo ano no Clube dos Macacos.
Para dar ainda mais valor à resenha, Guinga teve a ideia de convidar Paulinho Pereira, ex-jogador do Vasco e que atualmente lidera uma escolinha no Posto 11, no Leblon. Em poucos minutos, o craque apareceu e já se acomodou.
A amizade dos dois é de longa data e muitas vezes a dupla já bateu aquela pelada. Por isso, perguntamos a Paulinho sobre o desempenho de Guinga, que não titubeou:
– Não conheço um canhoto que não seja pelo menos habilidoso! – elogiou.
Na mesma hora, o músico disparou:
– Jamais você vai ver eu me elogiar falando de música, mas quando o assunto é futebol eu recebo uma identidade que me transforma. Na minha pelada eu sou conhecido como maestro e não é pela música!
O currículo de boleiro de Guinga, aliás, é invejável. Já teve o privilégio de formar o meio-campo com Ademir da Guia, na várzea paulista, e Júnior, na pelada de fim de ano do Zico.
– É muito fácil jogar com quem sabe!
Se alguém ainda duvidava do seu talento, o craque tratou de mostrar sua intimidade com a redonda em poucos segundos de embaixadinhas na areia.
SEM LERO LERO, BIRO-BIRO FOI ‘MELHOR’ QUE MARADONA
Se Biro-Biro foi ou não melhor que o “deus” argentino, pouco importa. O mais significativo de tudo é que hoje o grande ídolo da Fiel faz anos. Conheça um pouco mais sobre o incomparável craque que tantas alegrias proporcionou ao Corinthians
por André Felipe de Lima
(Foto: Reprodução)
Não há no Brasil inteiro quem não conheça a marca “Biro-Biro”. Apareceu um lourinho (ou parafinado, como o original) de cabelo encaracolado, e pronto, logo o chamam de Biro-Biro. Não há apelido mais apropriado. Esta marca, aliás, tem dono e se chama, na “razão social”, Antônio José da Silva Filho.
Se muitos não conseguem associar o nome e o apelido ao dito cujo, tenham certeza que isso não é problema para nenhum corinthiano que se preze. Biro-Biro é, para os fanáticos pelo Timão, mais que um ídolo, é – e os iconoclastas que me perdoem – a alma do Corinthians, que encarnou no Estádio do Morumbi, no nublado dia 12 de dezembro de 1982, quando estava em disputa o título de campeão paulista.
De um lado, o poderoso elenco do São Paulo, com Serginho, Renato, Oscar, Dario Pereyra e Valdir Peres, tentando o inédito de tri, do outro a Democracia Corinthiana, com seus inabaláveis mosqueteiros. Um deles, o mais ousado naquela tarde, o mais mítico… era o Biro-Biro.
Horas antes do inesquecível jogo, o quadro clínico do jogador não estava lá essas coisas. Uma forte gripe o incomodava. Após almoçar no hotel-concentração Planalto, subiu imediatamente para descansar. Quando embarcou no ônibus que levaria o time para o estádio, exibia olheiras e uma indisposição flagrante. Para piorar seu quadro, o tornozelo direito estava comprometido há semanas. O temeroso treinador do Corinthians, Mário Travaglini (1932–2014), confidenciara ao diretor Adílson Monteiro Alves que, sem Biro-Biro, o time também ficaria sem o contragolpe para abater o forte time Tricolor.
Mas o inigualável Biro-Biro ensinou no gramado como ser ídolo de uma torcida. Prendeu a bola, quando tinha de prendê-la, e marcou dois gols inesquecíveis. No final, o Timão derrotou o São Paulo pelo placara de 3 a 1 e o herói levantou o troféu, recusando qualquer proposta de troca de camisa com o adversário. “Essa eu prometi ao meu pai”. Afinal, o craque era fiel. Fiel como a apaixonada torcida corinthiana.
Regularidade. Essa a palavra-chave para toda a trajetória de Biro-Biro com a camisa do Corinthians. Quem bem o definiu foi outro ídolo inesquecível: Sócrates: “Ele não joga bem só nas finais. Joga bem sempre”. A mais pura e cristalina verdade.
Biro-Biro nasceu no dia 18 de maio de 1959 em Santo Amaro, Pernambuco. Filho de Cândido José da Silva e Ivanice Marques de Souza. O pai, portuário, separou-se da mãe quando Antônio e os três irmãos ainda eram pequenos. A vida foi muito difícil para o garoto. Mas a vida casca grossa ficaria para trás, e um dia o garoto de cabelo oxigenado encantaria a torcida do Corinthians e se tornaria um símbolo da raça alvinegra, jogando como meio-campo na virada da década de 1970 para 80. Enquanto o destino não cumpria seu vaticínio, a mãe de Antônio sustentava os filhos com os bolos que fazia, muitas vezes das mangas e cocos surrupiados pelo menino Antônio das árvores dos quintais alheios. Quem, afinal, não teve um dia de moleque na infância? E o coco era importante, pois o prato predileto do menino era camarão com coco, que dona Ivanice preparava como poucos.
A vida, contudo, permanecia difícil. Quando Dª. Ivanice conseguiu trabalho em São Paulo e deixou os filhos com a avó. Antônio, com 11 anos, morou com o pai em uma palafita. Tentou pescar caranguejo, mas um beliscão fez com que desistisse da vida de pescador antes mesmo de ser iniciada. E foi da paixão que o pai tinha por um doce feito de biri-biri (uma fruta da família da carambola e também é conhecida como limão-de-caiena), que nasceu o apelido que o projetaria para o Brasil: Biro-Biro. Antônio era a cara do pai. Nada mais natural do que herdar o apelido paterno.
O curioso é que Biro-Biro não era muito bom no que se propunha a fazer. Na escola, não era dos melhores; subir em árvore alta demais, nem pensar; chegou a se entusiasmar com o surfe – daí, a inconfundível cabeleira oxigenada; mas era, como rege a gíria surfista, maroleiro.
No futebol, era diferente. Chamava a atenção durante as peladas. Aos 14 anos, embora dizendo-se torcedor do Náutico, foi levado para o juvenil do Santa Cruz. O destino começava a esboçar seu traço. Biro-Biro passou em um teste no Sport e logo já estava no time juvenil do rubro-negro. Foi campeão juvenil em 1975 e repetiu o feito no ano seguinte. Já ostentava pinta de ídolo.
Em junho de 1977, quando dividia a sala de aula com o campo de futebol, Toinho Biro-Biro, que cursava o segundo ano do antigo científico do Colégio Pedro II, levou a torcida do Sport à loucura com um gol sensacional contra o Santa Cruz que garantiu o título do primeiro turno para o Leão de Recife. No colégio, foi recebido pelos colegas com o coro “Biro, Biro, Biro/Biro Tetéia”, paródia da garotada para uma famosa música do começo dos anos de 1970.
(Foto: Reprodução)
Passou a manhã de segunda-feira contando aos colegas sobre o grande feito e, em casa, em Olinda, onde morava com a família, não perdeu a chance de tripudiar do pai, torcedor fanático do Santa.
Num amistoso contra a Seleção Brasileira de novos, deu outro show. Não ficaria por muito tempo em Recife. Vicente Matheus, o folclórico presidente corinthiano, viu Biro-Biro contra a Seleção e não pensou duas vezes: “Quero Biro-Biro no Corinthians”.
Conseguiu. Pagou 2,5 mil cruzeiros em agosto de 1978 ao Sport, que queria 4,5 milhões, mas o garoto de 19 anos não era bobo. Entrou na Justiça e obteve os 15% do valor do seu passe que estava com o rubro-negro de Recife.
Matheus estava obcecado pelo bicampeonato. Afinal, o Timão, campeão em 1977, após impiedoso jejum de 23 anos, precisava recuperar definitivamente a hegemonia no futebol paulista. Tentara Falcão e Batista, ambos da máquina de jogar bola que era o Internacional. Nada conseguiu. Biro-Biro foi a melhor solução.
Os representantes do cartola do clube paulista foram à casa de Biro-Biro e o rapaz sequer teve a chance de dizer sim ou não. Só teve tempo de arrumar as malas e partir para São Paulo, sem discutir salário, valor do passe, luvas… não era uma proposta e sim uma determinação. Recebia do Sport 12 mil cruzeiros mensais. O Corinthians passou a pagar 20 mil.
“Eu não queria (deixar Recife), foram me buscar em casa quando meu pai estava viajando. Não entendia de negócios, nem entendo até hoje (em 1981, quando concedeu esta entrevista à “Folha de S.Paulo”). Nunca fiquei sabendo quanto realmente custou meu passe, e só fui receber os 15% a que tinha direito na Justiça. Deixei minha avó doente e vim, em agosto de 1978. Trazia roupa para uma semana, e só voltei para o Recife em dezembro. Dormi a primeira noite na concentração do Parque São Jorge, pedi para mudar e o Luciano (outro pernambucano, vendido pelo Sport ao Corinthians nessa mesma época, quando o clube de Recife entrou em liquidação por não disputar o campeonato regional) me levou para morar com ele num apartamento. Fiquei por lá”.
Em São Paulo, o garoto sentia-se mesmo muito só, mesmo dividindo o apartamento com Luciano e Jaime, que já conhecia de Recife. Tinha medo da cidade grande. A eloquência e o cimento paulistanos verdadeiramente assustam. Restava-lhe de consolo uma televisão.
“Corremos para comprar seu passe porque o São Paulo, com essa história de Marião e Chico Fraga, estava era querendo furar nosso negócio com o Sport. Mas nosso espião no Morumbi nos alertou a tempo”, contou José Teixeira, técnico do Corinthians na ocasião da chegada de Biro-Biro ao time.
“Quando deixei o Recife, eu nem mesmo sabia para que time estava me trazendo. Só sabia que vinha para São Paulo. E isso, falando em futebol, não me preocupou nada. O que a gente sabe, com um pouquinho de tempo para se adaptar, a gente mostra em qualquer lugar”.
(Foto: Reprodução)
Biro-Biro, que um dia lavou carros e vendeu mangas para ajudar a mãe em Recife, foi apresentado ao Timão exatamente no dia 10 de agosto de 1978. Chegou ao Parque São Jorge praticamente junto com Sócrates, que veio do Botafogo de Ribeirão Preto. “Falei que ia montar um time para brigar pelo título. Já trouxe o Sócrates e agora está chegando um garoto novo, que jogava em Recife. O nome dele é Lero-Lero”.
E a célebre frase de Vicente Matheus nunca mais foi esquecida pela crônica esportiva. O garoto era esforçado. Treinava bastante e logo garantiu vaga no time que conquistou o primeiro turno do Campeonato Paulista. Mas o Timão não garantiu o título estadual de 1978. A festa foi transferida para janeiro de 1980, quando Sócrates e Biro-Biro conduziram o Corinthians ao título do Campeonato Estadual do ano anterior, após tirar o Palmeiras do caminho, com um gol de canela assinalado por Biro-Biro.
Logo após o sucesso repentino antes mesmo do campeonato de 1979, o craque – vá lá… – lourinho acabaria se soltando um pouco mais na Paulicéia Desvairada. O reflexo do desprendimento fora dos gramados era visível.
“Eu comia sanduíches, dormia tarde, treinava mal, fui facilitando. As gripes – por causa do tempo frio de São Paulo – sempre me pegavam, como as contusões. E eu fui caindo. Quando cheguei ao fim do poço, reserva sem chance no time, um mês machucado sem treinar, percebi que estava sozinho. Fiquei meio desesperado, queria voltar, pedi ao Isidoro Matheus (na época, vice-presidente de esportes do Corinthians, tio da esposa Luciane) que me deixasse voltar para o Recife. Não comia, nem treinava, nem jogava, nem tinha amigos”.
Diante desse contexto, não demoraram a surgir críticas de que Biro-Biro gostava da noite. O craque reconhecera que havia extrapolado. “A cidade me engoliu. Eu já conhecia tudo, conhecia bem, mas estava sem rumo, todos diziam que eu vivia em boates. Sei que isso é a morte do atleta. Quando pega essa fama, o sujeito está desgraçado. Nesse momento da minha vida, apareceram uns amigos pra aconselhar. O Luciano (ainda aquele Luciano, passando então por Juventus e Portuguesa de Desportos) deu força pra que eu não desesperasse. Tinha só o futebol pra me segurar aqui, sem ele era um nordestino igual aos outros todos, sem profissão nem jeito de me manter. Veio também ‘seu’ Jorge Vieira (treinador, em novembro de 1979), e eu passei a encarar as coisas com mais confiança”.
(Foto: Reprodução)
O segundo campeonato de Biro-Biro – jogando como ponta-esquerda – pelo Timão foi o já mencionado em 1982, ano, aliás, em que Sócrates institucionalizou no clube a Democracia Corinthiana, da qual Biro-Biro discordava. Achava que a diretoria concedia privilégios aos membros mais atuantes do movimento. Foi, talvez, uma das poucas vozes dissonantes do grupo de jogadores. Dizia que alguns tinham mais liberdade que outros e que não recebera o reconhecimento da diretoria.
Anos mais tarde, acirrou ainda mais as críticas: “Se a proposta deles fosse real, seria ótimo; mas a Democracia Corinthiana nunca existiu. Na verdade, existia só que para apenas dois ou três jogadores que muitas vezes não representavam a vontade do elenco”.
Política à parte, o bicampeonato aconteceu no ano seguinte. Biro-Biro, agora na ponta-direita. O craque disputou onze campeonatos paulistas e chegou a sete finais. Ganhou quatro. A última delas em 1988. Era o capitão do Timão. Foram 589 jogos pelo Corinthians, com 265 vitórias e 199 empates. É o quinto jogador que mais vestiu a camisa corinthiana em toda a história do clube. Marcou 75 gols. Tinha, portanto, crédito com a torcida.
E isso foi posto a prova em 1987, após uma derrota para o Atlético Mineiro de Telê Santana, quando a torcida ameaçou agredir os jogadores. O único “absolvido” e aplaudido de pé pelos torcedores foi Biro-Biro, o único a sair pelo portão principal do estádio.
Além dos títulos paulistas, conquistou a Taça Governador do Estado (1978), o Torneio de Hidalgo (1981), a Taça de Porto Alegre (1982), a III Taça das Nações de Los Angeles (1985) e o Torneio de Verão (1986–1987).
No Corinthians, das glórias guardou uma em especial: a esposa Luciane, sobrinha de Vicente Matheus. O curioso é que ela, somente depois de algum tempo de namoro, confessou ser sobrinha de Matheus. Biro, por sua vez, dizia se chamar Tony. Casaram-se em outubro de 1980 e têm três filhos.
No começo, a timidez de um monossilábico Biro-Biro impressionava Luciane: “Viu como ele melhorou, já está falando mais..”, disse ela ao jornal “Folha de S.Paulo”, logo após o Corinthians conquistar o Campeonato Paulista, em 1982. “Quando conheci, nem falava, era um sacrifício. Depois que passou a ler um pouquinho, ir mais ao cinema… Ele precisava disso, tem que dar entrevista toda hora. Imagine se continua como naquela época em que passou a me namorar em casa. Era minha mãe que precisava manter a conversa, ele respondia ‘é’, ‘não’, ‘obrigado’”, completou Luciane, que foi fundamental para que o ainda jovem Biro-Biro acertasse o prumo sem temor na gigantesca São Paulo.
Ele mesmo, em entrevista à “Folha de S.Paulo”, publicada em fevereiro de 1981, reconheceu isso: “Então, casei. Conhecia a Luciane de encontrar perto da escola, ela é também sócia do Corinthians, e nós achamos que era hora. Ela? Agora tem 18 anos. E me incentiva para estudar, sempre coloca um livro na bolsa, quando vou para a concentração. Prefiro assistir televisão (gosto mais dos desenhos do Pica-Pau, não sou muito chegado a novela), mas acabo lendo os livros. O último acho que foi de Francisco de Assis ou qualquer coisa assim. Sobre o quê? Olha, não lembro bem, mas era sobre uma história do que acontece na vida real das pessoas. Muito interessante”.
Biro-Biro era simplesmente inconfundível e não menos impagável. Nos dois primeiros anos em São Paulo, Biro-Biro era como um peixe fora d’água. Totalmente macambúzio, angustiado. Sentia falta da famosa sopa que a avó Maria Conceição fazia; e do café com leite, com pão com manteiga picado, tudo mexido na caneca pelas zelosas mãos da vovó.
Em São Paulo, perdera o mimo da avó Maria. Era um cara “largadão”, como se autodefiniu. Raramente sorria ou se enturmava.
Foi Vicente Matheus quem mais se preocupou com a melancolia de Biro-Biro e passou a incentivar o namoro dele com a sobrinha Luciane. “Esse rapaz precisa casar”. E assim foi feito. Com a aliança no dedo, o jogador passou a jogar ainda mais.
Mas o enlace de Biro-Biro com a sobrinha de Matheus era visto pelos outros jogadores como o motivo para o craque ter privilégios no clube. Era um Corinthians rachado pelo ciúme. O craque não estava nem aí para o disse-me-disse. Levava uma vida simples, sem ostentação, morando no populoso bairro Tatuapé e andando para lá e para cá em sua Brasília 79, contrastando com os carrões de outros craques de sua época. Seu estilo de vida construiu sua fama. Não havia corinthiano que com ele se identificasse. Tanto que lançou uma bola de futebol com o seu nome, que fez algum sucesso entre a garotada em 1987. No mesmo ano, o jogador pleiteou 15% do valor de seu passe, caso fosse vendido. Bateu boca com os cartolas. Disse que sairia, mas permaneceu no clube. Sabia, entretanto, que a carreira estava no fim.
Em novembro de 1978, sem ser candidato, Biro-Biro recebeu mais de 30 mil votos de protesto, como acontecera com o famoso voto no Cacareco – o rinoceronte do Jardim Zoológico paulistano que, nas eleições de outubro de 1959, para vereador da cidade, ganhou cerca de 100 mil votos –, e decidiu levar a política a sério.
Em 1988, foi eleito vereador pelo Partido Democrático Social (PDS), partido formado por políticos da antiga Arena, especialmente Paulo Maluf, com quase 40 mil votos.
Se já havia ciúme de grande parte dos jogadores, o sentimento de indignação se acirrou, como escreveu Ariovaldo Izac, quando o então técnico Carlos Fascina (técnico do Corinthians entre o final de 1988 e o começo de 1989) começou a questionar se Biro-Biro teria realmente como conciliar a função de vereador com a de atleta.
A situação no Parque São Jorge ficou insustentável. Trocou, em 1989, a sede alvinegra pela da Lusa, no Canindé. Mas não brilhou. Apesar do retrospecto extremamente positivo no Parque São Jorge, não teve sorte na Seleção Brasileira.
Em 1996, pela manhã, Biro-Biro dava expediente na metalúrgica do sogro, à tarde era professor de futebol no Centro Educativo, Recreativo e Esportivo do Trabalhador (CERET), do Governo de São Paulo, tudo no Tatuapé, onde também mantinha uma agência de automóveis. Dois anos depois, a paixão pelo futebol prevaleceu.
O tímido – e de poucas palavras – Biro-Biro começou a carreira de treinador-jogador no Mauense. Passou também por Coritiba, Guarani, Botafogo de Ribeirão Preto, São Bernardo, Remo, Paulista, Nacional de São Paulo e, com 43 anos de idade, no Vera Cruz, de Santa Catarina. Parou de jogar em 2002.
Somente como treinador, trabalhou no Barra das Garças (Mato Grosso), no catarinense Tupi, no São Carlense, na Francana e no paulista Ranchariense. No Botafogo, aonde chegou a janeiro de 1994, após aceitar um convite informal de Sócrates, prometeu fundar a “Democracia Botafoguense”, em alusão ao movimento liderado pelo mesmo Sócrates no Corinthians, no começo da década de 1980.
Nunca deixou de lado o futebol. Mata saudades dos gramados em jogos pelo time de masters do Corinthians. Continua porém dividindo o campo com a política. Foi assessor parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo e tentou, em 2004, sem sucesso, uma vaga na Câmara dos Vereadores da capital paulista.
Estava longe do noticiário esportivo até estrelar uma campanha publicitária da Coca-Cola, na qual a pergunta mobilizou muitos brasileiros: “Afinal, quem foi melhor, Maradona ou Biro-Biro?”. A brincadeira com os hermanos não poderia ter outro resultado: deu Biro-Biro na cabeça.
CANHOTEIRISMO
por Rubens Lemos
Há uma leal legião de nostálgicos que jura sem admitir ponderações: Canhoteiro, ponta-esquerda do São Paulo na década de 50, foi o Garrincha da canhota. A biografia dele é um espetáculo de tão bem feita pelo escritor e jornalista Renato Pompeu. Canhoteiro disputava com Pepe em talento e os dois perdiam em sorte para Zagallo.
Chico Buarque, dono do time de peladas Politheama, já havia homenageado o ídolo rebelde na música Futebol, escalando uma linha de ataque sensacional, ritmada pela magia dos seus versos: “Para Mané, para Didi, para Pagão, para Pelé e Canhoteiro”. Pagão é o maior ídolo de Chico. Até hoje é o artilheiro do seu time de futebol de botão, matador na proporção do dueto com Pelé ainda menino.
Mas Canhoteiro é a graça nunca alcançada. O toque de melancolia naqueles que voltam no tempo e o enxergam de novo costurando defesas pela extrema esquerda. Virou sinônimo de injustiça, de jogador que deveria ter ido mas não foi a uma Copa do Mundo. Jogava aberto, ofensivamente, driblando, driblando e driblando.
Perdeu para Zagallo e o estilo que recuaria o ponta para o meio, onde seria muito mais marcador do que pesadelo dos laterais. Muitos choram sua ausência em 1958 e em 1962. Com Garrincha de um lado e ele do outro, a Suécia teria tomado uns 10, e não os 5×2 da final no Estádio Rasunda. A Tchecoslováquia levaria 6×1 e o Ferro cortaria sua cortina espiã.
Canhoteiro também tinha uma queda pela boemia. E pânico de andar de avião. Anjo caído, morreu cedo, em 1974, de problemas cardíacos. Contava 42 anos. Passou a lenda. Arredio, mal se deixava fotografar. É luta encontrá-lo em arquivos. Gostava de humilhar o raçudo corintiano Idário e depois fazia as pazes seduzindo-o com cervejas. Idário tentava atingi-lo e Canhoteiro pulava de Pererê Tricolor.
Todos temos um Canhoteiro no coração. O meu é Geovani, do Vasco da Gama. Melhor do Mundo no Mundial de Juniores de 1983, disparou como âncora de uma geração brilhante. Não foi a Copa de 1986 e Lazaroni o barrou quatro anos depois. Não dá para aceitar até hoje Bismarck ter ido e Geovani, não. Futebol acadêmico, requintado, condutor.
A geração que me antecedeu sofre por dois Canhoteiros: Dirceu Lopes, parceiro de Tostão, driblador elétrico do Cruzeiro dos anos 1960, que para eles era nome certo na Copa de 70. Ficou aqui e Dadá Maravilha é um dos tricampeões mundiais. Reclames e lamentos também por Ademir da Guia, o Divino, que é um Canhoteiro mesmo tendo ido à Copa da Alemanha passear.
Jogou 45 minutos contra a Polônia, na decisão do terceiro lugar, Brasil já longe da briga pelo título. Noutra vertente do canhoteirismo, Zico foi a três Copas e jamais comemorou no fim. Copa tem mau gosto. Paulo Sérgio, Baldochi, Viola e Belleti são Campeões do Mundo. Alex, Djalminha, Pita e Adílio, fantásticos artistas, limitam-se a pôsteres clubísticos. O futebol – capengando – é o que é pela atmosfera de paixão e de saudade. Que comovem.
Aos eternos Canhoteiros, o brinde amargo e amante.
CÉSAR, O MALUCO BELEZA
Foi um dos melhores parceiros de área de Ademir da Guia. Os dois juntos marcaram muitos gols pelo Verdão. Hoje é festa para César Lemos. Conheça um pouco mais sobre esse grande ídolo do Palmeiras nas linhas abaixo
por André Felipe de Lima
César não era fácil. Principalmente se o adversário fosse o Corinthians. Na semana que antecedia a partida contra o rival mor, provocava os jogadores alvinegros. Os zagueiros, coitados, eram os alvos das frases mordazes e debochadas do atacante palmeirense, que prometia gols e apostava sempre 10 contra um na vitória do Verdão. Os programas esportivos de rádio e TV não falavam em outra coisa.
César era um exímio vendedor, sobretudo de bom humor, e sequer desconfiava do outro talento que não fosse o de marcar gols. Fez muitos pelo clube do Parque Antarctica. Oficialmente, 180 gols em 324 jogos, dos quais ganhou 170 e empatou 91. Só Heitor, do Vecchio Palestra, das décadas de 1910 e 20, marcou mais vezes. Inclusive no clássico entre Palmeiras e Corinthians. No placar, 16 gols para Heitor e 14 para César, que de “maluco”, apelido que recebeu da torcida e que não gostava nem um pouco, não tinha nada.
Antes de os jogos começarem, se aproximava dos zagueiros — importunados por ele a semana inteira pela mídia — e perguntava se a família estava bem, os filhos, sogra, papagaio… essas coisas. Conversava amenidades e gesticulava. Da arquibancada, a impressão era de que César provocava ainda mais o adversário. A galera vibrava com as cenas do cabeludo centroavante do Palmeiras, que jogava futebol na mesma medida em que arrumava confusões. Jogando contra o Corinthians, o Palmeiras vencia por 1 a 0 e era muito pressionado. César chutou uma das duas bolas para a arquibancada, e a pelota sumiu. O Timão empatou no começo do segundo tempo, e como ele fez cera pra recomeçar a partida, foi expulso. Mas deu trabalho, pois levou a única bola para o vestiário, obrigando jogadores, comissão técnica e representantes da Federação Paulista de Futebol a buscá-lo no vestiário.
Foi suspenso e não disputou nenhuma partida do Brasileirão de 1972, vencido pelo Verdão.
César Augusto da Silva Lemos nasceu em Niterói, no dia 17 de maio de 1946. Irmão dos também centroavantes Luisinho Lemos, que brilhou no América e no Flamengo, e Caio Cambalhota, César iniciou a carreira no clube da Gávea, em 1962, aos 16 anos. Disputou 58 jogos, dos quais venceu 32 vitórias e empatou 18, marcando 38 gols.
No final de 1966, chegava ao Palmeiras por empréstimo. Em depoimento ao maestro e escritor Kleber Mazziero de Souza, César recordou sua chegada ao Parque Antarctica. “Nem me fale! Eu fui recebido bem demais. Fiquei encantado com o ambiente e com o time. Eu, garotão, carioca, cheio de saúde, de pique, estava louco para arrebentar. Cheguei e me senti em casa”. Mas, em janeiro, teve de retornar ao Rio porque o Flamengo teria de pagar uma taxa extra para negociar, definitivamente, o seu passe com o Palmeiras. Tudo acertado entre os dois clubes, César embarcou para Lima, onde se juntou à delegação alviverde, que excursionava pelo Peru. Aimoré Moreira escalou-o paulatinamente, ora na ponta-direita, ora como centroavante. Jornais como o tradicional Jornal dos Sports sinalizavam que o Verdão havia encontrado o herdeiro de Vavá. Vaticínio preciso. César firmou-se e foi fazendo gols seguidos contra Fluminense, Corinthians e Santos.
O currículo do camisa “9” no Palmeiras explica a admiração por parte da torcida: foram três Paulistões conquistados em 1966, 72 e 74, dois torneios Roberto Gomes Pedrosa, em 1967 e 69, a Taça Brasil, em 1967, e os Brasileirões de 1972 e 73. Foi artilheiro do Paulistão de 1971, no vice do Palmeiras, com 18 gols. O campeão foi o São Paulo.
O último jogo pelo Verdão foi contra o São Paulo, partida que terminou empatada em 6 de outubro de 1974.
César trocou os “parques”. Do Antarctica rumou para o São Jorge. Pelo Corinthians, disputou 37 jogos e assinalou apenas 8 gols. No primeiro jogo vestindo a camisa do arquirrival, em 2 de março de 1975, o centroavante perdeu um pênalti no último minuto de partida contra o XV de Novembro de Piracicaba, pelo campeonato paulista.
O craque peregrinou por Santos, Fluminense, de Feira de Santana; Botafogo, de Ribeirão Preto; Rio Negro, de Manaus; Universidad Católica, do Chile; Salonica, da Grécia e Fluminense, do Rio, no qual parou, em 1977. Pela seleção nacional, esteve no elenco da Copa do Mundo de 1974, na Alemanha. Vestiu canarinho em 11 jogos, com seis vitórias, três empates e um gol.
Abandonou a carreira nos gramados e iniciou a de técnico, mas sempre dividindo o tempo com a de vendedor de carros. Investiu em concessionárias, mas não deu certo. O resultado não o desanimou e permaneceu no setor, mas como funcionário de outras empresas.
O “ex-maluco” mora na capital paulista e, em 1988, arriscou-se na política após aceitar um convite do deputado Afanásio Jazadji para concorrer pelo antigo PDS a uma vaga na Câmara dos Vereadores de São Paulo. Foi mal nas urnas, repetindo o fiasco no pleito de 1992. Creditou o insucesso eleitoral ao apelido do qual jamais curtiu.
César Maluco e Ademir da Guia
Pai de três mulheres e já vovô, César já deu o ar da graça na TV fechada, como apresentador esportivo. E o programa levou seu nome: “César na área”.
Mas, em 2006, o grande artilheiro passou por um revés. Sofreu um grave acidente automobilístico na avenida Heitor Penteado, na zona oeste de São Paulo. Só Deus sabe como sobreviveu. Mas as sequelas foram inevitáveis. Fraturou uma perna e operou o quadril, tendo de caminhar com o auxílio de um andador. Ocaso infindável, César ainda submeteu-se a várias cirurgias no estômago. Outro baque forte foi a morte da esposa, em 2011, vítima de câncer.
Igualmente nos gramados, César sempre foi um camarada com uma garra incomum. Escapou da morte aos trancos e barrancos da mesma forma que escapava dos zagueiros. Mas sempre com aquele velho e inconfundível sorriso nos lábios. “Pois é, um sorriso nos lábios”, como cantava Gonzaguinha. César Lemos foi mesmo um maluco… um maluco beleza!